Volume 1 – Arco 1
Capítulo 4: Livro do presente
Lucca Massaro Monti, São Paulo, 2017 D.C
— Que lugar único — comentou Gamaliel.
— Que cheiro horrível — comentou Esfayl.
A caminho do shopping mais próximo, alguns admiravam os enormes grafites coloridos, as telas mostrando propagandas, a hora e a temperatura e os altos prédios com luzes brilhantes, pulsando ritmicamente; enquanto outros encaravam as montanhas de lixo jogados no canto das ruas e as expressões mortas dos moradores, andando apressadamente.
Mas para mim essas coisas não eram tão surpreendentes.
O que pude notar de diferente é a ausência completa de moradores de rua, mesmo que o Brasil não tenha melhorado a ponto de se tornar de primeiro mundo, como confirmei na conversa com Nilo; a adição de algumas poucas pessoas de outros mundos: elfos, anões, fadas e ciborgues andando por aí e o aumento considerável de pessoas carregando armas.
Mesmo que a humanidade tenha conseguido de alguma forma fazer uma ilha inteira voar, a arquitetura e a tecnologia não haviam mudado tanto quanto eu imaginava, com exceção de uma catedral colossal, cheia de objetos voadores a rodeando, provavelmente a guilda que fez tudo isso e um grande elevador de vidro com um domo e uma escultura em cima, no centro da cidade, com o que parecia um aeroporto o rodeando.
Na verdade, havia partes que até parecia que havíamos até regredido um pouco, como na beirada da ilha que só tinha um corrimão que batia em meu quadril para evitar que alguém caísse e os milhares de fios elétricos embaraçados que prendiam a ilha no chão.
Forçando ao máximo a minha visão consegui enxergar algumas construções na cratera deixada no chão, cobertos pela sombra que a ilha fazia, algo perigosíssimo já que alguns pedaços da parte de baixo da ilha se desprendiam e pedras de vinte, trinta metros caíam a toda velocidade, mas não tinha certeza se eram de moradores ou seguranças e manutenção.
— O shopping está a dois quarteirões de acordo com esse aplicativo, acho que já dá para ver daqui...
— Com licença senhor, RG e permissão de entrada ou visto de moradia, por favor — disse um policial.
— Dizer que eu sou um herói que passou anos em outro mundo e acabei voltando aqui conta?
— É bom parar de graça e mostrar logo os documentos.
— Estou falando a verdade, não tenho nenhum dos que você falou.
— Então vai ter que vir comigo.
— Não vai nem perguntar nada sobre os outros?
Ele deu uma olhada sem energia alguma e continuou a anotar alguma coisa no tablet dele.
— Seus amigos são claramente visitantes de outro mundo, e ninguém de lá vem para a Terra sem passar por pelo menos um dia de interrogatório e uma pesquisa enorme de antecedentes criminais. Se eles tivessem qualquer coisa fora do lugar, eles nem passariam pelo departamento de imigração. Mas, para alguém como você, chegar escalando pelos fios, roubar, fazer um ataque ou pior, só precisaria de um pouco de estamina e muito tempo livre.
Vendo que não tinha jeito, escrevi algumas coisas no bloco de notas do celular e entreguei para Esfayl, com ajuda do Gamaliel, e fui levado para a prisão preventiva.
— Se essa pessoa duvidar, diga para ir me ver pessoalmente!
“Ser preso injustamente por não acreditarem que eu era um herói duas vezes é brincadeira.”
Lucca Massaro Monti, 1340 D.M
Não entendo por que me chamam de herói. Para ser sincero, eu estou mais do lado dos que me acusam que os que me defendem.
Seria correto dizer que escapei de meu mundo antigo para vir aqui, e fiz isso usando de uma chave que não era minha. Se o que descobri for verdade, que símbolo que representa os heróis é uma chave, é justo que eu seja chamado de fraude, já que nem isso tenho mais acesso, por motivos que venho tentando descobrir.
Por mais que eu tenha plena certeza de que sou um herói falso, para não apodrecer na prisão ou até pior, eu devo fingir ser um.
Que tipo de situação é essa...
Minha atuação deve ser boa o suficiente para convencer até aqueles que me prenderam e, se necessário, eu devo até agir como um para sobreviver aqui.
O mais irônico disso tudo é, que mesmo forçadamente, eu já fiz o que eles consideram ser o papel do herói. Mas como ninguém viu, é como se eu nunca tivesse feito. Para provar minha inocência, vou ter que passar por aquele inferno novamente? Se eu tivesse deixado qualquer evidência de que fui eu quem fiz aquilo... Por que tive que fazer um trabalho tão bom em limpar meus rastros?
Estou me distraindo demais.
Não adianta ficar me remoendo por algo que já aconteceu. Inclusive, mesmo que tivesse provas de que quem fez aquilo fui eu, seria preso de qualquer forma. Mesmo que seja a missão do herói exterminar os demônios, tenho quase certeza de que exagerei demais...
Primeiramente, meu nome é Lucca Massaro Monti, nasci na Terra, mais especificamente no Brasil e meus sobrenomes italianos se devem aos meus bisavôs. Apesar desses detalhes serem irrelevantes para alguém desse mundo, isso pode servir se encontrar outros heróis. Se quer saber mais que isso? Infelizmente vai ter que se contentar com isso mesmo, não é muito inteligente confiar mais que isso para pessoas que pararam aqui...
Foi difícil resistir ao impulso de inventar um nome, mas acho que fiz o certo.
Devo estar parecendo um lixo humano.
Juro que não sou! Isso soou pior ainda... Enfim, na Terra eu era um trabalhador honesto de uma família humilde, até não ser mais.
Fui demitido, meu padrasto foi assassinado, meus irmãos desapareceram e tudo isso parece ter sido culpa da mesma pessoa que quase me matou quando investiguei a fundo a morte de meu padrasto.
Esse tanto é o suficiente? Como disse antes, me abrir mais que isso deve ser incômodo...
No auge de toda essa desgraça, uma chave que encontrei no bolso desse demônio que pulou no meu olho esquerdo, revelando a porta que eu entrei para vir para esse mundo.
Será que posso contar isso ou é um segredo entre os heróis? Vou guardar essa parte.
Nesse lugar eu não encontrei a recepção que esperava. Desde que eu cheguei tive que lutar para sobreviver, e como “recompensa” disso tudo eu ganhei uma passagem direta para a prisão por culpa de um enorme mal-entendido.
Inclusive, a suposta vítima, o filho do barão Fortuna, está buscando uma forma de me tirar daqui, o que só prova a minha inocência! Fiquei sabendo disso quando consegui conversar com ele logo antes de ser vendado, acorrentado e forçado a caminhar nesse corredor úmido. Posso provar essa parte em uma das visitas futuras que ele prometeu fazer...
Certo! Isso deve ser o suficiente para fazer eles acreditarem em mim!
Como deu para perceber, no curto período em que estive nesse mundo, que pode parecer bonito à primeira vista, disfarçado pelos avanços tecnológicos das pessoas como eu, descobri sua verdadeira essência, bastante arcaica.
Com algumas emendas, eufemismos e disfarces, o sistema que predomina aqui é o monárquico, mesmo que eles possuam um parlamento, parecido como o passado de meu mundo antigo.
Agora que parei para pensar, será que as prisões também vão ser a moda Idade média? Vou ser torturado diariamente por um carrasco em um calabouço? Acho que não fariam algo assim com alguém que ainda está em julgamento.
Hm? Estou vendo uma luz através da venda, acho que estamos chegando.
Vamos lá, recapitulando! Desde muito novo...
Depois de repetir mais duas vezes meu roteiro da inocência, eles soltaram minhas correntes e desamarraram a venda. Revelando um problema ainda maior para eu lidar.
“Hã? Isso é normal? Por que tem tanta gente!? Pensei que seriam no máximo quatro pessoas na minha cela... Quantas pessoas tem nessa sala!? Vai ter comida o suficiente?”
— Com licença guarda, todas essas pessoas são meus companheiros de cela?... — perguntei. — Eh... guarda? Alou, tá me ouvindo?
Mas minha voz foi completamente soterrada pelos gritos histéricos de todos.
Com isso, todo o meu plano foi por água abaixo. Eu nunca iria imaginar que teria que explicar para mais de... dez, cinquenta, cem, duzentas pessoas? A esse ponto eu só estava torcendo para sair vivo.
— Herói! Por favor assine minha camiseta! — gritou um dos prisioneiros.
Herói... Herói!? Como assim, será que não contaram para eles que eu fui justamente acusado por não conseguir provar ser um?
Como essa era uma omissão que me favorecia, não tinha motivo para corrigir ninguém que pensava assim. Forcei um sorriso e segui em frente, mas um deles entrou na minha frente.
— Com licença, poderia me deixar eu passar? — perguntei, mas fui deixado no vácuo.
Uma briga no meu primeiro dia? Não, ele deve... Ele pode não entender a minha língua! Deve ser isso.
Apesar de eu ter conseguido me comunicar com o filho do barão em inglês, é bastante possível que essa seja uma língua dos heróis só ensinada para os nobres.
Mas e agora? Como eu vou sobreviver aqui sem saber falar uma palavra?
— Guarda?... — Meu pedido de ajuda foi novamente ignorado, comecei a considerar se ele era surdo ou se estava fazendo isso de propósito.
Desesperado, comecei a pedir para ele sair em todos os idiomas que cheguei a fuçar na pilha de dicionários do meu padrasto. Como inglês não funcionou, talvez português? Ou francês? Espanhol... Será que estou falando muito baixo?
Quando estava prestes a desabar, para minha salvação, quatro prisioneiros vieram me ajudar.
— Idiota um aqui, pronto para o resgate! — gritou desafinado, um caolho que saltou do meio da multidão, quebrando o clima pesado no ar.
— Idiota dois, para igualar o combate! — gritou logo em seguida outro prisioneiro, que saltou na sequência.
— Idiota três, só para manter a sonoridade! — gritou o terceiro, um loiro, que diferente dos outros, estava visivelmente amedrontado, mas foi mesmo assim.
— Só deixem ele quieto — O último não gritou nem pulou na minha frente. Ele era alto o suficiente para ser visto até mesmo de dentro da multidão e forte o suficiente para ser o mais efetivo, mesmo fazendo o mínimo.
— Ih, quebrou o ritmo — disse o caolho.
— Esperamos essa oportunidade por tanto tempo, por que não colabora? — perguntou o prisioneiro normal.
— Você não estava fugindo? — perguntou o loiro.
— Eles não querem lutar — respondeu o gigante.
— Como não? Olhe para essa cara feia, enrugada, cansada, emburrada, de quem quer arranjar briga estampada no rosto dele! — disse o normal... (Acho que sem noção seria mais apropriado) ...apontando para o rosto dele.
O homem, que estava impedindo o caminho, virou seu olhar para o sem noção, que rapidamente pulou no meio da multidão e fugiu.
— Que cena toda é essa? Como o Brutamonte aí disse, eu não quero arranjar confusão. Herói, quer se juntar ao meu grupo?
— O que? Ele estava certo?
— Um herói não combina com você, por que quer ele? — perguntou o loiro.
— Como não? Heróis são assassinos celestiais trazidos para exterminar até o último inimigo. Se ele for mesmo um herói, ele é o homem mais assustador dentre todos nós, não é perfeito para meu grupo? — Então se virou novamente para mim. — Sei que sua estadia por aqui é passageira, posso garantir que ficará seguro e o mais confortável possível nesse tempo, junte se a mim e tudo que eu peço em troca é que se lembre de mim no futuro, quando for solto.
De jeito nenhum que eu iria com ele, a questão era como recusá-lo.
— O que vai escolher herói? — perguntou um prisioneiro loiro.
— Vocês... Eu vou com vocês! Por favor me ajudem... — Como falei a segunda parte quase cochichando, aparentemente eles não ouviram.
O marmanjo que estava bloqueando o caminho saiu bem irritado, mas não disse mais nada, nem reclamou ou tentou continuar arranjando briga.
Olhando assim, esses quatro devem ser os manda chuva desse lugar. Quero dizer, é só ver o tamanho do monstro que é o quarto integrante deles, ele é bodybuilder? Como ele manteve esses músculos na prisão? Vou pedir umas dicas para ele futuramente.
— Por favor me ensinem tudo sobre como funciona esse lugar. Se não for muito incômodo para vocês, é claro...
— Até podemos... Mas em troca, conte um pouco sobre você!
— Claro, meu nome é...
— Para, para, parou! Não escute esse Corvo safado! Seu projeto de olheiro de demônio, se aproveitar dos novatos é tabu! Quase que ele te ferra no primeiro dia... Primeira regra não escrita daqui: Nunca, em hipótese alguma revele qualquer coisa sobre você de antes da prisão! Nem mesmo seu próprio nome! — A saliva do prisioneiro caolho foi arremessada como uma metralhadora em meu rosto, mas decidi tolerar pela sua solidariedade.
— Mas então, como vocês se chamam? — perguntei.
Talvez assim como no exército eles se chamam por seus números? Mas não recebi nenhum quando cheguei, será que é por eu ser uma exceção? Então eu teria que inventar um número? Se eu tivesse, provavelmente seria 7... 14 e 22, ou tudo junto. O número das camisas que eu usei ao longo dos interescolares.
— Por apelidos inventados. Eu sou o poeta, o caolho é Vibogo, esse brutamonte é brutamonte mesmo e o outro é Corvo.
— Um apelido... — Não consegui conter minha decepção, que escapou na minha expressão. Se chamar de números seria muito mais legal, mas parando para pensar, realmente ia ser um saco decorar tantos números. — Posso ter um tempo antes de responder?
— Não precisa pensar muito, é óbvio que o seu vai ser herói — disse Vibogo.
— Se for sem graça ser chamado só de herói, podemos ser um pouco mais específicos. Qual o seu favorito? — perguntou o Poeta.
Me sinto desconfortável com eles me chamando de herói, mas negar deve só piorar a situação, decidi só aceitar esse como o meu novo nome provisório.
— Ainda não conheço os heróis daqui, pode me dar uma ideia de como os principais são?
— Claro! Primeiro tem o melhor de todos, o cantor, compositor e poeta...
— Ele não chega nem perto de ser um dos principais — interrompeu o Corvo. — Os principais são os seis clássicos.
— Quem vive de passado é museu, os novos heróis são os melhores! — disse Vibogo.
— Como você sabe que são melhores, se agora pouco você parecia não saber de nada? — perguntou o Brutamonte.
Interrompendo nossa conversa, o sino de metal que tocou com a minha chegada badalou em um ritmo semelhante ao de um toque de telefone.
— Continuamos essa discussão no almoço... Esse é o toque dos trabalhos voluntários, mas como ainda não deu tempo de você escolher um, pode ficar de boa por aí, nos encontramos aqui mesmo daqui a dois sinos — disse o Poeta.
Os quatro se despediram de maneiras bem inusitadas e eu acabei livre para explorar a prisão.
A primeira coisa que notei, logo que cheguei, foi a diferença do cheiro daqui para o resto do mundo. Não, não é asqueroso nem fedido, pelo menos na maior parte. Ao invés disso, nos lugares cheios de plantas tem cheiro de... Floresta? Algo estranhamente surpreendente já que nos parques da minha cidade, todo lugar com muita grama e árvores tinha um cheiro asqueroso de urina. E dentro das construções eles usam um produto de limpeza com um cheiro sutil, bastante agradável.
Esse fator se tornou ainda mais importante para mim, desde que cheguei nesse mundo, já que os nobres usam uma quantidade obscena de perfume. Não estou exagerando, nem mesmo as lojas de perfume que visitei com a minha irmã eram tão cheirosas assim. Só de lembrar chega a dar dor de cabeça... Não é desagradável, eu arriscaria dizer até que nesse curto período eu senti os melhores aromas da minha vida, mas é simplesmente forte demais para ser apreciado. Por isso que o cheiro sem graça daqui foi tão aconchegante para mim.
Já visualmente falando, eu tive uma primeira impressão severamente errada sobre essa prisão, o lugar que eu cheguei não era a minha cela e sim o prédio de entrada, aparentemente a construção mais antiga de toda a prisão.
Saindo de lá, eu me deparei com um espaço grande demais para a quantidade de prisioneiros que tinham. Aqui parece aquelas prisões dos países nórdicos mega desenvolvidos, mas maior e mais interessante ainda. Isso parece uma cidade.
Apesar de saber que esse é o ambiente ideal que todos os países supostamente deveriam prover a sua população com seus impostos abusivos, para cumprir o propósito de ser um lugar feito para ser uma reabilitação efetiva, não consigo deixar de ficar incomodado com o fato de os prisioneiros terem essa vida tão boa assim.
É claro que isso é ótimo para mim, mas no fundo da minha cabeça fica aquele sentimento de se está certo os criminosos terem uma vida tão boa assim. Se eu fosse uma das vítimas desses prisioneiros, esse sentimento seria ainda pior. Como não sou, consegui aceitar isso como sendo algo bom.
Com essas opiniões superficiais formadas sobre a prisão, comecei a dar meus primeiros passos para o que mais brilhou aos meus olhos. Quero dizer, vindo do que parecia um shopping, uns lasers de festa estavam literalmente cegando meus olhos com uma luz vermelha.
Andando até lá, enquanto ficava encarando o chão para desviar das luzes, comecei a apreciar os sapatênis brancos que os guardas me deram. Seu interior parecia uma pantufa, era fácil de calçar e agora havia confirmado que era ainda mais confortável de andar. Será que vendem sapatos como esse fora daqui? Ou será que são ainda melhores? Considerando que existe magia aqui, sonhar com uns sapatos que me deixariam mais rápido é demais?
— Boa tarde senhor, gostaria de uma bebida? — perguntou um homem engravatado, que segurava uma bandeja cheia de taças de vidro com bebidas que pareciam vinho e espumantes.
— Não, obrigado, não tomo álcool.
— Hahaha, você deve ser novo por aqui, pode pegar um, é por conta da casa. — Ele me entregou uma das taças e terminou sua explicação. — Álcool é proibido aqui dentro, essas são todas imitações inventadas pelo setor 3 em colaboração do setor 7. Pode tomar sem preocupações... Mas eu aconselharia você a voltar aqui mais tarde, não sei se esse lugar é adequado para você, por enquanto.
— Por quê?
— Aqui é um cassino, e eu tenho quase certeza de que você ainda não conseguiu dinheiro.
Cassino!? Eu ouvi direito? Isso daqui é mesmo uma prisão? Não, eu devo ter sido colocado, na verdade, em um local de repouso para os heróis em espera de seu julgamento. Será que entrei em uma área restrita para os guardas? Se for isso, eu já vou ter problemas no meu primeiro dia aqui. Melhor sair correndo.
— Senhor?
— Obrigado pela bebida. — Eu virei a taça, escondi minha reação de desgosto, já que tinha um sabor muito amargo, com um sorriso. Devolvi para ele e acenei com a cabeça, enquanto ia embora. — Voltarei aqui para pagar o favor quando tiver um trabalho! Que amargo...
Quando ele acenou de volta, eu aprecei o passo e acabei entrando em uma praça cheia de árvores coloridas, brinquedos infantis e algumas mesas ocupadas por prisioneiros jogando jogos de tabuleiro e cartas, procurando por alguma torneira para limpar o gosto ruim que ficou na minha boca.
— Uma fonte de água em formato de... Que animal é esse? Urgh, o gosto voltou... Não importa! Só espero que isso seja potável. — Em um movimento imprudente, tomei três goles da fonte de uma só vez e tomei uma pausa para respirar.
Fiquei aliviado de expurgar o retrogosto da bebida com o delicioso e puro sabor de nada da água, sinal de que provavelmente era limpa.
Olhando ao redor, agora com mais calma, parei para refletir sobre os brinquedos infantis. Imaginei os guardas trazendo uma criança para cá, mas essa cena era absurda demais para ser verdade. Não iriam colocar um cassino aqui se tivessem crianças. Ou será que colocariam?
Ainda não havia estudado o suficiente para saber se o senso comum da Terra se aplicava nesse mundo. Faria mais sentido se fosse diferente, porque aqui, trabalhar em um cassino pode muito bem ser um trabalho digno e honesto...
Ou cassino pode nem significar o que estou pensando.
A questão da língua tem sido bastante confusa, mas não será tão difícil de desvendar quanto a moralidade daqui, perguntarei para os outros prisioneiros mais tarde sobre isso.
Os meus ouvidos captaram um leve som de onda, o que tomou toda minha atenção. Vaguei por todo o parque, mas só perguntando que consegui as direções para um lago gigante.
— O setor oito? Fica naquela direção, atrás do antigo prédio de entrada, é só seguir reto.
— Obrigado.
Setor três, setor sete, setor oito... Mais uma dúvida para eu perguntar depois.
Nesse meio período, o sino voltou a tocar.
— A gente combinou de voltar no próximo... Será que dá tempo de ver o lago?
Eu subestimei o tamanho dessa prisão. Vendo de longe, parecia que estava quase do meu lado, mas depois de quinze minutos andando, eu ainda estava no meio do caminho.
— Voltar ou não... Será que vou ter outra oportunidade para ir ver o lago?
Por eu não ter ideia alguma de como essa prisão funcionava, decidi voltar. O risco de perder meus únicos guias não valia a minha vontade de dar um mergulho.
Depois de andar todo o caminho de volta, esperei mais um tempo e o sino tocou novamente, com um ritmo novo.
Andei para o lugar combinado e vi de longe todos os prisioneiros entrarem em uma outra construção branca retangular com duas chaminés, que ficava de frente de onde eu estava, e voltarem com um prato cheio de um cubo marrom com a cor de ração de cachorro e a consistência de uma pasta, uma colher de madeira e um copo.
Finalmente algo que remete a uma prisão.
— Ei! Estamos aqui! Já peguei um para você, não precisa ir lá! — Surgindo do meio da multidão, o Poeta e os outros prisioneiros de seu grupo me chamaram para jantar em uma das mesas de pedra do parque cheio de brinquedos infantis. — Aqui está, esse é seu.
— Obrigado.
Eu peguei o prato com a coisa marrom e uma colher das mãos do poeta.
— Todo seu. — O Corvo fez um cumprimento e se sentou em uma rede perto, já que a mesa só tinha quatro lugares. — O que achou daqui?
Me certifiquei de que essa não era mais uma armadilha e com a aprovação do Vibogo comecei a falar:
— Esse lugar parece incrível, menos a comida, é claro.
— O que? A comida é o único ponto positivo desse lugar.
— Essa gororoba?
— Seja nobre, plebeu, mago ou mestre na espada, todo mundo recebe a mesma porção de comida — explicou o Poeta.
— Por que os ricos não comem algo melhor que isso?
— Eles até comem, mas as opções são muito limitadas. Tudo nessa terra é venenoso ou letal para nós. Esse cubo que você menospreza poderia ser vendido por milhares de Kal, mas graças a bondade do nosso líder, o Duque Fortuna, todos tem acesso a isso de graça... Se bem que as pessoas costumam remoldar isso para ter uma aparência melhor.
— Esse cara foi preso por zombar as autoridades, não é louco isso? — disse o Corvo.
— Águas passadas, todos podem melhorar — respondeu o Poeta.
— Falar sobre o passado não era proibido? — perguntei.
— É só para você não se dar mal mesmo. Como ele tomou perpétua, ele não liga se reencontrar alguém daqui lá fora — explicou o Corvo.
— Prisão perpétua? Desculpe se eu for indelicado, mas isso é verdade?
— Só é verdade se você não voltar aqui para me soltar — E ele colocou uma colherada da comida dele no meu prato. — Por isso não se esqueça de mim, viu?
— Certo, eu prometo que não vou me esquecer. — Comi um pedaço da pasta e logo senti que não havia gosto algum. — Falando sobre aquele assunto de antes, como eram, o que um herói tem que fazer?
— Enquanto estávamos trabalhando, a gente concordou que só iriamos falar dos seis primeiros, por hoje pelo menos — disse o Poeta. — Começando pelo mestre de todos eles, o ancestral do atual Duque, o pai dos heróis, Fortuna! Todos os heróis foram criados por ele.
— O segundo é o maior cavaleiro, particularmente o meu favorito, o imperador de Modros! Ou imperador Modros. Os historiadores sempre brigam se o nome dele inspirou o nome da nação que fundou ou o contrário. Reza a lenda que ele está vivo até os dias de hoje! Ele reconquistou um reino inteiro das mãos dos demônios, com nada mais que uma espada e um cavalo! — disse o Corvo, em um entusiasmo anormal, como se estivesse revivendo sua infância.
— A terceira é a santa Luchiena, que quase extinguiu todos os demônios da face de Jithnaris! Os outros falaram que parece você, mas ela tinha uma auréola azul. — Quando Vibogo terminou sua explicação, eu bati na mesa de pedra.
“Então ela é a culpada!”
— Herói?
— Me desculpe por isso, continuem por favor.
— O quarto é o fundador da torre dos magos, Gamaliel. Ele não fez muita coisa além de inspirar o nome do Gamaliel atual — disse o Brutamonte.
— Como assim? — perguntei.
— Hoje tem um monstro que também se chama Gamaliel e coincidentemente também é o líder da torre dos magos. Ele realizou tantas conquistas que praticamente sobrepôs o outro Gamaliel — explicou o Poeta.
Ah, então ele era o escritor dos livros de magia do Khajilamiv.
— A quinta é a domadora de monstros, eu não sei muito sobre ela — disse o Corvo.
— Ela fundou um país meio isolado... Também não lembro muitas coisas dela — disse o Poeta. — Acho que ela era mais do tipo pacifista.
— O sexto é o ferreiro Nix, criador da arma de todos os heróis e muitos outros avanços. Ele é legal — disse o brutamonte.
— Entendi... Podem continuar só me chamando de herói, não sou digno de ser comparado a nenhum deles.
Principalmente aquela que me ferrou desde que eu pisei os pés aqui.
— Agora que a gente falou a nossa parte, explica um pouco do seu mundo! — disse o Poeta, com um brilho nos olhos e uma caneta de bico de pena na mão.
Eles me bombardearam com perguntas sobre quem eu era, de onde eu vim e se os rumores eram verdade. Nada muito além do que eu já tinha me preparado antes de vir aqui.
O meu roteiro acabou sendo útil.
— Ah!
— O que foi?
Enquanto eu comia, minha colher quebrou no meio, caiu na mesa e se dissolveu.
— É um saco quando isso acontece né? Posso te emprestar a minha colher quando terminar ou você pode comer com a mão.
— Não posso pegar outro?
— Até poderia se fosse mais cedo, agora já está fechado.
— Essa colher não parecia tão frágil...
— Ela derrete com o tempo, não tem como saber quando isso vai acontecer.
— Por que isso?
— Normalmente seria para economizar, mas Fortuna tem dinheiro o suficiente, suponho que seja para não usarem como arma ou ferramenta de fuga.
— ...Eu perdi o apetite.
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