Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 5: O curandeiro de fogo

Por um momento, não houve nada além de zombaria até que o senhor Durant, suspirando de exaustão com tudo aquilo, estabelecesse a ordem novamente.

— Se acham que é realmente impossível, basta deixar acontecer para que eu seja humilhado no final desses três meses. Vão ter mais motivos para rir. — Bernard não se deixou abalar.

— Por mais que você... tenha fé nessa equipe, Bernard, estamos falando da segurança do nosso lar — reforçou Durant. — Sei que você veio de fora e não viveu os conflitos de Prospéria, mas está aqui tempo o suficiente para entender como é o peso desse trabalho.

— Ele é realmente um sonhador, admiro isso. Chega a ser divertido, mas não digo isso para tentar te ofender — disse o homem gigante, que voltava para perto da arquibancada. — Acho que podemos deixar ele seguir com essa ideia. Se der certo, é só deixar esses dois lá em cima de forma permanente. Assim evitamos possíveis tragédias.

— É bom saber que tenho a confiança de outro Conselheiro — disse Bernard, curvando-se. — Muito obrigado, Bruce.

— Considerando nossa situação atual, até entendo essa proposta — disse Durant —, mas o Conselho tem que ser a favor em maioria. Portanto, vamos nos reunir para falar sobre isso. Adélard, Rose e Etienne, alguma objeção?

Os outros três Conselheiros convocados pelo senhor Durant levantaram-se. Adélard devolvia o olhar agressivo para Oliver, como se suspeitasse dele.

— Acredito que esses dois não possam simplesmente ficar sob a vigilância de Bernard — disse mantendo os olhos no garoto. — Sugiro que eles tenham um membro adicional para liderar a equipe e vigiá-los.

— E quem você acha que aceitaria fazer isso? — questionou Etienne.

— Meu filho, Lucien. Ele não tem outra opção no momento, além disso, será um bom teste para ele.

— Seu menino é tão bonzinho, se ele ficar preso à essa equipe, vai falhar de novo na avaliação — disse Rose em tom de pesar.

— Se for para ele falhar, que seja. — respondeu Adélard.

— Pois bem, acabou demorando um pouco mais do que planejamos, mas continuo feliz de ver tantos jovens chegando para nos ajudar — disse Durant com um sorriso sem graça. — Guerreiros, por favor, voltem aos seus postos. Aprendizes, vocês devem estar com fome, então podem dirigir-se ao refeitório enquanto preparamos o início dos treinamentos.

Ainda sob sons de reclamação, o resto dos guerreiros saiu apressadamente da arena de exibição. Bernard acompanhou sua dupla até o refeitório, pois mesmo com o suposto apoio dele, nenhum dos dois estava à vontade para andar no meio dos outros aprendizes.

— A gente tentando ser aceito e você cria toda aquela confusão por conta de uma menina mimada! — disse Leanor enquanto arrumava de volta sua manta. — Não dá para acreditar que você resolveu pegar no pé de alguém que pertence à família Dauphin. Aliás, ninguém ia saber sobre a magia até a hora certa se não fosse por isso.

— Como é que vocês dois respeitam essa gente e ficam tão tranquilos com tudo o que aconteceu? — Oliver continuava furioso.

— Pensei que queria entrar aqui e ser parte dessa gente, me diz vocêrespondeu Bernard. — Escuta, garoto, não tem que idolatrar os guerreiros, mas também não pense que você pode sair por aí desafiando todo mundo. Vocês acabaram de chegar, vão aprender a como lidar com essas situações.

Quando se aproximaram da entrada, o mestre se despediu da dupla e seguiu para o portão principal, prometendo voltar em breve. Os dois estavam diante de uma decoração modesta, um pequeno pátio a céu aberto com mesas redondas e banquetas de madeira.

Todos estavam nas mesas da área interna, então eles aproveitaram o momento a sós para comentar sobre o que houve.

— Nós temos... o pior mestre de toda a Guarda? — perguntou Leanor.

— Eu achei que você ia perguntar para ele sobre esse assunto. Por que ficou quieta?!

— E com que cara você acha que eu ia falar disso depois do que você fez? Era a sua chance de desviar o foco da gente!

Por um momento a dupla ficou quieta, simplesmente andando em passos leves para frente, um tanto cabisbaixos. Só se ouvia o vento batendo nas árvores até que ambos pararam por um segundo.

— Acha mesmo que o senhor Durant falou sério quando disse que essa é a melhor geração de guerreiros dos últimos anos? — perguntou Leanor, preocupada.

— Ah, para. Aquele velho tem cara que diz isso para todo mundo. — Oliver deu uma leve risada, mas aos poucos foi virando um riso de nervosismo.

— A gente tá ferrado. Ai, que droga!

 

 

Chegando na área interna do refeitório, a organização era de dar inveja. Tudo estava perfeitamente posicionado e parecia ser daquela forma já há muitos anos.

Haviam mesas retangulares feitas de grandes troncos cortados ao meio e bancos de madeira compridos para que várias pessoas pudessem sentar juntas. Como basicamente só os aprendizes estavam lá naquele horário, havia muitos lugares vazios.

— Acho que é melhor ficar lá fora. — Leanor usava parte da manta para cobrir o rosto e desviar-se do mau olhado de outras duplas que perceberam a chegada deles.

— É, já chamamos atenção demais por hoje. Vou pegar algo para nós e levo lá fora.

— Ótimo! Vou te esperar. Acho que é só você pedir ali no meio.

O balcão ficava no centro do refeitório, com espaços de coleta nas quatro direções. Uma velha servente cuidava de tudo enquanto gritava com os cozinheiros tão alto que eles até ouviam através da parede que separava a cozinha nos fundos.

Após algumas gritarias, uma carrocinha saiu de lá trazendo mais comida. O jovem que transportava os alimentos só cumprimentou a senhora e voltou com pressa para seu posto.

Chegando no balcão, Oliver preferiu não se apresentar para a senhora, apenas disse que estava junto dos outros aprendizes, mas que iria comer na área externa.

— A confusão começou cedo pelo jeito — comentou a senhora enquanto olhava para o ferimento no rosto de Oliver. — Come alguma coisa que passa, isso aí não é nada. Tem sopa, pães e chá aqui.

— Ah, legal. Obrigado! — disse tentando esconder o fato de que não tinha ideia do que estava na bandeja, mas o cheiro era muito agradável. Depois de uma vida praticamente só comendo frutas, era ótimo ter algo diferente.

Oliver apoiou uma bandeja em cada braço e foi em direção à saída. Caminhar enquanto as equilibrava era um tanto complicado, mas a distância não era tão longa, o que diminuía as chances de erro.

Quando passou pela última mesa, viu um garoto sentado lendo um livro e fazendo um movimento vertical no ar com a mão direita. Esse garoto tinha olhos vermelhos e cabelo loiro, sua túnica e manto também eram vermelhos, mas o manto que o cobria tinha uma tonalidade mais escura, como um rubi que não estava polido.

Curioso com a concentração dele, Oliver tentava ler o que estava escrito na capa do livro. De repente, o garoto esticou a palma da mão e uma linha de fogo se formou na frente dele. Com o susto, as bandejas acabaram voando para o alto e quando a comida estava prestes a cair em cima dos dois, tudo parou no ar.

— Foi sem querer! Só fiquei curioso para saber o que você estava lendo.

O garoto sequer prestou atenção nele. Só conseguia perceber os alimentos flutuando na sua frente, a ponto de cair. Naquele momento, todos do refeitório ficaram olhando fixamente para os dois.

— Enfim, vou pegar minhas coisas e sair — disse enquanto ajeitava tudo em seu devido lugar, como se encaixasse peças de um quebra-cabeça. — Finja que nunca nos conhecemos, tá?

— Espera! Como você fez isso? Não parece ser algo que um discípulo do Lorde Arion conseguiria fazer sem criar uma corrente de ar.

Oliver ainda estava envergonhado e irritado pela bagunça, já que mais uma vez havia chamado atenção negativa para si.

— Isso é animação factícia. Não tem a ver com ar ou gravidade, é minha energia espiritual que pode afetar objetos e fazer com que se movam e fiquem parados conforme eu comando. Até mais! — explicou rapidamente enquanto seguia para a porta.

— Animação factícia? Essa energia cor de esmeralda em volta dos objetos... — Refletiu. — Você é um mago?!

— Aí, fica quieto! — Oliver voltou correndo para se sentar na mesa e sinalizou sutilmente para o garoto olhar para trás. Os outros novatos encaravam os dois. — Não sou do tipo popular aqui.

— É, ficou bem claro.

— E quem é você? Pelo jeito não estava na cerimônia. Meu nome é Oliver Rivail e eu sou descendente dos magos sim.

— Eu sou Lucien Leclerc.

Oliver estava com a impressão de que conhecia esse nome, mas não tinha certeza de onde. Ele ainda estava curioso com a capa. Vendo mais de perto, as páginas pareciam simples anotações.

— Gostou? São alguns conhecimentos de cura antigos que foram passados pela Lorde Aquion. — Lucien folheava o livro aos pouquinhos e mostrava as ilustrações enquanto falava. — Não é nada muito complexo, mas ainda estou preso na parte que fala sobre eliminação de veneno.

— Então você fez aquele círculo de fogo para me assustar de propósito?

— Por que eu faria isso? Jamais iria ferir alguém. Isso seria totalmente contra a missão da minha classe.

— Você é um curandeiro? — perguntou erguendo as sobrancelhas.

— Sim. Um curandeiro de fogo. Carrego a coragem da Lorde Flamus dentro de mim para salvar o máximo de vidas possível.

— Lorde Flamus... — repetiu Oliver, pensativo. — Ela não incinerou um exército inteiro durante a guerra da construção da muralha?

— A guerra foi um período conturbado na vida de todos os seis Lordes. — Lucien parecia bastante ofendido. — Ninguém lembra do fato de que a Lorde Flamus foi viver com a Lorde Aquion depois disso e se tornou uma grande curandeira, de um tipo que quase ninguém conseguiu ser.

— É que fogo não é uma coisa que a gente costuma usar para curar pessoas — disse apontando para o próprio rosto.

— Mas se você souber usá-lo, podem acontecer verdadeiros milagres.

Lucien aproximou a mão do rosto de Oliver, ela estava levemente acesa. Em poucos segundos, o calor que emanava dela foi diminuindo a dor do rosto, até que brasas leves saíram dos dedos e pousaram sobre a ferida, queimando-a sutilmente até sumir.

— Viu só? — disse, orgulhoso. — Existe até uma famosa história de uma águia gigante que voltou à vida depois que a Lorde Flamus jogou seu fogo na criatura. Dizem que é como se ela tivesse renascido.

— Conheço a história, mas isso aí só aconteceu uma vez.

— Porque não me parece o tipo de habilidade que se usa a bel prazer, não concorda?

Lucien buscava manter sua postura formal para falar, mas a conversa parecia não o agradar nem um pouco. Estava claro que ele era muito devoto à Flamus.

— Agora, se você não se importar, eu vou voltar a estudar. Já fui reprovado ano passado e não pretendo continuar como aprendiz nesse ano também.

Oliver então se deu conta de quem o garoto era, mas antes que pudesse perguntar, viu Leanor na porta chamando baixinho por ele e apontando para as bandejas.

— Vem comer aqui, Leanor. Fica tranquila, esse é o cara que vai ficar na nossa equipe.

— O quê? Como assim? — questionou Lucien, surpreso.

— Sério? É ele? — perguntou Leanor enquanto se aproximava. — Muito prazer, meu nome é Leanor.

Mesmo confuso, Lucien seguiu a etiqueta e cumprimentou a garota, que se apresentou fazendo uma reverência e mantendo sua cabeça baixa, como se aguardasse uma permissão para sentar-se.

De novo, Oliver percebeu a atitude dela como uma serva esperando ordens, completamente diferente da forma como Leanor era naturalmente com ele.

— O nosso grande líder da equipe será um curandeiro de fogo — ironizou. — As coisas estão cada vez mais estranhas.

— De fogo? Sério? — A garota parecia interessada. — Deve ser uma tarefa bem difícil.

— É, um pouco, mas do que vocês estão falando? Eu não fui avisado sobre nenhuma equipe.

— Só um minuto que eu já falo com você. — Oliver estendeu a mão para Lucien enquanto virava-se para Leanor. — O que aconteceu? Você não é delicada desse jeito, para de fingir.

— Para você com essa implicância. Me deixa! — Ela deu um beliscão no braço dele para tentar acabar com a conversa.

— Você está sendo falsa.

— Ele também é de família nobre, agora fica quieto e deixa que eu puxo a conversa e mostro como se faz para lidar com um desses.

Lucien, por respeito à garota que havia acabado de conhecer, fingiu não ter ouvido os sussurros nada sutis dos dois.

— Um de vocês pode, por favor, me falar mais sobre essa história de líder?

— Havia um homem do Conselho que não queria deixar nós dois ingressarmos na guarda sem algum tipo de supervisão — comentou Leanor gesticulando lentamente —, por motivos que eu acredito que você já imagina. Acho que era seu pai. Parecia ser um homem bem rígido.

— Espera, é verdade isso?

— É sim — disse Oliver. — Era um cara de cabelão escuro, olhar de morte e roupas iguais às suas.

— Ah, ele insiste em deixar as coisas mais difíceis para mim. — Lamentou.

— Bom, se você foi reprovado ano passado, fazer o treinamento de novo é mais fácil — disse o garoto mago enquanto finalmente degustava seu café da manhã. Ele e Leanor estavam tão famintos que terminaram tudo muito rápido.

— Por mais que teoricamente você esteja certo, não é tão simples assim. O trabalho em equipe é levado muito a sério aqui, o que significa que se vocês forem recusados, eu automaticamente falho junto.

Lucien guardou as anotações de cura com o devido cuidado em uma bolsa de couro que ele carregava nas costas e levantou-se da mesa.

— Eu quero ir até a sala do Conselho verificar isso que vocês me disseram. Podem vir se quiserem.

Ambos concordaram e todos saíram juntos. Quando estavam do lado de fora, encontraram Bernard sentado embaixo da árvore, meditando.

— Senhor Archambault?

— Ah, oi, Lucien. Pelo jeito já conheceu seus novos companheiros. Usa o primeiro nome, cara, sabe que não fico cobrando essa formalidade dos aprendizes.

— Não sei se fico confortável com isso, mas posso tentar — respondeu. Por acaso... é o senhor que está treinando eles dois?

Oliver viu que o garoto claramente parecia preocupado com aquilo, então resolveu finalmente confrontar Bernard:

— Então é isso? Todo mundo aqui te acha um lixo de mestre?

— Oliver! — Leanor ficou toda constrangida.

— O que foi? Você também tá querendo saber, não faz essa cara.

Bernard riu da sinceridade do garoto. Assim como na cerimônia, ele não demonstrou nenhum problema com as críticas.

— Na prática será mais fácil de entenderem — respondeu. — Lucien, você será o líder e vai manter esses dois aqui na linha, mas não gosto da ideia do Adélard de forçar que sejam uma equipe. Por isso, não irão para os treinamentos normais hoje. Faremos uma avaliação para saber se isso aí vai dar certo.

— Já?! — Lucien arregalou os olhos, aterrorizado — Mas só fazemos avaliação no final do período de treinamento.

— Tá com medo por que? — perguntou Oliver, rindo da reação do garoto. — Você já fez isso uma vez, e agora são três guerreiros.

— Na verdade, será um pouco diferente — disse Bernard. — A avaliação que ele fez foi em condições normais de treinamento, com todas etapas de preparação. Como precisamos ter resultados em três meses, vocês vão me enfrentar em um combate livre.

Os três aprendizes ficaram pasmos.

— Vamos lutar contra você?! Beleza!

— Eu não estou pronta para isso!

— Temos que terminar tudo em 3 meses?!

 

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