Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 4: Cerimônia de boas-vindas Pt.2

Uma movimentação começou na arquibancada para fazer um cerco ao redor da arena, mas os guerreiros foram impedidos com um gesto de recuo por parte de Durant. A garota de escudo mantinha-se em posição para desferir o golpe letal.

— Algo a declarar? — Ela espetava a lâmina levemente na nuca de Oliver.

— Você não tem motivo para me ameaçar. Eu não fiz nada!

Ele tentava manter a postura, mas estava com receio do que poderia acontecer. Olhava para o chão pensando em como tudo foi por água abaixo tão rápido e queria arrumar uma forma de sair daquela situação, mas não havia jeito. Mesmo se usasse alguma magia, nada seria rápido o suficiente contra ela.

— Motivo é o que não falta para a maioria aqui. Ou quer tentar a sorte com os civis? Posso arrastar sua cara no chão até chegarmos no centro de Prospéria.

Todos mantinham a atenção para o confronto, alguns preparando-se para apoiar a garota e esperando a autorização para agir, outros apenas observando com certa curiosidade.

— Não sei por que você quis sair de seja lá que buraco estava, mas achou mesmo que poderia ser aceito aqui dentro?

O silêncio na arena era absoluto. Oliver sentiu a lâmina descer e cortar levemente um ponto próximo de sua espinha dorsal, fazendo-o arrepiar. A garota não iria ceder a nada que ele dissesse.

Pelo canto do olho, viu que Leanor estava perto da garota, discretamente levando a mão à cabeça para tirar a touca e a manta.

Se sua companheira de equipe usasse a maldição como ameaça para que a defensora recuasse, poderia deixar tudo ainda pior. Porém, criar uma distração para fugirem poderia ser necessário àquela altura.

— Se depender de mim, ele será aceito. — Uma voz familiar se aproximava dos três. Oliver não quis levantar a cabeça para olhar.

— Bernard? Ficou maluco? — A garota deu uma leve afastada de Oliver, mas ainda com a lâmina apontada para o pescoço dele.

— É, acho que fiquei maluco, nem comecei dando bom dia para todo mundo e pedindo desculpas pelo atraso, mas daqui a pouco faço isso. — Ele agia como se tudo estivesse sob controle. — Vivienne, afaste-se, por favor. — Fixou o olhar na garota, que mantinha-se em postura de combate.

— Você não entende a gravidade do que estamos lidando aqui.

— Pode até ser, mas eu entendo de hierarquia. E sei que se você se recusar a obedecer um oficial superior, não será muito bom para a sua imagem.

— Vai usar as regras só quando é conveniente? Estamos na presença de uma ameaça e...

— Desfaça a barreira e abaixe a lâmina, Vivienne — disse Durant, interrompendo-a. — Bernard tem razão. Além disso, parece que ele tem algo a ver com isso tudo, então gostaria de uma explicação.

— Entendo plenamente, senhor, e serei rápido. — Bernard reverenciou o velho Conselheiro. — Com a maioria de nós aqui, a muralha fica vulnerável e seus lobos não podem fazer tudo sozinhos lá em cima, não é mesmo?

Vivienne, ainda contrariada com a decisão, guardou a lâmina e removeu o escudo maior do chão, trazendo-o de volta para suas costas, tudo com uma velocidade excepcional. Antes de se retirar, deu uma ombrada em Oliver que o fez cair de joelhos.

— Ei, você está bem? — Leanor ajudava seu companheiro a se recompor.

— Dezesseis pessoas aqui no meio da arena e nenhum de nós viu ela chegar — resmungou enquanto observava Vivienne indo embora para o portão.

— Discrição não é seu forte, hein, garoto? Temos que melhorar isso — advertiu Bernard.

— Você está brincando? — Um homem gritou da arquibancada, em tom jocoso — Que desespero é esse por novos aprendizes, Bernard?

— Deixe os dois pelo menos se apresentarem para vocês. Deem continuidade à cerimônia enquanto eu falo com o senhor Durant.

 

 

Não foi necessário estender o tempo para que a formação das equipes continuasse, pois a maioria já havia sido estabelecida. 

Depois de descobrirem quem Oliver era, mantinham distância dele e Leanor no setor reservado aos novatos na arquibancada. Os veteranos continuavam olhando como se estivessem prontos para atacar. Enquanto isso, Bernard e Durant terminavam sua conversa no palanque.

Após se acertarem, Durant chamou as duplas uma a uma para a apresentação, enquanto os outros esperavam sua vez. Oliver mal prestou atenção.

Ele viu que o garoto de dupla classe acabou formando equipe com o espadachim sonolento mesmo. O defensor que tinha falado com ele ficou sobrando no fim das contas e foi colocado como dupla de um menino bem pequeno e magro que também não tinha sido escolhido por ninguém.

Em seguida, foi a garota de azul. Sua companheira de equipe era uma tímida defensora que parecia somente estar dizendo o que era mandada.

— Sei o que estão pensando: "Como é possível uma dupla de guerreiras de suporte?". Eu posso explicar: Como eu disse, sou Marjorie Dauphin, e minha família sempre teve curandeiros extraordinários. A Daiane tem que me defender em ação para que eu fique disposta a salvar o máximo de pessoas possível, porque vocês vão precisar de mim.

— Nem foi isso — disse uma jovem loira levantando-se na arquibancada e interrompendo o discurso de Marjorie. — É que eu sou uma animalista de habilidades passivas e aí o número de duplas simplesmente não bateu.

— Ei, Julie, ninguém te chamou. Não me atrapalha! — retrucou com o mesmo tom ríspido de antes.

— Bem, agora a senhorita despertou minha curiosidade — disse Durant, ignorando Marjorie. — Pode dizer como sua equipe trabalhará?

— Claro, senhor.

A garota virou-se para ele em uma postura firme e com a cabeça erguida.

— Sou Julie, a nova companheira de equipe da Francine Laflamme, espadachim de fogo. Minha Natureza é da água e minhas habilidades são adequadas para transporte e rastreamento. Meu animal familiar é uma... baleia — disse hesitando brevemente.

— A espadachim repetente e um peso morto, hein? — disse um dos novatos. — Um gigantesco peso morto, na verdade, será que a muralha te aguenta lá em cima? — Começou a rir.

Após ouvir os comentários, Julie estava a ponto de saltar no pescoço do garoto que tirava sarro dela, mas sua companheira buscava mantê-la calma.

— Não fica levando a sério. Seu animal é gordo, mas você é bem magrinha — disse enquanto mantinha-se concentrado no corpo dela. — Isso ajuda a equilibrar as coisas.

— Já que está tão empolgado em puxar conversa, por que não se apresenta? — perguntou Durant, ainda buscando manter tudo em ordem de uma forma pacífica.

— Estava com medo que fossem me deixar por último — respondeu o garoto enquanto se levantava. — Posso começar?

Oliver voltou a se distrair olhando para a muralha, toda a enrolação ali era completamente desinteressante. Porém, ele sentiu Leanor puxar a manga da sua camisa, e antes que pudesse olhar para ela, foi atingido em cheio na cara com um soco que o arremessou de volta para a arena.

— Eu sou David Chevalier. Lutador da Natureza do fogo. — Ele descia a arquibancada enquanto socava a palma da mão, preparando o segundo golpe. — E se esses dois forem mesmo ficar aqui, eu me recuso a treinar na presença deles.

 

 

Oliver levantou-se devagar olhando para o chão, pois o forte golpe tinha deixado ele meio tonto. Tinha sido um movimento certeiro e bem rápido, mas pior do que isso era o fato de ninguém parecer disposto a impedir David de avançar para continuar com o próximo ataque.

— Viver é a arte de persistir e resistir. A arte de persistir e resistir... — repetia a típica frase do avô para si mesmo enquanto cuspia o sangue que se acumulou na boca. Seu corpo tremia com a vontade de atacar de volta.

— Fala mais alto. — David chegava mais perto. — Se vai mesmo chorar e chamar sua mãe, ela precisa te escutar para vir correndo.

— O vovô é o único que vive comigo, e o que eu falo não é da sua conta — respondeu.

— Vovô? Você tem cinco anos, cara? E cadê seus amiguinhos fantasmas? Acho que vocês chamam de almas ou espíritos, tanto faz. — disse enquanto preparava mais um golpe. Dessa vez, pequenas brasas formavam-se ao redor de seu punho. — Anda, pede para eles te salvarem!

Um soco direto no peito e, de novo, Oliver foi para o chão, com a roupa chamuscada. Seu corpo ardia de dor e ele esmurrava o chão para descontar a raiva, chegando a rosnar.

Revidar poderia acabar resultando em alguma punição para ele ou sua companheira. "Eu posso me defender?", pensou. Temia fazer isso, então resolveu olhar para Bernard.

Não conseguia ler a expressão no olhar do mestre, mas preferiu pensar que pelo menos ele era um dos que gostaria de ver as capacidades de um mago.

— Não preciso deles para lidar com você.

Oliver levantou-se devagar, ficando de frente para David. Aproximou as palmas das mãos uma contra a outra, esquerda para cima, direita para baixo. Sua respiração era leve e concentrada.

Uma luz esmeralda cobriu seus olhos por inteiro e um círculo começou a surgir no chão, se expandindo. Tinha desenhos curvos na borda como se formasse as pétalas de uma flor.

— Nascer. Viver. Morrer. Progredir. Essa é a Lei. — Mensagens em uma forma de escrita estranha surgiam no lado interno do círculo e ele começava a brilhar mais forte.

— O-o que você fez? — Os pés de David tinham ficado estáticos. Não havia nenhum movimento dos joelhos para baixo. — Solta o meu pé, seu desgraçado!

— Eu não fiz nada com seu pé. Pode tentar andar à vontade, você não está preso — respondeu encarando-o com um sorriso. — É a sua alma que não consegue dar o comando para ele.

David puxou as mangas da camisa e agarrou uma perna para tentar carregá-la para frente, mas quase se desequilibrou e caiu de lado. Furioso com a humilhação, friccionou os braços um contra o outro criando uma onda de calor que logo se transformou em grandes labaredas de fogo.

— Vou acabar com você!

Oliver preparou-se para usar a energia espiritual para desativar as funções dos braços do seu adversário, mas ambos foram impedidos de continuar por um homem de pele bronzeada, quase um tom de cobre, que saltou da arquibancada e caiu no meio deles. Ele era muito musculoso e tinha praticamente o triplo do tamanho dos dois.

Sua presença era tão poderosa que o impacto no chão apagou o círculo mágico e as chamas, chegando até a levantar poeira na arena. Em seguida, o homem abaixou-se lentamente perto de David, que estava aterrorizado, e o encarou.

— Falou, deu uns soquinhos e, no final, entrou em choque em questão de segundos, além de ter perdido a calma. Mas que primeira impressão, hein, moleque? — exclamou dando uma risada bem alta e um tapa nas costas de David.

O garoto sequer piscava. O homem gigante, por outro lado, mesmo com um físico ameaçador, papeava sem tom de ameaça e continuava brincando com a situação, levando-o de volta ao seu lugar.

À medida que os nervos se acalmaram, alguns dos guerreiros começaram a se retirar do local, deixando Oliver inquieto, olhando todos simplesmente indo embora.

Depois da ameaça feita por Vivienne e do ataque de David, parecia que a única razão para terem ficado até aquele momento era a expectativa de ver quem teria a disposição de tentar matá-lo ali mesmo. Nem sequer os curandeiros se importaram em olhar os ferimentos dele.

— Exijo uma punição! — gritou Leanor na tentativa de voltar a chamar a atenção de todos. — Sabemos que não gostam dos magos, mas viemos para ser lutadores e seguir as instruções do Conselheiro Bernard. Esse ataque não teve motivo plausível porque estamos aqui com a autorização de um oficial da maior escala da Guarda.

— Bernard, você é um idiota. — Um homem com um porrete de madeira colorido olhava com desgosto para a garota. — Agora apelou até para esse tipinho. E pelo visto nem contou a verdade para os coitados.

— Eu seria hipócrita se dissesse que não sabia o que poderia acontecer hoje — disse Bernard, olhando para quem ainda havia ficado ali —, apesar de essas dificuldades terem ultrapassado as minhas expectativas.

De cima do palanque, ele gesticulou para que Leanor e Oliver chegassem mais perto. Quando a dupla se aproximou, ele apoiou as mãos em seus ombros para acalmá-los.

— Mas eu protesto contra essa tal verdade que você está insinuando, Lohan. Veja bem, nossos aprendizes geralmente precisam de um ano inteiro de formação. E, como eu falei para o senhor Durant, esses garotos possuem algo diferente do resto, que faz isso valer a pena.

Bernard levou a dupla mais para perto da arquibancada.

— Pelo que sei das histórias, os magos não usam catalisadores como espadas, escudos e flechas, nem fundem sua Natureza com a de animais familiares. Isso significa que apenas precisam de seu corpo e as tais almas para o combate, combinando bem com o estilo dos lutadores. Além disso, o que é ainda mais extraordinário, é que esse garoto é completamente imune à maldição vermelha!

A revelação seguiu de um súbito puxão da manta de Leanor, revelando seu cabelo. Imediatamente, todos os defensores saltaram à frente, sincronizadamente fincando seus escudos no chão e ativando as barreiras. A dupla ficou pasma com a atitude do mestre lutador.

— O que está fazendo, senhor Bernard?! Não era o momento — disse a garota vermelha enquanto tentava esconder seu cabelo novamente.

— Como podem ver, estou falando de jovens com um grande potencial. — Continuou, ignorando-a. — Vou fazer o seguinte: Eu prometo transformá-los em guerreiros de elite no prazo de apenas três meses. E se isso não for possível, eu mesmo os retiro da Guarda de Prospéria.

— O quê?! — Oliver ficou mais espantado que o resto da Guarda.

— O que me dizem, hein? Por mais que as brincadeirinhas sobre minhas capacidades de treinamento tenham sido divertidas, tudo o que vocês têm a dizer sobre mim irá mudar para sempre.

"Por isso esse cara quis que entrássemos", pensou. A troca de olhares com Leanor deixou claro que os dois tiveram a mesma conclusão: eles não passavam de cobaias.

 

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