Volume 1
Capítulo 6: 12 de junho (Sexta)
Ayase estava me evitando desde de manhã.
Pelo menos, essa era a impressão que eu tinha. Eu não sabia o por quê.
Ela saiu cedo, antes que eu chegasse à mesa pro café da manhã, sem dizer uma palavra.
Eu não sabia o que estava acontecendo. Me lembrei de como ela tinha sorrido para mim na noite anterior. Eu tinha certeza de que estava mais próximo dela do que nunca.
Não importa o quanto eu pense nisso, eu não consigo entender. Se tivesse chovido, poderíamos ter ido para a escola conversando de novo. Mas o tempo nunca sai do jeito que você quer.
Estava ensolarado.
Pedalando minha bicicleta, olhei para o céu de junho. Era um azul frustrante e deslumbrante. Isso me lembrou da expressão "tempo bonito de maio".
Na verdade, quando essa expressão foi criada, ela se referia ao mês de maio no calendário lunar, que corresponde ao período entre o final de maio e o início de julho em nosso calendário solar. Então, a maior parte desse "tempo bonito de maio" acontecia em junho, não em maio. Isso o colocava na estação chuvosa, significando que na verdade se referia aos períodos ensolarados que tínhamos entre as chuvas.
Todas essas informações podiam ser facilmente encontradas na internet. Mas eu tinha que ficar pensando em coisas assim ou acabaria pensando na Ayase o tempo todo.
Pedalei minha bicicleta pelo caminho da escola. Eu podia ver sinais da chuva da noite anterior nas árvores que alinhavam a rua. Gotas de água que tinham se acumulado nas folhas caíam de vez em quando, atingindo meu rosto ressecado pelo vento.
As gotas frias ajudaram a despertar meu cérebro sonolento.
Talvez ela ainda estivesse chateada com o incidente das roupas íntimas do dia anterior.
Depois de pensar um pouco, decidi que provavelmente não era o caso. Ayase parecia ser do tipo de pessoa que me diria se estivesse com raiva.
Perdido nos meus pensamentos, cheguei na escola.
Olhei para o céu. Não tinha uma nuvem.
Tínhamos Educação Física na segunda aula... Iriamos praticar para o Dia do Esporte de novo nas mesmas quadras de tênis da última vez. Minha turma se juntaria com a de Ayase.
A primeira aula foi de japonês moderno, mas eu não consegui me concentrar e mal lembrava do que fizemos. Então chegou a hora da segunda aula; me dirigi à quadra de tênis e acidentalmente olhei para as meninas.
"Toma isso!!"
Narasaka estava em ótima forma, como de costume. Suas jogadas eram fantásticas, e ela mandava a bola voando para a quadra ao lado.
"Ei, Narasaka!"
"Uau! Um home run!"
"Cala a boca!"
Eu não acho que exista home runs no tênis.
Ayase não estava entre as meninas que estavam praticando com muita alegria. Ela estava sozinha em um canto, encostada de novo na cerca, com seus fones de ouvido.
Mas desta vez, ela não estava olhando para o nada como antes. Em vez disso, ela parecia estar concentrada, pensando em algo.
Seu rosto estava virado para baixo, e seus olhos estavam fechados. Isso me preocupava.
Narasaka se aproximou de mim no final da aula e sussurrou no meu ouvido.
"Ei, Irmãozão."
Ela tinha que começar com isso de novo na escola? Eu estava prestes a dar uma resposta quando ela me pegou de surpresa.
"Aconteceu algo com a Saki?"
As palavras dela me atingiram como um soco e me deixaram sem palavras. Narasaka também tinha percebido que Ayase estava agindo de maneira diferente.
"Eu não sei," eu disse.
"Entendi."
Parecendo intrigada e murmurando para si mesma, Narasaka cruzou os braços e caminhou em direção ao prédio da escola. Algumas meninas esperando para usar a quadra começaram a me encarar. Não é o que vocês estão pensando, ok?
"Ei, Asamura."
"Hã? Ah, Maru, é você."
Me virei e vi meu melhor amigo parado atrás de mim.
"Você parece distraído," ele disse.
"Estou apenas cansado do treino."
"Mesmo sem estar ofegante e não tendo uma única mancha de sujeira nas roupas?"
"Você está mesmo prestando atenção."
Quanto a Maru, parecia que o treino de softball tinha sido intenso para ele naquele dia. Ele estava coberto de sujeira.
"O que você está olhando?" ele perguntou. "Quer o meu corpo?"
"Eu só estava pensando que vai ser um pesadelo lavar essas roupas."
"Hã. Eu não me importaria de vender meu corpo para você se me pagasse dez mil ienes."
Ele estava me oferecendo o corpo dele ... para venda?
"O-o que você está falando?!"
"Esse é o valor justo para um dia de trabalho braçal. Eu já fiz quase de tudo, desde consertar telhados com vazamento até construir casinhas de cachorro. Acho justo para um trabalho de um dia."
"...Ah, era isso que você queria dizer."
"Vamos lá, Asamura. O que você estava pensando?"
Como se eu pudesse dizer isso em voz alta.
"Infelizmente," eu disse, "não temos vazamentos no nosso telhado, já que moramos no terceiro andar de um condomínio, e não temos planos de construir uma casinha de cachorro. Nem temos um cachorro."
"Vocês não têm? Que pena. Achei que seria uma boa forma de ganhar dinheiro rápido."
"Ei, isso não parece com o que você me disse outro dia."
Você não precisava aprender sobre como a sociedade funcionava e como administrar um negócio para ganhar dinheiro?
"Calma. Eu só quis dizer um bico. Um aniversário está chegando."
"De quem?"
Ah. Ele se calou.
"Então você quer dinheiro para comprar um presente de aniversário para alguém. É isso?" perguntei.
"É melhor você se apressar, ou vai se atrasar para a próxima aula."
Com isso, ele virou as costas para mim e foi embora. Então Maru tinha alguém para quem queria dar um presente de aniversário, hein?
No final, não consegui falar com Ayase na escola, então mandei uma mensagem de texto para ela.
Você está quieta hoje. Aconteceu alguma coisa?
Não. Nada.
Nem mesmo um emoji — apesar que a Ayase não parece ser do tipo que usa. Mas sua resposta brusca a fez parecer distante.
Fui direto para o trabalho de bicicleta depois da escola.
Como de costume, Yomiuri continuava me provocando de uma forma sutil, mas consegui passar a noite e voltei rapidamente para casa de bicicleta.
Abri a porta e senti o aroma fragrante de sopa de miso vindo da cozinha e fazendo cócegas em minhas narinas. Então Ayase já estava de volta.
"Cheguei," eu disse e entrei.
"Bem-vindo... O jantar está pronto."
Parecia ter uma diferença sutil em nossos níveis de energia. Ou eu estava interpretando demais a situação?
"Vamos comer sashimi hoje?"
Um prato azul com enfeite de daikon branco e fatias grossas de peixe estava sobre a mesa. Parecia ser Sardini.
"Sim. Sardini tostado."
"Parece fresco e saboroso."
Parecia que teríamos comida tradicional japonesa naquela noite. A sopa de miso continha batatas cortadas em meia-lua e algas espalhadas. Batatas quentes aumentam a temperatura do corpo — perfeito para um clima anormalmente frio durante a estação chuvosa. Tinha também pequenos potes contendo fatias de pepino em conserva e rabanete em conserva. Não tínhamos grandes recipientes de conserva em casa, então essas deviam ser compradas.
Ayase trouxe a comida para a mesa após a minha limpeza. Em seguida, fervi um pouco de água e servi chá quente e fresco em xícaras.
"Obrigado pela comida!" eu disse, e alcancei a sopa de miso.
Inseri meus hashis na tigela, mexi o miso e levei à boca. Seu aroma flutuava enquanto eu pressionava levemente o conteúdo e tomava um gole.
"Mm. Sua sopa de miso está muito boa."
"...Sério?"
"Como eu explico? Dá para ver que você usa um bom caldo. Tem gosto de miso mesmo."
"Claro que tem. É sopa de miso."
Ela parece achar que eu estou louco.
"Nem todas as sopas de miso são assim," retruquei.
Não é como se eu nunca tivesse cozinhado na vida. Mas eu não conseguia fazer sopa de miso tão boa assim. Por algum motivo, o que eu acabava fazendo só parecia com uma sopa de miso.
Muito tempo depois de eu parar de cozinhar, descobri o meu erro em um livro. Eu estava misturando o miso e depois fervendo a sopa. O sabor evapora quando você faz isso. O sabor do miso vem do álcool, que se forma durante o processo de fermentação. Obviamente, isso evapora quando fervido. Quando você entende a razão, faz todo o sentido.
Se eu soubesse dessas coisas antes, talvez tivesse desenvolvido interesse na cozinha...
"Ok, vamos para o prato principal de hoje," eu disse.
"Você está exagerando."
"Não, não estou. Isso parece realmente bom."
Coloquei gengibre picado em cima de uma fatia grossa de Sardini, peguei com meus hashis e mergulhei em um pequeno prato de molho de soja. Então, dei uma mordida. Era mastigável, e o sabor se espalhou pela minha língua. Estava bom.
"Está delicioso."
Em seguida, acrescentei um pouco de arroz.
"Isto está ótimo. Ayase, você é uma ótima cozinheira."
"Você sabe... tudo o que fiz foi fatiar esse peixe, mas obrigada. Estava em promoção..."
"Uau. Você até esperou uma promoção."
"Quero economizar dinheiro, se puder."
Pensando bem, meu pai e Akiko devem ter dado dinheiro para ela comprar comida agora que ela estava cozinhando. Isso significava que ela teria dinheiro sobrando se comprasse as coisas com desconto.
De repente, quis perguntar algo que estava na minha cabeça. Pensando bem, isso pode ter sido um gatilho.
"Por que você quer tanto ganhar dinheiro?"
Ayase parou de mexer os hashis. Eles flutuavam sobre o Sardini, mas eu não iria apontar sua falta de modos. Eu sabia que ela não estava pensando no que comer, então eu esperei até que ela estivesse pronta pra falar.
“Eu acho que eu já te disse isso antes” ela disse, "Para me libertar de coisas incômodas como a atenção e as expectativas das pessoas, preciso conseguir viver de forma independente."
"E o dinheiro te dá isso, é?"
"Estou errada?"
"Não... não acho que você esteja errada."
Era verdade que sem dinheiro, você não tinha a liberdade de fazer muitas coisas. Mas eu não queria dizer que o dinheiro era tudo. Mesmo eu sabia que essa era uma visão muito limitada.
"Mas é difícil ganhar dinheiro." Ela suspirou.
Seu cabelo longo caiu sobre o avental branco que ela estava usando em cima do uniforme escolar enquanto se movia. Ela colocou os hashis de lado e prendeu o cabelo.
"Ainda estou procurando aquele trabalho de meio período bem pago para você...", eu disse.
"Não achei que seria fácil."
Isso pode ser verdade, mas o fato de que ela estava cumprindo a parte dela do acordo e cozinhando para mim me deixava desconfortável.
"Quero que me diga se precisar de mais ajuda," ofereci. "Ou você pode cozinhar coisas mais simples."
"Eu já faço isso."
"Você se certifica de terminar de cozinhar o café da manhã em meia hora e depois gasta apenas uma hora no jantar, certo?"
Ela engasgou. "Você percebeu."
"Claro que percebi."
Claro que eu percebi. Ayase sempre olhava para o relógio enquanto cozinhava, e eu sabia que ela não estava usando ele como temporizador de comida. Quer dizer, ela não procurava um emprego pois achava que isso reduziria seu tempo de estudos.
"De qualquer forma," ela disse. "Não estou interessada em gastar mais tempo do que gasto agora para preparar as refeições, independentemente de ter uma receita. Isso é simplificar, não é?"
Ela olhou para mim como se quisesse dizer, "Estou errada, não é?"
"Eu discordo."
Ela parecia surpresa.
“Por que discorda?”
“Bem, você melhora suas habilidades quando realiza uma tarefa repetidamente. Isso geralmente te torna mais eficiente, e a qualidade do seu trabalho pode melhorar também.” “...E?”
“Você ainda pode gastar uma hora cozinhando, mas talvez consiga fazer um trabalho melhor... e preparar refeições mais saborosas. Nesse caso, eu teria que aumentar o valor do que dou em troca. Estou apenas tentando ser justo.” “Ah, esquece.”
“Estou falando sério. Até agora, não consegui te proporcionar nada, e sinto que isso não é uma troca justa.” “Isso é ridículo. Essa lógica se aplicaria a todas as tarefas domésticas do mundo, com o valor subindo cada vez mais a cada dia da semana.” “Sim, se aplica. É tudo a mesma coisa.”
Eu não estava falando apenas de cozinhar; estava me referindo a lavar, limpar, costurar — tudo.
As pessoas melhoram suas habilidades até certo ponto em todos os tipos de trabalho. É por isso que os salários aumentam de acordo com o número de anos de emprego. Isso continua até que a qualidade e a quantidade do seu trabalho diminuam devido ao envelhecimento, e o mesmo pode ser dito essencialmente sobre o trabalho doméstico.
“Minha mãe preparou minhas refeições por anos,” ela disse, “mas acho que nunca recebeu um único iene por isso.” “O valor de algo não fica claro até você trocá-lo por outra coisa. Por exemplo, você não percebe o valor do trabalho doméstico até terceirizá-lo. Fica claro o quanto vale quando você contrata alguém para fazer o mesmo trabalho. Isso complica tudo.” Recentemente, eu estava lendo livros sobre trabalho e dinheiro, e não consegui não jogar ideias e conceitos complicados na conversa — tanto que quase me convenci de que era inteligente. Mas tudo era conhecimento de segunda mão.
“Você e eu temos uma troca acontecendo aqui. Você cozinha, e eu procuro um trabalho de meio período para você, certo? Então é aí que o valor entra em cena. Coloquei um valor na sua cozinha, e tenho que fornecer algo de igual valor em troca.” Ayase parou de falar. Parecia que ela estava pensando.
Embora eu não pudesse recuar depois de tudo o que eu disse, tinha uma maneira fácil de resolver o problema, embora não fosse muito favorável. Eu estava prestes a lhe dizer quando ela falou.
“...O jantar vai esfriar. Vamos terminar de comer. Ah, e eu também já preparei o banho.” “O-ok.”
Perdi minha chance. Peguei a comida na minha frente com os hashis em silêncio.
Enquanto isso, Ayase olhava para baixo, sem olhar para mim. Parecia estar pensando.
Tomei um banho e, como de costume, esvaziei a banheira e enchi com água quente fresca para Ayase. Depois, coloquei meu pijama e me deitei na cama para ler um livro.
Não é como se eu não tivesse lição de casa pra fazer, mas ainda estava na fase em que não precisava me preocupar. Também tinha sábado e domingo. Não faria mal olhar o livro que comprei...
Estava folheando a light novel que encontrei enquanto trabalhava. A que tinha garotas bonitas na capa.
...Pensei que fosse apenas uma historinha boba, mas até que é interessante...
...Mesmo assim, será que esse cara tá mesmo tentando namorar todas as garotas da turma dele... turma... dele...?
De repente, o livro caiu no meu rosto com um baque!
“Uow!”
Gritei, atordoado. Meu coração estava disparado.
“Ah... acho que eu preciso dormir um pouco.”
Eu estava muito cansado. Olhei para o relógio e vi que não era tão tarde. Meu pai geralmente já estaria em casa a essa hora, mas não ouvi ninguém entrar pela porta. Era sexta-feira. Talvez alguém tivesse levado ele para beber, e ele não conseguiu recusar. Dito isso, eu sabia que ele faria de tudo para pegar o último trem para casa.
Ouvi um clique, e a luz do meu quarto se apagou.
Teve um outro clique, e ela entrou no modo noturno. Eu conseguia distinguir a porta abrindo uma fresta na penumbra alaranjada do quarto, enquanto uma linha de luz branca cortava a escuridão. Então a porta foi fechada silenciosamente. Alguém tinha entrado. Tinha que ser Ayase — ela era a única no apartamento além de mim. Se não fosse, significaria que era um ladrão.
O que ela queria no meu quarto? E por que ela apagou a luz?
Será que ela estava tão cansada que confundiu os quartos?
Eu estava prestes a chamá-la quando engoli minhas palavras.
“Asamura? Você está acordado, não está?
Senti o cheiro do doce sabonete corporal de Ayase quando ela se aproximou de mim.
Eu engasguei, mas não porque ela tinha acabado de sair do banheiro. Eu já vi ela assim muitas vezes.
Ela foi a última a tomar banho.
Ela foi a última a ir para a cama.
Essas eram suas regras. Ainda assim, eu inevitavelmente via ela durante essas horas de vez em quando. Por exemplo, certa vez, levantei-me no meio da noite, entrei na cozinha para pegar um copo de água e encontrei ela vestindo uma camisola... Foi estimulante para um cara do ensino médio como eu, mas o que estava acontecendo agora ia muito além disso.
Ouvi o som de tecido sendo raspado. O som de roupas caindo no chão. Com certeza ela estava tirando a roupa.
A luz além da porta foi completamente apagada e minha visão estava limitada, como se eu estivesse no crepúsculo. Eu realmente não conseguia ver as cores, mas a forma do corpo da Ayase estava firmemente gravada no meu cérebro.
Eu podia ver a curva de sua cintura estreita até os quadris redondos. Seus braços finos se estendendo abaixo dos ombros. Se alguém estivesse com uma camisola, essas coisas não seriam visíveis.
Em outras palavras, Ayase estava vestida apenas de calcinha e sutiã. Meus olhos estavam hipnotizados pela maneira como seus quadris balançavam a cada passo que ela dava.
“Asamura. Quero conversar com você."
Ela estava a apenas um passo da minha cama quando parou, como se estivesse hesitando.
"Você quer conversar…?"
Minha boca estava seca e minha voz rouca.
Ela deu o último passo em minha direção, colocou as mãos em cada lado do meu corpo e se abaixou. Ela olhou para meu rosto e nossos olhos se encontraram.
“Você acha que poderia comprar meu corpo?”
Ela estava tão perto que eu podia sentir sua respiração na minha pele.
Eu podia ver seu rosto, iluminado pela luz pálida do teto.
"Quê…?"
Por um momento, minha mente ficou em branco.
O que que ela acabou de dizer?
Eu não conseguia ver a expressão dela porque seu rosto estava virado para baixo e a penumbra fazia sombra. Sua voz tremia enquanto ela repetia a pergunta.
"Bem? Você acha que você poderia?"
“O que você quer dizer?”
“Exatamente o que eu perguntei. Quero saber se você compraria meu corpo. Se você estaria disposto a pagar por isso.” “……”
“Eu sei pelo incidente do outro dia que meu corpo é, hum, capaz de excitar você. E, hum... você não precisa ir até o fim. Estou perguntando se você poderia usá-lo.
“Ei, agora...” comecei.
“Pensei nisso racionalmente e cheguei a esta conclusão.”
O que racionalmente quer dizer mesmo?
“Pense nisso”, disse ela.
“Ah, tudo bem.”
Com minha capacidade de raciocinar falhando rapidamente, fiz o meu melhor para aguentar.
“Somos alunos responsáveis do ensino médio”, disse ela.
"…Sim, eu acho."
“Então, ah, você sabe. Há algumas coisas que você faz e prefere manter em segredo, não é?” Coisas que você faz e prefere manter em segredo - ela deve estar falando sobre o que meninas e meninos faziam depois da puberdade, certo?
Acho que ela estava certa. Não tinha como negar. Então, ok, minha resposta foi sim. Eu não sou nenhum santo. Eu sou um cara normal do ensino médio. É inútil tentar esconder, mas nunca pensei que falaria sobre isso com uma garota da minha idade.
“Enquanto continuarmos vivendo sob o mesmo teto, podemos ter acidentes onde nos encontraremos em tal situação.” “Prefiro não pensar nisso.”
“Comecei a pensar sobre isso, e só é um problema porque não esperamos por isso. Mas, por outro lado, se fizermos juntos, com consentimento mútuo desde o começo, teremos vantagens para nós dois.”
"Onde você teve essa ideia...?"
"Você parece valorizar muito a minha culinária..."
Eu estava confuso com essa mudança de assunto; então finalmente percebi que ela estava falando sobre o jantar.
"... Foi quando tive essa ideia. Posso pedir para você pagar pela minha culinária e ganhar dinheiro sem muito problema."
"Eu acho... que sim."
Isso também tinha passado pela minha cabeça. Era a solução menos favorável que eu estava pensando, e parecia que Ayase tinha chegado à mesma conclusão.
"Não posso pedir muito... mas meus custos seriam mínimos", ela disse.
"Parece uma boa ideia."
Então ela balançou a cabeça.
"Para mim, não parece valer a pena pagar. O ganho da minha parte é muito grande. Mas eu quero dinheiro, então pensei no que eu poderia oferecer que vale dinheiro."
"Você está dizendo que considerou trabalhos de meio período bem remunerados com pouco risco e chegou à ideia de se vender para um membro da família?"
Ela assentiu.
Seus pensamentos estavam correndo soltos na direção errada.
"Esse tipo de trabalho... pode ser um pouco constrangedor", ela admitiu, "mas acho que você é uma escolha melhor do que um estranho, e provavelmente usaria camisinha se fôssemos até o fim."
Ela tinha até considerado trabalhar com estranhos.
"E eu não acho que me sentiria mal por tirar grandes quantias de dinheiro de você em troca", ela continuou.
Algo estalou na minha mente. Eu me levantei e estendi a mão.
O ombro de Ayase se contraiu. Eu me senti culpado ao ver sua resposta genuína, mas mantive minha resolução de ferro.
"Ayase, você está agindo como o tipo de garota que eu mais odeio."
"Hã...?!"
Eu não gosto de falar mal das pessoas. Ninguém quer ouvir palavras que irão machucá-las, independentemente do motivo, e me senti terrível ao falar assim.
Mas eu tinha que fazer isso.
Eu tinha que impedir Ayase de fazer o que estava fazendo, não importa o que eu precise fazer.
Eu pensei no meu pai e na Akiko.
Eu sabia o quão desesperado meu pai estava depois que sua ex-esposa o traiu.
Quando foi a última vez que eu o vi tão feliz? Eu fiquei chocado ao ver ele agindo tão carinhoso e apaixonado por sua nova esposa, mas também fiquei aliviado ao vê-lo cheio de alegria e queria incentivá-lo.
O mesmo vale para Akiko. Eu não sabia pelo que ela havia passado, mas ela deve ter se divorciado do ex-marido porque eles tinham problemas. Meu pai e Akiko estavam tão contentes que você não conseguiria adivinhar os seus passados.
Se Ayase fizesse isso, só causaria decepção e tristeza aos nossos pais. Isso era algo que eu não podia concordar de jeito nenhum.
Ayase e eu inicialmente concordamos em não esperar nada um do outro, e estávamos tentando manter uma distância confortável desde então. Eu esperava que ela não fizesse algo assim, e minhas emoções agora eram resultado dessa expectativa. De certa forma, eu traí nosso acordo.
Mas, em termos de nossas intenções iniciais, Ayase foi quem se desviou do nosso acordo.
"Eu pensei que você não queria que as pessoas te acusassem de usar sua aparência como uma arma", eu disse.
Eu não sabia por que ela se sentia tão fortemente menosprezada como mulher, mas o que ela estava sendo exatamente o estereótipo que ela odiava.
O tipo de oferta e demanda que Ayase estava falando existia. Eu não estava negando isso. As pessoas tendem a ver aqueles que namoravam por dinheiro e trabalhavam no distrito de entretenimento como idiotas que queriam dinheiro fácil. Mas eu tinha ouvido que muitas delas eram mulheres altamente educadas e inteligentes.
Talvez não fosse incomum para uma garota racional como Ayase chegar a essa conclusão. Ainda assim, essa era uma solução fácil. Sem mencionar que contradizia os valores dela.
Infelizmente, eu não tinha afeição por pessoas que causavam problemas para os outros ao se recusarem a resolver essas contradições. Eu simplesmente as ignoraria se fossem estranhos, mas eu não podia fazer isso com Ayase como seu irmão e membro da família.
Eu envolvi o fino cobertor de verão que eu estava usando ao redor dela para que ela não sentisse frio.
"Você tem que se provar de uma maneira que não dependa de ser mulher. Caso contrário, não tem sentido."
"M-mas eu poderia fazer isso mesmo se fosse um garoto. Então isso não significa necessariamente que estou usando minha feminilidade como arma."
Ela estava dizendo que teria feito a mesma coisa se fosse meu meio-irmão?
Por um momento, imaginei Ayase com a figura de um garoto vestindo roupas leves e me olhando com uma expressão atrevida. Tive a sensação de que isso também poderia levar a algumas ideias erradas e rapidamente apaguei a ilusão da minha mente.
"Não tente escapar," eu disse firmemente.
"C-certo. Me desculpa."
Ela abaixou a cabeça, talvez percebendo o gelo na minha voz. Ver isso me deixou ansioso e frustrado. Eu conhecia ela e sabia que ela não era nada como os rumores diziam, e ainda assim aqui estava ela, prestes a se transformar na garota que todos acreditavam que ela era. Eu tinha acabado de descobrir que existia uma linha tênue, e ela poderia seguir qualquer caminho.
Nossa.
Eu estava feliz por ser a sua primeira tentativa...
"Está tudo bem, desde que você tenha entendido," eu disse. "E,hum, sobre o seu, hum... Você não precisa fornecer nenhuma compensação; tudo bem eu pagar pela comida. Mas temos um problema."
Era por isso que eu não achava que essa era uma boa solução.
"Um problema...?"
Ela parecia duvidar um pouco.
"Nossa renda familiar não vai aumentar se estivermos apenas trocando dinheiro dentro da família."
"...O que você quer dizer?"
"Nossos pais estão ocupados, e é difícil para eles encontrarem tempo para fazer compras. É por isso que nos dão dinheiro todo mês além da nossa mesada, para que possamos comprar os itens domésticos que precisamos comprar."
"S-sim."
"E eu tenho um emprego de meio período também, então posso pagar pela comida que você faz. Mas pense um momento. Digamos que eu fique doente e não possa trabalhar ou receber. Sua renda desapareceria. Mas você pararia de cozinhar?
"Enquanto você depender de membros da família para sua renda, não pode ter certeza de que receberá uma compensação justa pelo seu trabalho."
"Você está certo. Eu não tinha pensado nisso dessa maneira."
"Claro, tem uma vantagem em ser pago pela família. Você não corre o risco de ser enganado. Quando trabalha fora de casa, precisa tomar cuidado para evitar que as pessoas te paguem mal. Mas mesmo que seus salários não sejam tão altos, acho melhor buscar dinheiro fora."
Ayase fechou a boca. Ela deve estar pensando sobre o que eu disse.
"Este é o conselho que posso dar. Continuarei procurando um emprego de meio período para você com uma boa renda, mas não continue com isso."
"Ok... Me desculpa."
"Mm." Aceitei seu pedido de desculpas. Não sou do tipo que dá sermões por horas. "Mas talvez precisemos conversar um pouco mais."
"Hã?"
"Eu realmente não achei que você fosse do tipo que faria algo assim."
"Bem, eu também não."
"Acho que isso aconteceu porque eu não tinha uma compreensão firme de quem você era. Então, gostaria de te conhecer um pouco melhor."
"...Sim. Eu não gosto muito de falar sobre meu passado, mas eu meio que te causei muitos problemas."
Ayase fechou os olhos por um minuto, respirou fundo e começou a falar baixinho sobre uma memória de quando era uma garotinha.
Ela disse que seu pai tinha sido um empreendedor talentoso.
Mas ele parou de confiar nas pessoas depois que seus colegas traíram ele e roubaram sua empresa. Ele desenvolveu um complexo de inferioridade e se afastou da esposa e da filha.
"Um complexo de inferioridade?" eu perguntei.
"Pensando bem, talvez ele estivesse com ciúmes. Mamãe costumava dizer que uma pessoa com apenas o ensino médio, como ela, só poderia ganhar a vida trabalhando em bares, mas quando você fala com os colegas dela, dá para perceber que ela é super popular."
"Sua mãe é uma boa conversadora. É brilhante e alegre."
"Sim... Acho que meu pai era legal quando eu era pequena, mas ele mudou depois de perder o negócio."
Com o tempo, ele parou de voltar para casa, encontrou outra mulher e começou a passar todo o tempo com ela. Ele não trazia mais dinheiro para casa, deixando Akiko sozinha para sustentar Ayase. Ela conseguiu, mas isso só fez com que seu marido odiasse ela ainda mais.
Forçado a reconhecer as capacidades de sua esposa, ele ficou ainda mais miserável e começou a insultar o trabalho dela e a dizer que achava que ela estava traindo ele.
"Mas isso não dava a ele o direito de fazer minha mãe passar por esse inferno," disse Ayase.
Então era por isso que Ayase sentia-se assim com relação a esses estereótipos…
"Claro que não," concordei, um pouco mais firmemente do que eu pretendia. Eu estava falando sério.
Ayase olhou para mim de novo.
"Asamura?"
"ah, uh, desculpa. Isso me lembra do que aconteceu com meu pai."
"Sério?"
"Sim. Ele praticamente desenvolveu um medo patológico de mulheres por um tempo. Por isso fiquei surpreso quando ele se casou de novo. Akiko deve ter finalmente curado ele."
"Seu pai tinha medo de mulheres?"
"Sim."
"Entendi..."
Eu a ouvi perguntar baixinho "E você também?" mas fingi que não ouvi.
"Então é por isso que você mantém uma certa distância da minha mãe...," murmurou Ayase. Acho que ela tinha percebido minha dificuldade em saber como agir perto de Akiko. "Acho que somos pessoas parecidas," disse Ayase.
"Talvez nós sejamos."
"Incluindo nossos defeitos."
Eu ri. Não tinha como negar isso.
"De qualquer forma," eu disse, "acho que vamos nos dar bem, mesmo com nossos defeitos. Quero dizer, como irmãos."
"Como... irmãos?"
"Sim."
Um leve sorriso apareceu no rosto de Ayase, e a tensão pareceu drenar dela como se ela tivesse acabado de soltar um grande peso.
"Isso parece bom para mim, Asamura."
"Ótimo. Ah, e já que estamos nisso, você pode me chamar de Irmão sempre que quiser."
"Eu não acho que vou fazer isso."
"Ahhh..."
Que pena. Bom, eu não precisava apressar. Nós vamos ser irmãos por muito tempo.
"Asamura, eu não pretendo ir além,ok?"
Ela removeu o cobertor enrolado em seu corpo, dobrou-o e colocou-o na minha cama.
Então ela aproximou seu rosto do meu.
"Só queria dizer isso."
Seus lábios, que tinham ficado rosados após o banho, lançaram essas palavras diretamente no meu rosto.
Tá bom, já entendi.
Tanto faz.
Meus dias com minha linda, um tanto preocupante, meia-irmã estavam apenas começando.
Tradução: Thomás Masg
Revisão: Luuh
Visitem a Momo no Hana Scan