Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 8: A luta na muralha

Oliver continuava correndo e vendo a muralha se tornar cada vez maior na frente dele. As plataformas de elevação já estavam próximas e logo ele iria realizar sua primeira missão como protetor de Prospéria.

— Garoto. — Bernard o chamou. — Vou falar outra vez: Não desgrude do Placide lá em cima. Em dias que um Conselheiro é responsável por comandar a vigília, utilizamos menos guerreiros para poder poupar os poucos que ainda restam na Guarda. Estaremos em menor número hoje.

— Pode deixar! Não vou decepcionar vocês.

— Ótimo. Vejo os dois lá em cima. Placide, ative o mecanismo da plataforma na maior velocidade possível.

O assistente acenou com a cabeça.

Em seguida, as pernas de Bernard começaram a sumir em meio a uma fumaça sombria que as envolvia. O mestre lutador fechou os olhos, inspirou fundo e saiu correndo na frente dos dois em uma velocidade inacreditável até dar um salto na vertical que o impulsionou por vários metros.

Ele usava a mesma energia de sombras para agarrar a estrutura da muralha e seguir subindo ela através de pontos específicos onde conseguia se apoiar. A facilidade e rapidez dele eram fascinantes, assim como o silêncio das sombras em seu movimento. Não demoraria até que Bernard estivesse no alto.

Enquanto isso, Oliver e Placide chegavam na plataforma de elevação. Ela era composta por mecanismos e roldanas que controlavam um grande tablado de madeira.

O assistente puxou e travou a alavanca em seu último estágio, iniciando uma subida rápida que quase desequilibrou Oliver.

Ele olhava para cima na esperança de conseguir ver alguma coisa, mas a grande barreira de antes continuava lá. Naquele momento, restava esperar a chegada. Na velocidade que a plataforma subia, a ansiedade do garoto também disparava. Sentia um frio na barriga, mas ainda estava disposto a lutar para proteger Prospéria.

Oliver sentiu Placide apoiando a mão em seu ombro novamente. Mesmo de máscara, dava para perceber ele sorrindo para o garoto enquanto fazia um sinal positivo com o dedo.

— É isso aí, nós vamos conseguir. Eu não vou te decepcionar, cara.

Após algum tempo, mais um tranco na plataforma, o mesmo de quando ela começou a subir. Dava para ouvir os sons dos mecanismos internos travando para prender o tablado.

Eles haviam chegado.

 

 

A dupla saltou para a passarela e foi correndo para o ponto de abastecimento onde havia o sinal de socorro. Chegando lá, Oliver deu de cara com Vivienne.

— Placide, o que esse idiota faz aqui? — A garota avançou para confrontá-lo.

— Estávamos com o Bernard quando o sinal apareceu e vim junto.

— Eu devia te derrubar daqui de cima — disse enquanto armava-se com o escudo menor no braço. — O que acha que vai poder fazer?

— Tudo o que eu puder! — gritou quase colando seu rosto para encarar Vivienne. — Eu não vim aqui arranjar problemas com você, droga, eu quero ajudar. Não sou melhor do que ninguém aqui e nunca disse que eu era, é só me falar o que eu tenho que fazer e eu obedeço.

Durante breves segundos, os dois não fizeram nada além de se encarar sem nem mesmo piscar. A garota parecia desafiá-lo para ver quem recuaria primeiro. Por fim, foi ela quem se afastou.

— Tá bom, mago, mas não espere que eu fique salvando você o tempo todo. — Ela virou-se para Placide para explicar a situação. — Bernard já está aqui no eixo central, ele dá conta de lidar sozinho com quem tentar entrar por lá. Érasme e Travis foram lutar na passarela Norte, então ficaremos aqui no primeiro setor do lado Sul. Os lobos do Durant estão nos setores mais distantes e nenhum curandeiro chegou ainda, fiquem espertos.

Placide fez uma série de sinais com as mãos para ela que Oliver não conseguiu interpretar.

— São os desgraçados de sempre. Dessa vez eles resolveram colocar uns trapos cobrindo toda a cabeça para se esconder, mas pelo biotipo dá para ver que são torturadores e canibais, então já sabemos como será a luta.

Ele só confirmou e fez um sinal para o garoto acompanhá-lo. Os três saíram correndo e foram para o primeiro setor da passarela Sul.

— Escuta aqui, novato. Temos armadilhas de cordas na beirada da muralha que levam os invasores para baixo de novo. Diferente de vocês, não queremos matar ninguém, só queremos que eles nos deixem em paz, então vamos evitar dar motivos para uma guerra.

— Tenho certeza que minha família não matava invasores.

— Ah, é, tem razão. Ela matava o próprio povo fazendo experimentos para roubar as almas deles.

— Você nem viveu a noite dos Demônios Internos para poder falar alguma coisa, cala essa boca!

Placide deu um tapão na cabeça de Oliver e olhou para ele com reprovação.

— Me desculpe, estou concentrado, juro.

O grupo se dispersou. Vivienne foi até onde seu escudo estava posicionado para poder aumentar a barreira de sombras que protegia o lado aliado e a dupla ficou parada próxima da beirada para o lado de onde os inimigos chegavam.

Dava para ouvir uma espécie de grunhido ficando mais alto, novos invasores estavam para aparecer. Placide entrelaçou o braço direito em Oliver, olhando para ele e balançando o outro braço e uma das pernas.

— Quer que a gente lute assim?

Ele acenou com a cabeça e começou a girar o braço esquerdo olhando para a beirada.

— Ah, é para pegarmos impulso um no outro. Beleza!

Os invasores haviam chegado.

Eram figuras estranhas e degeneradas. Seus corpos eram cobertos de ferimentos e a pele parecia podre de tão suja que estava. Alguns tinham facas e outras lâminas improvisadas enquanto outros se posicionavam feito animais predadores mostrando as unhas como se fossem garras.

Como Vivienne havia dito, todos tinham um pano cobrindo a cabeça.

— Vamos lá!

Oliver segurou firme em Placide. A energia de sombras que ele concentrava em seu corpo era menor do que a de Bernard, mas ainda assim era bem intensa, principalmente considerando a diferença muscular e de altura em relação ao Conselheiro.

Focando a energia espiritual em seu braço esquerdo, o garoto acumulou mais força e em um único giro arremessou o lutador que saiu dando golpes no ar com as pernas, jogando os alvos exatamente onde estavam as armadilhas de cordas.

Dois foram derrotados, haviam mais três.

Oliver se concentrava em acumular energia espiritual aos poucos para não acontecer a mesma situação da avaliação, precisava respeitar os limites físicos que ele ainda tinha.

Placide recuou e os dois juntaram os braços novamente. Em seguida, ambos correram em direção aos demais adversários. A dupla golpeava e girava em ritmo quase perfeito.

O garoto se deixava levar pelos puxões de seu mentor e buscava usar a energia espiritual somente quando estava perto de atingir os invasores. Às vezes acabava errando e quando ficava com a guarda aberta, Placide o puxava para trás, tomando seu lugar para dar um golpe certeiro.

Não demorou muito para que a dupla conseguisse vencer, mas ainda havia mais invasores chegando e se dispersando ao longo da muralha. Um novo adversário chegava enquanto outro escalava pela extremidade do setor, correndo para um outro ponto de abastecimento.

O resto dos guerreiros continuava na luta com grupos que chegavam aos montes nas outras áreas e eles não podiam sair do lugar. Um deles parecia ser lutador também e havia criado uma barricada de pedra. O outro era espadachim e sua espada brilhava com uma luz que logo era disparada na direção dos adversários.

Bernard segurava a maioria deles com golpes que derrubavam vários de uma vez só, além de ajudar Vivienne a aumentar o alcance da sombra do escudo dela.

— Vai atrás daquele e eu cuido daqui. A Vivienne ainda não aumentou a barreira o suficiente e ele pode tentar descer.

Placide olhava para o garoto com uma expressão de dúvida.

— Eu dou conta. Estamos vencendo!

Ele soltou o braço de Oliver lentamente e depois fez um sinal que o garoto achou que significava "volto logo" ou "tome cuidado".

A estratégia tinha funcionado até então, mas estava claro para Oliver que Placide havia salvo a vida dele algumas vezes. Naquele momento, não poderiam haver erros.

O invasor que veio em sua direção era rápido e tinha um facão enferrujado na mão. Ele se aproximava correndo de uma forma estranha, meio destrambelhada, mas seus golpes eram precisos e poderiam ser fatais.

Oliver desviava-se rapidamente, observando os movimentos do adversário da forma como aprendeu nas várias provações que tinha feito contra os espíritos. O homem que o atacava só grunhia e gritava como um animal, mas lutava conscientemente, sem abrir espaços ou baixar a guarda.

Conforme ia concentrando sua energia espiritual, o garoto deixava a luta ainda mais fácil. Ele ficava mais ágil e lia os movimentos do invasor precisamente. No meio tempo, ia produzindo o círculo de magia no chão para prender o corpo do adversário e vencer o confronto.

Quando a luz do círculo chegou aos pés do invasor, ele parou instantaneamente.

— Tá na hora de descer, carinha. — Sorriu orgulhoso por vencer sua primeira luta sozinho.

— Me ajude.

O homem parecia falar. Era uma voz estranha e meio falha, balbuciando as palavras. Apesar de estar abafada pela máscara, não havia dúvidas de que era a voz do homem que estava atacando até alguns segundos antes.

— Espera... como assim?

— Me mata logo. Me ajude. Eu só quero que isso acabe...

A fala confusa e chorosa enquanto o garoto encarava o homem com um pano na cabeça era perturbadora, pois o pedido parecia sincero.

Por conta dessa distração, o círculo de magia acabou se desfazendo e o invasor voltou a atacar, mas ainda era possível ouvir ele falando.

"Me mata, me mata", era repetido sem parar enquanto ele avançava com ataques mais brutais e Oliver só conseguia desviar, por muito pouco não levando algum corte.

Sem perceber que não tinha espaço para recuar, o garoto quase caiu da beira da muralha. Ao olhar para baixo, viu centenas de cadáveres na base que ficava do outro lado.

Alguns choravam de dor, levemente mexendo o corpo como insetos que haviam sido esmagados e ainda permaneciam em seus últimos segundos de consciência, perturbando ainda mais a mente de Oliver.

— Eu mandei você acabar com isso, anda logo! — O homem passou a gritar. Oliver virou-se e olhou para ele com os olhos arregalados.

Antes que o ataque fatal fosse desferido, Vivienne chegou dando um golpe direto na cabeça do invasor com seu escudo.

— Tem sorte que eu estava perto, seu imbecil! — gritou enquanto levantava o garoto pela gola. — Você não consegue se virar nem em uma luta um contra um?

— Ele... ele pediu minha ajuda. Disse que queria morrer. — Oliver ainda estava assustado com a situação.

— Era um torturador, é claro que ele disse isso. São doentes tão sanguinários que gostam de ver até o próprio sofrimento. Alguns dos mortos lá embaixo foram eles próprios que puxaram as vítimas durante a subida. Não perca o foco!

— Tudo bem... desculpe — disse olhando para o chão.

A garota suspirou e olhou para os lados. Placide vinha correndo para se juntar a eles e Bernard terminava de prender os demais invasores que restavam.

— Levanta a cabeça, Rivail. — Vivienne deu uns tapinhas no rosto do garoto tentando tirar a cabeça dele do susto que havia passado e não conseguiu segurar um riso debochado quando recebeu de volta um olhar raivoso por parte dele. — Pelo menos sobreviveu, porque eu não quero a morte nem dos idiotas caindo na minha conta depois. Espero que essa noite te prepare para as próximas.

Ao levantar a cabeça para olhar para ela, Oliver percebeu alguma coisa se mexendo no eixo central da muralha. Alguém estava passando por trás do ponto de abastecimento perto de onde Bernard estava amarrando o último invasor.

— Tem alguém ali. Alguém vai descer. Bernard!

O garoto saiu correndo para impedir a pessoa de passar pela barreira, mas quando chegou perto, não havia mais ninguém. "Impossível, eu vi alguém aqui", pensou. Ele olhou em volta e não consegui perceber sinal nenhum, mas sentia internamente uma presença estranha.

"Co...ncen...tre-se...e...de...sv...ie", ecoava uma voz em constante interrupção na mente dele. Instintivamente, Oliver virou para trás e viu uma pessoa.

Um homem de sobretudo com uma grande estaca na mão estava vindo para cima dele para matá-lo. Ao tentar desviar, o garoto não sentia mais o corpo, era como se não tivesse controle, não ia mais dar tempo de se salvar.

A estaca sujou-se de sangue. Caído no chão, ele viu o rosto do homem de perto.

— Está com sorte. Não tenho tempo de te matar também — disse.

Oliver tinha sido salvo por Placide, que se atirou no meio dos dois. Antes de sair correndo, o homem ainda deu uma pancada na lateral da cabeça do garoto, abrindo uma grande ferida no supercílio.

— Placide! — Bernard gritou ao ver o peito do seu assistente perfurado e sangrando. — Oliver, o que aconteceu?

— Um homem estava aqui, ele vai descer pela muralha.

— Vivienne, ajude os dois. — Bernard quebrou a barreira de sombra e desceu escorando-se na muralha o mais rápido que pôde para investigar.

Oliver sentou-se e apoiou Placide em seus braços. O garoto mal conseguia abrir o olho direito com tanto sangue que saía do seu rosto, mas estava focado em tentar fazer com que o sangramento do mentor parasse. Logo ele começou a ver o olhar de Placide se perdendo.

Vivienne tirou a capa que estava usando e tentou cobrir o ferimento para evitar a perda de sangue, mas não estava adiantando.

— Placide, por favor, olha para cá! A ajuda deve estar chegando. — O garoto tentava de tudo para chamar a atenção dele e mantê-lo consciente, mas não havia sinal de reação.

Uma mulher havia chegado em uma das plataformas e saiu correndo para ajudá-los. Ela rapidamente limpou o sangue e estancou a ferida com uma brisa originada pela sua Natureza do ar, mas a estaca havia cortado o coração, ainda não era o suficiente.

Fazendo um gesto com as mãos, a mulher manipulou o ar para puxar um líquido vermelho escuro saindo de dentro do órgão. Ela fechou os olhos e parecia lamentar a situação.

— O que foi, Emmanuelle? — perguntou Vivienne.

— É um veneno muito forte. Eu nunca vi um invasor usando isso.

— Não, não! Tem que ter um jeito. — Oliver ainda gritava. — Ele não pode...

O garoto viu os braços do mentor caírem e seus olhos se fechando lentamente. O corpo que tremia muito, provavelmente por efeito do veneno, começava a ficar estático, foi quando o último suspiro pôde ser ouvido.

Não havia mais nada que pudesse ser feito.

 

 

A sombra da muralha começou a sumir e o eixo central podia ser visto novamente. Leanor percebeu que mais alguém havia subido em um dos pontos, mas por estar muito longe não conseguia saber o que estava acontecendo.

Etienne estava no pátio principal do quartel junto com eles e outros aprendizes.

— O que houve ali? — A garota perguntou.

— É a Emmanuelle, deve estar curando os ferimentos de alguém — respondeu. — Por mais que sejamos superiores, lidamos com pessoas sádicas e cruéis, que aceitam lutar sujo, então acabamos nos machucando vez ou outra.

— Todo mundo tem esse ar de superioridade aqui? — Ela sussurrou para Lucien.

— É que invasores não tem habilidades da Natureza, mas usam de táticas insensíveis para tentar nos ferir e alguns grupos têm tentado vencer pela quantidade nos últimos anos — sussurrou de volta para ela. — O senhor Legrand está certo nesse sentido.

Alguns minutos depois, um gongo começou a tocar e o som parecia vir da muralha. Foram três batidas que fizeram todos no quartel se estremecerem.

— O que foi isso? — Leanor estava assustada com a expressão no rosto dos demais.

— Alguém morreu — respondeu Lucien, trêmulo. — Três batidas. Foi alguém do nível de mestre da Guarda.

— É claro que seria desse jeito. — Etienne baixou a cabeça e cerrou os punhos com raiva. — Esse é o resultado de trazer um mago de volta para nossas vidas!

 

***

 

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