Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 11.2: Barata Parasita

 A casa ficava em uma ruela de Cheawuld Garden, não era pequena, mas também não era exatamente grande. Localizava-se mais abaixo do que as casas vizinhas. Na realidade parecia que cavaram um fosso e construíram a casa lá depois. Não sei como ela não se alagava com a chuva. Para se ter uma ideia, tiveram que fazer uma rampa de cimento para que o carro pudesse entrar na garagem.

 Arthur B Cooper, o Cooper errado estava lá. O que é bom. Seria ruim ir até a cena do crime e perder a história do dono da casa, visto que só tínhamos a informação que a polícia convencional escreveu no relato que nos passaram.

 Era um velho com barba grisalha e ruiva ao mesmo tempo, com uma camiseta mais larga que seu tamanho, manchada e fedendo a pinga.

 — Vocês são a nova polícia? A polícia especializada?

 — Isso. Somos da “polícia especializada” — De onde ele ouviu aquele nome idiota? — Viemos fazer a análise dos fatos.

 — Finalmente! Não acredito que me proibiram de mexer nas minhas coisas. Nas minhas coisas! Foi apenas um roubo! Um roubo! Os bandidos vieram e levaram meu micro-ondas, minha televisão, o meu dinheiro que estava em cima da mesa. E também minhas reservas que eu tinha na gaveta do quarto. Eles estragaram tudo na cozinha. E no final levaram só isso. Alguém tem que pegar os desgraçados.

 Entrei na casa. Joey ficou um pouco ali fora antes de me seguir.

 — Se importa que eu fume aqui?

 — Se me importo se você fume aqui? Dentro da minha casa? É claro que me importo! E digo mais: melhor vocês pararem de ficar vindo aqui e colocando essas faixas e ir atrás dos ladrões de uma vez.

 — Não estamos lidando com ladrões comuns, senhor. Isso e um caso sério. Precisamos da cena do crime intacta.

 — Como não? Foi um roubo apenas. Não há dúvida! Quando se tem um roubo se vai atrás do carro e pega os desgraçados. Eu tenho a placa do carro deles. O vizinho anotou. Eles viram o movimento e...

 — Os envolvidos são suspeitos de um assassinato, senhor.

 O velho se calou em surpresa. Depois disso começou a ficar um pouco mais prestativo e menos barulhento.

 A polícia convencional tinha colocado as faixas de delimitação nos lugares de importância. No rack da sala, de onde havia sido retirada a tv, havia uma delas. Havia uma no quarto, que estava jogada no chão e uma na cozinha. Eles a tinham colocado ali para que nada fosse mexido até nossa chegada. Entretanto aquele velho não parecia do tipo que ia se interessar em seguir as instruções corretamente. Parecia do tipo que podia se dizer que ele corria perigo de assassinato e instruí-lo a deixar as pistas intactas e ele mesmo assim iria interferir na cena toda, esquecendo-se do conselho no minuto seguinte. O que faria do trabalho todo mais maçante e difícil.

  — Eu tive que mexer em algumas coisas, sabe... Para fazer o café e dormir. Mas o que pude, deixei como estava.

 Dito.

 Fui até o quarto primeiro. Tudo estava esparramado no chão. Digo... Não “tudo” no sentido de como estava o apartamento do Sprohic quando o investigamos na semana passada, era um “tudo” mais localizado, mais para “tudo de dentro da escrivaninha”, apenas. Os armários ainda estavam intactos. Quem quer que foi que fez aquilo, sabia exatamente o que estava procurando.

 — Você... Er... O senhor me disse que eles são suspeitos de assassinato? Eles estavam procurando dinheiro, não? Tudo está jogado desta maneira... Meus trezentos e cinquenta sumiram da gaveta... Eu fui dormir e deixei tudo no chão, mesmo. Só desarrumei a cama. E coloquei meu laptop para carregar.

 Confirmei com a cabeça.

 — O senhor trouxe seu laptop do trabalho? Estava trabalhando quando o roubo aconteceu, certo?

 — Sim. Eu estava na firma. Quando voltei estava tudo assim. E não... Eu guardo o laptop no armário... — Ele terminou a frase de maneira reticente e curiosa. Até mesmo ele percebeu um traço de contradição. Se aquilo fosse realmente apenas um roubo eles teriam levado aquele laptop. Tentei apagar aquela contradição de sua mente com um comentário:

 — Que sorte que eles não vasculharam o armário, certo?

 — Er... É. Que sorte.

 Joey finalmente entrou pela porta da sala e veio até nós.

 — Que sorte nada! — Terminou por decidir o velho — Eles ainda levaram minhas outras coisas! O que voc... O senhor acha? Podem pegar os culpados?

 Olhei para Joey interrogativamente. Ele balançou a cabeça de modo negativo. Queríamos descobrir se havia algumas marcas características deixadas no barro em frente à casa, mas ele analisou e não obteve sucesso.

 — Iremos pegar os culpados... Não sei quanto às suas coisas de volta, entretanto... Já devem ter sido desmontadas.

 — Desmontadas? Mas como...? — Ele ia dizer alguma coisa, mas parou para pensar e viu que fazia sentido — E a polícia não tem uma política de ressarcimento nesses casos?

 — Infelizmente não, senhor. Deve conversar com o seu seguro.

 Eu e Joey fomos até a cozinha, onde tinham levado o micro-ondas. Realmente, havia bastante coisa jogada no chão. Pratos, copos, talheres... Utensílios de cozinha em geral. Entretanto tudo havia sido arrastado para um canto só, provavelmente pelo próprio dono da casa. Ainda havia café e pão sobre a mesa. E um copo plástico sujo. Olhei para os armários e apenas algumas das portas estavam abertas.

 Fui até uma delas aleatoriamente e a abri. Havia panelas e bacias lá dentro. Estavam organizadas.

 Olhei para Joey. Ele me confirmou com a cabeça.

 Avistei o lugar onde deveria estar o micro-ondas, sobre um dos armários. A geladeira estava logo ao lado. Havia também um liquidificador no chão. Provavelmente tinha sido arrastado para o chão quando levaram o aparelho.

 Abri a geladeira. Não estava exatamente cheia, mas também não estava vazia. Tudo parecia estar no seu devido lugar.

 — O senhor disse que o carro e a placa foram anotados? Qual era o tipo do carro?

 — Era uma van. Uma daquelas Blend 1.8. Branca... Hartmann que viu eles entrando e ligou para a polícia primeiro. O vizinho do lado do da frente.

 — Ele viu quantas pessoas eram?

 — Ele disse que chegou a ver dois homens... Cerca de vinte a trinta anos. Ele deu a placa e a descrição deles à polícia. Os senhores têm essa informação certo? Já passamos ela antes.

 — Sim... Sim... Já possuímos a informação.

 Olhando para trás, perguntei para o Joey:

 — Quer passar o scanner aqui? Nas paredes... E ali — Apontei para o exato lugar onde faltava o micro-ondas. Joey foi pegar o scanner no carro.

 O scanner servia para detectar fluidos corporais que eram deixados conforme o manuseio de objetos. Era uma peça que a perícia da polícia convencional não tinha... Quer dizer, até tinha, mas não como a nossa. A nossa servia mais para detectar se foi deixado fluido de alienígenas, homens-lagarto ou coisas assim, por isso que só o DCAE tinha posse de uma dessas. Minha intuição me dizia que encontraríamos alguma coisa dessas por ali.

 Voltando com o aparelho, Joey começou a trabalhar na cozinha. Enquanto isso eu fui checar mais uma vez a sala e o quarto. O dono da casa veio me acompanhando, creio que para encher meu saco. Uma vez na sala, passei a analisar o rack onde faltava o televisor.

 — Sua tv era de quantas polegadas, senhor?

 — Era uma smart led de 49 polegadas com alta definição. Era muito boa. Não sabe o quanto trabalhei para pagar aquele negócio. É bom vocês se mexerem para... Digo... Seria bom que os senhores a recuperassem se possível.

 Confirmei com a cabeça.

 — Eu já tinha passado também essa informação para os outros policiais que vieram aqui... — Ele acrescentou.

 — Sim, sim...

 Mais uma análise no estado da bagunça do quarto. Retirei umas fotos e então dei permissão para a retirada das faixas e me preparei para irmos embora. Agora faltava só esperar o Joey. Informação dos detalhes como digitais e fluidos corporais viria junto com a análise da perícia da polícia convencional no dia seguinte, então estávamos ali apenas para captar informações que passaram despercebidas pela área de expertise deles.

 Isto é, informações que apenas alguém com conhecimento de seres paranormais podem captar.

 Fui até a cozinha e Joey ainda estava passando o scanner. Perguntei:

 — E aí? Alguma coisa?

 — Muita coisa, tenente... Você nem imagina.

 Arthur Cooper tinha me seguido de novo. Não foi para zombar dele, mas apenas instintivamente que retirei um cigarro da minha carteira que estava no bolso da camisa. Ele me encarou incredulamente. Assim que percebi meu ato, caminhei até a entrada, fora da casa, para acender o cigarro.

 Uma vez lá na frente chequei meu celular. Tinha uma mensagem de Sarah. Enquanto a lia recebi uma ligação.

 — Tenente Dotson? — Atendi.

 — Oi Henry. Fiquei sabendo da Emma... O que aconteceu? Já ficaram sabendo dos detalhes?

 — Oi Ewalyn. Tudo bem por aí? Seguinte... Ainda não temos informação... Certamente foi veneno e certamente foi enviado por alguém, mas...

 Não ia insistir no telefone que foi o namorado da Crane. Mas foi.

 — Coitada. E ela estava se recuperando tão bem... — Ouvia bastante barulho no fundo da ligação. Ela ainda devia estar lidando com o assassinato de Jim Sanford.

 — E como estão as coisas por aí?

 — Aqui... Bem... Aqui vai demorar ainda um pouco.  Não vou conseguir descobrir nada hoje infelizmente. A equipe da perícia está fazendo a parte dela e eu vou até o prédio do DEA agora para ver uma coisa, mas sabe como vai ser lá... Todo mundo vai querer fazer meu trabalho por mim, porque Sanford fazia parte da equipe deles então... Sabe como é.

 — Que saco... Eu vou visitar a Emma depois. Quer ir junto?

 — Eu adoraria, mas... Eu vou demorar. Não me vejo terminando antes das sete.

 — Tudo bem. Eu e Joey temos que levar a Sarah até o aeroporto... Então só vou visitá-la mais depois. Creio que é melhor. Ela vai estar melhor até lá.

 — Então ok. Eu vou junto, sim. — Ouvi outra voz do outro lado da linha. Reconheci um dos homens da equipe de suporte — Escute... Eu tenho que desligar. Vou até o DEA agora senão isso não vai acabar nunca.

 — Ok. Até mais então. Boa sorte com o caso do Jim.

 — É, né — disse ela em um tom engraçado — Estamos precisando de sorte nesses últimos dias.

 — Nem me fale. Bem... Se bem que tivemos uma baita sorte aqui na casa do falso Arthur Cooper.

 — Ah é mesmo? Por que diz isso?

 — É... Depois eu te conto os detalhes.

 — Então está bem...

 — Até mais, então...

 — Até mais. Tchau.

 Ela desligou.

 — Que história é essa de falso Arthur Cooper? Eu sou sim Arthur Bernard Cooper. — O velho e Joey estavam atrás de mim, perto da entrada da sala.

 — Isso? É hã... Uma terminologia da central. Não dê atenção... Joey... Alguma coisa por lá?

 — Terminei, tenente. — Ele deu a entender a resposta de minha pergunta apenas com um gesto de cabeça.

 Sendo assim, saímos dali. Ao invés de voltar à central nos dirigimos até o aeroporto. Sarah havia me pedido para ir até lá por mensagem mais cedo. No segundo andar do aeroporto tem um Boutique Lily’s, onde supostamente deveríamos encontrar a capitã antes de ela partir definitivamente para Silverbay e deixar esses casos dos últimos dias completamente em nossas mãos. Dentro do carro, no caminho até o aeroporto, eu e meu parceiro comentamos sobre a investigação:

 — Quer dizer que havia resquícios de aliens na cozinha? Bem que imaginei.

 — Tirando nosso amigo de cabelos longos de fora, a Emma disse que lutou com um Eufórbio, não? Um alienígena roxo com furúnculos pretos espalhados por sua pele viscosa.

 — Viscosa... — Exalei fumaça de meu cigarro. Agora estávamos dentro do carro, a caminho do aeroporto. Eu dirigia e Joey estava do meu lado — Se for para pegar alguém quero pegar esses desgraçados do ataque de ontem. O alien que saltou os telhados e matou os Johnsons pode ficar para depois.

 — Concordo.

 — Me diga uma coisa, Joey... Aqueles documentos esparramados no chão do quarto do velho... Aquilo foi feito tirando-se os documentos aos poucos ou foi feito tudo de uma vez?

 — Está querendo testar minha capacidade de detetive? Você sabe a resposta, tenente.

 — Então você percebeu que tudo foi jogado lá de uma vez só. Não é um teste, mas eu perguntei por que é uma coisa que eu apenas considero estranho... Qual a utilidade de jogar tudo no chão de uma vez e deixar lá em um monte só? Normalmente eles teriam revirado o monte aos poucos para procurar o envelope após atirá-lo no chão.

 — É... É estranho... Parece que tudo foi feito para simular um roubo. Eles queriam apenas pegar o dinheiro do fundo da gaveta, talvez? E por isso não se importaram com os papéis?

 — É bom que a perícia pegue todas as digitais daquela porcaria de gaveta.

 Joey soltou um riso abafado.

 — Que é isso tenente? Nenhum ser paranormal que se preza deixa pistas óbvias como digitais. Nunca tivemos essa sorte até agora.

 — Por isso mesmo que quero os relatos. Para vê-lo vazio e ter certeza que é um ser paranormal.

 — O scanner não mente, tenente. É sim mais um caso.

 Virei para a janela e exalei mais de meu cigarro. Joey anexou:

 — Mesmo com tudo isso... É bom vê-lo concentrado no caso. O tenente estava tão nervoso quando saiu da central. Achei que eu ia acabar fazendo o trabalho sozinho e você ia ficar discutindo com o...

 — E eu ainda estou puto, Joey! Apenas estava me segurando para fazer um trabalho profissional. Chegando no aeroporto vou ligar de novo para aquele judas do Chapman e pedir para ele me passar o contato do Galloway.

 Joey ergueu ambas sobrancelhas simultaneamente de um modo provocativo e irritante, mas eu não cheguei a dizer nada. Ele ficou uns instantes sem saber o que dizer e então desconversou:

 — Você sabe, tenente... Esse falso Arthur Cooper... Eu e Lowe não achamos o nome dele no dia em que ficamos de pesquisar sobre o paradeiro do dono do convite. Achamos só o do ex-vereador. Esquisito não? Talvez devêssemos ter pesquisado além dos cadastros principais.

 — ...

 — Talvez se tivéssemos feito alguma coisa a respeito poderíamos ter evitado esse ataque?

 Dei de ombros.

 — Não pense muito nisso. Não tinha como adivinhar mesmo.

 Como íamos saber que alguém ia tentar atacar o Cooper errado? Por acaso esses caras do tráfico não sabem reunir informação?



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