Volume 1 – Arco 1
Capítulo 46: Chegada ao circo
Um dia depois
Acordando e sendo vestido pelo novo conjunto de roupas, preparadas pelo alfaiate, abri as cortinas, passei para a varanda e apreciei a vista, possivelmente pela última vez.
Um terrível mau pressentimento me veio, desde que abri os olhos. Os eventos dos últimos dias criaram uma ansiedade, que perturbou o meu sono e acabou com todo conforto que os materiais caros poderiam trazer.
Por isso, agradeci a empregada do turno da manhã, que respondeu com um aceno e uma expressão confusa no rosto, afinal, o próprio artesão responsável pela produção do novo cristal barreira, afirmou que demoraria mais alguns dias para terminar de refinar os últimos detalhes.
Desci direto para o pátio dos cavaleiros, onde senti um clima diferente do dia anterior.
Todas as espadas de madeira estavam sendo usadas, diversos pequenos ruídos de conversas, trocas de golpes, conselhos e grunhidos de alongamentos, se acumulavam em um grande barulho desordenado.
Hoje o pátio estava completamente cheio, apesar do horário ser o mesmo de ontem.
“Para defesa deles, mesmo confirmando que alguns estavam sim descansando, não descobri o número exato que saiu para a disputa de caça”, mesmo sabendo disso, o contraste ficou marcado na minha mente por um bom tempo.
Os dois grupos de cavaleiros, estranhamente, não brigavam, nem discutiam.
Ao invés disso, poliam meticulosamente suas armaduras, afiavam suas armas, ignorando todo o ambiente e treinavam pacificamente, sem golpes baixos, nem remorso na hora da derrota.
Me arrependi ainda mais de não ter chegado mais cedo, para ver o que aconteceu na floresta, para se resolverem de um dia para o outro.
“Ou será que é a preocupação antes da guerra?”, aparentemente, não parecia ser o caso.
A expressão de todos variava entre calma, concentração e cansaço. Nenhum deles parecia realmente preocupado ou nervoso para o que poderia vir.
E não é por excesso de confiança, porque contra a seita da banana, eles agiram de forma completamente diferente nos dias livres, assim como o caso do Colosso. Ao menos os cavaleiros do Barão, não eram de esconder suas intenções.
Poderiam estar se fazendo de durões na frente dos cavaleiros do Visconde?
“Acho que estou me preocupando demais”, então me relembrei da frase da Selena.
Sou fraco demais para me divertir lutando, por isso, devo me preocupar mais que os cavaleiros, que são fortes o suficiente para se divertirem ou não ligarem.
Assim, me confortei na paranoia.
Depois de assistir batalhas simuladas até me entediar, cumprimentei os cavaleiros que eu era mais próximo e andei até a parte central da mansão.
Visitando o Barão, vi a mesma despreocupação, apesar de ele estar conferindo e equipando artefatos caros de defesa, os mesmos que usou no primeiro encontro com a Ampom.
Decidi passar direto, para não o desconcentrar.
Passando para o quarto do Khajilamiv, a porta estava trancada, mas uma faxineira próxima avisou que o interior estava vazio.
— Sabe para onde ele foi? — perguntei.
— Não.
— Sabe a quanto tempo ele foi?
— Será difícil te dizer o tempo exato... Talvez uns trinta minutos?
Pedi para a empregada, que me seguia, verificar o quarto da Selena, mas sua resposta foi imediata:
— Como ela recusou a oferta do quarto e das auxiliares pessoais, procurar por ela pode demorar um pouco.
— Entendo ela não gostar de ser seguida, mas por que recusou o quarto?
— Se me permite dizer um palpite sem muito fundamento...
— Desde que não seja prejudicial a imagem dela.
— Existe um rumor de que os altos ranques da família Glance nunca dormem, algo relacionado com uma maldição da família.
— Bobagem, já vi ela montar uma tenda para dormir, nos dias em que acampamos no caminho e ouvi os roncos do próprio fundador. Os anciões da guilda daquele caolho devem ter inventado isso, para prevenir ataques surpresa de noite.
— Evitarei comentar sobre rumores desse tipo.
— Pelo contrário, me conte mais. Para um estrangeiro como eu, é bom aprender todo tipo de conhecimento, até esse tipo de coisa. — Dando duas batidas na porta, só para garantir, perguntei: — O Voyro já acordou?
— Posso conferir.
— Pode checar a Nikolina, também?
— Nesse caso, levará mais tempo, ela ocupa o quarto mais isolado dessa mansão.
— Leve o tempo que for necessário.
Me sentei em um sofá de três lugares, para esperar confortavelmente, mas nesse tempo, pela janela, vi alguém andando pelo telhado.
"Um assassino?"
Hesitante entre correr ao pátio, pedir ajuda para uma das faxineiras próximas ou continuar observando e agir eu mesmo, vi ele começar a correr, então abri a janela e gritei:
— Pega ladrão! Em cima do telhado!
Esse homem se desesperou e tentou fugir, mas foi carinhosamente abocanhado pelo Fum, que abanando a cauda, o levou até o Rafun, como um graveto para ser lançado.
Vendo isso, fiquei preocupado por potencialmente ter acabado com o treinamento ou a brincadeira de alguém.
Pensando melhor, que tipo de assassino andaria vestido como um assassino, em plena luz do dia?
Assoviei para o Fum, pulei pela janela, fui pego no ar e levado até o Rafun, para checar a identidade do péssimo invasor.
— Conhece ele? — perguntei.
— Eu não. Vou perguntar para os outros.
Como ninguém o reconheceu, eu propus, de brincadeira:
— Vamos ter que levá-lo a masmorra da tortura...
O invasor se desesperou profundamente e começou a contar apressadamente, tudo que sabia.
De acordo com o invasor, ele foi contratado pela Nikolina, para matar o Voyro, o que não fazia sentido, já que não portava nem arma, nem veneno algum.
— Estava planejando enforcar o coitado com as próprias mãos? — perguntou Rafun, rindo.
— No cartaz, a contratante prometeu que forneceria as armas necessárias.
A conclusão que tivemos, foi que alguém estaria tentando minar a reputação da Nikolina, por meio de atentados bestas como esse e espalhando rumores entre os funcionários.
“Mas a Selena ouviu da própria Nikolina sobre planos de assassinato...”
Questionando o Visconde, chamado na hora da identificação do invasor, ele respondeu:
— Os dois nunca se deram bem, mas também nunca se deram mal. Suspeito que ela começou com essas ideias esquisitas a partir do dia em que mencionamos o seu casamento arranjado. Desde então, tem feito de tudo para impedir isso, mesmo que eu e minha esposa, vendo isso, tenhamos suspendido a escolha de um pretendente. Talvez agora que a ideia foi apresentada, ela entenda isso como inevitável?
Pelo suposto assassino nem carregar armas, a punição da Nikolina foi adiada para depois do Banquete e de uma boa investigação. Por enquanto, ela ficou impune, apesar do invasor ser levado a prisão regional, para ser interrogado oficialmente e posteriormente julgado.
Até sem ter feito nada demais, por ter invadido a propriedade de um nobre, sua sentença provavelmente passaria dos dez anos e consequentemente, seria enviado a prisão nacional.
Tudo isso pela mísera promessa de mil Kal.
Convenientemente, a empregada assistente retornou com a informação da localização dos dois irmãos e nos guiou até lá.
A Nikolina obviamente negou todas as acusações e o Voyro negou ter visto qualquer anormalidade.
Por segurança, foi decidido que a Nikolina seria levada ao circo, conosco e que o Voyro ficaria, sobre a supervisão de um dos nossos grão-mestres.
Uma decisão questionável, se não estivéssemos indo direto para um covil armado pelos potenciais assassinos da Selena.
...
Na hora da partida, descobri que a enorme carruagem do dia anterior era alugada, portanto, partiríamos ao circo, com as montarias de sempre.
O Barão pediu para que eu fosse junto ao Rafun, para dar espaço ao Visconde e sua família na carruagem. E eu concordei.
Mas percebendo que eu não tinha uma montaria própria, o Visconde viu uma oportunidade de nos desviar levemente do caminho e nos levar a um dos muitos estábulos sobre seu nome.
Chegando lá, vi uma enorme planície com um mar de cavalos, carroças e caravanas, acompanhadas por um mar de compradores, vendedores e cuidadores.
— Essa é a última especialidade da cidade do rio Cieno, que não conseguimos visitar naquele dia — disse o Visconde. — Existem rumores de que há mais cavalos que pessoas, no Viscondado!
Depois dele conversar com o responsável dessa grande loja, explicando a situação, fomos levados a uma seção mais tranquila, onde cavalos de guerra especiais descansavam.
— Escolha um, qualquer um!
— Eu ainda nem aprendi a montar apropriadamente em um cavalo comum, quanto mais em um desses animais incríveis como esses. Seria desperdício entregar um presente tão incrível, para alguém que não teria as condições de aproveitar apropriadamente. — Tudo isso era uma desculpa, já que não queria lidar com o enorme custo que viria mensalmente, junto do trabalho de sustentar um ser vivo desse porte.
— Realmente... — O Visconde pareceu ceder, mas fez uma contraproposta: — Quando se livrar de sua situação problemática, já que terá que ir de qualquer forma até a capital, para prestar contas ao imperador e o parlamento, dê uma passada na escola de cavalaria da ordem de Modros, a que fica no mesmo bairro, e tenha algumas aulas lá. Conheço um amigo que te ensinaria gratuitamente. Quando fizer isso, volte até aqui e escolha um desses!
— Eu agradeço sua generosidade... — Ele me impediu completamente de recusar. — Prometo que retornarei, assim que possível.
Mas o resultado, no geral, foi benéfico.
“Talvez estudar na mesma escola que os cavaleiros do Barão estudaram, me torne tão forte quanto eles”, dei uma risada contida e me aproximei para tocar nos cavalos.
— Que pelagem fofa.
— Aqui também vendemos shampoos amaciantes multifunções de primeira qualidade, com o melhor perfume! — promoveu o vendedor.
— Tem para tigres? Estava precisando — disse Rafun.
— Vou ficar te devendo essa...
— E para Serpes? — perguntou Prilio.
— Esse eu tenho!
— Droga... Vou levar dois.
Depois dessa parada, passamos pelos muros e logo chegamos ao circo.
“Um palhaço com dez botões, uma tenda com duzentas listras, não, preciso ser mais detalhista... Duzentas e trinta e sete listras!”, para espantar o medo que aumentou ainda mais, comecei a praticar o passatempo do Voyro de contar.
— Ainda vai demorar um tempo para a próxima seção na tenda principal... — disse Selena. — Querem ir para as barracas?
Tentei me disfarçar no meio dos cavaleiros, contando as nuvens do céu, mas fui empurrado pelo Barão, a acompanhar eles.
Ficar do lado do alvo principal, me deixou mais tenso ainda.
Primeiro passamos por uma tenda que vendia doces e salgados, a única vendinha de comida que consegui avistar aqui fora.
Peguei uma pipoca doce. Nem doce, nem crocante, mas com uma textura pastosa e um gosto de jiló.
Uma descrição que soa pior do que realmente foi.
Apesar de me contorcer de agonia com a primeira mordida e terminar com um péssimo gosto na boca, houve um curto período de confusão mental, que chegou o mais perto de uma refeição suportável, desde que cheguei nesse mundo.
Ainda beliscando esse delicioso lanche, fui arrastado para tentar conseguir um sapo de pelúcia em um tiro ao alvo com arminhas de rolha de garrafa, depois dos três: Khajilamiv, Selena e Nikolina, falharem.
Me posicionei confortavelmente, descansei a espingarda na superfície estável da mesa e atirei.
Para meu azar, acertei e tive que ser acompanhado por um dos meus piores inimigos desse mundo, um sapo de expressão suspeita, que entreguei rapidamente para a Nikolina.
— Agora que percebi... Existem armas de fogo nesse mundo?
— Claro que existem — respondeu Khajilamiv. — Lança chamas, bombas movidas a pedras elementais...
— Digo, pistolas, metralhadoras, esse tipo de arma de fogo.
— Se refere as confiscadas, desde a proibição da rota da pólvora?
— Poderia explicar?
— Não sei se deveria, já que odeia tanto minhas longas explicações...
— Era brincadeira! Nunca falaria mal de suas incríveis histórias históricas, seriamente.
— Resumindo, um herói do passado, de outro mundo, ficou rico demais com suas invenções, sendo a mais famosa delas: a pólvora branca, o governo inventou uma desculpa para roubar seu dinheiro, monopolizou tudo para si e acabou com todos que tentaram o copiar.
— Então o governo possui armas de fogo?
— Possuía, até um imperador tirano, cujo nome foi propositalmente riscado da história, destruir todas elas e matar todos os que sabiam como fabricar, por pura paranoia.
“Talvez eu poderia lucrar com isso?”
— Se está pensando que pode trazer a solução do seu mundo, chegou tarde demais. No Leste, já possuem inúmeros mestres nesse tipo de arma, e nesse continente, é senso comum que a magia supera essas bugigangas, desde a revolução trazida pelos dois Gamaliel.
A próxima tenda, era uma balança mágica, que sempre se desequilibrava com um dos dez pesos, que deveriam ser primeiro pescados, em uma lagoa artificial.
Dessa vez, o Khajilamiv ganhou.
— Você trapaceou! — acusou Selena. — Vi claramente seus olhos brilharem!
— Cada um usa o que tem.
Vendo as expressões dos cuidadores da tenda, percebi que estavam aterrorizados demais para confrontarem um nobre, por isso estávamos vencendo com tanta facilidade.
A terceira atração dependia puramente de força e coordenação motora, uma escalada em uma corda bamba, um passeio no parque para a Selena, que também levou a outra atração: um jogo de bater em toupeiras mecânicas com uma marreta.
Para fechar com chave de ouro, ela passou vinte minutos no touro mecânico, até o controlador implorar para que ela descesse e deixasse os outros na fila brincarem também.
Com isso, acabamos com um zoológico de animais de pelúcia e zeramos as barracas de jogos.
“Algodão... Literalmente algodão. Para que alguém precisaria de algodão?”, então chegamos nas barracas de perfume:
Perfumes que absorvem o aroma que está se dissipando e renovam;
Perfumes saborizados;
Perfumes que melhoram a saúde;
Perfumes alucinógenos;
Perfumes tranquilizantes;
Perfumes energéticos;
Perfumes de frutas, vegetais, folhas, raízes e troncos...
Com o fim da última barraquinha, a tenda principal se abriu e foi anunciada o início do show principal.
— Finalmente...
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