Volume 1 – Arco 1
Capítulo 1: Sonho?
No relógio digital, quase nove e meia da manhã. Na sala de estar de um apartamento minúsculo com apenas três cômodos — sala, cozinha e banheiro —, um jovem de dezessete anos estava jogado no sofá, dormindo como se não houvesse amanhã.
Ele era alto para a sua idade, com cabelos grisalhos completamente desgrenhados e olhos violetas, agora fechados. Parecia um bebê calmo e tranquilo em um sono profundo, intocado pelas preocupações do mundo. Nada parecia capaz de tirá-lo daquele estado de descanso... Até que o destino resolveu mostrar seu lado cruel.
Um som estridente e ensurdecedor ecoou por todo o apartamento. Era tão alto e irritante que Dusk se revirou de um lado para o outro no sofá, puxando a coberta para tentar abafar o som, sem sucesso.
— Me deixa em paz! Quero dormir! — ele reclamou, a voz carregada de irritação.
E quem não estaria? Em uma manhã fria, tudo o que ele queria era se enterrar debaixo da coberta e esquecer do mundo. E Dusk estava exausto, mais do que o normal.
Mas o barulho do alarme não dava trégua. Era implacável, constante. Dusk se mexeu pela última vez, olhos entreabertos e sonolentos, virando a cabeça em direção à mesinha onde o celular repousava. A tela, porém, estava apagada. Não era seu despertador.
“De onde vem esse inferno de barulho?”, ele pensou, frustrado.
O som parecia penetrar sua mente como uma faca afiada. Sem paciência, Dusk pressionou as mãos contra os ouvidos, mas era inútil. De repente, todo o sono evaporou de seu corpo como vapor.
— Será que não dá pra dormir em paz nem um dia? — grunhiu, mal-humorado.
Com uma expressão de pura irritação, ele bocejou, espreguiçou-se, tentando se livrar do cansaço e da preguiça. Agora desperto, ele percebeu que o barulho vinha da entrada do apartamento. Alguém estava apertando a campainha como se fosse uma competição.
— Quem diabos é? Não lembro de ter marcado nada com ninguém.
Ainda com o corpo pesado, Dusk arrastou-se até a porta, seus pés raspando no chão, os braços balançando de um lado para o outro, mais parecendo um zumbi saído de um filme de terror. Quem quer que fosse, parecia estar com pressa, apertando a campainha repetidamente, impiedosamente. O som não era apenas irritante — era uma tortura.
— O que é isso?! — exclamou Dusk, sentindo o coração disparar.
Ao abrir a porta, ele deu um salto para trás, instintivamente. A figura diante dele não era nem de longe humana. Era um monstro. Tinha a cabeça e asas de morcego, o corpo coberto por uma camada espessa de pelos, e uma altura que passava facilmente dos dois metros. Em suas mãos, afiadas garras reluziam, prontas para rasgar carne e ossos.
“Um Etéreo? Como ele chegou até aqui?!” A mente de Dusk girava, tentando encontrar uma explicação. Criaturas como aquela não passavam despercebidas, ainda mais em um lugar tão movimentado. A presença desse monstro ali significava problemas, e grandes.
Sem hesitar, Dusk se colocou em posição de guarda. O monstro soltou um grito ensurdecedor, tão alto que parecia penetrar sua alma. Dusk cobriu os ouvidos, tentando abafar o som. Os olhos vermelhos da criatura o encaravam, brilhando com uma fúria sanguinária. Para ela, Dusk era apenas uma presa indefesa.
De repente, o Etéreo avançou em um movimento rápido, suas garras estendidas para atacar. Dusk sentiu o instinto de sobrevivência tomar conta e, com um movimento ágil, lançou-se para o lado, escapando por um triz.
— Você acha que pode invadir minha casa e me acordar desse jeito? — gritou Dusk, com os olhos queimando de raiva. — Não vai sair impune, seu desgraçado!
Dusk estendeu a mão, tentando concentrar energia na palma. Fez força, sentiu o suor escorrer pela testa, mas nada aconteceu. Olhou para sua mão vazia, a confusão tomando conta.
“Cadê minha espada? Fiz tudo certo, não devia ter falhado!”
Aproveitando o momento de hesitação, o Etéreo avançou novamente, derrubando móveis e qualquer coisa que estivesse no caminho. As garras passaram raspando, mas Dusk conseguiu saltar para trás, escapando mais uma vez. Ele pousou com agilidade, mas a dúvida corroía sua mente. Com um gesto rápido, apontou o dedo para o monstro, tentando invocar sua magia. Nada.
“Nem minhas magias de alma estão funcionando? O que está acontecendo?”
Antes que pudesse formular um plano, o monstro atacou novamente. Desta vez, o golpe veio direto, um soco poderoso que Dusk mal teve tempo de bloquear. Cruzou os braços na frente do rosto, mas o impacto foi brutal, lançando-o contra a parede. Sentiu o choque percorrer o corpo, e uma dor aguda explodiu na cabeça. Sangue começou a escorrer pela testa.
“Não consigo usar minha espada, minhas magias falharam... Estou lutando como um humano comum.”
Ferido e sem suas habilidades, Dusk estava em apuros. Seus braços tremiam de dor, e ele sabia que, se o golpe tivesse sido um pouco mais forte, seus ossos estariam quebrados. O monstro avançava lentamente, cada passo ecoando como um prenúncio de morte, seus olhos vermelhos fixos em Dusk, a boca salivando.
— Isso é um pesadelo... ser devorado por um Etéreo — murmurou ele, sentindo a desesperança se aproximar.
Mas, mesmo com o corpo castigado, Dusk cerrou os dentes. A raiva e o desespero começaram a se transformar em uma chama de determinação. Ele forçou o corpo a se levantar, ignorando a dor que o dominava.
— Um futuro capitão não pode cair tão facilmente. Eu preciso continuar, mesmo que seja a última coisa que eu faça.
Um sorriso involuntário surgiu em seus lábios, e seus olhos, antes confusos, agora brilhavam com uma luz feroz. Imagens de duas pessoas especiais surgiram em sua mente, aqueles que ele fez uma promessa, os motivos pelos quais ele não podia ceder.
— Nem que seja a última coisa que eu faça, vou causar o maior dano possível! — gritou Dusk, encarando o monstro com uma fúria renovada.
Vendo a determinação faiscar nos olhos de Dusk, a criatura estufou o peito, enchendo os pulmões de ar, e soltou um grito ensurdecedor, um som primal que parecia rasgar o próprio ar. Mas desta vez, Dusk não se intimidou. Encarou o monstro de frente, seus punhos erguidos e firmes, prontos para o confronto. O sangue pulsava em suas veias, e sua mente estava focada em um único pensamento: sobreviver.
No entanto, antes que pudesse dar o primeiro passo, algo estranho começou a acontecer. Tudo ao seu redor — as paredes do apartamento, o teto, o chão, até mesmo a criatura diante dele — começou a rachar, como vidro prestes a se estilhaçar. As fissuras se espalhavam rapidamente, correndo pela superfície de tudo ao redor, transformando o mundo em uma colcha de retalhos de fragmentos que ameaçavam se soltar a qualquer momento.
— O quê? — murmurou Dusk, dando um passo para trás, seus olhos arregalados em confusão. Sentiu uma sensação vertiginosa, como se o chão estivesse desaparecendo sob seus pés. As rachaduras não estavam apenas no ambiente ao seu redor. Ele olhou para baixo e viu sua própria pele se fragmentando, se partindo em pequenas partículas que flutuavam no ar, como se seu corpo estivesse se desintegrando.
Seu coração acelerou, o pânico se infiltrando em sua mente. Tentou falar, mas as palavras não saíam. Tudo ao seu redor estava desaparecendo, e a realidade parecia se desfazer em uma onda de caos. Mas então, em meio à confusão e ao medo, algo clicou em sua mente. Uma faísca de compreensão brilhou em seus olhos violetas.
“Isso não é real”, pensou, seus olhos agora cortando o ambiente com clareza. Era como se uma cortina tivesse sido puxada, revelando o truque por trás da ilusão.
Dusk olhou ao redor, seus olhos afiados como lâminas. A determinação foi substituída por uma frieza calculada enquanto ele tentava entender o que estava acontecendo.
— Agora entendi... — sussurrou para si mesmo, sua voz firme e cheia de convicção. — Por que você fez isso? — perguntou, encarando o vazio que o cercava, como se esperasse uma resposta da própria escuridão.
As rachaduras se expandiram, crescendo como teias de aranha, e em um instante, tudo ao redor de Dusk — o apartamento, o monstro, até mesmo sua própria forma — se desfez em milhares de fragmentos, caindo em um abismo sem fundo. O vazio se fechou ao seu redor, engolindo tudo, e Dusk sentiu-se flutuar na escuridão, apenas suas perguntas permanecendo, ecoando em sua mente.
◇◆◇
Em um movimento rápido e instintivo, Dusk abriu os olhos de uma só vez. O ataque da criatura morcego passou por sua mente como um flash, uma sequência de imagens desconexas e aterrorizantes. Em alerta total, ele se levantou abruptamente, jogando a coberta para o lado e ficando de pé, os olhos arregalados e a respiração acelerada.
— Cadê? Cadê? Onde está aquele monstro maldito? Se escondeu? — ele murmurava freneticamente, os olhos percorrendo cada canto do pequeno apartamento, esperando ver a criatura a qualquer momento.
De repente, sua visão embaçou, e um golpe de fraqueza o atingiu como uma marreta. O mundo ao seu redor parecia girar, as cores e formas distorcendo-se em um borrão. Sua pressão caiu tão subitamente que Dusk sentiu como se o chão estivesse sendo puxado para fora debaixo de seus pés. A sensação de energia que antes percorria seu corpo sumiu, deixando-o fraco e desorientado. Sem forças para se manter em pé, ele caiu de volta no sofá, como se alguém tivesse cortado os fios que seguravam seu corpo.
— Que estranho! Nunca me senti tão mal assim antes... — murmurou, tentando entender o que estava acontecendo. Sua cabeça latejava, e o som do próprio coração batendo soava como tambores dentro de seus ouvidos.
E então, do nada, uma voz feminina ecoou pelo ambiente, fria e suave, mas carregada de algo sinistro.
— Isso foi porque peguei seu sangue, mas pode ficar tranquilo, pois assim que o ingerir, tudo vai voltar ao normal — disse a voz, aparecendo como um sussurro próximo demais, íntimo demais.
O som fez com que o corpo de Dusk reagisse instantaneamente. Ele se jogou para o lado oposto do sofá, como se tentasse escapar de um ataque invisível. O pânico percorreu sua espinha. A voz tinha falado tão perto, bem ao lado de seu ouvido, que parecia que uma presença estava colada a ele, como uma sombra viva. O medo o fez lembrar de uma bruxa diabólica, uma presença que podia sentir seu medo e se alimentar dele.
Com a percepção começando a clarear, Dusk finalmente notou a presença da garota que o havia assustado. Ela estava atrás do sofá, os olhos fixos nele com um brilho afiado. Seus olhos, de um rosa pálido, eram quase hipnóticos, penetrantes, e não deixavam dúvida de que ela não estava de bom humor. A expressão em seu rosto era de irritação, os lábios apertados em uma linha fina.
— Poxa, Gwen! Pra que fazer isso? Quase me mata do coração! — reclamou Dusk, ainda se sentindo abalado pela voz repentina e pela fraqueza que tomava conta de seu corpo.
Gwen apenas revirou os olhos, um gesto que parecia demonstrar desdém total pelas palavras dele. Estalou a língua com impaciência e desviou o olhar, como se Dusk fosse pouco mais que uma distração irritante.
Nas mãos de Gwen, uma esfera grande e vermelha flutuava, emitindo um brilho suave, quase hipnótico. Parecia uma bola de boliche suspensa entre seus dedos, mas a forma como flutuava sugeria que havia algo mais nela. Dusk seguiu o olhar da garota até a esfera e então olhou para suas próprias mãos, ainda trêmulas e fracas. Uma ideia começou a se formar em sua mente, e ele encarou Gwen com uma expressão desconfiada.
— O que você andou aprontando comigo? — perguntou, a voz soando um pouco mais firme agora.
Gwen soltou uma risada baixa, um som que não combinava em nada com sua aparência. Havia algo de perturbador naquele riso, algo que arrepiava a pele.
— Essa não é a pergunta certa a se fazer, Dusk. Aqui, sou eu quem faz as perguntas. — Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso. — Gostou do meu amigo morceguinho? Foi um bom show, não foi?
— Então foi você que fez aquilo aparecer? — Dusk respondeu, sua voz agora carregada de indignação. A ideia de que tudo não passava de um truque dela o deixava furioso.
O sorriso de Gwen se alargou. Ela parecia divertir-se com a irritação de Dusk. Ainda focada na esfera vermelha, começou a manipulá-la com um movimento delicado das mãos. A esfera começou a encolher, diminuindo de tamanho como se estivesse sendo espremida por uma força invisível, até se transformar em uma pequena bolinha do tamanho de uma bola de gude. Dusk observou, incrédulo, enquanto Gwen pegava a bolinha entre os dedos em forma de pinça.
E então, com um gesto casual, como se não fosse nada de mais, ela jogou a bolinha vermelha dentro da boca e engoliu. Dusk sentiu um calafrio percorrer sua espinha. As veias no pescoço de Gwen brilharam com um vermelho intenso, pulsando como se uma luz fluísse através delas. Seus olhos rosa se tornaram escarlates por um breve momento, brilhando com uma luz sobrenatural. A visão era assustadora, como se ela estivesse canalizando algo inumano dentro de si.
Após alguns segundos, os olhos de Gwen voltaram ao rosa normal, e o brilho em suas veias desapareceu. Ela virou para Dusk, a expressão de satisfação estampada no rosto.
— Sim! — respondeu com um tom quase alegre. — Por que, não gostou?