Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: Relação de Amizade?!

Dusk, ainda com as memórias frescas da batalha contra o monstro morcego, sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A imagem da criatura, com suas garras afiadas e olhos vermelhos, ainda assombrava sua mente, assim como a dor das feridas que havia sofrido. Ele tentou afastar essas lembranças, mas a confusão não deixava.

— Não gostei? E ainda pergunta? Claro que odiei! Eu lá, dormindo tranquilo, e do nada alguém começa a tocar a campainha como um lunático. Abro a porta e sou atacado por um Etéreo. E pra piorar tudo, nem consigo usar magia! Como você espera que eu goste disso? — perguntou Dusk, o tom carregado de ironia e frustração.

Enquanto falava, ele sentiu algo escorrer pela bochecha. Não era suor; a sensação era gelada, quase como se um toque de gelo tivesse deslizado por sua pele. Confuso, ele levou a ponta dos dedos ao rosto e, ao olhá-los, viu que estavam manchados de algo vermelho. Sangue. Seu sangue.

“Quando isso aconteceu?” Dusk se perguntou, atônito, seu coração batendo mais rápido. A percepção do ferimento apenas aumentou sua desorientação. Ele se sentia como se estivesse tentando juntar peças de um quebra-cabeça com a imagem errada.

— Hum? Isso foi culpa minha — disse Gwen, a voz tão fria quanto seu olhar. — Assim que você abriu a porta e gritou comigo, fiquei muito irritada. Por impulso, acabei te ferindo. E como punição por me deixar esperando, coloquei você naquela ilusão. Mas agora que você está fora dela... — Ela fez uma pausa breve, quase insignificante, antes de continuar. — Desculpa.

Gwen falou sem emoção, como se estivesse comentando o tempo lá fora. Dusk a encarou, cada palavra dela ecoando em sua mente como uma sentença incompreensível.

— Deixar você esperando? Punição? Do que está falando? — ele perguntou, a confusão transparecendo em cada sílaba.

Nada do que Gwen dizia fazia sentido. As palavras dela implicavam que eles tinham combinado algo antes, que havia algum tipo de acordo ou plano. Mas Dusk, mesmo se esforçando ao máximo, não conseguia lembrar de nada parecido. Sua mente estava um caos, e cada vez que tentava entender, era como se se afundasse ainda mais em um pântano de incerteza.

Gwen não se mexeu por um momento, mantendo os braços cruzados e a cabeça erguida, como se estivesse analisando cada reação de Dusk. O silêncio entre eles era denso, quase palpável, e a falta de expressão no rosto dela apenas tornava a situação mais perturbadora. Era como se ela fosse uma boneca viva, seus olhos penetrantes perfurando Dusk, analisando-o, estudando cada respiração sua, cada batida de seu coração.

Ela deu a volta no sofá, movendo-se com uma calma assustadora, até ficar cara a cara com Dusk. Seus olhos não piscavam, fixos nele com uma intensidade que fazia Dusk sentir como se estivesse sendo despido de toda proteção, cada pensamento seu exposto.

— O que foi? — Dusk perguntou, a voz quebrando o silêncio tenso. Ele queria dissipar aquela sensação sufocante, mas a presença de Gwen era como uma sombra que se recusava a desaparecer.

Gwen apenas o olhou, inexpressiva, sua postura rígida e olhar frio. Era impossível saber o que se passava em sua mente. Não havia um único traço de emoção em seu rosto, nada que revelasse seus pensamentos ou intenções. Apenas aquele silêncio desconfortável e penetrante, que parecia drenar a energia de Dusk, deixando-o cada vez mais confuso e perdido.

— Aff! Como você consegue ficar assim tranquilo? — Gwen perguntou, a irritação evidente em sua voz. Ela levou a mão à testa, balançando a cabeça em desaprovação. Um pequeno sorriso sarcástico apareceu em seus lábios, mas seus olhos mostravam uma faísca de frustração.

— Duskzinho, você realmente não tem jeito — murmurou Gwen para si mesma, como se já tivesse aceitado que lidar com ele era sempre assim, uma mistura de surpresa e irritação.

Gwen então enfiou a mão na bolsa que carregava e puxou um celular de última geração. O aparelho era uma obra-prima da tecnologia futurista: fino e completamente transparente, com os circuitos internos visíveis apenas quando a tela estava desligada. Apesar de sua aparência translúcida, as mensagens apareciam com clareza quando ela ativava a interface holográfica. Gwen deslizou o dedo pela tela, rapidamente acessando o que procurava. Satisfeita, virou o celular em direção a Dusk.

— Veja! Não foi isso que combinamos ontem? — disse ela, mantendo um tom de voz desafiador.

— O quê? — Dusk perguntou, a expressão dele carregada de confusão.

Sem entender nada do que Gwen estava falando, ele franziu a testa e se inclinou para mais perto da tela holográfica do celular dela. Ali, flutuando no ar, estava o histórico de uma conversa entre os dois. As mensagens se destacavam claramente, mostrando que, de fato, haviam combinado algo.

Dusk, vamos fazer nossa inscrição para sentinelas amanhã? Não quero deixar esse assunto para a última hora — Gwen havia escrito.

Sim, claro! Vamos! Que tal nos encontrarmos lá pelas oito horas da manhã? — Dusk respondeu na mensagem.

Sério? Isso vindo de você é novidade. Ok, combinado! — Gwen finalizou a troca.

Dusk olhou para as mensagens, confusão estampada em cada linha de seu rosto. Como se o que estivesse vendo fosse um quebra-cabeça que ele simplesmente não conseguia resolver. Sem perder tempo, ele puxou seu próprio celular do bolso, um modelo similar ao de Gwen, e rapidamente acessou o mesmo chat. As mesmas mensagens apareceram diante de seus olhos. Ele piscou várias vezes, tentando se lembrar de qualquer coisa sobre aquela conversa, mas sua mente estava em branco.

— Será que fui hackeado ou algo assim? — brincou, tentando aliviar a tensão da situação. Um sorriso forçado surgiu em seus lábios enquanto ele olhava para Gwen.

Gwen não pôde deixar de soltar uma risada, apesar de sua irritação. A expressão de completa desorientação de Dusk era simplesmente hilária. Ela revirou os olhos, agora mais divertida do que brava.

— Você é inacreditável, Dusk. — disse ela, cruzando os braços e balançando a cabeça. — Se você gastasse metade do tempo que passa dormindo para lembrar das coisas importantes...

— Ei, não é culpa minha! Meu cérebro tem um sistema de economia de memória, só guarda o essencial! — Dusk rebateu, tentando manter o tom leve, mas sua confusão ainda era palpável.

Gwen deu um passo para trás, agora com um sorriso genuíno nos lábios. O clima tenso parecia ter se dissipado, substituído por uma leveza que só a completa falta de noção de Dusk conseguia criar. Dusk, percebendo que a tensão havia diminuído, deu de ombros e guardou o celular, aliviado por ver que Gwen não estava mais tão irritada.

— E dessa vez, qual é a desculpa? — perguntou Gwen, com um tom de deboche que não fazia questão de esconder. Sua voz tinha um toque afiado, quase desafiador, como se esperasse uma justificativa ridícula de Dusk.

Dusk, agora mais calmo, se endireitou no sofá. Ele cruzou os braços e levou a mão ao queixo, os olhos perdidos em um ponto distante, como se estivesse tentando vasculhar suas memórias em busca de uma resposta. As mensagens haviam sido trocadas na noite anterior, mas ele não conseguia se lembrar de ter feito qualquer acordo com Gwen. No entanto, os horários marcavam entre onze e meia-noite.

“Eu lembro... Ontem exagerei no meu treino de esgrima e quase esgotei minha reserva de mana estudando magia.” ele pensou. “Nesse horário, estava completamente exausto.”

— Será que foi isso? — Dusk murmurou de repente, quebrando o silêncio, ainda refletindo.

— Foi o quê? Achou uma desculpa esfarrapada? — Gwen provocou, cruzando os braços, os olhos fixos em Dusk, buscando qualquer sinal de hesitação.

— Acho que sim. Ontem passei praticamente o dia todo treinando esgrima e estudando magia. Quando chegou a noite, minha cabeça estava tão cheia que devo ter respondido no automático. Estava exausto, e aposto que mandei aquelas mensagens sem nem perceber, antes de desmaiar na cama.

Gwen estreitou os olhos, avaliando Dusk com uma expressão mista de desconfiança e um toque de deboche. Ela sabia que ele era capaz de coisas absurdas quando estava cansado, mas mesmo assim, a explicação parecia conveniente demais. A mente dela trabalhava rápido, buscando qualquer falha na justificativa de Dusk.

— Essa foi a melhor historinha que conseguiu inventar? — perguntou Gwen, com um sorriso cínico, o tom de voz carregado de ceticismo.

Dusk ergueu as mãos em um gesto defensivo, como se estivesse sendo acusado injustamente.

— Pra mim faz sentido! — insistiu ele, a voz carregada de uma convicção quase desesperada. — Não seria a primeira vez que eu faço algo no piloto automático quando estou esgotado. Você sabe como é... Estudo, treino, mais estudo. Minha cabeça vira um mingau!

Gwen o observou por mais um momento, como se estivesse decidindo se deveria acreditar na explicação ou não. O silêncio se estendeu por alguns segundos, quase tangível, enquanto ela processava a resposta de Dusk. A expressão em seu rosto finalmente se suavizou um pouco, mas ainda havia uma pitada de desconfiança em seus olhos.

— Ok, Duskzinho, vou fingir que acredito nessa. Mas da próxima vez, tenta não esquecer de coisas importantes, tá? — disse Gwen, balançando a cabeça com um suspiro.

Dusk deu de ombros, aliviado por Gwen não estar pressionando mais, mas ainda sentindo um leve peso de desconfiança.

— Vou tentar... Prometo. — respondeu ele.

Dusk lançou um olhar rápido para o relógio holográfico flutuando no ar. Seus olhos violetas se arregalaram ao notar a hora: nove e meia. O combinado era se encontrarem às sete. Se Gwen ficou esperando todo esse tempo, isso significava que ela estava ali por duas horas e meia. Uma pontada de culpa perfurou o peito de Dusk ao reconhecer seu erro. Ele sabia que tinha vacilado feio.

— Gwen, você pelo menos fez sua inscrição em Thesena? — perguntou, tentando amenizar a situação.

— Claro que não, fiquei esperando o bonitinho aqui, porque combinamos de fazer isso juntos, lembra? — respondeu Gwen, cruzando os braços e arqueando uma sobrancelha, o tom de sua voz carregado de uma leve irritação.

Dusk se mexeu desconfortavelmente, sentindo o peso da culpa aumentar. Ele respirou fundo, tentando pensar em uma maneira de consertar as coisas.

— Ok, então. Que tal a gente parar de perder tempo e ir logo antes que a fila de inscrição esteja enorme e a gente acabe passando horas lá? — sugeriu ele, levantando-se do sofá com um ar de determinação renovada.

Gwen soltou um suspiro dramático e balançou a cabeça.

— Sinto muito te informar, Duskzinho, mas se você acha que a fila vai estar curta agora, é melhor abaixar suas expectativas. — disse ela, o tom carregado de sarcasmo.

— Está tão grande assim? — perguntou ele, a voz já demonstrando um toque de desânimo.

— Sim, está. — Gwen confirmou, tentando conter um sorriso ao ver a expressão abatida de Dusk.

— Bom, tudo bem. — disse Dusk, encolhendo os ombros e tentando parecer despreocupado. — Vamos lá de uma vez, então. E, olha, para compensar, quando terminarmos, vou comprar uma coisinha para você como pedido de desculpas. Pode escolher o que quiser.

Gwen ergueu uma sobrancelha e olhou para Dusk, fingindo estar ofendida.

— Acha que pode me comprar assim, seu safado? — retrucou, cruzando os braços e fazendo uma cara séria. Mas logo o canto de seus lábios se curvou em um sorriso. — Mas já que prometeu... Eu vou cobrar. E vou cobrar caro!

Dusk soltou uma risada.

— Pode cobrar, Gwen. Só não vá escolher algo muito caro, tá? Lembre-se de que ainda sou um aspirante a sentinela, não um capitão cheio de grana.

— Veremos... — Gwen respondeu, o tom de sua voz agora mais brincalhão.

Eles se encararam por um momento antes de Dusk estender a mão para Gwen. Ela aceitou o gesto, e os dois começaram a caminhar juntos em direção à porta. Apesar da manhã conturbada, o humor deles já estava mais leve.

— Ei, só por curiosidade, o que você estava pensando em comprar para mim? — perguntou Gwen enquanto saíam.

Dusk sorriu, um brilho travesso em seus olhos.

— Um café bem forte para você não dormir enquanto me espera de novo, que tal?

Gwen riu e deu um leve soco no braço de Dusk.

— Ah, você é impossível!



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