Volume 1

Capítulo 12: Passado

Já faz muito tempo desde que eu nadei pela última vez, então não pude lutar contra a fadiga que tomou conta do meu corpo após eu ir nadar com a Sena.

Isso é devido à falta de exercício... desde o dia em que eu me transferi, parece que eu não tenho praticado muito exercício nas aulas de Educação Física (porque ninguém passa a bola para mim nas aulas de futebol).

No dia seguinte, uma Segunda-feira, eu sentia que poderia dormir o dia inteiro, mas se eu dormisse na sala, seria tratado como um delinquente novamente, então eu continuei me mantendo acordado e assisti a aula.

No entanto, nas poucas vezes em que nossos olhares se encontraram, me pareceu que os professores estavam com medo de mim...

Se todo modo, eu consegui me segurar até o final das aulas. Eu fui até a sala do Clube, sentei no sofá e a forte sensação de sonolência me acertou em cheio.

Talvez fosse porque eu estava dormindo em um lugar com o qual eu não estava habituado, mas eu não caí realmente no sono, apenas sonhei.

Talvez tenha sido por causa da briga de ontem na piscina— que eu sonhei com algo de muito tempo atrás.

 

 

 

Talvez fosse devido ao fato de que a primeira impressão causada por mim fosse ruim ou porque eu era forçado a continuar me transferindo de escolas. Embora eu tivesse algumas pessoas com que eu podia comer e me divertir, não parecia que eu fosse capaz de fazer um verdadeiro amigo, alguém em quem eu pudesse realmente confiar.

Mesmo assim, eu fiz um amigo, que eu acredito que possa ser considerado o meu melhor amigo.

No momento, eu não consigo me lembrar de como aquela criança era ou mesmo de seu nome, mas eu lembro que a primeira vez que eu o encontrei foi há cerca de dez anos atrás— quando eu ainda vivia nessa cidade.

Em uma certa noite, eu estava sendo intimidado em um parque atrás da escola primária em que eu estudava.

Cinco estudantes do mesmo ano que eu estavam me cercando, me batendo e até mesmo atirando pedras em mim. Os garotos do primário são bastante diretos com seus ataques, agindo sem pensar ou sem hesitar um instante sequer. Eles estavam fazendo isso apenas para se satisfazerem e estavam se divertindo com esses ataques. Quanto a mim, eu estava sendo atacado por eles.

No começo, eu me esforcei para lutar contra eles.

Estudantes da mesma idade costumam não ter uma grande diferença de força. Portanto, se as forças são equivalentes, o lado com mais pessoas sairá vencedor. Nesta situação de cinco contra um, eu não tinha possibilidades de vencer e estava sendo espancado por eles.

Eu já era, de algum modo, isolado pelos meus colegas de classe por causa do meu cabelo loiro e dos meus olhos selvagens. Um dia, uma professora que não sabia que eu era mestiço, me repreendeu na frente de todos na classe, dizendo “Pintando o cabelo nessa idade, você é um delinquente? ’ e foi isso que desencadeou essa situação.

Delinquentes são ruins. Eles poderiam intimidar uma pessoa sem se importar com o conteúdo de seu coração.

As crianças que agem motivadas por esse raciocínio infantil não sentem nenhum peso na consciência. Eles gritavam nomes de movimentos de algum kamen rider ou de algum anime de luta enquanto me batiam sem misericórdia.

Eu queria me fingir de morto para impedir que eles continuassem. Entretanto, a minha convicção obstinada de que eu não queria perder para esses caras me fazia olhar de volta para eles e me levantar, não importa quantas vezes eu fosse derrubado.

Provavelmente, eu morreria se aquilo continuasse— eu via aquelas notícias na TV, nas quais se falava sobre pessoas que ‘não puderam mais suportar o bullying e cometeram suicídio’, ‘bullying massivo faz estudante morrer’ e coisas assim. Como uma criança, eu estava seriamente pensando sobre a morte.

Porém, nesse momento, um garoto subitamente invadiu o local.

As crianças que estavam me intimidando o repreenderam, dizendo para que ele não interferisse.

No entanto, o garoto parou bem diante deles e gritou,

— Não intimidem os fracos!

Aquelas crianças estavam imersas em sua fantasia de que eram enviados da justiça e aquela sentença, basicamente, inflamou seus espíritos. Portanto, as cinco crianças que estavam usando de violência contra mim, trataram aquele garoto como sendo um ‘inimigo’.

Eles correram para cercá-lo e, no momento em que os punhos deles estavam prestes a atingir aquele garoto—

Eu dei um soco naquele garoto usando toda a minha força.

— !

Por causa da minha ação inesperada, o garoto e as cinco outras crianças pareceram aturdidos.

— O que, o que você está fazendo!? Eu estava ajudando você....

Com lágrima nos olhos, eu olhei para o garoto que entrou em cena para me ajudar e gritei,

— EU... EU NÃO SOU FRACO!!

Para mim, comparadas com a violência que aqueles valentões usaram contra mim, as palavras casuais do garoto foram ainda mais dolorosas.

O garoto ficou imediatamente atordoado e, então, riu de forma cruel,

— Ahaha! Muito bom! Seu maldito!

Enquanto ele gritava, ele me socou na cara sem nenhuma misericórdia.

Os socos daqueles valentões não eram nada se comparados ao dele. Aquele soco foi duro e doeu bastante.

Eu ataquei de volta e o garoto continuou a me bater.

O garoto e eu deixamos os valentões de lado e começamos a brigar.

— NÃO, NÃO NOS DEIXEM DE LADO!

Uma das crianças, que havia se recuperado do choque, imediatamente correu em nossa direção.

— NÃO FIQUEM NO NOSSO CAMINHO!

— NÃO FIQUEM NO NOSSO CAMINHO!

O garoto e eu reagimos com uma química perfeita e o chutamos. O valentão alfa começou a chorar depois de cair.

As outras crianças gritaram e correram na nossa direção.

Nós dois interrompemos nossa batalha e começamos a brigar contra os cinco valentões.

Cinco contra dois. Meu lado ainda parecia um pouco isolado.

Entretanto, apenas o fato de que o garoto estava lutando ao meu lado, fez com que uma força inacreditável percorresse o meu corpo.

Por alguma razão, embora eu tivesse que lutar para me manter de pé, meu corpo cansado e machucado parecia bastante leve.

E assim que essa luta acabou, nós havíamos vencido.

Os cinco valentões choravam enquanto fugiam.

Porém, eu não me importo com o que acontece com eles.

O garoto parecia sentir o mesmo que eu.

Depois que os cinco fugiram, nós recomeçamos a brigar.

E essa batalha acabou sendo um empate.

Estávamos cansados quando nos esparramamos no chão.

Estávamos cobertos de sujeira, arranhões e hematomas. Nós parecíamos completamente patéticos.

Embora meu corpo estivesse dolorido, por alguma razão, eu sorri para o garoto.

— Você é bem forte.

O rosto frívolo do garoto mostrava um sorriso inocente quando ele disse para mim,

— Você também não é nada mal.

Nós realmente fizemos algo que só acontece naqueles mangás shounen. Desde aquele dia, nós sempre nos encontrávamos naquele parque e brincávamos juntos.

Como estudávamos em diferentes escolas primárias, naquela época nós só podíamos nos ver após as aulas. Porém, para mim, aquele garoto era, sem dúvidas, o meu maior aliado no mundo inteiro.

Eu não lembro quando foi que ele me disse aquilo,

— Taka, minha mãe mencionou que não é importante que você faça cem amigos a cada novo ano, mas sim que você encontre um amigo de verdade, alguém que seja para você um tesouro que por si só vale por cem pessoas. Uma vez que você encontrar esse amigo verdadeiro, você perceberá que ele é mais importante para você do que qualquer outra coisa. Se você encontrar um amigo assim, seu futuro certamente será brilhante.

Ter um amigo que por si só seja mais precioso do que a amizade de cem pessoas.... essa é uma ótima fala, eu acho.

Então eu disse,

— Nesse caso, eu vou usar os sentimentos de cem pessoas para criar um tesouro infinito. Mesmo que cem pessoas... não, não importa se forem um milhão ou um trilhão de pessoas, mesmo que todo o mundo te trate como um inimigo, eu ainda serei seu amigo.

Enquanto eu dizia isso, ele começou a corar.

— Não... não diga essas coisas embaraçosas!

— O que, o que? Você não disse isso primeiro?

Eu também me senti envergonhado com isso e meu rosto começou a ficar vermelho.

E então, nós começamos a rir.

Nós éramos, indubitavelmente, amigos de verdade.

Isso era o que eu pensava, mas então....

 

 

 

Enquanto eu abria meus olhos, vi o sol brilhando através da janela.

Yozora estava sentada no sofá oposto, lendo uma light novel com seu habitual olhar infeliz.

Não havia mais ninguém na sala do Clube além de Yozora e eu.

Não importa que você faça cem amigos a cada novo ano, mas sim que você encontre um amigo de verdade, alguém que seja para você um tesouro que por si só vale por cem pessoas... é isso?

Minha mente ainda estava meio confusa e, sem perceber, eu murmurei o que meu amigo me disse no sonho.

Nesse momento—

*Pak!*

O livro que Yozora estava segurando, de repente, caiu de suas mãos.

— Ko... Kodaka, então você se lembrou...

Yozora olhou para mim com um olhar de surpresa e com sua voz trêmula pareceu ter murmurado alguma coisa.

Essa é a primeira vez que vejo a Yozora tão agitada desde a primeira vez em que falei com ela, o dia em que eu a vi conversando com sua amiga de ar.

— .... O que houve?

Eu perguntei, surpreso, e Yozora freneticamente pegou o livro que havia caído no chão.

— Não, nada... Eu fiquei assustada quando você murmurou de repente.

Yozora gaguejou e terminou antes de voltar a se isolar no mundo do livro que ela estava lendo.

Por alguma razão, eu achei que o rosto dela estivesse vermelho. A razão não poderia ser apenas o brilho do pôr do sol, certo?

— Desculpe por assustar você... Onde estão a Sena e o Yukimura?

— Eles já foram para casa. Hoje não tínhamos nada de especial para fazer.

Yozora respondeu com uma expressão, de algum modo, infeliz.

— Muu...

Eu olhei para o relógio e percebi que já haviam passado das seis horas.

Parece que eu dormi por bastante tempo.

— Eu também estou indo para casa.

— Oh.

Eu peguei minha mochila e me levantei e, ao fazer isso, senti meu pescoço doer um pouco.

Caminhando para fora da sala do Clube, eu vividamente recordei do sonho que acabara de ter.

O amigo de quem eu me separei há dez anos atrás...

Como ele está?

Ele ainda está morando nessa cidade?

Como será que ele se parece hoje em dia?

Qual é o nome dele?

Ele me chamava pelo apelido ‘Taka’ e parece que eu o chamava por seu apelido também.

Nesse caso, eu vou usar os sentimentos de cem pessoas para criar um tesouro infinito. Mesmo que cem pessoas... não, não importa se forem um milhão ou um trilhão de pessoas, mesmo que todo o mundo te trate como um inimigo, eu ainda serei seu amigo.

Nesse caso, eu vou usar os sentimentos de cem pessoas para criar um tesouro infinito.

Como eu o chamava naquela época?

— .... Ah, esqueça isso.

Isso foi há muito tempo, de todo modo.

Ele definitivamente não iria se lembrar do que aconteceu dez anos atrás, certo?

O eu daquela época nunca acreditaria que eu estaria pensando nele agora.

Não importa que sejam memórias importantes ou a tristeza da separação, sempre existe um momento na vida em que tudo muda. Eu realmente posso ter um amigo a quem eu vou apreciar por toda a minha vida?

Um toque de solidão me atingiu em cheio. Eu saí da Igreja e fui para casa.



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