Volume 1 – Arco 1
Capítulo 17: Última fuga I
Lucca Massaro Monti
No início, olhávamos para todos os cantos, desconfiando que pudesse haver mais guardas fora dos muros da prisão. Mas conforme fomos adentrando em uma densa floresta, onde as construções e estradas foram lentamente desaparecendo, começamos a nos soltar mais.
— Que inseto estranho... — disse o Poeta. — Será que é o resultado de um experimento?
Me aproximei do galho que ele estava apontando e sobre uma das folhas, vi um escorpião preto com vários pontos roxos em seu tronco, que se estendia em três caudas com ferrões que reluziam como ferro.
— Um bicho desse tamanho nunca escaparia de lá, deve ser só um monstro comum.
— Escaparia de onde? — perguntei.
— Fora de Fortuna, os criadores de quimeras estão por toda parte: tanto clandestinos, financiados pelo governo ou por grupos comerciantes, são poucos os que são rigorosamente observados e até hoje isso resulta em muitos roubos, fugas e ações de má fé, que libertam pragas devastadoras no mundo. Então, nos outros reinos não seria uma surpresa achar um híbrido ou monstro mutante andando pelas ruas, mas aqui, há uns cem anos atrás, o Duque Fortuna daquela época fez uma grande perseguição contra os laboratórios ilegais e unificou todos os minimamente regularizados em um grande laboratório fiscalizado diariamente. Por isso, agora até os ilegais tomam cuidado para não deixar nenhum experimento fugir, principalmente do lado de uma construção do Ducado.
Quando cheguei nessa prisão até me veio o pensamento: “se aqui dentro é tão bom, imagina lá fora?”
Mas depois do relato do passado do Brutamonte e agora a informação de que cientistas malucos estão por toda parte, comecei a reconsiderar se valia mesmo a pena fugir da prisão, só para morrer para um Frankenstein maluco ou bandidos.
— Uma caverna... Ou será que demos sorte e é um túnel? — Depois de caminhar bastante, chegamos em uma enorme montanha, com uma entrada circular do dobro da minha altura, revestida de madeira velha.
O Vibogo entrou lá, olhou para os dois lados e voltou com o polegar para baixo.
— É uma mina abandonada que já desmoronou.
Depois de nos certificarmos que o prisioneiro do segundo nível não abriria a boca, descemos preocupados sobre como passaríamos do portão trancado, sem a chave mestra que o Vibogo carregava.
Mas quando chegamos lá, todas as portas já estavam abertas.
Caminhando pelo último corredor que levava a saída, encontramos o Vibogo mexendo no rastreador e assim chegamos até aqui.
— Vamos fazer uma pausa?
O Brutamonte pegou emprestado o novo machado do Saturno, derrubou uma árvore e arrancou os galhos, criando um banco para descansarmos.
— Obrigado. — Depois dele devolver o machado, o Poeta fez sua contribuição, desdobrando e colocando um longo lençol branco sobre o tronco.
— Onde você pegou isso? — perguntei.
— Na biblioteca. Estava pegando poeira, cobrindo uma estante aposentada.
— Pensei que só o Saturno era de pegar tudo que via pela frente.
— Olha quem fala, deixa eu ver esse seu bolso aí, para ver se não encontro nada!
Nos sentamos e começamos a discutir:
— E agora? Querem passar por cima da montanha ou dar a volta? — perguntou Saturno.
— Sempre tive vontade de fazer uma escalada dessas, mas sem equipamento, é um risco desnecessário. — Sem dúvidas, o Brutamonte e o Saturno conseguiriam atravessar com facilidade, mas para o resto de nós, a montanha era íngreme demais. — Vamos dar a volta.
Todos concordaram e depois de descansar por uns quinze minutos, seguimos andando.
— O que é aquilo em cima da árvore?
— Onde? — Saturno já estava pronto para arremessar seu machado, mas depois de ver o que era, cravou no chão e subiu a árvore. — É uma preguiça!
Ele se aproximou e brincou com o animal, depois o abraçou e pulou da árvore.
— Deixa eu ver! — E o Poeta começou a passar a mão na bochecha dele, sorrindo de orelha a orelha.
Incrivelmente, até o Brutamonte entrou nessa.
“Nesse mundo domesticaram as preguiças?”
O bicho preguiça que conhecia tinha um pelo curto e marrom, uma cara simpática, longas garras e longos braços. Mas esse era diferente: os olhos da preguiça desse mundo eram brilhantes, seu pelo era fofo como um Spitz-alemão depois do banho e suas garras quase nem eram perceptíveis.
Hesitantemente, coloquei minha mão nas costas dele e uma descarga elétrica percorreu meu corpo. Imediatamente senti a abstinência de meu gato e as minhas mãos se moveram sozinhas para acariciar ele.
— É bom, não é? — disse Vibogo. — Esse é um dos monstros que sofreram a melhor modificação pela maldição: além de criar uma cola com as patas para escalar as árvores, ele é capaz de usar uma magia que traz ilusões felizes!
Alguns minutos depois, o animal ficou satisfeito e foi como sair de uma hipnose. O sorriso bobo do Brutamonte desapareceu na hora e o Saturno devolveu a preguiça para a árvore, depois de dar alguns petiscos de fruta.
Por conta do meu problema com mana, eu não senti efeito algum da magia, nem vi ilusão alguma. Aquilo foi só a fofura do animal me encantando mesmo, mas não tinha motivo para mencionar isso para os outros.
Depois desse encontro, passamos por diversos outros animais, plantas curiosas e alguns monstros hostis, que o Saturno lidou do jeito dele.
No geral, todos estavam bem animados, até nos deparamos com mais um obstáculo.
— Droga, tem um rio aqui. — Ninguém nem propôs a ideia de tentar nadar. A correnteza era feroz e alguns detritos consideráveis, que passavam periodicamente, matariam em segundos, qualquer um que tentasse passar sem um bom plano.
Enquanto resmungávamos, o Saturno se abaixou, fez uma concha com as mãos e bebeu a água.
— Você é imune a maldição? — perguntei.
— A água do lago é levada por toda prisão, sem tratamento e você nunca perguntou isso antes de beber das fontes — respondeu o Brutamonte.
— Nunca perguntei, porque achei que fossem tratadas.
— Como você não sabia disso, trabalhando no setor do lago? Ou melhor... Seu plano anterior dependia disso. Fez aquela sugestão sem nem estudar a trajetória da água que ia usar para fugir?
— Cheguei faz pouco tempo, não tinha como saber de tudo.
— Toda água desse rio, que desagua no lago, é tratada direto nas nascentes — disse Vibogo.
— Então os outros rios dentro de Fortuna também são potáveis?
— Nem todos. Só os que abastecem grandes cidades ou passam por muitos vilarejos. Em vilas pequenas ou cidades isoladas, eles tratam da maneira mais convencional.
— Tirando aquelas que saíram no jornal faz uns anos... O incidente misterioso do poço! — disse o Poeta.
— Isso já foi desmentido faz tempo — disse o Brutamonte.
— Mas nesses lugares, até hoje eles importam água de cidades próximas.
Completamente por fora desse assunto, deixei eles discutirem sozinhos e me abaixei para tomar um pouco da água do rio.
— Sistema?
“Nada apitou, então deve estar tudo bem.”
— Seria bom se a gente tivesse uma garrafa... — disse o Poeta.
— Não tem uma magia para criar uma ponte aí na manga, Vibogo?
— Tá achando que eu sou o Gamaliel?
— Quem? — Nesse caso, fui vencido pela curiosidade.
— O único que conseguiria inventar uma magia dessas do nada.
— Uma magia sofisticada como essa, pelo caminho que ele percorre, só pode ser encontrada em livros ou grimório caros demais para alguém como o Vibogo ter acesso. E sem ter aprendido antes, ele teria que inventar na hora — explicou o Brutamonte. — Anomalias assim são chamados de gênios, e gênios entre os gênios são comparados aos discípulos do Gamaliel.
— Nem o próprio, mas seus discípulos?
O Brutamonte pegou um graveto caído e desenhou com calma, um mapa detalhado no chão.
— Esse era o mapa antigo de Kalogakathia, o império que estamos.
Considerando as escalas de um mapa, ele fez um círculo gigantesco no centro dele.
— E esse é o atual.
— O que aconteceu aí?
— Alguns anos após ninguém se atrever a aceitar um duelo com o Gamaliel, esse foi o fatídico dia em que ele mesmo decidiu testar a sua magia mais forte de ataque, contra a própria magia mais forte de defesa. E o resultado foi uma fenda de centenas de metros de profundidade, no meio de um dos lagos mais famosos do império, batizado em sua homenagem.
— Uma das minhas viagens dos sonhos! — exclamou o Poeta. — Todo bom artista de nossa geração, já fez uma obra sobre essas incríveis cachoeiras.
— Então o arsenal de defesa dele é mais fraco que o de ataque?
— Olhando por esse lado... Bom, depois desse dia, ele começou a procurar todos os tipos de magias de defesa ao redor do mundo, então não me surpreenderia se ele repetisse o mesmo experimento hoje e o resultado terminasse no completo oposto.
O nível do rio subiu e apagou o mapa. Demos meia volta e fomos pelo outro lado, passando novamente pela mina abandonada.
...
E dessa vez, mesmo depois de uma hora de caminhada, tudo correu bem.
“Só mais algumas horas e devemos encontrar uma estrada!”
A densidade da floresta começou a diminuir, conseguimos enxergar algo a frente e então vimos o tronco com o pano e a mina abandonada.
— Mas que...
Todos já estavam exaustos e o Sol começou a se pôr, então decidimos parar de andar por hoje.
“Estamos presos em uma armadilha ilusória onde andamos em círculos?”, uma conclusão absurda e precipitada, mas instintiva para alguém que leu incontáveis exemplos parecidos.
Nesse tipo de labirinto, só me lembro de duas formas de escapar: com ajuda do criador ou encontrando e destruindo o dispositivo que sustenta essa ilusão.
Com o Vibogo, comecei a investigar as árvores, pedras e tudo que fosse suspeito, para checar se havia algum tipo de inscrição ou artefato nelas.
No tempo em que saímos para procurar uma forma de quebrar a ilusão, a noite chegou por completo e a temperatura caiu drasticamente.
Por conta dos quartos fechados e climatizados das celas, nunca tinha percebido o quão frio ficava durante as noites.
— Desse jeito vamos morrer congelados.
— Que tal dormimos abraçados? Vi algo assim nos meus dias de exército — disse Vibogo.
Essa ideia foi fortemente rejeitada.
— E se a gente matar um animal grande, como um urso ou cavalo, tirar as tripas deles e dormir lá dentro? — sugeriu Saturno.
— De novo não. — E o Poeta se virou na minha direção, com uma expressão surpresa. — Se tivesse algum animal assim, já teríamos encontrado no caminho.
“Será que não tem outro jeito?”
— Já sei! As barreiras que você consegue criar... Não tem como estender elas, para caber todo mundo? — perguntei para o Brutamonte.
— Só para aprender a moldar livremente a barreira, eu precisaria ser um discípulo oficial interno. E a barreira térmica é a sexta das dez barreiras.
— Acho que vocês estão exagerando, nem está tão frio assim. Não é só construir uma fogueira? — sugeriu o Poeta.
Em meio a tantas ideias malucas, esquecemos completamente o mais óbvio.
O Saturno reuniu a madeira, o Vibogo acendeu a fogueira e ficamos em volta, admirando o fogo, colocando nossas mãos para perto e fugindo da direção do vento, que espalhava as cinzas direto nos nossos olhos.
— Sem comida para cozinhar na fogueira, é meio chato isso... — disse o Poeta.
— Concordo! — E Saturno agiu de imediato; fez uma tocha improvisada e saiu para caçar.
— Que animal será que ele vai trazer? — perguntou Vibogo.
— Do jeito que ele é, acho que um búfalo.
— Você mesmo não disse que é improvável ter animais tão grandes nessa floresta? — discordou o Poeta.
— Só espero que não seja a preguiça — disse o Brutamonte.
— Ele não faria isso... Ou faria?
O tempo passou, a fogueira começou a perder a força e jogamos mais lenha. Juntando um monte de folhas, o Poeta criou uma cama improvisada, se deitou e começou a cantar palavras sem sentido.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Procurando inspiração para novas canções e poemas, imitando os sons do ambiente.
Quando ele finalmente encontrou uma ideia principal, ele pegou seu caderno, escreveu por um tempo e começou a cantar uma longa canção.
Batemos palma e o Poeta voltou a escrever.
Mais tempo passou, a fogueira começou a perder força, a lenha acabou, então saímos para pegar mais madeira. Voltamos, alimentamos o fogo e nos sentamos novamente.
Entediado, olhei para o céu: mais brilhante que o da cidade onde morava e menos brilhante que o sítio de meu avô. Comecei a procurar pelo Cruzeiro do Sul, sem sucesso.
“É claro que em um mundo diferente, o céu e as estrelas também seriam diferentes”, eu esperava alguma mudança mais perceptível como duas luas ou uma lua gigante de uma cor diferente, mas quando não encontrei isso, erroneamente assumi que todo céu seria igual.
— Qual o formato da Terra? — perguntei ao Vibogo, tentando descobrir o quão avançado esse mundo estava, em relação a astronomia.
Ele apontou para o chão e perguntou, confuso:
— Essa terra?
— Perdão, quis dizer o planeta que estamos. Terra era o nome do meu planeta.
— Ah, sim. Geoide.
Eu sabia que a Terra também tinha esse formato, mas não sabia direito quando foi descoberto ou que ferramenta foi usada, para definir o avanço desse mundo.
Pensei em mais perguntas, mas acabei percebendo que eu era mais ignorante do que pensava nesse assunto. Logo que pisei fora da escola, esqueci quase tudo e nunca precisei reaprender esse conhecimento para trabalho nenhum.
— E qual a constelação mais famosa?
— Aqui em Kalogakathia, a coroa do rei Modros. Aquelas estrelas que parecem um W.
— Sabe de mais quantas?
— A partir dela, você consegue encontrar a cruz da Santa, logo em baixo e o colosso do mar, que abriga em seu centro a Estela mais brilhante, chamada tesouro. Mais para cima estão os grandes generais e o patriarca. Para esquerda, a rosa do pirata perdido e para direita, o leque do estrategista divino. — E ele continuou apontando em um ritmo acelerado. — Do outro lado está o primeiro cavalo e a direita dele o gato. Olhando diretamente para cima, estão as sete joias do tomo do sábio, a torre, a moeda feita de um metal inquebrável e do lado deles, o monte dos filhos do meteoro, o caçador e o demônio sendo caçado. Quase saindo do horizonte está a dançarina da corte do rei de Kalogakathia e mais para baixo, o quadro.
— Onde aprendeu tudo isso?
— Com um velho amigo.
— Sabe sobre os planetas?
— Não consigo localizar os planetas de cabeça. Mas são eles, desde mais próximo, até mais distante do Sol: Vingança, Tortura; o nosso planeta: Festejo, Prosperidade, Sigilo, Ganância e Queda. Ao menos, assim são chamados em Kalogakathia, de forma em que a história do primeiro imperador ficasse marcada no cosmos.
— Que nomes esquisitos.
— Porque essa é a forma para se lembrar. Os nomes reais são: Vinc, Cantor, Jithnaris, Província, Sigo, Gadof e Dan.
— Então são sete... Não falta um?
— Que eu saiba, não.
A fogueira começou a perder força.
— Ele tá demorando demais...
— A fome faz o tempo passar mais devagar mesmo.
O Poeta começou a bocejar. Sua cabeça descia lentamente, suas pálpebras ficaram mais pesadas e ele finalmente caiu no sono.
— Tem certeza de que é a fome?
— Ele pode ter ido no banheiro ou sei lá.
Um por um, observei todos caírem no sono, até eu mesmo fechar meus olhos.
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