Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 12.1: O Dia que eu enganei o DEA com um respingo

 A pergunta que não quer calar é: por que eu sei que o convite está com o Verde? Olhe só: tudo o que eu sei são os fatos. E além do mais nesta semana eu tomei pouquíssima participação deles.

 Naquela vez que o Dragão chamou o Craig para conversar eu fui até a casa daquele casal de velhos que morreu, subi no telhado e descobri que o convite tinha sido entregado de propósito para o DCAE. Craig fez que não, mas concordou com minha teoria.

 Desde então o que aconteceu foi o seguinte: três mercenários aleatórios invadiram o prédio da polícia e roubaram o convite. Esse convite só beneficiaria pessoas influentes do submundo, e aqui em Sproustown os únicos grupos que se encaixam na categoria são os três distribuidores de Deluxes de renome: o Dragão, o Verde e o Wilkinson. Aquele dos três que enviou os mercenários é aquele quem tem o convite em mãos agora.

 Eu, como Bubble Tots, a mercenária, trabalho para o Dragão. Assim eu sei que não foi o Dragão que os enviou. Então sobram só as outras duas opções.

 Mas aqui está a outra parte da verdade que você não espera: eu, como Barbarah Connor, fui contratada como mercenária pelo próprio Wilkinson, o misterioso distribuidor ilegal da parte norte da cidade.

 Não posso usar o codinome pelo qual sou conhecida quando venho me encontrar com eles, óbvio. Imagine se eles pesquisam e acabam descobrindo que sou agente dupla trabalhando sob as ordens da concorrência? Me matariam na hora! Por isso escolhi Barbarah. Eu gosto de Barbarah. Combina com a aparência e ideia da minha carcaça: uma menina menor de idade, órfã, sobrevivendo nas ruas da grande e cruel Sproustown.

 Eu sei que o ideal era trocar de carcaça cada vez que fosse conversar em pessoa com o Wilkinson e/ou o Dragão, isto é: ter duas aparências diferentes: uma para um chefe e outra para o outro, mas embora seja possível é muito incômodo. Eu, como barata parasita gasto muita energia para tomar conta de um corpo, até ajustar todas as posições dos nervos, dispor eles de maneira que fique fácil de manusear e tudo o mais. E depois que eu saio do corpo ele volta ao seu estado morto e tudo o que arrumei tem que ser arrumado de volta... O que quero dizer é: mesmo que fosse possível não seria viável.

 Ainda mais que como uma inseto pequena como eu deveria cuidar de um corpo morto para ele não apodrecer enquanto estivesse dentro do outro e vice-versa? Não... Seria trabalhoso demais. Mais trabalhoso que bolo de casamento.

 Assim... O que eu faço é apenas usar um nome diferente. Não é como se o Wilkinson ou a Greta já tivessem me visto falando com o Craig ou algo do tipo. E mesmo se tivessem, é capaz de nem saberem que o próprio Craig faz parte da gangue do Dragão. Se bem que ele tem aquela tatuagem ridícula no bíceps, mas enfim...

 É por isso que eu sei que o convite está com o Verde. Eu trabalho para o Dragão assim sei que não está com ele. Eu sou agente infiltrada fingindo estar sob as ordens do Wilkinson, então sei que não está com ele. Resta só a terceira opção.

 Naquela tarde eu tinha ido até o esconderijo do Wilkinson, isto é, o lugar onde a Greta faz as operações. O Wilkinson mesmo quase nunca vai até lá em pessoal, assim a Greta é como que minha superior, intermediando as ordens do grande chefão.

 O esconderijo do Wilkinson nada mais é que o segundo andar de um snooker bar mais acabado que um fusca velho que ficou na chuva. O nome do bar é Bodongo Bar. (Que nome). Você entra nesse bar, sobe o andar de cima e tem uma porta fechada. Lá dentro é onde fica Greta Thompson, da gangue do Wilkinson. Eu chamo de gangue, mas ela detesta que eu use esse termo.

 Greta Thompson é uma mulher perto de seus cinquenta que tem uns óculos grandes e uns olhos maiores ainda. Ela deve ter também um problema na coluna porque o jeito que ela anda é muito estranho. E mais assustadora que a sua aparência física é sua personalidade.

 Detesto trabalhar com Greta Thompson.

 Ainda bem que eu escolhi o Dragão e não o Wilkinson para emprego principal. Pelo menos trabalhando para o Dragão meu colega principal de trabalho é o Craig.

 — Entendeu o que você tem que fazer? — Greta perguntou com aquela voz estridente e condescendente enquanto me encarava com seus olhos grandes e apáticos.

 — Sim.

 — Repita.

 — Eu tenho que ir até Marshmoore, fazer o serviço naquele apartamento do zumbi morto e depois repetir no parque lá no centro. E depois tenho que ir até a casa da menina do jornal.

 — O zumbi não está morto, Barbarah. Quem morreu foi um cidadão de bem.

 — Isso, isso...

 Ela suspirou.

 — Espero que você faça tudo certo.

 — Ok. Vou fazer.

 Estávamos terminando de acertar os detalhes sobre minha parte do serviço. Greta tinha me ligado de manhã, pedindo para se encontrar comigo naquela tarde porque o Wilkinson queria que eu fizesse um serviço a respeito do assassinato de um colega dele chamado Jim Sanford. Pelo que entendi ele era um desses policiais corrompidos que liberavam para ele a entrada das drogas ilegais na cidade ou algo do tipo.

 Quando ele morreu o Wilkinson ficou todo transtornado. Mal dava para falar com ele quando cheguei. Sim: O Wilkinson tinha ido ali, era uma dessas ocasiões raras em que ele aparecia. Ele estava na sala de trás do salão dos computadores, que é onde Greta ficava em geral. Ele veio, reclamou um monte de tudo, daí foi para lá e se trancou naquela sala, e então a Greta que me passou as informações.

 O salão de computadores é algo que eu sempre achei misterioso: Só a Greta que fica ali e ela usa sempre o mesmo, mas os outros estão sempre ligados e funcionando por algum motivo. Eu sei que a Greta é uma hacker ou algo do tipo, mas não faço a menor ideia de por que usar tantos computadores ao mesmo tempo. Como vou saber?

 Se eu fosse polícia acharia meio esquisito encontrar um salão de computadores acima de um barzinho sujo como o Bodongo...

 — Merda. — Ouvi o velho Wilkinson resmungar enquanto saía da sala. A roupa dele tinha ficado presa no trinco.

 Ele manuseou suas vestimentas até se libertar e então passou pelo salão, aproveitando para se dirigir à Greta:

 — Greta, não esqueça de avisar o Jack sobre o Sanford. Preciso disso para hoje.

 — Entendido.

 — Hã? — Fiz em tom indagativo. Não sabia do que se tratava. Mas não obtive resposta.

 Eles me aceitaram como mercenária ali, mas eu apenas fazia os trabalhos que eles mandavam. Ali dentro eu não tinha um pingo de direitos e era a autoridade mínima. Era diferente de trocar ideias com Craig. Parece que esse Jack que eles mencionavam de vez em quando é um agente deles que nunca aparece ou algo parecido.

 Depois de se dirigir a ela, Wilkinson passou por mim sem proferir nenhuma palavra e desceu a escada em direção à saída.

 Olhando de perto, Wilkinson é um velho que passa a impressão de ser um empresário individual que teve um negócio próspero, mas ainda assim vive ocupado. Se veste bem, embora não formal em exagerado. Apesar de velho é lúcido e seu semblante expõe tal qualidade por completo. Sua feição não deixa transparecer o quão rabugento realmente é, mas também não passa a impressão de ser um vovozinho bondoso, parece algo no meio termo.

 Em suma é o típico velho inserido em seus negócios. Quem vê nunca suspeitaria que é um líder de tráfico. Falta o charuto, o chapéu, o bigodinho e a mulher de biquíni.

 Não é sempre que vejo aquele homem em cena. Hoje ele veio até o salão porque queria fazer uns telefonemas e para isso precisava do equipamento que a Greta tem. Sabe... Para evitar grampos e coisas do tipo. Pelo que ouvi ele ligou para aquele tal de Jack, ligou para outro amigo dele e também alguns clientes e para o pessoal das entregas dos pacotes.

 E ele ficou um tempão reclamando sobre a morte do comparsa dele, e do quanto isso iria trazer problemas para ele se viesse à tona. “Ai, eu não posso deixar meu nome na polícia”; “ai, eu não quero dar entrevista”; “ai, como vou fazer com as próximas entregas?”, dentre outras coisas nesse sentido.

 — Bem? Precisamos do serviço o mais rápido possível. — Greta me disse logo depois que o Wilkinson saiu. E isso que eu tinha acabado de perguntar sobre o que eles estavam falando.

(É difícil conseguir as informações para passar para o Dragão se todo mundo me trata desse jeito... Eles não me falam nada e só me dão trabalho.)

 “Precisamos do serviço o mais rápido possível”: aquela indireta de Greta era um comando para eu sair dali e fazer o que eu tinha que fazer, deixando-a só. Por isso depois daquilo eu saí da presença daquela mulher desagradável afinal.

 Greta tinha me informado que o departamento da polícia colocou no laudo daquele Gerald que foi comido vivo semana passada o resultado de morte por atropelamento. Mas pairavam algumas dúvidas por parte do DEA. E se algum deles resolvesse investigar, acabaria descobrindo que os laudos feitos pelo DCAE são de mentira, que eles os fizeram para esconder a existência de seres paranormais, como eles chamam.

 Wilkinson não queria de modo algum que o DEA passasse a fazer alguma conexão entre Jim e a gangue dele, e essas coisas podem vir à tona agora que ele morreu. Então a primeira coisa que eu ia fazer era arrumar algo para o pessoal do DEA acreditar. Não cairiam no papo do atropelamento, óbvio. Eles também são polícia afinal de contas.

 O que eu tinha em mente era fazer parecer a alguém que fosse até as cenas de crime de Gerald e de Sanford e que não soubesse nada sobre seres paranormais pensar que foi um ser humano normal quem forjou as mortes dos dois. O investigador então passaria a acreditar que era algum tipo de serial killer que alterava cenas de crime premeditadamente, mas não suspeitaria de nada sobrenatural.

 E a segunda condição é que eu deveria retirar toda e qualquer alusão aos Deluxes. Ninguém pode saber que Jim Sanford tinha sequer mera relação com o tráfico das balinhas favoritas dos jovens de Sproustown. Se o DEA ficasse sabendo que um policial deles era envolvido com o tráfico de drogas ia investigar e todos os mercenários envolvidos iam acabar com mais polícia no encalço, o que seria o pior cenário possível.

 De polícia já chega o DCAE.



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