Volume 1
Capítulo 3: Cerimônia de boas-vindas Pt.1
Com toda a ansiedade pelo dia seguinte, Oliver estava de pé antes mesmo do nascer do sol. Ainda havia uma boa caminhada até o portão da Guarda, então decidiu ir de uma vez.
Quando chegou perto da entrada, muitos já estavam lá esperando o portão abrir. Primeiramente, procurou Bernard, mas nenhum dos guerreiros no portão era ele.
No lado esquerdo havia um homem de pele parda usando um hanfu vermelho. Ele carregava uma espada fina embainhada na cintura e distraidamente mexia nela sem dar muita atenção para os novatos.
À direita havia uma mulher elegante de cabelos longos. Usava roupas mais largas, de tom acinzentado e tão limpas que nem mesmo um único grão de areia pousava no tecido. Sua postura era mais acolhedora, mas ainda séria.
Alguns metros à frente deles estava uma garota que parecia da mesma idade dos novatos.
Ela mantinha um escudo retangular nas costas que tinha quase o dobro do tamanho dela. Também segurava um escudo circular no braço direito, por debaixo de sua capa preta. O cabelo preso em um grande coque com longas madeixas dos lados destacava seu rosto de pele parda com um olhar visceral, encarando todos os que chegavam.
Oliver rapidamente desviou desse olhar e buscou por Leanor. Não foi difícil, já que ela fez questão de ficar afastada do resto. Dessa vez a manta era ainda maior e deixava só os olhos de fora. Ela também usava uma touca na cabeça, aparentemente para evitar que a situação do dia anterior se repetisse.
Ambos se cumprimentaram e então o garoto fez um leve gesto com a cabeça na direção da guerreira de escudo que os vigiava.
— Me diz uma coisa: o que aquela garota ali na frente está fazendo? Ela ficou olhando para mim quando eu cheguei — sussurrou.
— Ela me encarou também. Fez isso com todo mundo.
Oliver olhou em volta. Quase todos os novatos pareciam entediados com a espera. Alguns já conversavam entre si e pareciam conhecer os demais que estavam chegando. A maioria estava com equipamentos em mãos: arcos, espadas, escudos, bolsas de cura, cada um com formatos e tamanhos completamente distintos.
— Ainda acho que devíamos ter trazido alguma coisa — disse Leanor. — Pelo menos trouxe outro par de luvas.
— Essa é a tal habilidade de ferreira?
— Eu sou melhor do que você pensa, sabichão.
— Se o ruído aí no fundo parar para que todos prestem atenção, podemos começar — disse a garota de escudo olhando para Leanor e Oliver, fazendo com que todos olhassem para eles também. Os dois só abaixaram a cabeça.
A esperança de não passar vergonha no primeiro dia tinha acabado.
— Pelo que estou vendo aqui, não falta mais ninguém. — A guerreira continuou. — Façam duas filas iguais, entrem e sigam à direita para a arena de exibição. Maurice irá acompanhá-los. — A garota falava com firmeza dirigindo o olhar para o espadachim.
Enquanto a fila se formava, as travas do portão eram removidas e o ruído dele conforme era empurrado mostrava o quanto a estrutura era pesada.
Ao entrar, a sensação era de estar em outro mundo, com construções feitas de uma espécie de rocha esbranquiçada e telhados vermelhos, que davam um ar imponente ao local. As construções se intercalavam com grandes espaços de terra demarcados para os treinamentos.
Na entrada de cada área havia um estandarte com um desenho que sinalizava a sua função, indo dos dormitórios até os depósitos de armas.
Longe de todas as arenas com obstáculos e alvos, ficava um espaço mais contido, de terra batida, só com uma arquibancada ao fundo e um pequeno palanque na frente. Vários guerreiros da Guarda já aguardavam sentados. Estranhamente, eles eram poucos comparado aos lugares disponíveis.
Um pequeno senhor barbudo e de cabelo cuia estava no palanque. Ele tinha um olhar amigável e sereno, mas seu rosto apresentava um enorme traço de costura que ia da bochecha, subindo pelo meio do rosto, até a ponta da testa. Leanor se aproximou de Oliver para conversarem de novo.
— Aquele é o Conselheiro Durant, não é? Ele é uma lenda! Dizem que tem mais de cem anos de idade — sussurrou.
— Volta para trás! Vai desorganizar a fila. — Oliver não queria que chamassem a atenção dele de novo. A garota voltou para seu lugar, de cara emburrada.
Quando todos os novatos se posicionaram no centro da arena, o senhor começou a falar.
— É um prazer recebê-los! Meu nome é Valentin Durant, sou Conselheiro do templo de Aquion, nossa Lorde da água. — Todos os presentes respeitosamente prestavam atenção e mantinham-se em silêncio. — Agradeço e parabenizo vocês por estarem aqui, pois como podem ver, infelizmente nosso corpo da Guarda ficou bem reduzido nas últimas duas décadas.
Essa informação não parecia ser novidade para os demais - que sequer reagiram - mas ela pegou Oliver de surpresa. "Só essas pessoas protegem a muralha que separa o continente inteiro?", pensou.
— Como já devem saber, nós atuamos em duplas e sempre prezamos por um bom trabalho em equipe entre guerreiros de suporte e de combate. Então, como primeira tarefa, quero que vocês escolham seu parceiro. Depois, apresentem-se aos seus demais companheiros e mestres.
O Conselheiro Durant puxou de sua túnica em tons azul-marinho e turquesa um pequeno envelope que continha uma lista de nomes dentro, depois seguiu sua fala enquanto olhava para o papel.
— Teremos a formação de seis equipes. Como tivemos nomes que chegaram de última hora, vou apresentar as classes. Estão presentes: duas curandeiras, três lutadores, dois espadachins, dois animalistas, dois defensores e... É isso mesmo? Um guerreiro de dupla classe? — murmurinhos começaram a surgir na arquibancada. A notícia havia surpreendido muita gente.
— Arqueiro e animalista, senhor.
Todos dirigiram o olhar para o garoto pálido de moicano na ponta da fila da direita, erguendo seu braço. Ele tinha um arco de madeira escura nas costas e, logo que ele começou a falar, apareceu no céu uma grande ave o rodeando, seu animal familiar.
— É um prazer, meu jovem — respondeu Durant. — Temos uma geração muito boa aqui hoje!
— Posso ser da sua dupla? Deve ser mais fácil — perguntou o garoto na ponta da fila da esquerda. Ele mantinha uma espada de pedra amarrada nas costas de seu hanfu violeta.
— Não se engane — advertiu Durant. — A quem mais é dado, mais será cobrado.
— Ah... Então deixa para lá — respondeu bocejando. Alguns na fila começaram a rir, mas o garoto pareceu não se importar.
— Vocês têm dez minutos. — A instrução continuou. — Depois, quem for o líder apresenta a equipe, a classe de cada um e qual das seis habilidades da Natureza vocês possuem.
A maioria dos presentes demonstrava um olhar decidido e parecia saber bem o que fazer, então as duplas logo estavam se formando. Provavelmente o tempo em que conversavam fora do quartel já havia sido dedicado a isso.
Antes que pudesse falar com Leanor, Oliver sentiu alguém segurando em seu ombro.
— Ei, linda. Se precisar de um defensor forte para te proteger, estou a seu dispor.
Ele virou para trás e viu um garoto de cabelos e olhos azuis que ficou aterrorizado.
— Você é homem?!
— É claro, seu idiota! Acha que qualquer pessoa de cabelo comprido é uma mulher?!
Leanor rolava no chão de tanto rir.
— Tá rindo do quê, cobertor com braços? — Oliver foi completamente ignorado pela garota, que continuava rindo.
— Ah, droga — disse o outro garoto enquanto olhava em volta, ignorando os dois. — E pensar que já fizeram dupla com algumas das meninas. Eu vou acabar ficando de fora.
— Vai por mim, cara, você não está perdendo nada com ela.
— Como se você tivesse grande moral aqui! — A garota retrucou.
— Que tal terem um pouco mais de respeito e calarem a boca? Nem aqui dentro vocês conseguem se comportar — disse uma das novatas enquanto olhava para a dupla de cima a baixo. — Inclusive, ninguém vai querer ficar com gente problemática e tão mal vestida feito vocês dois. Esse garoto encrenqueiro aí deveria ter vergonha de vir até aqui usando roupas verdes. Já se esqueceu de quem costumava usar essas cores?
— E por que você não me diz quem era? — perguntou de forma séria, mas quase explodindo de raiva ao ouvir o que a garota disse.
A roupa de Oliver era um antigo traje de luta do avô. O tecido estava parcialmente gasto, com as mangas rasgadas, deixando parte dos braços expostos na área do tríceps, mas ele havia remendado o resto como pôde para ter o que usar.
Enquanto isso, a garota discutindo com ele tinha roupas que pareciam ter sido guardadas especialmente para a cerimônia. Armadura de couro sofisticado tingido, coberta por um sobretudo azul e branco com pérolas no cordão que fechava a gola.
— Você anda desinformado por acaso? Os magos usavam esses tons de verde. Olhe em volta, não tem quase ninguém aqui por culpa daqueles traidores.
A fala da garota gerou muitos desvios de olhar e cabeças baixas em meio aos que ali observavam.
Após a Noite dos Demônios Internos, os magos foram considerados totalmente culpados, pois era responsabilidade deles cuidar das pessoas que podiam ceder a esse mal.
Albert era o único da família vivo e conseguiu ser poupado ao aceitar viver em isolamento, mas não havia contado para ninguém que Oliver ainda tinha chances de sobreviver naquela época.
Depois de passar tanto tempo em condições péssimas para cumprir esse acordo ao lado do avô, a última coisa que Oliver queria era ser chamado de traidor.
— Não se preocupe, já formamos nossa dupla e vamos esperar vocês agora. Desculpe. — Leanor agarrou o braço dele para afastá-lo da garota.
— Leanor, me solta!
— Para, Oliver, você precisa ser melhor que isso — sussurrou enquanto tentava levá-lo para longe.
As palavras de Leanor fizeram com que o garoto lembrasse da fala do avô e do quanto era importante que não fosse criado nenhum problema com os guerreiros da Guarda.
Ela acabaria sendo expulsa também, e sem Bernard por perto, por pior que fosse ouvir aquilo, era necessário deixar os insultos passarem.
— Acho que tem razão... Desculpe — respondeu relutante.
— A esquisita aí teve o bom senso de pedir desculpas logo de cara, é assim que se faz — disse a garota, constantemente ajeitando seu sobretudo. — Os treinamentos nem começaram e vocês já estão aprendendo algo, pelo menos.
— Oliver, eu não me importo com nada que ela diz. Vamos só ficar quietos e esperar.
— Você não pode ficar quieta enquanto tentam te humilhar, Leanor. — contestou. Seu sangue voltava a ferver a cada frase da garota de azul.
— E daí? Já fizeram coisa pior. Você se acostuma.
— Esse é o problema! Eu não quero me acostumar. Vim para cá para mudar isso. Minha família também existia antes do acidente e eles salvaram muitas vidas, mas parece que se recusam a lembrar disso — gritava enquanto seu olhar circulava a arena, buscando alguém que pudesse concordar, mas só via olhares de confusão e julgamento. — E você? Nunca fez nada a ninguém e, mesmo assim, por conta de uma historinha de terror, precisa ficar ouvindo essas coisas. Não vou fazer nenhum favor aos Rivail deixando as pessoas pisarem em mim.
De repente, Oliver escuta um estrondo logo atrás dele. Antes mesmo que ele pudesse se virar, sentiu uma pontada no pescoço. Era a garota que o encarava no portão.
Ela cravou o escudo maior no chão, liberando uma barreira de sombras que se estendeu horizontalmente pela arena, separando os três do resto dos guerreiros. Com o escudo circular, tinha sacado uma lâmina que vinha da parte interna dele.
— Rivail, não é? — disse enquanto mantinha a lâmina apontada para Oliver — Você vai precisar de uma desculpa muito boa para não morrer agora mesmo.
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Guarda de Prospéria
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