Grimório dos Contos Brasileira

Autor(a): Novel Brasil


Season 1

Quarto Conto: Ampulheta do Destino

Por: Guizado


— Papai, papai, quando a gente chega na casa do vovô? — perguntou uma garotinha com os seus cinco anos, no corpo usava um lindo vestido florido.

O prado, diante dela, era preenchido de pequenas ervas verdes. No entanto, aqui e ali, um pouco por todos os lados, existia alguma cor, surgida das pequenas flores que brotavam do chão.

Mais atrás, um homem alto acompanhava a jovem moça, trazia na sua mão um presente. O vento, em forma de uma brisa suave, batia-lhe na cara e refrescava-lhe o corpo suado.

No topo do céu, uma gigantesca lâmpada iluminava cada centímetro de terra. Das vinte e quatro horas do dia, doze eram sobre os seus fortes raios. Ao seu lado direito, a lua pairava no céu como em todos os dias do ano, era majestosa vista sempre da mesma face.

— Só falta mais um pouco. — Por alguns segundos respirou, tentava recuperar alguma fagulha do seu fôlego. — Eu nunca concordei que ele morasse tão longe, mas sabemos bem que o avô não gosta da vida na cidade

Aquele aglomerado de casas a que ele se referiu, dizia olá bem atrás deles, eram centenas de prédios altos em fila. Contudo, de longe nem prédios pareciam, pois eram cobertos de um verde vívido e, mesmo que quase nem se percebesse, alguns painéis solares. Talvez, por isso era chamada de Grande Floresta Moderna.

Por cima dos dois, naquele momento, passava um robô voador. Recolhia o que o ar roubava das pessoas da cidade: algumas roupas, uns quantos papéis e muitas pipas.

A menina, assim que viu o gigante de metal, colocou-se a contemplar a sua beleza. A máquina tinha vários tentáculos que dedilhavam a terra e, por cima, um balão que o fazia flutuar.

— Filha, acho que finalmente chegamos — revelou o homem, olhando toda a falta de vida da casa de seu pai, em cima, de um pequeno morro.

Aquela informação perfurou na mente da pequenina e fez-a correr a toda a velocidade para a casa do avô.

Era uma casa de dois andares. Fora de tamanha luxúria há muitos anos atrás, mas naquele momento não estava a passar pelos melhores tempos. Grandes pedaços da estrutura, com o passar das décadas, ficaram degradados, agora mais parecia um emaranhado de remendos do que uma habitação. Essa era uma reclamação comum a muitos dos vizinhos, viviam em novas casas e não queriam uma construção tão ultrapassada na mesma terra que a deles.

Na frente da porta principal, a jovem correu pelo meio de um pequeno jardim de papoilas, afugentando os corvos que vagueavam no local. Ao lado, uma bandeira estava em meia-haste, pertencia à Comunidade das Pessoas da Terra, ou CPT, uma organização que cuidava das pessoas até onde a vista alcança-se.

O homem seguiu a filha, dando de cara com a porta da velha casa da sua infância. Parou de imediato alguns segundos para a olhar, recordava cada toque que lhe tinha dado. No meio dessa reflexão ouviu o bater nostálgico repercutir no seu ouvido, a sua filha bem embaixo do seu nariz esmurrava-a sem dó.

— Pai, não é para ficares aí parado, eu quero ver logo o vovô!

O toque na porta não parou um instante sequer, durante um longo tempo. Até que, ela se abriu e, do outro lado, surgiu um novo homem, desta vez muito mais velho, com pelos brancos, tanto no cabelo, como na longa barba.

O filho encarou-o com um longo sorriso.

O idoso olhou os dois e, com uma cara surpresa, falou:

— Podiam ter avisado que vinham, a casa está uma confusão, mas entrem. — Cambaleava enquanto voltava para dentro. — Vou preparar um chá e trazer algo para comerem, deve ter sido uma longa caminhada.

Ao ouvir as palavras roucas do avô, a menina saltou para dentro de casa e começou logo a sua busca por algo divertido. O pai acompanhou-a, assim que entrou sentiu o ar abafado e o cheiro de podre do lugar, dando uma leve tossida.

— Vou colocar aqui um presente que eu te comprei para o dia dos pais, é apenas uma lembrancinha.

— Deixa em cima de um móvel qualquer!!!

— Pai, há quanto tempo não limpas a casa? — perguntou o homem ao olhar os móveis, curioso passou o dedo e confirmou que estavam cobertos de pó.

— A empregada não vem aqui há umas boas semanas!!!!

De fundo, os dois adultos trocavam as suas típicas palavras de pai e filho com uma relação complicada, mas isso não incomodava a animada criança, que saltitava por todo o lado, olhando os artefatos espalhados pela casa do avô.

— Papai, o vovô tem muitas coisas aqui: livros, quadros e desenhos… — A cada enumeração a criança apontava para a sua representação no ambiente. — O meu favorito é este… olha! — Com o rascunho na mão, apanhou o pai desprevenido quando o colocou sobre a mira do seu olhar.

O homem, de sorriso no rosto, deu meia dúzia de passos e agachou-se junto dela, fazendo-lhe um leve carinho na cabeça.

— Que lindo… Mas, espera lá, nunca vi uma paisagem parecida com esta por aqui.

Enquanto os dois conversavam, atrás deles surgiu o velho senhor. Tremiam-lhe as mãos com o peso de tabuleiro, na medida que a perna direita fazia o corpo dele inclinar-se. No meio de toda essa dificuldade, a boca rodeada de velhas barbas falou:

— É uma paisagem lá de baixo. Vi-a uma vez durante a guerra e ficou marcada na minha cabeça até hoje. Enfim, não estão sentados ainda? Por quê? Vão rápido, não aguento muito tempo com isto nas mãos.

— Se quiseres, eu posso levar isso por ti!? — O homem levantou-se apressado, viu como vinha o seu pai e não deixou a preocupação escapar pela face, indo ao seu encontro.

— Não preciso de tua ajuda! Se eu lutei nas praias de Cáustica e sobrevivi, sem ninguém ao meu lado, não seria hoje que me iria render.

— Eu juro, não consigo entender até hoje como a mãe conseguiu apaixonar-se por ti, és sempre o mesmo. Teimoso e arrogante. Começo a achar que o tempo parou para ti. Nem uma simples ajuda consegues aceitar.

O idoso fingiu nem ouvir aquelas palavras e foi ter ao centro da sala, lugar onde estava uma pequena mesinha. Sem hesitar, colocou a enorme travessa de comida por cima e, ofegante, sentou-se numa das poltronas.

— Será que este chá é bom? Parece ser da Dona Maria. Mas agora as bolachas, eu conheço-as bem, como sempre iguaizinhas às da minha infância, as mãos da Jéssica nunca erram. — Olhou para cada centímetro do tabuleiro com uma vontade insaciável, sem nem esperar pelos restantes ali saltou para o ataque.

Acabado de deitar o corpo sobre as almofadas, de penas de grifo, sentiu algo puxar uma das pernas das suas calças. Assustado, deambulou com os olhos pela sala procurando o culpado.

— Não me assustes assim, mas diz lá ao avô, o que foi?

De sorriso no rosto, a jovem deu uma gargalhada ao ver a cara corada de vergonha dele, perguntando:

— Vovô, o que são todas aquelas pessoas? E de quem é aquele gordão ali?

Sentiu cada palavra entrar pelo ouvido, ao passo que acenava com a cabeça. Logo que caiu a ficha, ele pareceu refletir um pouco, talvez algumas partes não pudessem ser contadas?

— São fotos dos meus companheiros de guerra… Sinto muita falta de alguns hoje em dia… perdemos muitas pessoas boas.

O adulto, que olhava de pé para os homens na parede, voltou a cara na direção do seu pai e retrucou as palavras dele:

— Agora que eu penso nisso, nunca me contaste nada desses tempos. Acho que muitos destes eu nem cheguei a conhecer.

— Eu sei, assim que a guerra acabou eu não gostava de tocar muito no assunto e, para além disso, tu passaste um bom tempo com a tua avó. Tempo suficiente para, pelo menos, eu parar de ter aqueles pesadelos.

Numa das mesas, mais abaixo dos quadros, uma foto solta. Era de uma jovem, de cabelos ruivos e olhos verdes, abraçada a uma mulher, muito mais velha e com um longo penteado castanho.

— A mãe e a avó eram muito diferentes na altura.

— Todos nós éramos muito diferentes, dos que sobreviveram do batalhão, nenhum voltou para casa igual. Às vezes, custa-me lembrar das caras que faziam. De certa forma, estavam vivos ao meu lado, mas aqueles olhos não eram de alguém vivo, isso eu posso garantir.

O filho, depois de ouvir o discurso, assim como o idoso sentou-se noutro dos assentos. Este, à esquerda da sala, era mais desconfortável e fazia as costas do homem de quarenta anos doerem.

— Mas, vovô conta o que você fez na guerra, quero saber quem é aquele!!

— Certo, certo. Se não me engano, tudo começou por conta de um minério novo, ou algo assim, para variar. Não que importe muito, mas enfim. Poucos anos depois começou uma corrida por essa pedra, foi mais ou menos, na altura que eu entrei para o exército, devia ter uns quinze anos.

Fingindo uma tosse, o homem interrompeu o seu pai para comentar a sua fala:

— Quinze? Até onde eu sei, era preciso no mínimo dezoito.

— Eu era um jovem muito rebelde naquele tempo, queria partir para a guerra o mais rápido possível e fazer a minha fama. Tinha na minha cabeça uma ideia de que iria ser divertido, — retrucou o velho sem qualquer jeito nas palavras — mas eu me arrependi rapidamente. Até hoje, sinto a lama nos sapatos, o sabor do sangue na boca e o zumbido das bombas nos ouvidos. Dava tudo para voltar e me impedir de partir para o campo de batalha…

— Avô! Avô! E o gordão? Quero saber sobre ele. — gritou a menina de braços cruzados.

— O gordão… era o Julius, ou seria o Marcus?

— Julius, pai, Julius. A tua memória está a ficar fraca.

Voltando do ponto que tinha parado, o velho tentou afinar a voz com algumas tossidas rocas, continuando em seguida:

— Sim, isso… acho que só o vi vivo mais duas vezes depois desse dia, na terceira ele estava dentro do caixão, ia partir para Martirner, a aldeia onde crescera. Um dos meus amigos, um que estava com ele no dia, disse-me que o Julius gritou pelos pais antes de partir. — Meia dúzia de lágrimas escorreram pelo rosto enrugado. — Quando ouvi isso foi como morrer por dentro.

A menina olhou para o avô, ergueu as mãos e pediu colo. O velho puxou-a para cima, sentindo rapidamente a coluna. Ao pé dele, com os dentes bem revelados, ela sussurrou no ouvido:

— Avô, chorar faz mal ao senhor, não pode comer sal.

As gargalhadas de ambos ocuparam a sala, a criança ria por pensar no seu avô de cabeça a rodar do sal. Já o velho da imaginação fértil da neta. O pai, de canto, não entendeu a mudança de humor repentina e ficou a encarar os dois.

— Hahahahahaha! Por que tu não és mais parecido com a tua filha? Ao invés disso, tive de aturar-te a vida inteira.

O pai da menina limitou-se a rir ironicamente do comentário do idoso, naquele momento nem doía mais depois de tantos anos.

— Podias ter me deixado com a avó na altura, provavelmente era melhor para todos.

A tensão entre os dois era visível, trocavam olhares eletrizantes. Apenas com a mente ia se formando um campo de batalha. A criança notou isso assim que observou a encarada que os ambos davam.

— Não pode, pai e filho têm de ser amigos. — Bateu no ombro do avô e pegou no braço dele. — Aperto de mão, agora.

Assim eles fizeram, como trégua esticaram-se e apertaram as mãos. A menina, focada nos dois, sorriu. O avô sem jeito seguiu o exemplo dela, recordando logo depois uma história antiga.

— Isto até parece os meus dias no campo de treinamento, quando eu conheci o meu melhor amigo na altura. Eram bons tempos, mas a nossa relação começou muito mal. — Antes de continuar levou a mão ao pescoço e, pensando a melhor forma de dizer, continuou. — Eu… não era o melhor recruta, digamos, muito por conta da idade. Mas, por outro lado, foi essa atitude rebelde que me fez conhecer a tua mãe e a mulher da minha vida. Havia algo de divinal nela, eu juro.

— Sim, a minha mãe é muito bonita e tal, mas esse não é o ponto. Não tentes desviar a conversa, sempre ouvi dizer que tu eras um ótimo líder, sem defeitos. O que será que as pessoas diriam dessa história? Até já estou a pensar numa boa manchete. "O grande herói da Terra, afinal era horrível para os companheiros". 

— Bem, em partes isso está certo, se não fosse essa união nós nunca teríamos acabado com a guerra, mesmo que tarde. Não foi fácil juntar um exército de soldados revoltados e com vontade de finalizar tudo. — No meio das palavras olhou para tudo o que estava à sua volta, talvez pudesse existir algo para lhe trazer de novo memórias perdidas nas areias do tempo. — Foram dias de luta entre a nossa facção e os diferentes países. Porém, quando eu recebi a notícia da vitória no oriente e, mais tarde, no sul fiquei muito feliz. Eu estava na frente principal nesse momento, ficava para lá do Mar Ogrial. — Ainda soltando informações, o velho apontou para uma velha ampulheta. — Encontrei-a no dia da vitória, estava dentro de um palácio ocidental. É revestida de ouro e a areia feita do minério, aquele que eu falei, pelo menos eu acredito que seja isso. A contagem parecia ter começado naquele dia, mas corre até hoje. Talvez, seja alguma propriedade especial do minério. Porém, isso não importa muito.

Ambos, pai e filha, seguiram o dedo do velho. Como ele havia descrito, era realmente fora do comum, tinha quase o tamanho do guarda-roupas ao lado e a areia caía grão a grão, mas mal se viam aqueles que ainda contrariavam cair.

— Se precisares de ajuda para rodar depois, pai, é só dizeres.

A conversa de adultos era entediante aos olhos da menina, ficar minutos e mais minutos a ouvir palavras complicadas não era para a cabecinha em desenvolvimento dela. No meio dessas trocas de pensamentos, ela saltou do colo do avô e foi para junto da porta do jardim.

Os dois, percebendo onde ela queria chegar, levantaram-se de seus acentos e aproximaram-se dela.

— Isso mesmo, papai e vovô, eu quero ir para a rua. — Terminou com um sorriso brilhante de tantos dentes brancos à mostra.

O idoso foi o primeiro a chegar junto da porta, bastou apenas abri-la para ver a sua neta saltar para o jardim. O ânimo dela era grande, mas o avô não entendia porquê, o lugar era velho, muito pouco crescia ali em comparação com os vizinhos, que a cada dia plantavam mais. Talvez, o mais bonito para o pobre homem naquela paisagem, fossem duas árvores que ali estavam e, ao fundo, as turbinas eólicas que alimentavam a colónia.

Ele olhava tudo isso, ainda dentro da casa. O seu filho, logo atrás expeliu algumas palavras. Pelo menos foi o que ele achou, nem lhe tomou atenção de tão reconfortante que era a vista.

— Oh pai! O gato comeu-te a língua?!

— Não me assustes assim, eu ainda não estou surdo.

Mais próximo dele, colocou-lhe a mão no ombro e revelou o motivo do chamamento: — Agora que estamos só os dois, tenho algo importante para te dizer. Desde que a mãe morreu, vão fazer cinco anos daqui a nada, tens morado sozinho, longe de qualquer pessoa da família. — Fez uma curta pausa na fala. — Eu sei que esta casa é muito nostálgica, mas chegou a hora de seguires em frente, já acabou a guerra e, para além disso, ficar nesta sítio podre não te faz bem.

— Sabes, a tua mãe dizia o mesmo, ela queria ir morar perto de vocês, mas chegou a hora dela e, daqui a pouco, chega a minha, é por isso que eu quero viver aqui até morrer. Tenho aqui as minhas lembranças dos meus dias de glória, os meus artefatos estranhos e o que restou dos meus amigos. Esse estilo de vida novo não é para mim.

O filho escutou as palavras repletas de tempo do seu pai sem nem argumentar e, assim como ele, colocou os olhos sobre a paisagem.

— Já viste, em todo este jardim que era tão lindo, eu ainda me lembro das fotos que tirei dele lá embaixo, sobraram apenas um cedro e um cipreste. Os dois nem fui eu que plantei, apareceram aí depois que ela foi enterrada. Mas, para uma médica não é um destino tão mau, mesmo sem estar aqui o corpo dela continua a dar vida ao mundo. Que irônico. Será que quando eu morrer vou destruir algo? Não fiz outra coisa na vida. Até hoje eu culpo-me por nós ter conseguido salvar o planeta. Se ao menos a ideia da revolta tivesse vindo mais cedo, talvez muitos ainda estivessem vivos.

Ambos encararam onde estava o cedro, era o lugar onde o avô dizia que queria ser enterrado, para ficar próximo da mulher que amou por uma vida inteira.

— Ei, venham, eu quero brincar! — gritou a criança chutando a bola para perto deles. Avançando lentamente pelo gramado, a esfera, veio dar de encontro ao pé do idoso. Com um pouco de força empurrou-a com o pé de volta para a neta.

— Se eu não tivesse sido militar, acho que o futebol seria a minha primeira opção.

— Com esse jeitinho, pai?

O velho sentiu as palavras entrarem a mil pelo seu ouvido, revoltado bateu o pé. Contudo, sentiu algo apertar o seu peito, com medo puxou uma cadeira de metal. Diante de si e, do seu confortável lugar, havia uma mesa, também de metal, pintada de preto, fazia lembrar a época vitoriana com todos os seus detalhes nas pernas.

Sobre o horizonte da mesa, algumas casas, todas com o mesmo tamanho, de certa forma faziam referência aos iglus, tirando a parte que agora eram de ferro. Aquelas cabanas de metal, assim como a cidade, tinham verde por todo o lado, era uma visão da nova liderança.

"O que será que todos aqueles homens que morreram fariam no meu lugar?" Como sempre, pensava na sua pergunta habitual e, de olhos postos onde a vista conseguia alcançar, debatia sobre quem nunca retornou.

De sorriso no rosto, o filho, seguindo o pai sentou-se, parecia ter o mesmo físico que o homem com os seus setenta anos. Com os dois parados, de olhos focados na paisagem, a menina corria à sua volta, sempre atrás da bola. Nessas corridas afugentava todo o tipo de animais, dentre eles algumas borboletas, de cor vermelha por todo o corpo e algumas pintinhas pretas nas asas.

O pequenino inseto, voou e voou, até pousar no nariz do velho homem. Ele, que parecia distraído, não reparou no intruso bem mesmo em cima da sua cara.

— Vovô tem uma borboleta bem aí.

Com uma leve tontura embateu a mão contra o rosto, talvez não fosse o objetivo, mas o bichinho fugiu, voando para o céu. Assim que ergueu a mão sentiu a dor mais uma vez, desta vez maior. A sua visão ficou turva e o seu corpo, sem força caiu sobre a grama.

Em segundos, o filho saltou para acudir o pai, colocou-o de barriga para cima e tentou fazer algo para impedir o imutável destino. Cada pancada que dava junto do coração de quem ele tanto gostava, era mais um pedaço a cair da sua alma.

— Filha, vai lá dentro e clica no botão vermelho ao pé da escada.

Confusa, ela apenas concordou com a cabeça e retirou-se do jardim. O homem novo continuava a tentar sem parar, mas assim que foi confirmar o corpo uma última vez viu que era tarde. Estava morto. As primeiras lágrimas logo caíram sobre o cadáver ainda quente. Para muitos, naquele momento morria a lenda da humanidade.

Abraçando o velho falecido e, berrando de sofrimento, ele olhou para o céu procurando alguma ajuda azul. Porém, não era azulado, fazia mais de vinte anos que não era. Todo aquele que refletia na água não existia mais.

Presos naquela prisão de metal a vagar pelo espaço, esse foi o destino dado aos humanos no final do conflito. Na Terra não havia restado nada, todo desapareceu nos anos que a guerra dominou o mundo, a única solução aceite foi a que os levou aquele momento. O vazio dominava o céu agora, e ao mesmo tempo engolia a esperança, destruiu o azul que alimentava o imaginário das pessoas que sonhavam com um futuro melhor…

Dentro da casa, a pequenina, procurava agitada o tal botão. Porém, não foi isso que chamou a sua atenção. Na ampulheta a areia havia finalmente caído toda. Assim que percebeu isso, a menina aproximou-se e, ao tocar no objeto, viu tudo voltar para trás. Na parte de cima, mais uma vez, toda a areia estava reunida mais uma vez.

— O avô não disse que isto acontecia, ou disse?

 



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