Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 6: A avaliação Pt.1

Enquanto se recuperava do choque que era saber que seu grupo precisava apresentar o nível de guerreiros treinados em um prazo completamente impossível, Lucien, seguia seus companheiros a passos lentos por uma floresta que ficava a leste do quartel da Guarda.

A equipe já andava há mais de uma hora, até que chegaram em uma modesta arena que ficava escondida entre as árvores.

Ela tinha uma grande plataforma circular feita de um pedaço maciço de rocha, demarcando o espaço em que os guerreiros poderiam permanecer. No centro, havia estátuas com uma base fixa no chão e vários braços longos forrados com linho e palha. Apesar de estar cercado de grandes árvores, o local mantinha uma boa iluminação vinda de cima.

Lucien observava a complexidade da estrutura da arena lembrando de como eram os combates entre mestres para tornarem-se membros do Conselho. Seja Natureza da luz, sombra, água, fogo, terra ou ar, um lugar como aquele não resistiria a intensidade das habilidades dos combatentes. Porém, dadas as circunstâncias, parecia que Bernard ia pegar leve.

Sem muita escolha, o garoto simplesmente decidiu seguir em frente e torcer para que a dupla de magos fosse realmente boa.

— Vamos lá, pessoal! Essa é nossa grande chance de mostrar do que somos capazes — disse Oliver. Naquele momento, somente ele parecia animado para o que estava por vir.

— O senhor Archambault não é um invasor qualquer tentando passar por nós, como geralmente acontece. Como você pode ficar tão tranquilo? — Lucien cada vez mais via as chances de uma segunda reprovação aumentarem.

— Ele está certo — reforçou Leanor. — Por mais que o senhor Bernard tenha sido ridicularizado pelos outros guerreiros na cerimônia, aposto que lutar contra ele é uma coisa bem diferente.

— Vocês dois estão sendo muito pessimistas. Nós podemos vencer! Ele não conhece os magos, isso pode ser útil para a luta.

— Consegue fazer ele ficar imobilizado no ar igual fez com a comida no refeitório?

— Isso não...

— E você?

— Eu o quê? — perguntou Leanor, sem saber do que estavam falando.

— A animação factícia — disse Oliver. — Você ainda não dominou, né?

— Ah, pois é, que vergonha — respondeu rindo e coçando a cabeça. — Eu ainda não consigo fazer isso.

— É que o Oliver fez parecer uma coisa tão natural, ele nem precisou focar.

— Escuta, você tá aqui para interrogar a gente ou ajudar a vencer?

— Já chega, vocês três, me escutem. — Bernard chamou a atenção do grupo. — Em um combate de verdade, dificilmente vocês teriam tempo para planejar um ataque, mas como ainda não tiveram tempo nem de se conhecer completamente, vou dar 2 minutos para que montem uma estratégia e comecem a luta. Estou aguardando o avanço de vocês, mas se demorarem demais, vou atacar.

Enquanto os três conversavam, o mestre estava recostado em uma das estátuas mais próximas do centro da arena. Lucien observou rapidamente o local em busca de armadilhas, especialmente nas árvores em volta, mas parecia estar realmente vazia.

— Pessoal, precisamos ser rápidos para decidir nossa abordagem.

— Eu voto em atacarmos ele de diferentes posições — disse Oliver —, assim um de nós consegue quebrar a guarda dele e outro dá um golpe certeiro. Leanor, você consegue distrair ele?

— Sim — respondeu confiante.

— Não, espera! — Lucien segurou os dois. — Não é tão simples.

— Eu não disse que é simples, mas com certeza é a melhor estratégia. Somos três contra um, precisamos usar a vantagem numérica.

— Eu não sou lutador, Oliver, precisamos de uma ideia que aproveite as habilidades de todos nós.

— Olha, com certeza ele bate forte, então você cura um enquanto o outro continua na luta. Desse jeito, a gente mantém o ritmo até ele cansar.

— Ele disse que eu iria supervisionar vocês, certo? Isso significa que eu sou o líder, então eu deveria estabelecer qual será a nossa tática.

— O tempo está acabando, meninos — alertou Leanor.

— Ok, então vamos usar o meu plano.

Oliver virou-se para Bernard, que estava no mesmo lugar, mais concentrado em aproveitar a brisa que corria pela arena do que em atacar ou defender. O garoto deu alguns passos à frente e fechou os olhos, mantendo uma expressão tranquila e concentrada.

Lucien percebeu que a leve brisa em volta deles havia ficado um pouco mais intensa, até que linhas verdes de luz começaram a contornar o corpo de Oliver, causando uma pequena mudança de pressão. Lentamente, um círculo com mensagens estranhas surgia atrás dele. Parecia um grande escudo iluminado pairando no ar.

Ao olhar para Leanor, viu que ela também estava com as mesmas linhas de contorno ao redor do corpo, mas a expressão da garota se misturava entre espanto e admiração.

Quando Oliver desfez a posição das mãos, abriu os olhos novamente.

— Estamos prontos! — gritou com empolgação.

— Então vamos começar — respondeu Bernard, levantando-se lentamente.

Lucien respirou fundo e recuou, mantendo o olhar constante em seus companheiros de equipe.

Ele viu Oliver correndo em linha reta na direção de Bernard, canalizando energia espiritual em sua mão direita para atacar.

Leanor corria na borda do círculo de pedra pela esquerda, mantendo uma distância segura. "Um ataque forte para quebrar a defesa seguido de um ataque leve para pegá-lo com a guarda baixa, acho que começamos bem", pensou.

Oliver deu um salto e atacou com um soco mirando direto no rosto de Bernard, mas antes que ele pudesse acertá-lo, foi bloqueado por um véu de sombra. "Ele vai usar a Natureza no combate?" Lucien ficou preocupado por um breve momento, até perceber que Bernard estava ficando inquieto.

A energia espiritual não cedeu à força contrária e Oliver mantinha-se firmemente no ar tentando atravessá-la.

Ele estava conseguindo resistir ao contra-ataque, colocando ainda mais força na mão e gritando conforme a energia exigia mais de seu corpo para manter a disputa.

Leanor vinha correndo para acertar o golpe, mas não houve tempo.

O que parecia uma disputa equivalente durou pouco e Bernard, concentrando ainda mais energia, segurou o golpe de Oliver por completo e o arremessou de volta para perto de Lucien só com um empurrão do antebraço.

A garota, com um rápido reflexo, conseguiu se defender do chute dele, mas cambaleava enquanto tentava manter-se de pé. Lucien decidiu primeiro ajudar Oliver a se recompor. Eles precisavam de mais um golpe forte daqueles, era somente questão de acertar o tempo da abertura.

— Ei, eu vou te curar, não se mexa!

Antes que ele pudesse fazer qualquer movimento, tudo em volta começou a escurecer. Ao levantar a cabeça, viu Bernard na sua frente, a ponto de atacar.

Sem que um único passo pudesse ter sido ouvido, o mestre havia percorrido uma distância de quinze metros como se tivesse voado até o curandeiro.

Após uma tentativa em vão de criar uma barreira de fogo, Lucien foi golpeado com um gancho direto no estômago, um golpe rápido e extremamente forte. A sensação era de perder completamente o ar.

Com a área onde o golpe o acertou passando para um estado dormente após o impacto, ele mal podia saber se havia quebrado algum osso ou se estava sangrando.

Caído no chão, ainda conseguiu ver Oliver se levantar para reagir. Leanor corria para ajudá-los. Antes que pudesse saber o que aconteceu com a dupla, Lucien desmaiou.

 

 

Longe da floresta, o senhor Durant esperava ganhar tempo para decidir junto do resto do Conselho se realmente era possível correr o risco de deixar o mago e a garota amaldiçoada conviverem ao lado dos demais caso a avaliação fosse positiva.

Esse pensamento rondava a cabeça do mais antigo cidadão de Prospéria constantemente, desde que ele havia deixado a arena de exibição.

Dentro da Câmara do Conselho há mais de quarenta e cinco minutos, estava cansado de apenas ouvir a própria respiração. Era o mal de ser sempre o primeiro a chegar.

O pequeno senhor mantinha-se sentado na cadeira principal que ficava bem ao centro, diante de uma grande mesa curva. Ele encarava de olhos cerrados o papel com os nomes dos jovens. A câmara era iluminada por algumas velas e pela luz do sol que vinha da claraboia pairando sobre a mesa.

— Estamos mesmo cogitando uma permissão? Achei que tinha dito aquilo só para ser educado.

A voz vinha de trás do encosto da cadeira. Rose havia se aproximado sorrateiramente.

— Você já tem setenta anos, Rose, não preciso do som dos seus passos para identificar a sua presença.

— Ora, papai, não queria te colocar na defensiva — disse enquanto ajeitava o longo vestido branco com bordas acinzentadas para sentar-se na cadeira logo à frente de Durant —, só quis chegar perto porque estava curiosa para saber o que estava causando essa sua respiração pesada.

— Permaneça em seu lugar, os outros já irão se juntar a nós.

— Ainda não tinha chegado ninguém lá fora — Rose tirava uma venda vermelha de seus olhos para poder observar a entrada da câmara.

— Sua mira é inquestionável, mas o velho lobo aqui tem seus próprios truques — respondeu com um riso de canto de boca.

Após breves segundos, era possível ouvir os demais membros do Conselho se aproximando.

Bruce era o mais barulhento, não parava de conversar com Etienne sobre sua atuação na cerimônia para impedir os garotos e recebia breves elogios sobre sua intenção, mas questionando o método. Já Adélard seguiu em silêncio até seu assento. Com cada um em sua posição, Durant tomou a palavra.

— Prometo ser bem direto sobre a escolha de mantermos os jovens Oliver e Leanor em nosso exército da Guarda — disse enquanto seu olhar passava por cada membro presente na mesa. — O baixo número de voluntários nos últimos anos me preocupa um pouco. Por um lado, é bom saber que todos estão vivendo muito bem nos cinco grandes vilarejos do continente, por outro, podemos estar arriscando demais em trabalhar com tão poucas pessoas.

— Duas das nossas maiores catástrofes recentes aconteceram por erros internos — contestou Etienne —, uma delas por culpa da família desse garoto. Não podemos aceitar o que Bernard fez, colocando eles na lista.

— O garoto parece ser do tipo que se irrita com facilidade — acrescentou Rose, com uma feição preocupada.

— Acho que podemos corrigir essa postura — disse Durant. — E Etienne, você também mudou a lista. Francine era da equipe de Lucien e você a colocou com uma novata para tirar sua própria filha da Guarda, quebrando o sistema de duplas. Que tal deixarmos os erros seu e do Bernard passarem dessa vez?

Etienne só resmungou e desviou o olhar. Durant seguiu sua fala:

— Bruce, qual a sua opinião? Você parecia a favor durante a cerimônia.

— Bernard sempre tenta reinventar a roda. — O vozeirão reverberava pela câmara. — Isso não costuma dar em nada, mas a positividade e molecagem dele incentiva os jovens. Deixa ele seguir com essa ideia maluca, não temos nada a perder. E, sinceramente, aquelas crianças não parecem tão fortes. Vivienne subjugou os dois só com um movimento e o garoto tomou um belo gancho daquele lutador de fogo.

— Então por que seguir com algo que já sabemos o resultado? — perguntou Etienne. — É só dizer não e ponto.

— Antes fosse tão fácil — disse Adélard, com um olhar distante. — Vivienne aprendeu a lutar daquela forma rápida e letal graças ao Bernard.

— Boa observação — destacou Durant. — Essa menina era uma simples defensora e aprendeu a usar os escudos ofensivamente de forma magistral. No entanto, não é só nisso que você está pensando com tanta concentração, não é mesmo, Conselheiro do fogo?

O pequeno senhor mantinha seu sorriso amigável que sempre gostou de apresentar. Ele literalmente havia visto todas aquelas pessoas ainda crianças, então entendia bem como lidar com cada um. Sabendo também que todos conheciam sua forma delicada de abordagem, não se deixava intimidar pelo olhar tenebroso de Adélard.

— Vocês agem como se bastasse manter os problemas longe para nos livrarmos deles, já falei que discordo disso — respondeu dirigindo-se para a cadeira principal. — O garoto não vai desistir, o olhar dele deixava isso claro. E já que fizeram o favor de deixar meu filho sem uma equipe, vamos mantê-los sob a supervisão dele.

— Você não está preocupado com as repercussões disso, só está tentando fazer o coitado do Lucien repetir de novo na avaliação — disse Rose.

— O que acontece com meus filhos é problema meu, Conselheira do ar — respondeu em tom de rispidez.

— Bem, então ficamos com dois votos a favor e dois contra — continuou Durant. — Nesse caso, ficarei com o veredito.

Mais uma vez, ele observava o papel, agora pensando no que Bernard tinha proposto na arena.

O mestre lutador havia sido o guerreiro mais novo a atingir o nível de Conselheiro da Guarda e, com a única exceção de Vivienne, nunca teve muito sucesso passando seu conhecimento para gerações futuras.

A maioria abandonava o exército, outros trocavam de classe e quem sobrava acabava reprovado por ser considerado inapto. Isso fez com que a posição de Bernard fosse questionada internamente várias vezes e a única coisa o mantendo no cargo era sua força fora do comum para defender a muralha de ameaças externas.

— A empolgação que eu vi nos olhos do nosso colega de Conselho quando essa dupla de novos aprendizes estava na cerimônia me deu esperança de que ele realmente consiga honrar o título que recebeu dessa vez. Quero permitir que ele oriente esses garotos durante os próximos três meses.

— E quanto à garota vermelha? — perguntou Etienne. Os outros também pareciam preocupados.

— Vivemos com os vermelhos há tempos e a família da menina é a única que nunca criou problemas, nunca ouvi deles por aí. No entanto, por segurança, faremos assim: nenhum dos dois poderá ficar nos dormitórios da Guarda, só poderão passar o dia aqui para treinar. Todos de acordo?

Os quatro Conselheiros acenaram com a cabeça, aceitando a palavra final de Durant. A votação estava decidida.

 

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Arena de treinamento na Floresta

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