Hant! Os Piores Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 18: Última fuga II

Um estalo distante, de folhas, acordou a todos. Ainda estava escuro.

— Saturno?...

Uma estranha antecipação tomou o coração de todos.

E o ambiente favoreceu nisso: até os insetos já haviam parado de cantar, a Lua estava coberta pelas nuvens, deixando uma escuridão maior que o normal, a fogueira havia se apagado, acentuando o vento frio e um silêncio avassalador conquistou o seu lugar.

— Quanto tempo a gente dormiu?

— Normalmente eu me guiaria pelas estrelas ou pela Lua, mas agora não tem como. Não faço ideia — respondeu Vibogo, com uma voz rouca de quem acorda contra sua vontade.

As mãos trêmulas de frio do Poeta agarraram o artefato de detecção do guarda.

— Como que muda para o outro modo? — perguntou para o Vibogo.

— É o botão lateral mais de cima.

E a sua expressão preocupada já indicava o que viria a seguir.

— Voltei! — gritou Saturno, trazendo um javali nas costas.

— AH! — Por reflexo arremessei minhas agulhas, que erraram o alvo por muito. Nesse caso, para o bem. — Por que se esgueirou até aqui? Quer matar a gente do coração?

— Eu só cheguei como chegaria em qualquer dia?

— Ele tem razão, só foi o medo que intensificou essa situação — disse o Brutamonte.

— Por que demorou tanto?

A expressão dele ficou séria por um instante, mas logo ele abriu um sorriso e disse: 

— Caçar é difícil.

Logo que percebeu que era o Saturno, o Brutamonte voltou a dormir.

— Tem um pouco de lenha sobrando naquele canto...

Reacendemos a fogueira, mas ficamos parados em um estado meio acordado, só esperando o Saturno terminar de preparar o animal, para cozinhar.

— É seguro? — perguntei.

— Como é um animal comum, a chance de envenenamento é só setenta porcento.

— Melhor que nada...

— Consigo abaixar para só cinquenta, com um encantamento que aprendi com um certo fazendeiro — disse Vibogo.

— É todo seu, então — disse Saturno, se levantando para buscar mais lenha.

— Descansa um pouco, deixa que eu vou no seu lugar.

— Odeio ficar sem fazer nada, meu tempo na solitária foi descanso o suficiente.

— Vai deixar eu ir junto, pelo menos?

Saturno desamarrou seu machado, deu duas batidas no chão e inspecionando a lâmina, respondeu:

— Tudo bem.

Andando pela floresta, coletando os galhos caídos e guardando na minha camiseta, trombei nas costas do Saturno, que parou de repente.

— O que foi?

— Olhe aqui.

Havia uma teia de aranha enorme, cheia de insetos presos, mas sem sinal da construtora.

— Chega disso. — Ele olhou para o céu, abriu as mãos e derrubou todos os galhos que tinha pego.

Apreensivo, coloquei uma mão no bolso, segurei minha terceira arma secreta e dei dois passos para trás.

Olhei os arredores e comecei a planejar como fugiria: em uma corrida simples, sempre perderia para ele, escalar uma árvore seria inútil, graças ao machado dele e gritar só traria os outros para morrerem comigo.

Em uma luta, poderia focar nas bandagens dele, torcendo para que os ferimentos ainda não tenham se cicatrizado completamente ou pegar a terra que veio junto dos galhos e assoprar no olho dele.

Mas nenhuma dessas opções me parecia confiável.

Cheguei à conclusão óbvia: se ele quiser, estou morto. Tudo que poderia fazer é torcer para que eu tivesse errado ou esperar um milagre. Agir primeiro, só diminuiria minhas chances.

— Já se familiarizou com o mapa desse continente? — perguntou Saturno.

— Cheguei a dar uma olhada nas enciclopédias da biblioteca, mas ainda não me lembro de cor os nomes de todas as grandes cidades.

— O nome de onde nasci nunca foi escrito e provavelmente nunca será, nos mapas de Fortuna, apesar de ser um lugar fácil de se encontrar: a cadeia de montanhas que demarcam as fronteiras desse Ducado e da capital.

— É uma vila pequena?

— Pelo contrário, é tão grande quanto um pequeno país. Um dos poucos sobreviventes da hegemonia do império, não pela força, mas por sua fraqueza, docilidade e utilidade. Mentem para nós, dizendo que somos independentes, para nos privar dos direitos de um cidadão do império, porém nunca vão nos permitir a agir de acordo.

— Onde quer chegar com isso?

— Você não estava curioso pela conclusão da história de origem do meu apelido?

— É mesmo, interromperam bem no final...

— E quem interrompeu?

— Não lembro.

Saturno sorriu, bateu a sujeira do chão e se sentou.

— É uma história um pouco longa, vai ficar em pé mesmo?

— Temo que irei dormir se ficar acomodado demais. Sem ofensas, é claro.

“Uma vantagem dessas na corrida, sempre é bem-vinda.”

— Perdão pela péssima escolha de horário para contar isso. Antes, faltou uma boa oportunidade e no futuro, prevejo que será complicado.

— Igual o Vibogo, como pode variar tanto sua atitude?

— Se esse pouco já te impressionou... — Saturno virou seu rosto para a direita, se fixou nessa posição por dez segundos, fechou seus olhos e retornou seu olhar. — Certo dia, um nobre de Fortuna veio recolher o imposto por proteção, mas não conseguimos atender a meta, por culpa de uma seca terrível.

Então, ele tomou cinquenta dos nossos, incluindo eu, como escravos e nos enviou para trabalharmos nas minas do Sul de Fortuna.

Até hoje me pergunto qual o motivo de ele ajudar um parente que odiava tanto, as custas do seu próprio negócio.

Enfim, trabalhei incansavelmente para comprar minha liberdade e cidadania oficial de Fortuna, então matei meu supervisor e todos seus guardas.

Aguardei tanto para conseguir comprar a cidadania, pois sem ela, seria apenas morto, no momento em que fosse encontrado.

Claro, tentei e consegui fugir por alguns meses, porém fui pego e enviado para cá. 

Quando orgulhosamente revelei que era do povo das montanhas, os desgraçados do mesmo andar começaram a me menosprezar, então espanquei eles e fui enviado para a solitária.

— Chama isso de autodefesa?

— O juiz decidiu que sim.

Em um lugar onde fugir é considerado um instinto humano natural, matar para se libertar da escravidão, também deve ser compreendido.

— Mas por que existe escravidão em um lugar com leis tão humanas?

— Escravidão é ilegal, porém horas extras “voluntárias”, descontos por dívidas pendentes direto na fonte e dedução de pagamento por má conduta, não. Nobres e grandes comerciantes são bem generosos com essa brecha.

— Se de acordo com essa definição, o que eles faziam não era considerado escravidão, como você diminuiu a sentença para autodefesa?

— Punição física é uma das poucas linhas que não podem ser ultrapassadas. Até para nobres.

— Seu lado nacionalista é mais forte que imaginei? Porque parece que os únicos beneficiados nessa história foram os outros trabalhadores, livres da escravidão. Até entenderia se a vingança fosse direcionada ao nobre que oprimiu seu povo e te vendeu, mas descartar uma vida tranquila com a cidadania do império, para matar homens que nem tinham tanta culpa...

— Como posso dizer... Humanos são seres bem emotivos?

— Tenho uma ideia de como é ser um.

— Sabe, você também é uma pessoa bem instável... De todas as pessoas que compartilhei minha história, nenhuma se preocupou com esse ponto. Está me acusando de tomar a decisão mais ética?

— Estou estranhando você ter tomado a decisão mais ética.

Hm... Me pegou de jeito. Olha, sinceramente, para mim não faz diferença ser preso ou morto e depois de todo trabalho para conseguir a cidadania, nunca iria buscar uma vingança tão besta. Pelo seu acerto, vou confessar que sim, houve a interferência de um terceiro. Cair na minha historinha emocional, para ser recrutado por mim, seria bem melhor... Culpe a si mesmo se algo de ruim acontecer, por saber demais.

Saturno se aprofundou nos detalhes de seu passado, mas não acrescentou muito. Então se levantou e retornou a fogueira.

O acompanhei a uma distância segura.

— A carne está pronta... Aconteceu alguma coisa? — perguntou Vibogo.

— Vou ficar devendo essa — respondeu Saturno. — Surgiu um pequeno imprevisto no caminho.

Sentindo que algo estava errado, o Poeta pegou o artefato e confirmou:

— T-tem dez... Não, v-vinte pontinhos aqui, eles estão vindo! Os guardas nos acharam!

Excluindo os nossos cinco, no mínimo viriam quinze guardas.

— O que vocês dois fizeram? — perguntou o Brutamonte.

— Não tive escolha, me desculpem. O Grão-mestre me encontrou enquanto caçava — respondeu Saturno, tentando tirar as suspeitas de mim? — Como suspeitava, ninguém além do herói percebeu.

O Brutamonte agarrou a camisa do Saturno, mas respirou fundo e o soltou:

— Você já ferrou a gente demais, some daqui.

Depois de piscar para mim, ele desapareceu na mata. 

— E você, herói? Ouviu algo de estranho dele? — perguntou o Brutamonte.

— Ele... — Considerei mentir, pela verdade parecer uma desculpa esfarrapada. — Ele me contou seu passado.

— Quanto do passado? — perguntou Vibogo, por cima da minha frase.

— Não sei nem se é verdade...

Ei, acho que temos algo um pouco mais urgente para nos preocuparmos agora! — disse o Poeta.

— Tem razão. Desculpe.

— Se vocês têm alguma informação ou fraqueza valiosa sobre o grão-mestre, agora é a hora de falar.

— Já vi ele acender um cigarro com o dedo — disse o Brutamonte.

— Não sei de nada além do que já contei — disse o Vibogo.

“Uma situação tão sem esperança... Talvez até pior que antes.”

— O que temos a perder? Se já estamos mortos, o que vier é lucro! — Sair ileso da conversa estranha com o Saturno, me deu uma confiança extra para a situação atual.

O Brutamonte sorriu:

— Bom, se você sair vivo daqui, faça questão de encontrar um bom historiador e garantir que até os bisnetos dele o conheçam como um traidor!

— Vou lembrar disso... Junto daquele covarde que fugiu e de vocês dois, quando estivermos de cabelos brancos! Vamos sair daqui vivos! — Sem perder tempo nessa última conversa, o Poeta saiu correndo, deixando só nós três para trás.

— Sim, vamos lá!

— Lutar não vai funcionar, temos que fazer a nossa especialidade. Há alguém nesse império melhor que nós, quando o assunto é fuga? Até ontem, todos acreditavam que era impossível chegar tão longe!

Como no disparo que dá início a corrida, um estrondo brilhante seguido de uma onda que fez toda terra tremer, sinalizou o início da nossa última fuga.

Mas em poucos passos, o Vibogo se virou e parou de correr.

Mordendo seu lábio inferior, com uma expressão frustrada, ele disse:

— O Brutamonte ficou preso lá atrás.

Uma magia de paralisia em área, que falhou em mim, por causa do meu problema de mana e provavelmente no Vibogo, por ser um mago.

— O que a gente faz agora? — perguntei.

— Eu acho que sei qual magia foi essa, só preciso de alguns segundos e...

Uma lança voou como uma bala, destruindo todas as árvores em seu caminho. As barreiras do Brutamonte se formaram, mas ela perfurou seu abdômen.

A lança não perdeu velocidade e cravou no chão, à poucos centímetros do meu pé, respingando um pouco do sangue fresco no meu sapato.

— Corre! — gritou o Vibogo, me puxando pelo braço.

Ainda com meu rosto virado para trás, vi a lança tremer, começar a ganhar velocidade e retornar sozinha, pelo mesmo caminho. Olhei para o Brutamonte, ainda em pé e a lança presa em sua carne, o puxando para floresta. Me virei e acompanhei o Vibogo.

“Voltar agora seria suicídio. Eu não posso salvar ele. Eu não posso voltar. Eu não posso voltar!”

Meu pulmão trabalhava na potência máxima, minha garganta queimava, minhas pernas doíam, minha mente tentava processar o que diabos acabou de acontecer, mas corremos sem olhar para trás, pelo trajeto que levava ao rio.

“Será que ele viu a gente?”, mesmo que não tenha visto, se o Poeta conseguiu descobrir eles por aquele aparelho, quer dizer que o oposto também deve ser verdade.

Em meio ao desespero, culpa, medo e cansaço, me dei conta de como esse labirinto funcionava.

Finalmente percebi o projeto arquitetônico que era o exterior da prisão. Não havia magia alguma, nem ilusão sobrenatural. Mas cada árvore, cada tronco, cada construção, cada planta, cada animal, tudo! Tudo foi colocado de forma que guiasse todos de volta ao mesmo lugar.

Onde não há árvore, há rios;

Onde há passagem, há algum empecilho bloqueando.

Na verdade, eu já tinha percebido no meio do caminho, só estava ignorando o que estava na minha frente até agora.

“Então era mesmo uma fuga impossível desde o começo”, que maneira estranha que meu cérebro encontrou para me distrair.

— Dois ataques... — disse Vibogo, reorganizando minha atenção. — Se você conseguir chamar a atenção dele e sobreviver a dois ataques, eu consigo roubar o item para desbloquear minha mana.

“O Brutamonte não conseguiu desviar nem de um...”

— Que escolha eu tenho?

— Depois que recuperar a minha mana, um sinal bem perceptível vai surgir no meio da luta. Quando alguma coisa parecer estranha, corra de volta na minha direção, o mais rápido que conseguir.

— Por que não me conta o sinal agora?

— Como não sabemos quase nada dele, vou ter que improvisar algo na hora e sendo sincero, nem eu sei qual vai ser o sinal.

“Vou ter que apostar a minha vida em alguém que já me traiu uma vez... E que nem tem certeza do que vai fazer?”, deixei uma risada escapar.

— Nossa última aposta... Tudo bem. — Mas de que adiantaria ele fugir sozinho nessa situação?

“Só se ele combinou tudo isso com o Saturno...”

Continuar paranoico, duvidando se estou sendo traído de novo ou não, só vai garantir que eu morra antes mesmo do segundo ataque.

Decidi colocar meus esforços em pensar maneiras de como sobreviver ao disparo inumano de antes.

O quão forte é um grão mestre verdadeiro? Uma luta deve ser o pior jeito de descobrir.

Quando jogava queimada na escola, eu era bom em acertar os outros e não desviar. Se eu ainda tivesse os atributos extras, que ganhei durante a missão da ilha, eu teria mais confiança nos meus reflexos. Mas logo que pisei na mansão do Barão, a perda foi perceptível.

Bloquear ou me esconder atrás de algo, não adiantaria, tentar me mover na hora, para a lança acertar uma parte não fatal do corpo...

Um clássico truque, que poderia me poupar no mínimo o primeiro ataque, era colocar minhas roupas em um tronco ou pedra, para fazer parecer que sou eu. Até esse ambiente escuro está a favor disso, mas se aquele artefato for preciso demais, o Grão-mestre descobriria na hora.

Outro negativo, é a possibilidade que eu nem tenha tempo para preparar os truques e seja obrigado a desviar de um ataque em uma direção inesperada e parado no aberto.

No pior dos casos, ele pode nem arremessar a lança e só correr na minha direção. Existe alguma resposta, se ele fizer isso?

Outro ponto importante, é que dois ataques não precisam ser literalmente dois ataques, e sim o tempo equivalente a isso. Distraí-lo ele com um discurso antes da batalha é uma opção? Não, acho que eu seria empalado antes de conseguir abrir a boca.

“Será que ele diria: ‘Você já desperdiçou a sua chance’, ou algo do tipo?”

Talvez estou pensando em soluções sofisticadas demais, igual o problema com o frio? O mais simples é a melhor opção?

Com o rio já a vista, meu tempo para me preparar mentalmente, estava quase acabando. Coloquei minha mão no bolso e considerei como poderia usar a minha terceira arma secreta: um fio de náilon de 20 metros de comprimento, com um anzol na ponta, que peguei durante o trabalho de pesca.

“Posso amarrar em um galho, para deixar ainda mais parecido com uma vara de pesca, colocar na frente do tronco, com as minhas roupas e conseguir o tempo necessário o confundindo!”, eu realmente estava desesperado por ideias.

— Boa sorte. — O Vibogo se abaixou, se disfarçando no meio da grama alta e sorrateiramente se arrastou para longe.

“Se ele não está pensando em fugir sozinho, isso significa que um grão mestre não é tão forte quanto imaginava por si só e depende das magias preparadas de antemão?”, só nesse caso eu poderia ter alguma vantagem.

Um segundo estouro, fez todos os animais terrestres correrem e os pássaros voarem para longe.

— Tudo bem, você nos pegou, vamos voltar — disse, parado no lugar, fingindo ter sido pego pela magia de paralisia, à beira do rio. — Eu me rendo!

O poderoso som da marcha organizada parou fora da minha vista, dentro da sombra criada pelas árvores.

Então os passos solitários revelaram a chegada do Grão-Mestre.

Seu chapéu dourado, como sempre, reluzia mais que tudo abaixo do céu.

As nuvens se dissiparam, a lua deu as caras.

— Nas outras vezes, eu estava impedido pela lei, mas agora que uma rebelião começou, vocês já não têm mais imunidade. — Ele riu. — Tarde demais para implorar por suas vidas.

Aguilar atuava de acordo com seu personagem vilanesco, na frente dos outros guardas, mas sua verdadeira intenção se revelava em seu rosto, pela primeira vez, expressivo: um pouco decepcionado, um pouco nervoso.

Ele colocou uma luva cheia de engrenagens em seu topo, recebeu sua arma de dois soldados, jogou seu braço para trás e arremessou a lança na minha direção.

Me joguei no chão, e como esperava, ninguém usaria sua força total para acertar um alvo parado, sem intenção de lutar e perfeitamente visível.

A lança sobrevoou e caiu às margens do rio.

Então o grão-mestre apertou um botão em sua luva e em segundos, ela voltou, puxada por um fino fio, quase invisível a olho nu.

Depois de alongar seu braço, um segundo lançamento veio, agora muito mais rápido.

Eu inclinei o meu corpo, na hora do lançamento e passando de raspão na minha costela, ouvi um chiado de fritura e senti uma dor crescente nessa área. Toquei levemente e percebi que, por baixo da minha roupa rasgada, uma queimadura leve havia surgido.

“Não era impressão, está muito mais lento que antes!”, o lançamento monstruoso, que nem a barreira do Brutamonte conseguiu parar, com certeza foi feito com o auxílio de alguma magia ou um modo alternativo dessa luva.

Ele apertou o botão e a lança retornou.

Assim, sobrevivi aos dois lançamentos.

Mas a lança voou, me pegando desprevenido e eu desviei por pouco. Dessa vez, parte da minha perna havia queimado, de forma mais grave que na costela.

Cerrei meus dentes e olhei por todo o ambiente, procurando alguma mudança, o tal sinal, sem sucesso.

Com um clique, a lança retornou. Outro ataque e outra queimadura, levemente mais grave.

Então, finalmente percebi que não estava desviando por mérito meu, mas que ele estava errando propositalmente.

“Mais alguns lançamentos e vai ser impossível desviar, cadê o Vibogo?”, mesmo que só tivesse acontecido um imprevisto, desisti de focar em comprar tempo e passei a considerar que estava sozinho nessa luta.

Costela esquerda, perna direita, costela direita...

Me virei de costas para ele e comecei a correr em direção ao rio.

Quando ouvi o som da lança sendo atirada, apostei que ele miraria na minha perna esquerda, pelo padrão e desviei de acordo.

A lança errou totalmente e logo que cravou o chão, corri e a segurei com a minha mão direita. Um chiado alto soou e uma dor excruciante tentou me forçar a largar a lança, mas com a minha vida em jogo, levantei a arma e joguei no rio.

O grão-mestre apertou o botão diversas vezes, mas com o tempo médio de atraso dos últimos arremessos: cinco segundos, contados nos últimos lançamentos, sabia que falharia.

Quando a lança começou a ser retraída, por causa do fluxo do rio, a luva é quem começou a ser puxada e levada pela correnteza. Ele tentou segurá-la com as duas mãos, mas a corda arrebentou e a lança foi levada para longe.

Antes dele se recompor, eu peguei a linha de pesca e arremessei no pescoço de um dos guardas, que havia se aproximado para acompanhar o desfecho dessa batalha.

A linha deu quatro voltas ao redor do pescoço dele e o gancho prendeu em sua camiseta.

Ele tentou desesperadamente arrancar o fio com as mãos e vendo que não funcionava, sacou sua espada para tentar cortar. Nesse momento, eu puxei, e a linha o estrangulou e o trouxe para perto.

— Que tal encerrar em uma trégua? — sugeri.

— Você acha que eu me importo se um ou dois morrerem? — respondeu o grão-mestre.

— Seu psicopata! Como pode ter uma atitude tão desumana? — Entrei na atuação dele e lentamente fui me afastando, desamarrando a linha e sussurrando alguns comandos para o guarda: — Se não quer morrer, é bom correr para longe do rio.

Ele concordou com a cabeça e começou a correr em direção a floresta.

E quando o grão-mestre desviou o olhar para ele, o Vibogo surgiu de trás e acertou sua nuca com uma grande pedra, o desnorteando e facilitando com que o próximo golpe conectasse, um mata-leão para finalizar.

Comecei uma contagem regressiva na minha cabeça. Se ele conseguisse manter por um minuto, venceríamos com certeza.

Nos primeiros segundos, o grão-mestre arranhou o braço do Vibogo e deu cotoveladas em sua barriga.

Perto dos vinte segundos, ele parou de tentar escapar.

E exatamente na marca dos trinta segundos, uma fumaça espessa e escura, começou a escapar do seu nariz e ouvido.

Usando da mesma habilidade para esquentar a lança, ele ferveu o próprio corpo, forçando o Vibogo a soltar em trinta e quatro segundos.

“Quase...”

O grão-mestre se afastou, para recuperar o fôlego, tateou seus bolsos e só então percebeu que o orbe foi roubado.

O Vibogo encostou a esfera de vidro no peito, que rachou, brilhou e mostrou um símbolo. Então ele colocou suas duas mãos no chão, fechou seus olhos e um redemoinho de vento surgiu ao seu redor.

“Quebrar um cristal mágico barato assim, só dá um ventinho e mais nada...”, relembrei do que o Vibogo me falou, na primeira vez que vi o grão-mestre.

Aguilar checou em todos os cantos, esperando um ataque, mas nada aconteceu.

Prestes a terminar o encantamento, um homem saltou da multidão, agarrou o rosto do Vibogo e bateu inúmeras vezes contra o chão.

Em seu ombro, havia uma placa prateada, com uma estrela dourada. Em suas mãos, havia sangue, antes mesmo de tocar no Vibogo.

"Foi ele que arremessou na primeira vez!", isso explicaria a diferença significativa de velocidade e como fui capaz de desviar tão facilmente.

— Que agressividade... — Para a surpresa de todos, depois de tantos golpes, o Vibogo parecia ileso. — Cuidado para não [explodir] de raiva!

Fui lançado para trás e voei até bater as costas em uma árvore. Um zumbido surgiu nos meus ouvidos e minha visão ficou desnorteada por alguns segundos.

— Bom, agora não tem mais motivo para usar isso... — O general conseguiu resistir essa explosão, mas o rosto de Vibogo, que escapou nesse ataque surpresa, começou a derreter como argila.

“Uma máscara... De novo?”

Até em sua face verdadeira, ele ainda era caolho, mas todo resto estava diferente: sua pele era bem cuidada como a de um jovem vaidoso, seus cabelos verdadeiros eram curtos como a Selena, várias tatuagens de símbolos estranhos cobriam a parte inferior de seu rosto e em seu olho vazio, habitava alguma coisa sinistra.

Sendo mais preciso, muitas coisas.

Um enxame de insetos começou a se rastejar para fora do olho do Vibogo. Cada um deles, carregava consigo um pequeno pedaço de papel, com um círculo mágico e todos se moveram sincronizadamente, engolindo o general.

— Visconde Bosco?! — gritou o grão-mestre, caído ao meu lado, igualmente ferido.

— Já me conhece? Isso acaba com a graça da revelação... Vou me reapresentar mesmo assim, para o nosso herói. Sou chamado de Bosco Glance, fundador da infame família Lance e conhecido como um andarilho que trás a discórdia! Ou Vibogo, se preferir.

— Você é o pai adotivo da Selena?

— Errou por algumas gerações.

— Bisavô?

— Esse é o meu neto.

O tremor retornou, derrubando todos os insetos no chão.

— O que você veio fazer aqui!? — gritou o general, empunhando sua espada e seguindo com uma sequência de ataques frenéticos.

— Que rude [interromper]. Não aprendeu [modos] em casa?

Os insetos se reergueram e retornaram ao Vibogo, distraindo o general, que recebeu um gancho na cara.

O soco foi inefetivo, porém nesse ataque, um papel foi colado em sua bochecha.

— [Ativar]!

A face do general começou a se cristalizar, então ele socou seu próprio rosto e avançou no Vibogo.

— Ele é tão forte quanto um general? — perguntei para o Aguilar.

— Se uma luta parece balanceada entre um mago e lutador, o lutador geralmente está ganhando.

— Como assim?

O Vibogo seguiu com a sequência de magias e encantamentos, mas lentamente, o general começou a se aproximar.

Quando estava a um braço de distância, o general revelou o artefato que produzia os terremotos: uma trombeta de ossos. E apertou firmemente até que se rachasse em pedaços.

A partir do braço que quebrou o artefato, uma sequência de esqueletos emergiram e um mar de mãos imobilizaram o Vibogo.

— Foi uma honra conhecer uma figura histórica! — No corte que deceparia a cabeça do Vibogo, um machado voou entre os dois, forçando o general a andar para trás.

Junto do Saturno, mais vinte prisioneiros se juntaram a batalha.

— Com licença... — Seguido de uma chama que alcançou o céu, uma erva daninha brotou de dentro dos ossos e livrou o Vibogo. — Mande abraços para o pessoal da floricultura, por mim!

Pensei que números brutos de prisioneiros aleatórios mais atrapalharia que ajudaria, porém, todos se moviam tão bem quanto o exército do general, que também se uniu a batalha, que escalou em uma confusão tremenda.

— Aqui não tem mais espaço para nós dois, vamos fugir? — sugeriu Aguilar.

— Eu... Estou curioso para ver a conclusão disso tudo.

— Já acabou, o general foi pego em uma armadilha.

Olhei para esquerda e vi uma onda enorme se formar à distância, pelo rio.

Aguilar me ajudou a levantar e corremos com toda nossa força restante, para não sermos pego pelo tsunami.

— No fim, nossas apostas terminaram um a um. Estou ansioso para nosso próximo encontro! — gritou Vibogo, do outro lado do rio.

Não havia nem sinal dos outros prisioneiros, nem dos guardas.

“Como ele passou para lá?”, no braço que ele acenava para mim, também carregava o artefato do general, em sua forma original.

— Mas e os outros dois pedidos que você ficou me devendo!?

— É verdade... Se um dia nos reencontrarmos, vou lembrar deles!

Sorri, contente por descobrir que poderiam valer muito mais que esperava. Se ele era o fundador de uma das guildas mais influentes do país, eu poderia pedir dinheiro o suficiente para não ter que trabalhar até o fim da minha vida ou um resgate, caso fosse sentenciado.

“Mas e agora?”

Se eu acabar sendo pego agora, a culpa por matar o general vai cair em mim? Nessa curta janela de tempo, o Vibogo teria que se preocupar com a própria fuga.

— Os guardas estão bem?

— É obrigatório saber nadar para se juntar ao exército — respondeu Aguilar. — Eles vão ficar bem... Tirando o general. Perder um artefato daquela classe, pode custar mais do que a vida dele.

Argh... — Agora que o perigo passou, as queimaduras voltaram a doer com tudo. — Pode me levar para enfermaria?

— Com todo prazer, caro amigo fraco.

"E o trabalho do Khajilamiv acabou de aumentar..."

 

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