Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 26: A chegada da espadachim das sombras

Prospéria estava se aproximando aos poucos do campo de visão de Oliver. O garoto lutava para manter-se em cima de sua montaria, mas estava conseguindo chegar ao objetivo. Com leves perdas de equilíbrio e escorregões que quase o derrubaram de lado, suspirou aliviado quando conseguiu chegar próximo da saída Leste.

Haviam vários civis agrupados no local. Poucos feridos, o que era bom, mas a evacuação estava longe de acabar.

Ao olhar para dentro do vilarejo, o garoto sentiu sua garganta fechar um pouco. Parecia ter uma névoa estranha se espalhando pelos distritos.

— O mago! — Ouviu uma garota gritar. — Ele está aqui.

Um grupo de aprendizes se aproximou logo em seguida. Todos o cercaram e tomaram postura de combate. Oliver conseguia ver as leves tremidas e respirações pesadas, fossem por medo ou cansaço.

Marlon era quem liderava aquele pequeno grupo. Ele mirava sua flecha na cabeça do jovem mago.

— Não temos tempo para você — disse, ofegante.

— Eu digo o mesmo — respondeu Oliver. — Só vim ajudar.

— Será mais útil se ficar quieto por aqui!

— Acalme-se, Francine — disse Marlon sem sequer tirar os olhos do jovem mago.

Havia muita falação e choro das pessoas que estavam por perto. A maioria sequer notou a chegada de Oliver no local. Todos olhavam para dentro do vilarejo, esperando a próxima pessoa sair de lá.

Outros olhavam para o alto. A muralha parecia uma guerra à parte. Os guerreiros elite não estavam dando conta de impedir a chegada de mais invasores. Logo os mestres não seriam mais capazes de ajudar os aprendizes.

— Não estou com muitas condições de lutar — continuou Oliver —, mas posso fazer alguma coisa. Dar apoio para vocês.

— Gente, não podemos nos dar ao luxo de recusar — disse Julie. — Já estamos sem pessoal.

— Quantos de vocês sobraram?

— Aika e Marjorie estão ajudando a cuidar dos feridos. Denis e Nicollas estão lá dentro do vilarejo procurando por mais pessoas. O Gabriel... Eu não sei se ele vai se recuperar.

Julie engasgava-se com as palavras e não conseguia continuar. Foi possível ver lágrimas escapando de seus olhos.

— Não é só isso. — Marlon baixou o arco. — Daiane sumiu e David também. Então só temos eu, Francine e Nicollas para lutar contra eles.

— Tudo bem, então vamos logo voltar lá para dentro. — Oliver tomou a dianteira.

— Vocês três precisam ir para os distritos do lado norte do vilarejo. — Julie enxugava o rosto e recuperava a postura. — Rastreei muita gente lá.

— Ótimo. Vamos!

Marlon passou na frente de Oliver, dando uma ombrada nele. Ambos se encararam por um momento, mas o jovem mago resolveu ignorar e deixar o arqueiro ir na frente.

 

 

Correndo pelos distritos, o trio via alguns corpos caídos pelo caminho. Havia sinais de dilacerações que escancaravam a barbárie. Algumas paredes onde esses corpos estavam encostados eram completamente vermelhas. O banho de sangue fedia conforme eles iam mais a fundo no vilarejo.

— Pensei que os mestres estariam aqui — disse Oliver. — Como pode ter tanta gente morta em Prospéria?

— Estão segurando a maioria dos invasores lá na saída Oeste e na base da muralha — respondeu Marlon. — Alguns acabaram passando para dentro. Nenhum civil jamais precisou lutar. Eles não conseguem se defender.

O jovem mago ansiava por chegar no local indicado por Julie. No entanto, toda vez que corria na frente de Marlon, era barrado pelo arqueiro. Olhando com atenção, Oliver percebeu que ele não estava em boas condições.

Marlon pressionava sua mão contra as costelas direitas e sua corrida não era mais do que passadas rápidas, fazendo-o segurar o trio.

— Escuta aqui. — Oliver segurou ele pelo ombro, fazendo-o parar. — Chega de pagar de durão.

— Olha só quem fala.

— É, é. Eu não tenho moral, eu briguei contra todos vocês, etc, etc. Só que não quero morrer aqui.

— Dá para ver no seu rosto que você também tomou uma surra — disse Francine. — Só obedece a gente.

— Eu consigo usar minha energia espiritual para ajudar vocês, só precisam...

— Eu não sou louca de virar seu experimento!

— Calados! — gritou Marlon. — Preparem-se.

Mais berros desesperados eram ouvidos. O chão tremia vagarosamente e a vibração aumentava a cada segundo.

Virando a esquina, mais dezenas de civis corriam por suas vidas. Todas estavam sendo guiadas por Nicollas, que vinha sendo seguido de perto por Denis, carregando um grande escudo de gelo para impedir o avanço dos invasores.

A maioria das pessoas corriam por si, sem nem pensar no que estava acontecendo. Alguns olhavam para trás em desespero, como se corressem de monstros. Crianças às vezes tropeçavam, mas logo eram ajudadas pelo pequeno animalista.

— Vão, corram! A saída Leste está perto. Sigam a Harpia. — Marlon fez um sinal para Polo guiar as pessoas.

Oliver observava os adversários chegando. Eram praticamente iguais aos invasores que ele tinha visto em sua primeira noite na muralha.

Sua garganta estava seca e o coração disparou ao lembrar da temida noite onde perdeu Placide. Olhando tantas pessoas correndo por suas vidas, temeu que uma delas ficasse para trás.

Sem conseguir raciocinar mais do que isso, foi direto para o confronto.

— Ei, baixinho!

Nicollas olhou para ele, irritado.

— Vamos acabar com isso! — Oliver fez a postura dos magos. Uma palma para cima, outra para baixo. Concentrou o que pôde de energia espiritual e travou alguns dos invasores em círculos espirituais.

O garoto olhou para todos os adversários que tinham simplesmente parado de se mexer e só conseguia sorrir.

Em instantes, foi correndo de volta para o confronto. Seus braços envolvidos por sua força animalista eram enormes.

Fechando os punhos compostos de garras enormes que pareciam barras de ferro com pontas, derrubou cada um deles com um único soco. Eram golpes tão poderosos que até no meio de toda a confusão era possível ouvir os capacetes quebrando.

Mais deles estavam chegando, mas Oliver ainda estava limitado.

— Cuidado!

Antes que Nicollas fosse atingido, flechas assobiaram na direção dele. Várias delas voavam juntas e logo se espalharam como se estivessem sendo controladas à distância. Todos os alvos foram atingidos em cheio.

— Arqueiro com Natureza dos ventos. — Marlon tomou a frente novamente. — Não preciso sair do lugar e nem que você me ajude a manter os invasores parados. Treinei o suficiente para isso.

Em seguida, foi a vez de Francine atacar. Ela correu pelos muros do distrito e saltou por cima de onde a batalha estava acontecendo.

Ainda com a espada embainhada, a garota parecia observar atentamente cada adversário. Quando um deles estava em foco, ela apenas sacou a lâmina. Um movimento simples e rápido.

A espada levantou um rastro de chamas que atingiu em cheio o invasor, que teve metade de seu corpo queimado. Na hora da queda, seu pouso não foi perfeito, mas mostrou que a garota tinha mais condições físicas que o resto.

— Agora tá fácil! — Nicollas gritava de alegria.

— Tem certeza?

Um homem com uma grande lança de madeira observava a equipe do alto de uma das casas. Na ponta da arma, estavam atravessados os corpos de um casal.

Segurando a lança com duas mãos, ele a balançou e arremessou as vítimas na direção de Denis. Sem saber como reagir, o defensor apenas criou uma rampa de gelo com o escudo para pegar os corpos.

Aproveitando a brecha, o homem saltou do telhado. Ele era esguio, mas parecia bem mais saudável e forte que o resto dos invasores. Com uma rapidez impressionante, foi correndo na direção de Nicollas.

Francine saltou na frente dele com espada em mãos novamente, mas seu golpe não o atingiu. Os dois travaram suas lâminas, uma disputa rápida de força que foi favorável para ele. Com o cabo da lança, o homem a atingiu na dobra da perna, seguido de um chute no rosto.

Seus olhos ainda miravam o pequeno animalista, então seguiu para seu alvo. Marlon atirava incontáveis flechas, mas a lança repelia todas como se fossem palitos. Oliver concentrou-se novamente para juntar mais energia, era o único que podia pará-lo.

Quase se ajoelhando de dor pelo esforço, o jovem mago conseguiu. Só faltava acertar o ponto onde iria travá-lo. Resolveu esperar mais um pouco, até que o invasor tivesse que desviar das flechas de Marlon de novo.

O arqueiro atirou. Quando elas estavam a ponto de chegar, o círculo começou a ser formado no chão.

O homem olhava para o chão e para as flechas, parecia ter que escolher entre se defender de uma coisa ou outra. Foi uma sincronia excelente, porém, não foi perfeita.

Ele virou sua lança na vertical, com a lâmina para o alto. Após rebater as flechas, apoiou o cabo no chão e tomou impulso para saltar. O círculo não podia parar apenas a arma, fazendo do movimento o desvio perfeito.

Mirando em Nicollas, o homem esperou o garotinho reagir ao ataque. Quando ele tentou atingir o invasor com uma das garras, foi simples de desviar e atravessar a lança na perna direita do pequeno animalista.

Só se ouvia um berro enorme de dor após o golpe. Nicollas não conseguiu aguentar manter suas habilidades ativas. Quando apenas o corpo do garoto restava, foi possível ver com clareza a enorme lâmina dentro de sua perna, que de tão fina ficou a beira de ser cortada no meio.

— Elimine a ameaça em melhor condição, depois, acabe com o resto — disse o homem, ainda olhando para o garotinho.

Mais um ataque estava sendo preparado. Oliver sentia-se exausto, mas tentou preparar outro círculo de magia.

Era impossível mirar em um ponto tão distante com a energia que tinha. Ainda restava uma última ideia.

Ao se concentrar, um grande círculo mágico formou-se em suas costas. Enquanto isso, o homem retirava a lâmina da perna do garoto, o fazendo gritar outra vez. A lança estava mirando a cabeça. Seria um golpe fatal.

Oliver estava pronto para seu último ataque.

Rapidamente, o jovem mago cravou os dedos no círculo mágico e o arremessou como um disco. Ao fazer esse movimento com toda sua força, viu sua nova arma voar em um trajeto perfeito.

O homem tentou usar a lâmina para se proteger, mas o círculo simplesmente a atravessou, acertando-o no peito. O impacto o atirou para longe, dando tempo para Denis se recompor e resgatar seu companheiro e Francine.

Oliver, aliviado por ter conseguido salvar o garotinho, escorou-se no muro do distrito e terminou de ajoelhar-se. Seu corpo pulsava como se estivesse no limite. Sua alma também clamava por descanso.

Nesse momento onde sua consciência quase o deixou, os misteriosos olhos o encararam novamente. Com o susto, ele voltou a ficar de pé em um instante.

— Que surpresa te ver aqui. — O homem se levantava calmamente, olhando para Oliver. — Achei que o mago estaria do nosso lado.

— O que te deu essa ideia?

 

 

No distrito Sul de Prospéria, o silêncio e as sombras ainda reinavam. O local estava cercado de destruição. O que antes era lotado de casas bem ornadas e muros resistentes, não passava de restos de pessoas e lares.

Bernard voltava caminhando para onde tinha deixado Vivienne. Ele ainda segurava o coração de Bruce na mão. O símbolo de sua vitória, mesmo que tenha sido com uso de uma armadilha.

Seus olhos também fitavam a muralha ao longe. O fogo estava apagando. Provavelmente todos os invasores que precisavam entrar, já estavam a postos.

Ao encontrar sua pupila, ela ainda estava no chão, tentando juntar forças para ficar de pé. Enquanto isso, apenas resolveu esperar a aparição de seus subordinados.

Em pouco tempo, vários invasores chegaram, seguindo a névoa como foram orientados. No entanto, não eram fortes o suficiente para aguentar a densidade das sombras. Como eles eram necessários para a próxima etapa, Bernard resolveu diminuir sua força.

— Demoraram — reclamou com um dos homens mais altos do grupo. — Como estamos indo?

— Cinquenta de nós foi o limite — respondeu fazendo o número com as mãos. — Tem vinte aqui, dez com o Roger lá no lado Norte e outros vinte levando os corpos que acharam. A maioria ficou lutando lá na base da muralha como distração.

— É, acho que não foi tão ruim. — Bernard bufava, um pouco decepcionado. — Já sabem o que precisam fazer, não é?

— Espera aí, grandão. — Outro invasor levantou o braço segurando o que parecia um cutelo. — E a nossa parte do combinado? Pegamos todo mundo lá nos acampamentos e já vamos levar alguns daqui. Nesse lado da vila só tem aquela mulher caída.

— Ela não é o alvo de vocês. — Apesar da irritação, Bernard respondeu com calma. — E o combinado ainda está de pé. Tem dezenas de moradores aqui, a maioria ainda ficou escondida dentro de casa. Precisamos só de alguns corpos vivos para garantirmos a nossa retirada. De resto, façam o que quiserem.

Todos os vinte invasores urraram de alegria, levantando suas armas improvisadas para o alto e sorrindo com os poucos dentes que restavam. O líder daquele grupo virou-se para eles, para um último discurso antes de atacarem:

— Ouviram, não foi? Matem, estuprem, alimentem-se e torturem o quanto der. Levaremos vivos aqueles que sobrarem. Essa noite é nossa!

Bernard deu as costas para os invasores e seguiu para checar o estado de Vivienne. Depois de ter retirado sua névoa, percebeu como a luz da lua cheia estava forte.

No entanto, por um breve instante, sentiu a escuridão voltar como se tivesse piscado os olhos. Seu coração disparou, e tudo o que ele conseguiu fazer foi colocar os braços na frente do corpo.

Ele foi empurrado para trás. Quando relaxou os braços, sentiu uma ardência no lado direito. Seu antebraço estava com um corte profundo e sangrava bastante. Nas beiradas do corte, uma marca escura.

Os cantos de sua boca levantaram um leve sorriso.

Ao olhar para trás, toda a festa e bagunça que tinha começado, não durou muito. Todos os invasores estavam mortos. Todos atingidos com um único golpe. O mesmo corte que o feriu.

No final do distrito, uma mulher de vestes soturnas. Ela tinha uma gigantesca espada na mão esquerda, banhada em escuridão, e uma pequena adaga na mão direita. Com o cabelo preso em vários coques, era possível notar parte de seu rosto pálido e inexpressivo, que observava Bernard.

— Achei que não ia chegar, Monique.

 

***

 

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