Hant! Os Piores Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Protocolo para seres de outro mundo

O sino tocou diversas vezes, como um despertador e as portas dos dormitórios foram abertas.

Minhas costas estavam doloridas, porque mesmo que a cama tivesse uma boa aparência, ela tinha um colchão bem fino e a sensação era como deitar direto em uma placa de metal fria, então fiquei um tempo rolando de um lado para o outro antes de me levantar.

Os guardas passaram checando os andares de baixo para cima e depois juntaram todos os prisioneiros no térreo, onde fizeram a contagem diária.

Tudo estava certo, então terminou rápido.

Como as pessoas desse continente não têm o costume de tomar o café da manhã, por causa da grande fome do passado, eu passei a maior parte da manhã sonolento, apenas seguindo os fujões, que reencontrei na mesma mesa do parque.

Eles me levaram para uma quadra onde fizemos alguns alongamentos e exercícios matinais, até que um guarda apareceu para me chamar.

— Você tem visita.

                                                                             Residência principal do barão Prykavyk, 1340 D.M

— ...Luz!

Ao aceitar as recompensas do sistema, Lucca se deparou com um clarão ofuscante que o cegou por alguns segundos.

Abrindo seus olhos, ele viu que não estava mais na ilha, e no lugar das paredes de pedra cobertas de musgo no subterrâneo do castelo, havia uma bem cuidada parede de madeira pintada de azul claro com padrões inspirados em círculos mágicos e uma estante que preenchia metade da parede, cheia de diversos livros que possuíam um tema em comum:

“Como domar a magia de fogo, para iniciantes”, “Relatos do mago da corte na sétima expedição ao continente demoníaco”, “Livro de magias variadas para iniciantes volume IV”, “Livro de magias divertidas volume XI”.

A esse ponto, Lucca já estava familiarizado com magia, mas ainda não havia tentado por conta própria.

— Os hematomas, cicatrizes e até a sujeira se foram... Dessa vez o sistema foi bem generoso.

Ao tentar pegar um dos livros da estante, ele foi surpreendido por um grito estridente.

— AHHHH! EU INVOQUEI UMA PESSOA! EU INVOQUEI UMA PESSOA!

Com uma expressão de desgosto, ele tampou seus dois ouvidos e se virou.

O resto do quarto estava inundado pela bagunça, o chão estava coberto com folhas de papel que variavam entre desenhos comuns e alguns círculos decorados com padrões bonitos.

Diversos brinquedos de madeira como bonecos de soldados e pelúcias de animais que pareciam familiares — mas com pequenas diferenças que nunca havia visto — estavam jogados em cima de uma cama verde, bastante desgastada, cheia de arranhões de garras.

Ao lado, a janela dava vista de cima para uma plantação gigantesca, algumas outras casas menores de apenas um andar com teto de palha, moinhos de vento com formatos estranhos e uma floresta distante, cortada por uma estrada de pedras.

— Os custos para manter mais uma pessoa na casa vão custar toda minha mesada! Desse jeito não vou conseguir comprar livros até eu crescer... — Talvez pela idade de um adolescente antes da puberdade ou extremo cuidado e delicadeza em seus movimentos, indicativos que sua natureza nobre, que sobressaia sua aparência de pequeno estudioso, ele parecia bastante ambíguo.

Lucca olhou para cima e viu que o teto se estendia por muitos metros e pendurado lá, um grande candelabro com pedras vermelhas no lugar de velas, iluminava o quarto.

— Com licença... Onde eu estou?... Caríssimo digníssimo excelentíssimo nobre — perguntou, depois de analisar seus arredores.

Ah, esses honoríficos são desnecessários para mim... Quero dizer... Pode usar se for mais confortável... Perdoe-me pelo nervosismo... Argh, preciso me acalmar! Não posso estragar tudo... O protocolo! Onde está... Onde está... Achei!

“Acho que dei sorte, parece um nobre do tipo simpático...”, pensou, aliviado.

O garoto arrastou uma cadeira para frente da cama, pegou o grande livro da estante, se sentou na cama e apontou para a cadeira.

Ele andou com cuidado para não pisar nos papeis espalhados pelo chão e se sentou na cadeira.

Então o garoto começou o interrogatório, balançando seus pés que não alcançavam o chão.

Caham... Caro senhor! —  disse o garoto, engrossando seu tom de voz.

— Senhor não... Penso o mesmo que você sobre esses honoríficos, sou novo demais para me chamar assim.

— Quantos anos o senhor tem?

— Vinte anos.

— E ainda não é casado!?

— Continue.

— Bom... A primeira pergunta é... De que continente o jovem cavalheiro veio?

— Continente americano.

— Americano? — O garoto se levantou da cama com um pulo, andou até a sua estante e trouxe de volta um mapa do mundo. — Americano... Americano... Será que é uma pequena ilha? Poderia ser um pouco mais específico, por favor?

Hm... América do Sul... Brasil....

— Brasil... Brasil...  — O garoto cobriu a sua boca com suas mãos, tentando esconder seu espanto. — Será que o jovem cavalheiro veio do continente demoníaco!?

Pff... Alguns concordariam com sua afirmação... Mas não, acho que não vim desse lugar.

— Se não veio do Norte, então deve ser do extremo Sul! Como o nome indica... Mas... Suas roupas são finas demais para o inverno rigoroso de lá.

— Miau. — Um gato branco de olhos vermelhos, que vestia uma coleira da cor de seus olhos e uma roupa que parecia um moletom com materiais da idade média, entrou no quarto.

O garoto prontamente o capturou e agressivamente o acariciou enquanto pensava e foleava o livro.

— Não pode ser... Será que o jovem cavalheiro... É um herói de outro mundo!?

— Herói? Estou bem longe disso, sou só um cidadão comum...

— Mas... Todos que surgem do nada e dizem ser de outro mundo, sempre são heróis!

— Teve outros?

— Inúmeros... Por que você acha que tem até um protocolo para isso?

— Quantos perrengues acontecem aqui para precisarem de tantos heróis? O problema é impossível de resolver ou os heróis são incompetentes?

— A taxa quase cem por cento de mortalidade dos noventa por cento que tentaram, indica a primeira opção.

— E os outros dez por cento?

— Vivem ou viveram por aí. Alguns dos que se recusaram a ir enfrentar os reis demônio perderam todo apoio do governo e morreram de fome. Os outros heróis que aceitaram ir salvar o mundo acabaram desistindo no meio e fazendo um protesto... — O garoto folheou o livro e entregou para o jovem. — Mas eles ignoraram essas manifestações até os heróis começarem a ir para o lado dos demônios. O problema se tornou urgente, mas como odeiam gastar dinheiro, acabaram criando essa lei de que quem invocou o herói se torna responsável por ele... Mesmo que o tal se recuse a salvar o mundo.

— Chamam até esses de heróis?

— Alguns desses, mesmo não lutando diretamente, tinham habilidades ou conhecimentos que ajudaram a humanidade.

— Entendi... Caso eu seja um suicida e decida salvar o mundo mesmo assim...

— Então a comissão da igreja virá te pegar ou você pode ir prestar seu depoimento para a sede que fica na capital do Ducado... Se o Grão-Duque não te recrutar para se tornar um professor ou guarda pessoal, vai ter que passar na capital do império para receber uma missão do parlamento. — O garoto parou de acariciar o gato, o soltando de volta ao chão e encarou o herói. — Olhe... Mesmo que seja melhor para mim e minha mesada te deixar ir e salvar o mundo, você provavelmente morrerá, por isso, é melhor que fique aqui.

— Obrigado pelo conselho... Talvez eu mude de ideia, mas por enquanto vou te ouvir.

— Eu vou te ajudar, então me ajude também! Trabalhe para mim e me devolva parte da minha mesada.

Ele riu.

— Agora sim você parece um nobre que imaginava. — E olhou para a janela novamente. — Fique à vontade para me explorar.

— Eu não... Que visão você tem dos nobres? Você no máximo trabalhará por umas cinco horinhas por dia. Está parecendo até... Ah, mas não conte para meu pai! Ele ficará furioso se descobrir.

— Mas ele não vai descobrir se eu trabalhar naquela plantação?

— Parte dois. Diga em voz alta “Inicializar o guia do contrato do sistema!”

— Inicializar o guia do contrato do sistema?

Uma janela da cor azul claro surgiu, com os escritos em branco:

“Você concorda com os termos? > Clique aqui para ler <

( ) Aceitar        ( ) Negar”

— Hm?

— O trabalho depende da sua habilidade inata, dependendo da habilidade que estiver aí, pode ser que em só um mês você pague tudo de volta! — O garoto viu o olho dele ir de azul escuro para azul claro. — Então, qual é seu poder jovem cavalheiro?

— Espera, estou lendo o contrato.

— É possível ler o contrato? Nunca mencionaram algo assim.

— Os outros devem ter aceitado sem nem ler... Talvez por isso que morreram.

O garoto pegou uma folha do chão e anotou o que ouviu.

—  O que diz aí? — perguntou o garoto.

— Algumas coisas bem sinistras. Esse sistema foi feito a partir de uma parceria entre um demônio famoso e uns seres chamados de “administradores de mundos”, vou aceitar mesmo assim.

— Um demônio!? Por que ele ajudaria os humanos a matarem sua própria espécie?

O herói aceitou as cláusulas, clicando na opção aceitar e minimizou a janela.

— Será que estamos falando sobre o mesmo tipo de demônio?

— Como assim?

— Tem algum livro com alguma imagem sobre os demônios que você fala?

O garoto desceu da cama, andou para a estante, pegou outro livro, folheou e abriu em uma pintura que ocupava uma página inteira.

— Aqui.

Como suspeitava, a definição de demônio dos dois mundos era bastante distinta. Sem a pele vermelha, os chifres e a cauda de demônio, os demônios desse novo mundo mais se pareciam com humanos, porém quase não usavam roupas, eram mais altos, possuíam seis dedos e tinham cabelos únicos.

“Dessa retratação o que tem mais chance de não ter sido distorcido são os seis dedos e a altura”, pensou Lucca, que sabia que os humanos tinham essa mania de desumanizar seus inimigos.

— Os demônios do meu mundo... São como semideuses ou espíritos malignos... Faz sentido?

— Faz mais sentido.

“O rei daquela ilha tinha seis dedos?”

— Acabou as perguntas?

— Agora só resta preparar a carta para o Duque, imperador e para a igreja... E claro, te apresentar para meu pai.

— Eu tenho duas perguntas. Primeiro, qual é seu nome?

— Me chamo Khajilamiv, sou da linhagem colateral dos Fortuna, filho do Barão Prykavyk Fortuna.

Er... Pode repetir, por favor? Um pouco mais devagar.

— Meu nome tem duas pronuncias, dependendo da língua que você estiver acostumado: Khajilamiv não tem tanto significado, é apenas o mesmo nome de um antepassado meu, mas na língua do império do Norte, onde se fala Kal-Jil-Amiv, seria os caracteres de dinheiro, lua e ciclo, formando a palavra salário! Pode usar a que for mais fácil para você.

— Kha... Ji... Lamive, Kal-jil... Khajilamiv Fortuna?

— Isso mesmo.

— Sobre seu pai... Ele também tem um nome alternativo?

— Pode chamar ele de Barão. E o seu nome?

— Me chamo... Marlim

— Esse não é seu nome real, né?

— Meu nome real não combina muito com o título de herói. Mas como descobriu?

— Livro de magias variadas para iniciantes volume II, página doze, magia da verdade, nível um!

— Você estava usando isso desde o começo?

— Impossível para o meu nível, me deixaria exausto.

— Então você confiou em mim só por ser um herói? Deveria tomar cuidado, assim como os heróis que traíram a humanidade, eu também não poderia ter más intenções?... Hm? Seu olho... Era assim mesmo?

O olho do garoto, que brilhava em dourado, se escureceu e mudou de cor para um verde esmeralda.

— No seu mundo, os olhos brilhavam normalmente?

O olho do garoto brilhava em dourado desde o início da conversa, mas ele havia considerado como mais uma das diferenças entre os mundos.

— Já que está ativo desde o começo, não deve ser a magia da verdade... O que é?

— Como escondeu seu nome, também não contarei o que eu vi ou o que essa habilidade faz.

— Meu nome real é Lucca.

— Para o seu azar acabou a mana do cristal que estava usando, então não tenho como saber se mentiu novamente. Qual a segunda pergunta?

— Você meio que já respondeu, então eu vou fazer outra, eu consigo usar essa magia?

— Quer tentar?

Lucca não demonstrava, mas estava gritando de empolgação internamente. Inúmeros poderes de jogos e grandes magias de filmes, havia uma longa lista que ele queria tentar, o que criou um dilema: “Qual vai ser o primeiro?”.

De cara ele eliminou os maiores e mais poderosos, depois, os mais destrutivos, e é claro, todos relacionados a fogo, depois, os muito complexos e os muito simples.

— Claro! — Então, ele finalmente chegou a uma conclusão.

— ...Voar! ...Luz! ...Água? — Khajilamiv desenhava os círculos de padrões bonitos em um papel e entregava para Lucca, que tentava infundir sua mana neles, encostando sua mão no papel e gritando a magia em voz alta. Esse processo se repetiu até a última página do livro de magia iniciantes, mas não houve um sucesso sequer.

— Será que... — O garoto abriu um pequeno baú, escondido de baixo de sua cama, e retirou dele uma esfera de vidro com dois resistores no centro. — Pode colocar sua mão aqui, por favor?

— Tudo bem. — Ele encostou a mão no vidro, mas nada aconteceu.

O garoto ficou perplexo, andou de um lado para o outro, murmurando palavras, checou diversos livros e pediu para que Lucca fizesse o teste mais algumas vezes.

— Não é possível, sua afinidade com a magia não é baixa... É nula! Como você está vivo?

— Deve ser porque eu sou da Terra.

— Ué, como assim? Você é uma toupeira?

— Ah... Esse é o nome do planeta, mundo que eu vim. Acho que lá as pessoas não nascem com mana.

— Mas os outros heróis também devem ter vindo do mesmo lugar que você, e não há registro de nenhum deles que não conseguisse usar magia.

— E se eles vieram de um mundo diferente do meu?

— Então você foi muito azarado... O número de pessoas que nascem sem condutividade de mana é muito baixo, mas os que sobrevivem mais que algumas semanas é zero.

— Então tenho algumas semanas de vida sobrando?

— Não sei, nunca houve um caso que chegou à vida adulta, então existe a chance da causa da morte só se aplicar a bebês... Ainda sim é bom ir para uma filial da catedral por perto ou a torre da medicina, para fazer alguns exames.

“Será que aquele tal de afogamento por mana destruiu minha capacidade de usar magia?”

Khajilamiv viu a tristeza tomar conta do rosto do herói e tentou o consolar.

— Mas você tem sorte! Ainda tem sua habilidade inata... Você não a viu ainda né? Ela pode ter algo a ver com isso, ou até pode te curar desse problema!

—  Abrir interface... — O olho de Lucca se tornou azul claro, então ele começou a deslisar seus dedos no ar como se fosse um celular. — Previsão... Do tempo? Eu estou morto mesmo.

Ao invés de consolar, a revelação da sua habilidade o deixou ainda mais desesperançoso.

— Bom, pode parecer fraco, mas certamente deve servir para alguma coisa... O que diz na descrição?

— Um porcento de chance de acertar o clima do dia seguinte... A cada previsão correta, a porcentagem aumenta em zero vírgula um porcento.

— Mesmo sendo muito sortudo, na teoria levaria quase 3 anos para masteriza-la... É ruim mesmo... Quero dizer, você deve ter aptidão para outras áreas!

— Será mesmo?

— É claro, você não seria invocado aleatoriamente por nada né? Todo herói tem que ter alguma coisa que o ajude a derrotar os demônios... Eu acho. — O herói continuou mexendo no ar, mas sua expressão indicava que não havia achado nada que o ajudasse. — Deixa disso... Já está quase na hora do almoço, vamos lá! Depois eu te levo para o campo de treinamento para continuarmos procurando algo que você tenha aptidão.

— Agora que percebi. — O olho do herói voltou para sua cor original. — Aqui não tem uma porta, você pula pela janela?

— Claro que não. — Khajilamiv abriu um sorriso ao ver a expressão de curiosidade tomar lugar da tristeza no rosto do herói.

O garoto pegou uma chave prateada que estava em cima de sua cama, então andou para a parte vazia da parede, ao lado das estantes.

— Uma porta secreta...? — perguntou Lucca.

— Isso mesmo!

A chave atravessou a parede como se fosse um líquido, então o garoto girou a chave em noventa graus, transformando toda aquela parede em um vidro translúcido; ele girou novamente em noventa graus, e o translúcido se tornou perfeitamente transparente; por fim, ele girou a chave em cento e oitenta graus, e a parede desapareceu por completo.

— Essa é a especialidade desse lugar!

— Portas?

— Está vendo toda aquela plantação? Essa porta é feita a partir daquilo.

— Uma planta que vira vidro e some?

— É muito mais versátil que só isso. — Khajilamiv saiu do quarto e Lucca tentou o seguir, mas foi impedido. — Espere aqui um pouco! Eu tenho que avisar os outros sobre você.

Ah, sim.

 Após o garoto sair, os minutos passaram lentamente. Sem sinal algum de sua volta, o herói começou a ficar entediado, então passou a analisar outras diferenças desse mundo com o seu.

A primeira coisa a se notar, era o cheiro. O quarto inteiro era perfumado de diversos cheiros, desde os mais tradicionais e reconhecíveis, até alguns novos, como o cheiro de livro novo misturado com um cheiro que parecia ser defumado, mas que não lembrava em nada churrasco ou outras comidas, e sim biblioteca. O cheiro era bom, mas forte demais para ser agradável e diverso demais para ser coerente.

Depois de andar pelo quarto, descobrindo os diferentes cheiros, se impressionando que até cada brinquedo possuía um aroma único, ele começou a olhar para os livros.

“Na idade média os livros eram bem caros... E se aqui for a mesma coisa?”, pensou, curioso para ler um dos livros da estante, mas com medo de acabar tendo que pagar por estragar alguma página sem querer.

O tédio pesou em sua decisão. Ele retirou cuidadosamente o livro que parecia ser o menos caro: um livro de capa de papel, com poucas páginas e de qualidade inferior aos outros. Então, o colocou sobre a cama e começou a virar página por página, com o maior cuidado.

O livro que pegou era uma história de aventura que parecia fantasia, mas levando em conta que estava em um novo mundo mágico, não conseguiu distinguir de imediato se aquilo era uma ficção ou um relato real desse mundo.

A história contava sobre um herói que acabou caindo em um mundo subterrâneo, seu desenvolvimento era interessante, mas seu final era decepcionante.

Mas o que mais interessou não foi a história em si, e sim as ilustrações, o nível de realismo era similar com o de seu mundo, mas as tentativas de estilização ainda estavam bem atrás. Uma ilustração do que parecia um astronauta o chamou mais atenção.

“Será que esse artista é um gênio, ou esse mundo é mais desenvolvido do que parece?”, pensou Lucca.

A fim de descobrir isso, ele devolveu o livro na estante e pegou outros dois. Um possuía uma capa com um desenho de um monstro e o outro era um livro de moda para magos.

Ao folear algumas páginas dos dois livros, estava bem claro, ao menos na pintura e no desenho, esse mundo era tão desenvolvido quanto o seu.

Lucca guardou os livros e quando estava para pegar outro, escutou passos pesados vindo do corredor.

— Pare! Eu vi com meus olhos, ele é um herói de verdade! — gritou Khajilamiv, desesperado.

O passo pesado, porém, continuou marchando.

Lucca considerou fugir pela janela, mas isso só pioraria a situação e não garantiria sua segurança. Mesmo que tivesse sucesso na fuga ele se lembrou do que o garoto havia dito. Outros heróis morreram de fome ao vagarem pelo mundo, e nada garantia que com ele seria diferente. Para piorar, seu poder não o ajudaria em nada.

— Identifique-se intruso! Quem pensa que é para invadir...

O soldado parou, confuso ao ver que o herói estava encostado na parede, com suas duas mãos na cabeça.

— Eu não tenho nada, eu não fiz nada de errado, sou inocente! — gritou Lucca.

— O que está fazendo? — perguntou o soldado.

— O procedimento padrão de enquadro desse mundo é diferente?

— Eu acredito em você, realmente ele não representa perigo algum, desculpa pelo mal-entendido. — O soldado se curvou levemente e saiu andando na mesma intensidade que veio.

— Procedimento padrão?... — perguntou Khajilamiv.

— Ignore isso, posso descer agora?

— Meu pai está fora, fazendo os preparativos para viagem e minha noiva só vem daqui alguns dias, não devemos ter mais problemas.

“Ele não estava me zoando antes?... Os nobres daqui também se casam tão cedo?”

— Que viagem?

— A reunião dos Fortuna. — Khajilamiv andou para o corredor, mas não resistiu à tentação de mais uma explicação. Ele voltou, pegou um livro da estante e começou a explicar. — Toda essa terra até a grande ponte é propriedade do Grão-Duque Fortuna. Como esse é um espaço grande demais para só uma pessoa governar, tudo isso é dividido em menores terras, como essa que estamos, onde os de sobrenome Fortuna governam. De quatro em quatro anos, o duque chama todos esses parentes para uma grande reunião na capital, e o mais legal, é que depois disso um grande banquete, talvez o maior do reino... Acontece e até os mais novos, como eu, podemos ir.

— Só os Fortuna podem ir nesse banquete?

— Se está querendo ir, não tem como.

— ...Vou ficar sozinho por quanto tempo?

— Tem outros empregados aqui, não se preocupe.

— Se todos forem iguais a aquele guarda de antes, eu prefiro ir com você.

— Vai ser só um mês, tenho certeza de que o herói aguenta.

Lucca andou para o corredor.

— Um mês? Em um mês eu salvo o mundo.

— A expectativa de vida do seu mundo é menor ou o calendário e conceito de tempo também é diferente?

Mas ele não respondeu, pois estava atento demais nos objetos do corredor para escutá-lo.

O corredor estava cheio de coisas estranhas. O cheiro do quarto era suave se comparado ao do corredor, que possuía um cheiro indescritível, tão diferente de tudo que já sentiu antes que não havia nem comparativos; o chão possuía a aparência de madeira, mas a textura de uma almofada, havia uma música eletrônica esquisita tocando bem baixo e para finalizar, os quadros nas paredes eram tão realistas que pareciam até fotos.

— Quem é o autor desses quadros? — perguntou Lucca.

— Ah, fui eu. — Lucca olhou para trás assustado, pensando estar diante do maior artista que já viveu na história. — Tirei essa foto na capital.

— ...Foto?

Khajilamiv quase foi pegar mais um livro para explicar a história da câmera fotográfica, mas Lucca o impediu.

— Eu sei o que é uma foto... Só não esperava que existissem nesse mundo.

— Está tudo bem, jovem mestre!? Por que estão demorando tanto? — gritou o cavaleiro, no andar de baixo.

 — Estou bem! Já estamos descendo! — respondeu Khajilamiv. — Podemos continuar conversando lá embaixo...

— Desculpe por todas essas perguntas.

— Fique tranquilo, conversar com um herói de outro mundo é uma experiencia que nem em meus sonhos poderia imaginar. — Após andar por diversas portas, ele chegou a um corredor que levava a dois caminhos, mas seguiu reto, onde só havia uma parede.

Khajilamiv apertou um botão na parede, que fez ela sumir. Logo depois, ele pulou. O herói se aproximou da beirada da queda, e viu ele flutuar graciosamente até o chão, onde aterrissou perfeitamente voltou a andar normalmente.

Lucca tomou coragem e pulou, mas diferente de Khajilamiv, sua queda foi desastrosa. Ele caiu girando, e ao ver que não flutuava, começou a gritar por ajuda. Ao chegar mais perto do chão, ele fechou seus olhos e protegeu sua cabeça, mas novamente contra suas expectativas, o chão, visualmente duro como concreto afundou, amortecendo o impacto como um travesseiro de espuma de memória.

— Por que não usou as escadas? — perguntou Khajilamiv.

— Tinha escadas? — perguntou Lucca, enquanto o chão travesseiro, lentamente voltava a sua forma original.

— Seguindo reto e virando à direita, erro meu em não avisar.

— ...Como eu faço para flutuar?

— Era para você flutuar automaticamente — Khajilamiv andou na direção do herói, checou o seu corpo e depois o circuito mágico no chão. — Que estranho, está funcionando normalmente... Será que a sua inaptidão mágica é tão alta que até magias de fora não funcionam? Definitivamente vou testar isso depois. Mas por enquanto, infelizmente você não tem outra opção além de usar as escadas.

— Cair assim foi bem divertido.

— Mas perigoso, portanto, não faça isso de novo.

“Então foi por isso que as magias de segurança do castelo não ativaram?”

A partir daquele momento, apenas desastres e mal-entendidos terríveis aconteceram.

                                                                                               

Mas essa é uma história para outro dia.

— Lucca? Pode vir, eles já estão esperando.

                                                                       

                                                                                                                      (Khajilamiv Fortuna)

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