Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 13: Azar e Falecimento

 Maldição do inferno.

 Só acontece desgraça. E pior: tudo ao mesmo tempo.

 Por que a vida ao invés de nos presentear o ruim e o bom na mesma medida, o faz em altíssimas medidas e um de cada vez?

 Tudo aconteceu na terça feira. Acordei de manhã porque Eliza teve dores no rim de novo e teve que voltar ao hospital. A condição dela é péssima. Eu pago pelo melhor tratamento que posso, mas juro que os médicos parecem não ter a mínima ideia do que estão fazendo. Ela vai e volta do hospital repetidamente, nunca melhorando realmente enquanto os doutores me iludem com medidas que nunca funcionam de verdade.

 As dores a incomodavam de tal forma que dava para ver que o caso era grave. Coloquei-a no carro o mais rápido que pude e fomos direto ao Blossom General Center, o famoso hospital de sangue de Sproustown.

 A doença dela é uma deficiência de formação nas membranas hemácias. Pelo meu entendimento ela joga os produtos do sangue no lugar errado, causando uma série de sintomas como falta de glóbulos, anemia, e todas as infecções causadas nos diversos órgãos internos. Quando Eliza sente dores graves em locais do corpo é sinal que há mais uma infecção.

 Eliza ficou quase duas horas sob tratamento emergencial e eu fiquei esperando do lado de fora da sala, com isso eram passadas as nove horas da manhã. Foi quando eu recebi uma mensagem com mais conteúdo infeliz. Era da Greta. Greta é a minha funcionária.

 Ela me mandou uma mensagem — veja bem: uma mensagem! — Dizendo que uma das peças mais importantes de meu negócio, Jim Sanford, tinha falecido. Veja se isso é coisa para mandar por mensagem.

 Eu detestava o Jim, não passava de um crápula que só pensava em formas de me fazer desperdiçar dinheiro com sua cumplicidade, mas por causa disso eu conseguia que as entregas passassem pela supervisão facilmente. Os barcos de carga são supervisionados pela medíocre e corrupta polícia da cidade, as quais estão — ou estavam — sob o comando do Jim. Sempre que eles liam meu nome nas caixas, passavam os produtos pela supervisão sem análise minuciosa. Em troca, claro, o vigarista recebia parte do meu lucro.

 E agora Jim está morto.

 Maldição! Quem diabos vai ficar encarregado de checar a minha próxima carga? E o pior de tudo: a coisa já está a caminho. Eu compro a mercadoria — os Deluxes — de uma fábrica Tcheca que chega mensalmente. Para fazê-la passar pela alfândega eu uso meu contato com Spencer, e depois só preciso encontrar uma alma corrompida como a do Jim para fazê-lo chegar até Sproustown sem problemas maiores.

 Com essa porcaria de salário que o prefeito paga aos seus policiais, é certeza que há mais gente disposta a fazer vista grossa para entregas nesse sentido, mas eu precisava encontrar a pessoa certa. Não daria tempo de encontrar esta pessoa antes de a mercadoria chegar. O falecimento do Jim ocorreu bem na hora que ela estava a caminho.

 Maldição.

 É obra do acaso. Das deturpadas leis da sorte que regem este mundo.

 Comecei a andar para lá e para cá na sala de espera. Não tinha notícias de Eliza e ainda por cima agora isso acontecia. Queria ligar para o meu pessoal, mas fazê-lo ali, em meio ao público, estava fora de questão. Não sou idiota.

 Sentava para pensar sobre o que faria em seguida, e cada vez que olhava para cima o relógio parecia estar rindo de mim, fazendo a hora passar daquele jeito lépido enquanto estou impotente.

 Mandei uma mensagem à Greta dizendo para ela chamar Barbarah, avisando a mesma para ir ao Bodongo, eu ia precisar que Barbarah me fizesse alguns favores então era melhor ligar para aquela anta o quanto antes. Pedi também para que Greta me deixasse a par das notícias na medida do possível, o que ela fez.

 A próxima coisa que fiquei sabendo foi o modo como Jim morreu: Jim foi assassinado. Greta obteve informações do departamento de homicídios, que foi o primeiro a chegar ao local. Jim estava com um pedaço faltando de suas costas, exatamente da mesma forma como Jeffrey Sprohic havia matado um homem na semana passada.

 Para mim não faz diferença o modo como ele morreu. Se ele está morto, ele está morto. Mas o fato de ele ter morrido do mesmo modo como aquele homem da semana passada, cujo algoz já estrava preso, somado ao fato de ele ter morrido bem na semana da minha entrega deixavam tudo muito suspeito. Seria mesmo uma obra do acaso?

 Estava mais cheirando a uma obra de um dos execráveis filhos da mãe: o Verde ou o Dragão.

 Graças aos céus, depois de milhares de anos, a porta se abriu e os médicos me permitiram ver Eliza.

 Quando entrei vi-a deitada, com os braços esticados e sobre seu corpo estavam diversos fios, ligados em parafernálias que ficavam nas pontas da maca. Os médicos e auxiliares tinham deixado a sala e ela estava sozinha momentaneamente. Alguns desses fios ligavam a um aparelho conectado ao redor de suas mãos, outros fios entravam pelas cobertas, me impedindo de ver onde estavam conectados.

 — Edward?

 A voz dela estava fraca por causa do sedativo.

 — Eliza? Estou aqui.

 Segurei sua mão. Estava fria. Ela sorriu para mim.

 — Está se sentindo melhor?

 Ela acenou com a cabeça.

 — O que eles disseram?

 Eliza sorriu diante aparente excessiva preocupação.

 — Só mais um começo de infecção. Eles receitaram uns antibióticos. Mas... — Sua voz esvaiu-se e após uma pausa ela retornou: — mas eu vou ter que ficar aqui por mais um tempo...

 Eliza demorava-se demasiadamente a cada palavra. Era bom que ela não se esforçasse muito falando.

 — Não se preocupe... — Ela disse, como que lendo meus pensamentos.

 Minha preocupação é longe de ser infundada. No estado de Eliza, mesmo algo pequeno como uma breve infecção pode trazer complicações. Muitos pacientes que compartilham a mesma doença dela morrem de meros efeitos colaterais como trombose ou infecções, mas de modo algum eu posso perder Eliza.

 Isso não pode acontecer. De maneira nenhuma.

 Eliza virou vagarosamente o rosto na minha direção. Segurou minha mão com um pouco mais de força.

 — Você está... “Distante”... Aconteceu alguma coisa?

 Era bem verdade que meu pensamento estava demasiadamente divagante. Eu tinha que tratar dos negócios o mais rápido possível. Enquanto o tempo passava, os carregamentos se aproximavam mais e mais de seja lá quem fosse o desgraçado responsável que substituiu o lugar de Jim após sua morte. Pensei em negar aquela afirmação de Eliza, mas ela tinha acertado na mosca, então acabei confirmando:

 — É... Aconteceu uma coisinha no trabalho...

 — Você precisa ir?

 Não queria deixar Eliza sozinha naquela condição. Comecei a pensar que poderia esperar até a tarde para fazer os telefonemas. Isso... Talvez Barbarah e Greta pudessem resolver o problema sozinhas... E mesmo se não conseguissem... Mesmo se precisassem de mim, eu poderia começar apenas depois e ainda assim haveria tempo o suficiente.

 Mas Eliza parecia ler meus pensamentos. Antes que eu pudesse responder ela me trouxe de novo à realidade:

 — Vá. É algo que tem que ser resolvido, não? Vá... Eu vou ficar bem...

 — Mas Eliza...

 Ela fechou os olhos.

 — Não quero atrapalhar os seus negócios meu bem... Eu vou ficar bem.

 Soltei suas mãos e não disse mais nada. Eliza tinha razão.

 O certo a fazer era resolver tudo o mais rápido possível, o acaso sempre tem uma surpresa desagradável. Se eu tentar colocar as coisas em ordem sem tempo de sobra disponível, o acaso acabará comigo trazendo algo para dar errado.

 E além do mais eu não podia dispensar meus negócios na frente da Eliza.

 Foi uma luta para fazê-la aceitar o tratamento. Os remédios custam uma fortuna imensa; e as despesas das visitas rotineiras ao hospital; também as emergenciais como aquela; tudo isso tem que ser pago do meu trabalho. Eliza nunca soube ao certo o quanto eu ganho, mas mesmo ela sabia desde o princípio que o valor gasto no tratamento seria demais.

 Por isso no princípio ela queria deixar tudo à própria sorte... Não queria ser um incômodo. Tive que conversar com ela dúzias de vezes até fazê-la entender que precisávamos do tratamento. E no final ela aceitou com uma condição: eu nunca posso deixá-la interferir em meus negócios. São meus negócios que pagam o tratamento e eu tenho de ser grato por eles.

 Eliza nunca soube exatamente o que faço, por isso ela aceita. Eu disse para ela que fiz minha fortuna investindo em imóveis, e ainda ganho dinheiro com isso. Em parte é verdade, mas isso é apenas uma parte pequena da fonte de minha renda. Eliza é um amor de pessoa. Jamais me aceitaria se soubesse de onde vem o dinheiro.

 Mas eu preciso do dinheiro! O tratamento não pode ser pago apenas com os alugueis. No ano passado chegamos perto de gastar $600000.

 Para mim só importa Eliza... Sem a venda de Deluxes eu perderia Eliza para sempre. E isso não pode acontecer... De maneira alguma. Por isso preciso do dinheiro.

 Por isso eu tive que aceitar a sugestão. A promessa que tínhamos era que eu não a deixaria interferir nos negócios. Me curvei e dei-a um beijo de despedida.

 — Você receberá alta até a tarde?

 Ela confirmou com a cabeça.

 — Então me mande uma mensagem quando for a hora. Vejo você depois.

 — Te amo.

 — Te amo de volta.

 E depois, fui para a parte ruim.

 Checando meu celular, vi que Greta havia combinado para Barbarah chegar o mais rápido possível, mas provavelmente a maldita ia chegar tarde e me fazer ficar esperando, o que é bem típico dela.

 Já eram onze e quinze, então pensei em primeiro ir a algum lugar para almoçar enquanto planejava mentalmente a ordem na qual eu lidaria com os problemas.

 Como mencionado, minha fonte de renda é a venda de Deluxes, que até então era auxiliada por Jim, que era quem facilitava a entrada da entrega mensal em Sproustown. Uma vez dentro da cidade, apenas guardávamos a carga e distribuíamos aos clientes.

 Em minha linha de trabalho sou conhecido como “Wilkinson”, o que é um nome ridículo. Meu nome verdadeiro é Edward Bittencourt, com muito mais estilo. Contudo não nego que é muito mais conveniente ser conhecido por algo que não se assemelhe em nada com meu nome ou origem. Se qualquer monstro relacionado aos execráveis Dragão ou Verde ficassem sabendo de Eliza, iria fazer de tudo para usá-la contra mim. Ninguém deve saber a verdade... Nunca.

 Tsc... “Wilkinson”... Quem inventou esse nome era mentecapto.

 A infeliz morte de Jim deixou-me como herança uma série de incômodos. O mais deplorável deles era a história da entrega chegando que tinha que ser impedida a todo custo. Outro incômodo menos óbvio, mas ainda assim urgente, era o fato de que a polícia investigaria Jim Sanford para obter informações sobre quem poderia ter cometido tal atrocidade contra ele. E o simples fato de Jim estar sendo investigado postumamente poderia levá-lo a “Wilkinson”, o líder de tráfico.

 Resolvi almoçar ali por perto do hospital e só depois dirigi até o Bodongo. Deus me livre almoçar no Bodongo. Que lugar horroroso! Aquele estabelecimento é meu. É um dos imóveis que supostamente alugo. Preferi deixá-lo funcionando a ficar com ele só para fazer a base de operações, visto que as pessoas poderiam achar suspeito se meus funcionários entrassem lá só uma vez por semana ou em frequência parecida. Assim o dono deixa meus funcionários irem e virem e em troca deixo-o usar o estabelecimento sem precisar pagar aluguel.

 As línguas podres são mais afiadas do que as facas. Se boatos são espalhados sobre alguma coisa suspeita, e se isso chega aos ouvidos da polícia, ou pior: dos execráveis Dragão ou Verde... Então isso pode acabar mal para mim.

 E veja que eu tenho que esquentar a cabeça com esses detalhes de boatos tudo porque meus empregados mantém a aparência mais suspeita que poderiam ter. Por que não são um pouco mais discretos? Será que eu tenho que me prevenir de tudo? A Greta é uma palhaça cuja falta de humanidade salta aos olhos de qualquer um. Quem diabos anda curvado daquele jeito? Aposto que os jovens de hoje riem-se todos quando sequer avistam sua sombra.

 E pior ainda aquela última funcionária que empreguei: a Barbarah. É uma mera criança. Reconheço que é o tipo de carcaça que menos gasta energia para um besouro da raça dela, mas mesmo assim: por que não escolher uma que gaste mais, mas que pelo menos seja discreta? Como se precisasse da energia todo dia e o dia todo. Usa sua energia em batalha o quê? Uma vez a cada três meses no máximo. Agora tenho que ficar me preocupando sobre uma criança sendo vista entrando em um bar de terceira linha daqueles. Se isso chega aos ouvidos de gente escandalosa...

 Quanto menos ela aparecer pessoalmente no Bodongo melhor. Mas infelizmente hoje ela tinha que aparecer.

 Cheguei ao bar Bodongo, horrível e mal cheiroso como sempre. O dono pode ser meu locatário, mas ele tem o pior gosto e o pior insight possível para negócio.

 Que seja. Pior para ele.

 Subi direto ao andar onde Greta trabalhava. O segundo andar tem uma lan de computadores instalada, cada um deles mantendo contato direto com um ponto de sinal de rede marcante da cidade. Greta é capaz de interferir nos sinais e interceptá-los sem precisar colocar diretamente grampos nos modems dos lugares de interesse. Para citar um exemplo: um lugar de interesse é o DCAE: a unidade policial especializada em seres não humanos como meus funcionários e também dos ominosos funcionários do Verde e do Dragão. É bom mantermos o máximo de contato possível com o sinal que chega até o DCAE pois é de nosso interesse.

 Mas ao invés de arriscar-nos colocando um grampo diretamente no prédio do DCAE, interceptamos o sinal antes de ele chegar lá, quando ele chega à antena distribuidora. Captando e filtrando a informação da antena, Greta é capaz de conseguir bastante informações úteis que acontecem pela cidade.

 A Greta pode ser uma cachorra velha, mas ela sabe fazer seu serviço. Se eu não ficasse sabendo da morte do Jim nos próximos dois dias algo de muito ruim teria acontecido, mas graças à Greta eu fiquei... E esta informação será escondida do jornal até o DCAE terminar de analisar o caso e inventar uma desculpa conveniente. Ou seja: posso me prevenir de suspeita da polícia graças à informação que foi interceptada.

 Uma vez na sala de Greta, perguntei:

 — Cadê Barbarah?

 — Ela ainda não chegou.

 Soltei um suspiro de desgosto. Aquela maldita sempre me fazia esperar.

 — Mais alguma notícia da polícia?

 — Por enquanto não.

 Tamborilei meus dedos sobre uma das mesas onde se encontrava um dos computadores ligados, mas não o dela. Ela estava na mesa da frente, com seu computador virado de costas para mim.

 — Eu vou precisar usar o equipamento... Quando a Barbarah chegar quero que você diga a ela o seguinte para mim: ela precisa dar um jeito de deixar pistas falsas no caso de Jeffrey Sprohic, dando a entender o menos possível que este tem algo a ver com seres paranormais ou qualquer coisa com a venda de Deluxes. Ok? Isso é importante... Se a porcaria da polícia suspeitar que o tráfico e/ou seres paranormais estão ligados com a morte de Jim eu já vejo que vou ter a pior onda de azar... E eles certamente vão querer fazer o paralelo da morte do Jim com a do zumbi por causa da merda de maneira como ele morreu... Droga. Quem será que fez isso? Não podia ter usado qualquer outro método e ser menos irritante? Você tem a informação de quem cometeu o crime?

 — Ainda não. A informação que tenho a respeito é que o próprio DCAE não tem nenhuma informação a respeito.

 — Tsc... Nem isso... Que seja. Avise a Barbarah para fazer o papel dela. Ela sabe fazer. É só elaborar um jeito de guiar o DEA na pista errada. Se despistarmo-nos por apenas dois dias eu já consigo limpar meu rastro no meio tempo.

 Greta concordou com um meneio do seu rosto antipático e adicionou:

 — Embora não haja nenhuma notícia da parte da polícia, talvez seja de seu interesse: uma jornalista do Daily Inquirer era amiga pessoal de Jim Sanford...

 — Agora mais isso! — Bati na mesa — A última coisa que eu quero é o jornal! Que tipo de pessoa é essa mulher?

 — Uma jornalista comum. Mas decidida. Escutei pelo sinal que ela está se preparando para ir até o DEA á procura de informações. Não apenas matéria para jornal, mas por interesse pessoal.

 — O DEA? É o DEA a unidade de polícia responsável?

 — Jim Sanford fazia parte do DEA. Mas como o caso vai ser associado à morte de Gerald McMiller, acredito que o DCAE deve reivindicar o caso.

 — Mande a Barbarah se apressar com as pistas falsas, se o DEA resolver se meter no caso, são eles que vamos precisar enganar. Deus me livre se eles descobrem algo sobre o envolvimento ilegal do Jim com os Deluxes. Nunca mais iriam sair da minha pista! Mande a Barbarah também fazer uma checagem na casa dessa tal jornalista para ver o que ela sabe. Tem o nome dela?

 — Megan Mourne.

 — Tsc... Que seja. Mencione isso para Barbarah quando ela chegar. Mas que diabo...? — Interrompi-me. Eu estava tentando ligar do meu celular para o Jack. O Jack tem um celular novo que ele nunca usou. Sempre compro um novo para ele usar cada vez que vou falar com ele, para evitar qualquer possibilidade de interceptação da linha. Mas agora eu ligava e ligava e o folgado não atendia. O acaso sempre concentra toda a desgraça em um período só, é incrível!

 Olhei para trás e vi uma menina estupefata na porta. Uma garota de cabelos longos e morenos e roupas casuais cor de rosa, toda combinando. A garota aparentava ter no máximo uns quatorze anos, então à vista de alguém de fora devia ser a filha do dono do bar ou de alguém dali.

Essa pequena garota que não combinava em nada com o ambiente era Barbarah.

 Barbarah havia chegado e nem tinha falado nada. Estava estática, igual a um poste de luz, que piscava o farol para mim e para Greta. Eu não estava com paciência de explicar tudo novamente para aquela menina ronceira que fica me fazendo esperar desnecessariamente. Ao invés disso deixei a tarefa com Greta:

 — Greta, explique para Barbarah o que ela precisa fazer. Seja breve... Preciso que tudo aconteça o mais breve possível. E quando conseguir ligue também para o Jack para avisá-lo sobre o Jim. Preciso que ele suma com todo e qualquer rastro que possa levar até mim.

 — Entendido.

 — Mas que droga! Barbarah, onde você estava?

 — Eu... Eu fui avisada agora há pouco mas...

 Como sempre ela se enrolava para falar. Certeza que estava inventando uma desculpa na hora para acobertar a preguiça.

 — Que seja. Fale com a Greta. Ela vai dizer o que você tem que fazer. Eu tenho que fazer mil ligações e não posso perder tempo com isso. Merda... Tudo acontecendo ao mesmo tempo. Não só a polícia agora o jornal. A última coisa que quero é aparecer no jornal. Qualquer um cujo nome sequer aparecer nos relatos da polícia ou da imprensa neste caso será investigado também por aqueles dois execráveis: o Dragão e o Verde. E Deus me livre se meu nome verdadeiro for um dos mencionados. Eu preciso me desatar dessa confusão o mais rápido possível, entenderam?

 Barbarah confirmou exageradamente com meneios irônicos de cabeça. Eu fingi que não percebi a sátira óbvia porque não tinha tempo a perder com aquela menina ronceira.

 Fui me encaminhando para a sala ao lado, onde estava o equipamento.

 O “equipamento” que chamávamos era nada mais que um telefone, exceto que com cem por cento de certeza que sua linha não estava grampeada. Greta cuidava daquele lugar vinte e quatro horas por dia. E a sala era completamente isolada, não havia como interferir no sinal. O único método que usávamos para fazê-lo funcionar era ligá-lo a um dos computadores receptores de antena e fazer o caminho inverso até uma antena telefônica. E com esse processo ficávamos cientes do caminho que o sinal fazia, pois este aparecia na tela. Qualquer receptor de sinal que captasse uma ligação seria facilmente percebido por Greta durante as ligações feitas por aquele aparelho, e reciprocamente nenhuma ligação podia ser feita sem a sua inicialização via computador. Era o único telefone cem por cento seguro de Sproustown.

 A primeira coisa que fiz foi tentar ligar para o folgado do Jack novamente. Jack era um agente que empreguei. Faz um trabalho parecido com Barbarah, mas é de mais confiança. Não só porque conheço Jack já há mais tempo, mas também porque você pode ver o jeito como Barbarah é...

 — Alô? — Ouviu-se do outro lado da linha.

 — Oi? Jack?

 — Jack? Quem é esse? É o Edward? Edward? Como vai?

 Edward? Jack não me chama de Edward... Aquela voz...

 Chequei a tela do meu celular: era o Jacques! E eu queria ligar para contato de baixo. Mais isso agora.

 — Oi, Jacques. Tudo bem? Desculpe... Eu liguei errado...

 — E aí? Como você está? Tudo bem?

 — Tudo... Na medida do possível. Eliza teve uma recaída.

 — Ah é? Nada grave, espero?

 Maldição dos infernos... Estava impaciente e agora tinha que ficar trocando palavras sem substância. Considero o Jacques, mas agora não era a hora...

 Não desperdiçarei seu tempo com tal frivolidade. Só destaco que após o que pareceram horas eu consegui finalmente me livrar da ligação.

 Desta vez disquei o número correto, e aconteceu a reação que eu esperava. Jack não me chamou de Edward. E na verdade não me chamou de coisa nenhuma: porque ele não me atendeu! Isso! Exatamente essa é a reação esperada!

 Porcaria. Um folgado!

 Deixando o miserável de lado, eu ainda tinha que cancelar a entrega por barco e elaborar uma maneira alternativa de prosseguir com a mesma. Meus dois clientes que estavam esperando os pacotes naquela semana eram o Harold e o Deviant Rouge. A data para entrega dos demais é posterior. Liguei primeiro para o último, pois era mais importante:

 — Oi. Stan? É o Wilkinson.

 — Só um momento, senhor. — Ouvi o barulho ao redor dele diminuir até ele encontrar o ponto ideal para continuar a conversa.

 — Pronto? Pode falar.

 — É sobre as entregas de hoje... Aconteceram alguns problemas... Vai afetar a entrega dos pacotes.

 Stan é calmo, mas até ele muda o tom de voz quando acontece algo desse nível.

 — Como? Que tipo de problemas?

 — Você viu o jornal? Esquece... Claro que ainda não apareceu no jornal... É o seguinte: O policial que facilitava a entrega para mim morreu. Estou correndo risco.

 — Wilkinson... Você sabe. Eu preciso dos pacotes. Não posso abrir o clube sem a mercadoria principal. E essa noite o clube vai receber um dj de fora, escute: — Ele apontou o celular para o som, onde estava acontecendo os testes do equipamento — Wilkinson... Se você está correndo risco ou não... Isso não me diz respeito, não concorda?

 — Isso... Claro que não.

 — Alguma coisa que eu possa fazer?

 — Já tenho tudo sob controle. Só liguei para avisar... A entrega vai chegar de maneira diferente desta vez. Mas não se preocupe. O Deviant Rouge não perderá sua atração principal. Ainda faremos a entrega a tempo.

 — É bom que faça. Estamos nas últimas caixas. Preciso de mais. Preciso que a escala seja respeitada senão vou perder muito, você sabe...

 — Não se preocupe. Os pacotes chegarão a tempo. Apenas liguei para avisar que mudarei o método desta vez, mas só desta vez em particular. Eu lhe mantenho em contato, ok?

 — Ok. Feito, Wilkinson. Fico no aguardo.

 Deus me livre perder a entrega do Deviant Rouge. Em uma merda de cidade onde existem mais dois execráveis entregadores, se eu perder sequer uma transação deste nível é capaz que ele comece a comprar de um dos outros e eu perca o cliente para sempre. É a última coisa que eu quero.

 Liguei para o Harold:

 — Oi? Harold? Liguei para avisar. Vou demorar uns dois dias para fazer a entrega, ok?

 — Como? Quem é? Wilkinson?

 — Isso.

 — Como assim vai demorar? O que aconteceu?

 — Perdi meu comparsa... O Jim. Foi assassinado.

 — Deus do céu! Assassinado? Como?

 — Eu ainda não sei. Vou pegar quem fez isso. — Uma ameaça daquelas que é mais fácil fazer do que cumprir. Se quem fez isso foi o Dragão ou o Verde eu sabia que seria muito difícil fazer qualquer retaliação. Gostaria muito de pegar o desgraçado, entretanto.

 — Mas viu... Não tem como fazer antes? Dois dias são muita coisa. Digo... Sei que você deve estar passando por muitas mudanças, provavelmente terá que achar um comparsa novo, mas...

 — Não adianta. Sinto muito. Vou ter mesmo que adiar a entrega. Você compreende. Mas você vai receber. Tenha certeza disso.

 Harold insistiu mais um pouco, mas acabou cedendo.

 O Harold que se dane. Ele não é o Deviant Rouge... Depois eu vejo o que faço com a miséria de entrega dele.

 Depois liguei para Hughes dos pacotes. Avisei Hughes que tomasse alguma providência a respeito do caminhoneiro que estava vindo fazer a entrega, aquele que ia levar até o barco. Pedi que o contatasse e o mandasse embora, ou qualquer coisa. Claro que eu pagaria a viagem perdida. Afinal tudo tem que sair do meu bolso, mesmo. O que diabos não sai do meu bolso?

 Que seja. O que importa é que os pacotes não chegassem de modo algum ao porto na quinta-feira.

 Se Hughes parasse para fazer seu cérebro de merda funcionar por apenas um instante ele pensaria em dizer ao caminhoneiro para esconder a mercadoria em algum lugar até eu encontrar um policial substituto para o Jim, e depois apenas traria para cá gastando só parte do tempo. E subornar o caminhoneiro para fazê-lo custaria menos do que perder a carga completa e comprar tudo de volta.

 Mas se eu dissesse isso ao tonto do Hughes ele perguntaria: “aonde o senhor quer deixar a carga?”, “como escondê-la da polícia, senhor?” e coisas do tipo. E eu que vou saber? Eu tenho que fazer tudo? Hughes não é capaz de fazer nada sozinho.

 Aposto que ele pensa sim com aquele cérebro dejeto dele, mas pensa em como vai fazer para eu pagá-lo de novo solicitando mais uma carga. Deve ser só isso que ele pensa. Talvez eu devesse suborná-lo com um extra e deixar tudo a cargo dele, pois sei que ele consegue. Mas o desgraçado não ia ser estupidamente contraditório de aceitar... Isso deixaria claro que ele se faz de bobo apenas para ganhar mais dinheiro e se mostrasse que não é bobo, por conseguinte, perderia de fazer mais dinheiro posteriormente.

 “Esqueça o tonto do Hughes” — Disse para mim mesmo. Nem vou perder tanto dinheiro assim.

 As medidas de emergência estariam tomadas depois que a idiota da Barbarah fizesse o trabalho dela. Mas o trabalho mais importante seria o do Jack. Não posso deixar pista alguma na casa de Jim. Espero que aquele desgraçado nunca tenha deixado nenhum resquício de contato comigo em seu histórico do celular ou nada do tipo. Seria o sensato a fazer, mas nunca se sabe com esses policiais... Não se pode superestimar sua cadente inteligência. Por isso o trabalho de Jack era essencial: certificar-se de apagar qualquer rastro na casa do falecido e falido Jim.

 Após as ligações terminadas, abri a porta, na tentativa de voltar à sala de Greta.

 — Merda! — Eu tinha saído muito depressa e agora meu cardigã tinha ficado preso no trinco da porta. Era o acaso fazendo seu trabalho sujo. Joga-me toda a desgraça de uma só vez. Não importa o quão pequena seja.

 Quando finalmente me libertei do trinco lembrei Greta ainda mais uma vez, pois para aquela cachorra velha, lembrar nunca é demais:

 — Greta, não esqueça de avisar o Jack sobre o Sanford. Preciso disso para hoje.

 — Entendido.

 — Hã? — A irritante Barbarah perguntou em tom caricato. Não devia fazer a menor ideia do que estava ocorrendo. Ignorei-a. Quando se trata dela é o melhor a fazer.

 Apesar de uma irritante e folgada infeliz com uma estúpida cara de criança que não presta para nada, uma vez que Greta a explicasse seu trabalho ela o faria direito. Barbarah nunca falhou com esses serviços medíocres.

 Mas agora faltava contatar o Jack. Rezei para que Greta conseguisse contatar o infeliz.

 E após isso, saí e voltei para o Blossom General Center, já que Eliza ainda estava lá. O que me restava era esperar as notícias, tanto da polícia quanto de Greta e de Barbarah. Gostaria muito de resolver todos os problemas de uma vez; em verdade a coisa que mais odeio neste mundo é a espera forçada.

 Contudo, infelizmente existem horas em que o acaso nos pega de surpresa, e nos força a viver os piores de nossos momentos.

 Por isso quando cheguei ao hospital, subi ao quarto de Eliza, segurei sua mão e apenas esperei. 



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