Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: Almoço com Harry

No coração da metrópole de Cradel, um restaurante em particular chamava a atenção de quem passava: o First Star. No estacionamento principal, só se viam carros de luxo, muitos dos quais eram modelos voadores de última geração. A fachada do restaurante exibia um grande símbolo de uma estrela dourada, a marca registrada do local. Tudo naquele lugar transbordava sofisticação e exclusividade.

Dusk raramente frequentava o First Star. O restaurante era famoso não apenas pela qualidade impecável da comida, mas também pelos preços exorbitantes e a necessidade de reservar com antecedência. Até um simples café custava uma pequena fortuna. Mas, naquela tarde, ele estava lá, acompanhado de Gwen, e o ambiente sofisticado não passava despercebido por ele.

O grande salão do restaurante era elegante e reservado, com mesas de mármore espalhadas, uma suave música clássica tocando ao fundo e clientes vestindo ternos caros, muitos envolvidos em conversas e reuniões sérias. A atmosfera era de calma e exclusividade, algo que não combinava muito com o jeito descontraído de Dusk.

A recepcionista, vestida impecavelmente, guiou-os até uma mesa reservada por Harry, o amigo que eles não viam desde a formatura. Gwen, sempre atenta aos detalhes, ajeitava seu cabelo e alisava as roupas, reconhecendo a formalidade do ambiente. Dusk, por outro lado, olhava ao redor com curiosidade, sem se preocupar muito com a própria aparência.

Quando chegaram à mesa, encontraram Harry, de cabelos castanhos e óculos impecavelmente ajustados, vestindo um jaleco branco que lembrava o de um doutor. Ao vê-los, ele se levantou, arrumando os óculos em um gesto automático.

— Amigos! Quanto tempo! — cumprimentou ele, abrindo um sorriso genuíno.

— Pois é! Faz alguns meses desde a nossa formatura, né? — respondeu Dusk, com um sorriso fácil.

— Pelo que vejo, Dusk, você não mudou nadinha! — Harry comentou, rindo.

Dusk, cruzando os braços, olhou para Harry de cima a baixo. Algo chamou sua atenção. Alguns meses atrás, ele era mais alto que Harry, mas agora...

— O que foi que você fez? Tomou algum elixir de crescimento? Porque, da última vez que vi, eu era uns cinco centímetros mais alto que você, e agora é o contrário! — reclamou Dusk, fingindo indignação.

Harry riu com a provocação.

— O que posso dizer? É minha fase de crescimento, hahaha!

Gwen, que ainda ajeitava sua vestimenta, percebeu quando a atenção de Harry se voltou para ela. Sorrindo, ela decidiu provocá-lo.

— Oi, Harry. Vejo que você ficou mais bonito depois de todo esse tempo! — disse Gwen, sem nem um pingo de vergonha.

Harry, que já estava acostumado com as provocações de Gwen, tentou manter a compostura. No passado, ele era extremamente tímido, mal conseguia conversar com ela sem ficar vermelho. Mas, com o tempo, ele havia superado essa fase. Ou assim ele pensava.

— Não caio mais nas suas provocações, Gwen. Agora sou uma nova pessoa! — afirmou Harry com confiança.

Gwen o encarou com um sorriso enigmático.

— É mesmo? Vamos ver... — respondeu ela, em um tom ligeiramente desafiador.

Harry, que até então estava firme, começou a hesitar. Ele franziu o cenho, sem entender completamente a intenção de Gwen.

— O que quer dizer com isso? — perguntou ele, começando a sentir um leve desconforto.

— Exatamente o que você está pensando. — disse Gwen, com um tom malicioso, deixando Harry ainda mais confuso.

Foi nesse momento que Harry percebeu: ele tinha acabado de cair na provocação de Gwen. Soltando um longo suspiro de derrota, ele balançou a cabeça enquanto Gwen ria baixinho, satisfeita com o resultado.

Dusk, que estava observando tudo de longe, aproveitou a oportunidade para se aproximar sorrateiramente de Harry. Com um movimento ágil, ele colocou um braço em volta dos ombros do amigo e cochichou, fingindo confidencialidade:

— E aí, Harry? Já arranjou uma namorada? — perguntou Dusk, com um sorriso malicioso.

Harry, pego de surpresa, ficou visivelmente envergonhado.

— Claro que não! — respondeu, tentando manter a dignidade. — Não estou preocupado com isso no momento. Tenho outras prioridades agora.

— Sei... — respondeu Dusk, arqueando as sobrancelhas. — Então, o que está planejando? É algo divertido?

Harry ajeitou os óculos, tentando manter a compostura.

— Pra mim, é bem divertido. Mas a gente pode falar disso enquanto almoçamos. Estou morrendo de fome! Fiquei esperando vocês aparecerem para que pudéssemos comer juntos. Podem ficar à vontade, o almoço é por minha conta hoje. — disse ele, tentando mudar de assunto.

— Ah, então você está bancando? Aí sim, hein! — brincou Dusk, dando um leve empurrão no amigo antes de se sentar.

Gwen, que ainda sorria das provocações anteriores, também se sentou, cruzando as pernas elegantemente.

— Bom, já que você está pagando, Harry, acho que vou pedir algo bem especial! — disse ela, piscando para ele.

Harry riu, aceitando a situação.

— Só não vai pedir o prato mais caro do cardápio, hein? — brincou ele, relaxando finalmente.

Após alguns minutos de conversa, os pratos finalmente chegaram, servidos por garçons que esbanjavam sofisticação tanto em sua postura quanto na forma de falar. A comida, apresentada de forma impecável, parecia saída de uma obra de arte. Para Dusk, o sabor era tão impressionante quanto a apresentação. Ele saboreava cada garfada, pensando que, se os preços não fossem tão exorbitantes, ele com certeza faria daquele restaurante um local frequente.

Enquanto comia, Dusk observou Harry. Seu amigo se comportava de maneira impecável, manuseando os talheres com uma elegância que parecia natural, sem esforço. Claro, isso não era surpresa; Harry havia sido treinado desde pequeno em etiqueta e boas maneiras, tudo graças aos orientadores particulares que sua família contratara. A cada movimento, Harry exibia uma postura perfeita, mastigando lentamente e sempre mantendo um ar sereno.

Gwen, por outro lado, estava como sempre: com uma postura de “tanto faz”. Ela comia sem pressa, sem dar muita importância ao que estava no prato, e sua expressão era neutra a ponto de ser quase impossível decifrar o que ela estava pensando. Gwen não demonstrava estar impressionada nem entediada — apenas seguia com a refeição de forma prática. Dusk, que conhecia bem sua amiga, sabia que ela poderia estar adorando ou odiando a comida, mas seu rosto não revelaria nada.

Enquanto Dusk aproveitava a “festa de sabores” em sua boca, algo no centro da mesa chamou sua atenção. No meio de todos os pratos e talheres, havia um pequeno objeto curioso: um cubo cinza, pequeno o suficiente para caber na palma da mão. À primeira vista, parecia um item comum, mas olhando mais de perto, Dusk notou que em cada uma das seis faces do cubo havia círculos mágicos verdes desenhados com detalhes minuciosos.

— O que é isso? — perguntou Dusk, intrigado, colocando os talheres de lado.

Gwen, que até então estava alheia à situação, sorriu levemente e cobriu a boca com a mão, como se estivesse esperando aquele momento.

— Eu estava esperando você perguntar isso desde o momento em que chegamos. — comentou ela, num tom meio divertido, meio provocativo.

— Sério? Você notou desde o começo? — perguntou Dusk, surpreso.

— Claro! E você não? Nossa, Dusk, como pode ser tão desatento? — Gwen brincou, revirando os olhos levemente. — Mas me responde uma coisa, Harry... Você nos chamou aqui por causa disso? Ou era só um pretexto para me ver? — completou, piscando para Harry de forma provocadora.

Harry, sempre tentando manter a compostura, ficou visivelmente desconfortável com a insinuação de Gwen, mas, como de costume, fingiu ignorar o comentário. Seu rosto ficou levemente corado, mas ele manteve o foco no cubo no centro da mesa, tentando se manter sério.

— Na verdade, é a primeira opção. — respondeu Harry, ajustando os óculos e ignorando o sorriso malicioso de Gwen. — Isso que vocês estão vendo não é apenas um cubo comum, e definitivamente não é um objeto qualquer. — Ele fez uma pausa dramática, seu tom cheio de orgulho. — Senhoras e senhores, isso será meu passe para me tornar um grande cientista em Thesena!

Dusk, que havia se inclinado para observar o cubo mais de perto, ficou ainda mais curioso.

— Um cientista? Como assim? O que esse cubo faz exatamente? — perguntou ele, com um brilho de excitação nos olhos.

Harry, satisfeito com a curiosidade dos amigos, endireitou-se na cadeira, com o mesmo ar de elegância que mantinha desde o início do almoço.

— Esse cubo é o projeto no qual venho trabalhando a vida inteira! — começou ele, os olhos brilhando de animação. — O nome dela é Stella, uma androide de combate de alta tecnologia, feita com nanorrobôs minúsculos e extremamente resistentes. O mais incrível? Ela tem uma inteligência tão avançada que, às vezes, quando converso com ela, parece que estou falando com uma pessoa de verdade.

Dusk, com os olhos arregalados de empolgação, inclinou-se mais perto da mesa para olhar o cubo. Sua admiração pelo projeto de Harry era palpável, e ele mal conseguia conter o sorriso.

— Incrível! Mas, espera aí, como ela é uma androide se agora está parecendo um cubo? — perguntou Dusk, confuso, mas claramente fascinado.

Harry riu, meio sem jeito.

— Isso é porque ela está no modo desligado agora. Mas, pensando bem, acho que ela vai ficar irritada quando descobrir que a deixei assim. — Ele riu novamente, nervoso, como se já previsse uma "discussão" com Stella. — No geral, quando ativada, ela tem uma forma totalmente humana. E, diga-se de passagem, é muito bonita.

Gwen, com um olhar afiado e sempre desconfiada, estudou o cubo no centro da mesa antes de voltar sua atenção para Harry.

— Me desculpa perguntar assim, mas alguém tem que perguntar... — disse Gwen, com aquele tom direto que só ela conseguia ter. — Qual é o diferencial dela em relação aos outros androides de combate por aí?

Harry parou por um momento, como se estivesse escolhendo bem as palavras. Ele já esperava essa pergunta.

— Bom... — começou ele, ajeitando os óculos. — Stella foi projetada especificamente para combate corpo a corpo, além de ser eficaz com armas de longo alcance. Ela é capaz de usar apenas a força dos punhos e das pernas para enfrentar os Etéreos. E, ao contrário de muitos androides que você já viu, ela foi feita para lidar diretamente com eles.

Dusk, com os olhos brilhando de curiosidade, se inclinou ainda mais para perto de Harry, claramente impressionado.

— Então ela pode lutar na linha de frente ao lado dos capitães? — perguntou ele, maravilhado.

— Se ela quiser, sim! — respondeu Harry com um sorriso orgulhoso.

Gwen, ainda com a sobrancelha levantada, manteve seu ceticismo.

— Não querendo ser chata, mas sabemos que a maioria das máquinas de combate não se sai bem contra Etéreos. Eles usam magia, e as máquinas... bem, não. — comentou ela, com uma expressão que mostrava que não estava totalmente convencida.

Harry, já esperando esse questionamento, sacou seu tablet e colocou sobre a mesa. Na tela, apareceu a imagem de uma pedra rosa, brilhando sutilmente.

— O que é isso? — perguntou Dusk, olhando para a pedra com curiosidade.

— Isso, meus amigos, é um diamante róseo, extraído da cidade de Fortune Diamond. — explicou Harry, com uma confiança renovada. — Ele tem a capacidade de absorver qualquer energia mágica usada contra ele. Sabendo disso, implantei pequenos fragmentos desse diamante em cada nanorrobô que compõe a estrutura de Stella. Isso significa que, ao contrário das máquinas comuns, ela pode absorver magia e utilizá-la a seu favor.

Dusk arregalou os olhos, claramente impressionado. Ele se virou para Gwen, sorrindo.

— Desculpa aí, Gwen, mas o que o Harry está mostrando aqui é coisa de gênio. Temos que admitir isso! — disse ele, cheio de entusiasmo.

Gwen, apesar de seu ceticismo inicial, não pôde deixar de reconhecer a genialidade da ideia. Ela deu um meio sorriso, cruzando os braços.

— É... mais ou menos. — respondeu ela, meio relutante, mas com uma leve provocação no tom.

Harry, percebendo que havia conseguido capturar a atenção de ambos, sorriu com orgulho.

— Eu sei que é difícil de acreditar, mas é um grande avanço. Se tudo correr bem, Stella pode mudar o jogo contra os Etéreos. — disse ele, ainda com aquele brilho nos olhos.

Dusk deu uma risada leve, balançando a cabeça.

— Cara, você realmente vai revolucionar as coisas. Mal posso esperar para ver Stella em ação!

Gwen revirou os olhos de leve, mas, no fundo, também estava intrigada.

— Só quero ver se essa "Stella" vai cumprir tudo o que você está prometendo, Harry. — disse ela, com um sorriso desafiador.

Harry riu, animado.

— Ah, você vai ver. Stella é diferente de tudo o que já criaram.

— E quando vai ser sua apresentação? Quero estar lá bem de perto, para comemorar seu sucesso! — disse Dusk, com um sorriso entusiasmado, claramente animado com o projeto de Harry.

Ao ouvir as palavras de Dusk, Harry ficou visivelmente desconfortável. Seus olhos começaram a se mover de um lado para o outro, evitando o contato visual com o amigo. Dusk, percebendo o comportamento estranho, franziu a testa, confuso.

— O que foi? Algum problema? — perguntou Gwen, sempre rápida em perceber qualquer sinal de tensão.

Harry respirou fundo, tentando parecer tranquilo, mas o desconforto era evidente.

— Não, nenhum problema... só estava pensando agora... minha apresentação vai ser no mesmo dia do exame de vocês em Thesena. — disse ele, olhando para os dois com uma expressão preocupada.

— Como assim? Como você sabe que vamos fazer os testes para sentinelas? — perguntou Dusk, ainda mais confuso.

— Foi Gwen que me disse ontem à noite. Ela mencionou que vocês dois tinham combinado de fazer a inscrição hoje cedo. — explicou Harry, com um leve sorriso, tentando aliviar o clima.

— Isso mesmo, mas por causa desse idiota aqui, acabei esperando horas por ele. — disse Gwen, com um suspiro exagerado, lançando um olhar de lado para Dusk. — Eu tive que ir atrás dele e praticamente puxá-lo pelas orelhas para fazermos a inscrição. — completou, num tom levemente desanimado.

Dusk levantou as mãos em sinal de rendição, sorrindo de forma meio envergonhada.

— Já pedi desculpas, né? Foi mal, errei! — disse ele, tentando desviar do assunto. Tossiu levemente e rapidamente tentou mudar o foco da conversa. — Mas o que tem a ver nosso exame com a sua apresentação?

Harry suspirou, visivelmente preocupado.

— Eles vão acontecer quase ao mesmo tempo. Isso significa que nem vocês poderão ver a minha apresentação, nem eu poderei ver o exame de vocês. E, sinceramente, eu queria estar lá torcendo por vocês dois.

Dusk riu e deu alguns tapas nas costas de Harry, tentando animá-lo.

— Olha só que amigo dedicado! Hahaha! — disse Dusk, brincando.

— Que horas será sua apresentação? — perguntou Gwen, agora mais focada.

— Às 11h30, no centro de inteligência em Thesena. — respondeu Harry, seu tom ainda carregado de preocupação.

Gwen, com seu jeito tranquilo, juntou os dedos e apoiou o queixo sobre eles, olhando distraidamente para o teto enquanto ponderava sobre a situação. Sua expressão parecia indiferente, mas Dusk sabia que ela estava concentrada, buscando uma solução.

— Hum... o nosso exame é ao meio-dia, meia hora depois do seu. — disse Gwen, como se estivesse fazendo cálculos mentais. — Se der tudo certo e não houver nenhum contratempo, podemos assistir à sua apresentação e depois correr para o nosso exame.

Harry soltou um suspiro de alívio, parecendo relaxar um pouco.

— Contratempos são justamente o que quero evitar! — disse ele, sorrindo mais confiante.

Dusk olhou para Gwen, impressionado com a rapidez com que ela havia encontrado uma solução.

— Então, é isso? Primeiro vamos ver a apresentação de Harry e seu projeto, e depois vamos para o nosso exame, Gwen? — perguntou Dusk, querendo ter certeza de que o plano estava de pé.

Gwen assentiu com um leve balançar de cabeça, sem desviar o olhar da mesa. Parecia que, para ela, tudo já estava resolvido.

Dusk sorriu, satisfeito. Ele virou-se para Harry, observando o amigo com uma mistura de admiração e surpresa. Às vezes, ele ainda se surpreendia com o quão longe Harry havia chegado. As lembranças de Dusk o transportaram para anos atrás, quando os três frequentavam a academia preparatória. Naquela época, Harry era um garoto tímido, mal conseguia falar direito com os professores e raramente socializava com os colegas. Os únicos com quem ele se sentia à vontade para conversar eram Dusk e Gwen.

— Parece que foi ontem que você mal conseguia dizer uma palavra sem gaguejar, e agora está aí, apresentando um projeto revolucionário! — disse Dusk, sorrindo com orgulho.

Harry riu, um pouco sem jeito, mas claramente grato pelo apoio dos amigos.

— Vocês sempre acreditaram em mim, mesmo quando eu não acreditava. — respondeu ele, sincero.

Gwen lançou um olhar divertido para Harry, mas com um toque de ternura.

— Claro que acreditamos. Sabíamos que tinha algo especial em você desde o começo. — disse ela, piscando para Harry.

Meio desconfortável com os elogios, Harry se recostou na cadeira, sorrindo de forma tímida. Levou as mãos para trás da cabeça, coçando-a de maneira nervosa. Após alguns segundos, sua atenção voltou-se novamente para o cubo no centro da mesa. Mesmo com Stella em modo desligado, Harry parecia fascinado pelo que havia criado.

— Querem saber de uma coisa? — disse ele, meio hesitante. — Eu ainda não fiz muitos testes de combate com ela. Simulações? Fiz um monte. Mas combate real, contra Etéreos de verdade? Nada. Acho que seria bom vê-la em ação antes de apresentá-la para os cientistas.

Dusk, sempre o mais empolgado, se levantou de imediato, os olhos brilhando de excitação.

— Se é isso que você quer, por que não deixa ela me enfrentar? Seria interessante! — sugeriu Dusk, com um sorriso largo, claramente animado pela ideia.

No entanto, enquanto Harry ponderava a ideia, Gwen revirou os olhos, visivelmente irritada com a proposta.

— Senta aí, Dusk! — disse ela, com a voz afiada. — Você só tem ideia ruim. Está parecendo minha irmã caçula, que falava qualquer besteira que vinha na cabeça sem pensar. — Gwen cruzou os braços, olhando para Dusk com frustração. — Tanto eu quanto Harry sabemos que você não consegue se controlar num combate, e sempre acaba exagerando... como sempre faz!

— Ah, é? Mestra do conhecimento, me ilumine com sua sabedoria! — Dusk respondeu, fingindo uma reverência exagerada, como se estivesse zombando de Gwen. — O que devemos fazer, então, ó grande Gwen?

Gwen o encarou com um olhar vazio, sem sequer piscar. Seus olhos transmitiam tanta frieza que Dusk, ao perceber o quanto havia passado do limite, congelou no lugar. Seu rosto ficou pálido como papel, e ele imediatamente se arrependeu da provocação.

“Desculpa! Exagerei!”, pensou Dusk, internamente, enquanto sua expressão permanecia travada de medo.

Gwen soltou um suspiro longo e pesado, esfregando a testa com a mão, claramente tentando manter a paciência. Com um movimento lento e calculado, ela sacou o celular do bolso, começando a mexer nele enquanto balançava a cabeça em descrença.

— Tenho uma ideia bem mais eficiente. E, ao contrário de algumas sugestões, essa não vai nos colocar em perigo desnecessário... — disse Gwen, a voz ainda carregada de irritação. — Vamos caçar Etéreos. — sugeriu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Dusk, que estava completamente paralisado pelo olhar de Gwen, não conseguiu conter a risada quando ouviu a proposta dela. A ironia da ideia o atingiu em cheio, e, sem querer, ele deixou escapar uma risada curta e nervosa, tentando manter a postura para não irritá-la ainda mais.

— Hahaha! Gwen, sério? Você fala de não colocar a gente em perigo, e aí sugere... caçar Etéreos? Isso é, no mínimo, contraditório! — zombou ele, ainda rindo, mas com um cuidado evidente para não piorar a situação.

Num movimento rápido, Gwen lançou um olhar mortal para Dusk, como se estivesse prestes a explodir. Se tivesse algo nas mãos naquele momento, provavelmente já teria atirado nele.

Você vai me deixar falar ou não? — rosnou ela, a voz carregada de ameaça.

Dusk imediatamente levantou as mãos em sinal de rendição, sorrindo nervosamente.

— Vai, fica à vontade! — respondeu, tentando acalmar as coisas.

Gwen fechou os olhos e respirou fundo, tomando um gole de sua água gelada para se recompor antes de continuar.

— Como eu ia dizendo... — começou ela, agora mais controlada, mas ainda com um tom afiado. — O que eu realmente ia sugerir é que fizéssemos uma missão de nível baixo. Algo seguro, sem grandes riscos, para que possamos testar Stella sem termos que lidar com monstros poderosos. — Ela lançou um olhar de lado para Dusk. — Afinal, como acabamos de ver, temos um idiota entre nós que pode colocar tudo a perder. — disse Gwen, claramente se referindo a ele.

Dusk fez uma careta, claramente sentindo o golpe. Ele olhou para Harry em busca de apoio, mas Harry, já acostumado com a dinâmica dos dois, apenas deu um leve aceno com a cabeça, concordando com Gwen.

— Ah, sério, Harry? Você também? — disse Dusk, balançando a cabeça.

Harry apenas riu, se recostando na cadeira novamente.

— Vamos ser honestos, Dusk... Gwen tem um ponto. — respondeu Harry, divertido, tentando amenizar a situação.

Dusk suspirou, jogando-se na cadeira com os braços cruzados, mas ainda com um sorriso no rosto.

— Vocês são ingratos, sabiam? Eu estou aqui, cheio de ideias criativas, e vocês só sabem criticar. — disse ele, em tom dramático. — Um dia, vocês vão ter que admitir que absorveram todo o meu conhecimento. E aí vão me agradecer!

Gwen riu baixinho, revirando os olhos.

— Prefiro não arriscar. Passo essa! — respondeu Gwen, num tom descontraído, mas ainda provocador.

Dusk, com seu típico sorriso debochado, inclinou-se para frente, cruzando os braços sobre a mesa enquanto olhava para Gwen.

— Ah, então, já que sua ideia é tão brilhante, me fala aí o que você encontrou de tão interessante? — perguntou ele, claramente provocando, com um tom desafiador.

Gwen, sem nem olhar para ele, manteve o foco em seu celular, seu rosto iluminado pela tela. Havia um leve sorriso de satisfação em seus lábios, aquele tipo de sorriso que indicava que ela já sabia que estava um passo à frente dos dois. Finalmente, ela ergueu o olhar, com um brilho de orgulho nos olhos.

— Estou procurando, e já vi várias coisas interessantes... — começou ela, mantendo um suspense proposital em sua voz. — Mas tem uma aqui em específico que é a cara de vocês dois. Vocês vão adorar.

Curiosos, Dusk e Harry se inclinaram para mais perto, seus rostos quase tocando o celular de Gwen, ansiosos para ver o que ela havia encontrado. Os dois estavam em sincronia perfeita, suas cabeças se aproximando ao mesmo tempo.

— O que é? — perguntaram juntos, quase em coro.

Gwen, com um olhar vitorioso, virou a tela do celular para eles e apontou com o dedo para a missão que havia encontrado.

— Caçar e eliminar todos os Etéreos da Floresta Norte! — disse ela, o tom da voz carregado de uma mistura de provocação e seriedade.

Dusk ficou em silêncio por um segundo, antes de soltar uma risada alta e debochada.

— Ah, claro, Gwen! Porque o que pode ser mais seguro e tranquilo do que caçar Etéreos numa floresta cheia de monstros? — disse ele, com sarcasmo escorrendo de cada palavra.

Harry, por outro lado, arregalou os olhos e balançou a cabeça, claramente nervoso.

— Sério? Uma missão dessas? Não é... um pouco demais para testar uma androide que ainda não foi posta à prova em combate real? — perguntou ele, tentando conter o pânico.

Gwen, com os braços cruzados e um ar confiante, deu de ombros.

— Bom, vocês pediram uma solução. E essa missão é de nível baixo. A Floresta Norte está cheia de Etéreos fracos, perfeitos para o tipo de combate que estamos buscando. — explicou ela, satisfeita com a escolha.

Dusk olhou para Gwen por um momento, ainda com o sorriso provocador no rosto, e depois deu mais um de seus sorrisos largos, se virando para Harry.

— Parece que a nossa mestra do conhecimento está nos desafiando, Harry. E aí? Vamos encarar ou vamos fugir como covardes? — disse ele, sempre o provocador, empurrando Harry levemente no ombro.

Harry suspirou, ainda hesitante, mas sabia que, com Gwen e Dusk do seu lado, não tinha muito como escapar.

— Ok, ok... — disse ele, erguendo as mãos em rendição. — Mas se algo der errado, a culpa é toda de vocês dois! — acrescentou, apontando para ambos.

Gwen, com um brilho nos olhos, se levantou, já preparada para a ação.

— Então está decidido. Vamos ver do que Stella é realmente capaz. — disse ela, já se encaminhando para a saída com um ar de confiança.

Dusk, ainda debochado, soltou uma última provocação antes de segui-la.

— Só espero que você não seja a primeira a correr quando os Etéreos aparecerem, Gwen! — disse ele, rindo enquanto a seguia.

 

◇◆◇

 

Fora da grande metrópole de Cradel, havia uma região que exalava um medo palpável. As ruas desertas, os prédios em ruínas, com suas fachadas queimadas e desmoronadas, e os carros velhos e oxidados largados ao longo das estradas criavam um cenário apocalíptico. O silêncio era inquietante, como se até o vento tivesse medo de soprar por aquelas terras abandonadas.

Em meio a esse lugar desolado, um pequeno grupo de oito pessoas caminhava com cautela, seus passos ecoando no vazio. Eles estavam em alerta máximo, os olhos vasculhando o ambiente, atentos a qualquer movimento. Sabiam que ali, um ataque surpresa poderia ser fatal. O ar pesado parecia vibrar com uma sensação de perigo iminente, e ninguém ousava baixar a guarda.

Após longos minutos de caminhada tensa, o grupo chegou ao seu destino: uma vasta área florestal, repleta de árvores densas e trilhas estreitas, esculpidas pela passagem humana. A floresta parecia diferente do resto da paisagem devastada, como se escondesse segredos há muito esquecidos. O dossel espesso bloqueava a maior parte da luz, deixando o lugar envolto em uma penumbra inquietante.

Sem hesitar, todos adentraram a floresta. Porém, assim que os primeiros passos foram dados, um grito ensurdecedor cortou o ar. Foi um som tão alto, tão primal, que fez o sangue de todos congelar nas veias. O grito ecoou por entre as árvores como se as próprias sombras estivessem gritando, e o impacto foi tão inesperado que todos, instintivamente, taparam os ouvidos.

— O que foi isso? Estou com medo! — sussurrou uma jovem de aproximadamente 15 anos, seus olhos arregalados, o medo evidente em sua voz trêmula.

Ao lado dela, uma mulher alguns anos mais velha, vestida com um traje de bruxa, completo com um chapéu pontudo que parecia fora de lugar naquele cenário sombrio, se aproximou da jovem e colocou uma mão reconfortante sobre sua cabeça.

— Não se preocupe, Sarah — disse a mulher, com um tom calmo, mas firme. Seus olhos brilhavam com uma confiança quase sobrenatural. — Suas irmãs estão aqui. Nós vamos te proteger de qualquer coisa que apareça.

Sarah olhou para a irmã, tentando encontrar coragem nas palavras dela. A presença da mais velha era reconfortante, mas algo no ar, algo invisível, deixava o coração da jovem apertado.

— Mas... o que foi esse grito? — Sarah insistiu, a voz ainda tomada pelo medo.

Antes que a irmã pudesse responder, o som de passos pesados ecoou pela floresta. O chão parecia tremer a cada passo, e um vento estranho começou a soprar, trazendo consigo o cheiro de algo metálico, como sangue. As árvores ao redor farfalhavam de forma anormal, como se estivessem sussurrando avisos antigos.

Do meio da escuridão, silhuetas gigantes começaram a surgir. Eram enormes, quase bestiais, com chifres que se destacavam entre as sombras. O som dos cascos batendo no chão ecoou como trovões distantes. Os minotauros, seres imponentes e de força descomunal, emergiram das profundezas da floresta. Seus olhos brilhavam com fúria, e suas respirações pesadas enchiam o ar.

— Não pode ser... Minotauros? — murmurou a irmã mais velha, estreitando os olhos enquanto apertava o cabo do cajado que carregava.

Sarah recuou instintivamente, seu corpo tremendo ao ver as criaturas.

— E-estamos prontos para isso? — gaguejou ela.

A irmã mais velha respirou fundo, tentando manter a calma diante da ameaça iminente. Seu olhar se fixou nas criaturas, que agora estavam se aproximando, seus cascos ecoando no chão como uma sentença de morte.

— Estamos sempre prontos, Sarah — disse ela, sua voz agora carregada de uma determinação fria. — E é melhor você se preparar também.

As outras irmãs, até então em silêncio, formaram um círculo ao redor de Sarah. Cada uma empunhando suas armas ou feitiços prontos, como se tivessem treinado para esse momento por toda a vida.

— Lembre-se, irmãs — disse a mais velha, com um brilho sinistro no olhar —, os minotauros podem ser fortes, mas nós temos a magia e o conhecimento ao nosso lado. E hoje, eles vão aprender o que significa mexer com as Blackbook.

O vento voltou a soprar, trazendo consigo o som pesado dos passos das criaturas que se aproximavam. As bruxas prepararam seus feitiços, e o ar começou a vibrar com energia mágica. O confronto era inevitável, e a floresta, que antes parecia inerte, agora pulsava de vida, como se aguardasse ansiosa pelo derramamento de sangue.

O primeiro minotauro rugiu, um som tão grave que parecia sacudir as árvores ao redor. As irmãs se entreolharam rapidamente, e a mais velha deu um último comando.

— Preparem-se. Noemi e Sarah, vamos vencer essa batalha? 

E com isso, o primeiro feitiço foi lançado, cortando o ar com um brilho brilhante e sombrio. O confronto entre o grupo e os minotauros estava prestes a começar, e o destino de cada um no lugar seria selado naquela batalha.



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