Vol. 1 – Arco 1
Capítulo 7: Análises Cirúrgicas
Estacionamento de trailers, Woodnation – 11:14 da noite, treze de Julho.
Abrigado no trailer enferrujado, Leonard encarava os olhos de lantejoulas do seu cliente mascarado. Aquele rosto borrachoso fora todo arranhado pelas presas e garras dos chihuahuas encapetados.
O nariz da máscara, anteriormente arrancado por um dos cachorros, foi colado de volta com ajuda de uma fita adesiva encontrada entre os destroços daquele lixão.
Felizmente, diferente das roupas, os ferimentos dos dois puderam ser curados com a mana curativa proporcionada pelos poderes do Einstein.
— Essa missão foi quase que um desastre total, em? — comentou o detetive. — Não só espanquei um velho sem motivo algum, como quase fiquei em coma pelo resto da vida por causa daquele hippie sem noção. Mas, na real, foi justamente por causa desse cara que a noite não foi em vão. Ele parece ter alguma relação contigo ou, no mínimo, saber de algo.
— Na verdade, o Laertes não parecia realmente me conhecer. Veio atrás de mim a mando de alguém.
— Tô ligado. Ele pensou que eu era você quando me viu.
— Como aquele safado sabia que alguém próximo a mim estaria na casa do Amadeus naquele dia e horário?
— Nos espionando que não foi, senão saberia que tu não estaria dentro da casa, mas sim do lado de fora. Se pá alguém nos espionou e falou para ele, só que acabou acontecendo algum erro de comunicação entre os dois. Acontece toda hora comigo, tipo daquela vez em que fui desenrolar com uma mina e ela ficou com um amigo meu.
— Isso só pode significar uma coisa…
— O quê?
O hamster sentou-se em cima de uma lata de lixo, pensativo. Com sua voz aguda, respondeu:
— Você é corno.
— Vai te catar, estou falando do caso.
— O caso que seu amigo teve com a garota?
— Hamster, vou acabar te descendo o sarrafo se continuar me zoando!
— Desculpa, estou sem teorias sobre esse mistério que VOCÊ deveria solucionar. Afinal, o detetive não é o senhor?!
— Sou! E estou investigando esse caso com todo o meu coração. Existem chances de eu estar sendo procurado pela polícia por ter invadido aquela mansão de um velho que, no fim, parece ser totalmente inocente! Só espero que aquela fantasia de lixo realmente impeça os policiais de descobrirem a minha identidade.
O feiticeiro cruzou as pernas e se aprofundou em seus pensamentos. Quieto, o rosto de hamster estampado naquela máscara chegava a ser desconfortavelmente neutro, a ponto de soar mórbido.
— Cruzes de Nazaré amada… Independentemente do que ocorra, já estou muito grato e te devo um grande favor! — exclamou de repente. — Sério, não leve as minhas brincadeiras a sério, pois te devo a minha vida.
— Tanto faz, só estou fazendo meu serviço. Sinceramente, nunca vi muitos problemas em ficar foragido. Pode até ser legalzinho.
— Você é estranho — comentou imediatamente.
— Olha quem fala.
— Nem começa. Vamos parar de perder tempo. O que faremos, detetive?
— Bem, primeiramente, contarei a teoria que montei depois de refletir um pouco sobre os bagulhos que rolaram hoje.
— Certo!
Meia-Hora depois…
— E é isso — finalizou o investigador, orgulhoso com o desenrolar de sua incrível narrativa.
Ao ouvir aquela quantidade de observações notavelmente perspicazes, Einstein indagou:
— Mas como a Legião de Sapos Birutas conseguiu encontrar a Sociedade dos Bêbados a tempo de salvá-los do Michael Jackson e seu Moonwalk da Destruição Final?!
— Isso é ridículo de fácil. A Legião encontrou a lápide do Ancião Mórmom, que contou todos os eventos que ocorreriam nos próximos três mil anos. Então meio que eles sabiam o momento certo de chegar e intervir na situação.
— Faz todo o sentido agora, você é um ótimo det– Calma aí, o que toda essa história tem haver com o cara nú dos chihuahuas demoníacos mesmo?
— Ahn? Do que cê tá falando, mermão?
— A sua teoria seria sobre mais o quê…?
— Teoria? Ih, verdade. Não tinha teoria nenhuma, esqueci do que estávamos falando e só fui inventando.
— Urg, seu… seu… ignóbil salafrário!
— Vixe, calma lá. — O detetive recuou, engolindo o cuspe em seco enquanto se esforçava para pensar. — Posso não ter nenhuma teoria palpável, mas acho que…
— Acha que…?
— Não sei. Sei lá! Tô sem ideias.
— Poxa, detetive!
— O que cê quer que eu faça? Mal temos pistas!
— É verdade. O que faremos?
— O ideal seria interrogarmos o Laertes, mas aquele merda fugiu! Será que podemos encontrá-lo?
— Se falarmos com os vizinhos do Amadeus, algum deles pode nos contar para que lado o peladão correu na hora de fugir da mansão.
— Real… então é isso. Amanhã, iremos falar com alguma vizinha fofoqueira!
A noite não foi longa para nenhum dos dois. Passar alguns minutos do dia lutando contra idosos com espingardas e nudistas sociopatas já é mais do que o bastante para fazer qualquer um ficar totalmente exausto, e assim também foi com a dupla.
Por isso mesmo, apagaram assim que deitaram em suas camas.
Quando Einstein acordou, notou que o detetive já não vestia mais os trapos retirados do lixão, muito menos aquele avental hospitalar que quase lhe rendeu um tiro na fuça.
Leonard havia conseguido encontrar roupas até que parecidas com seu traje antigo, largadas pelo estacionamento — isso definitivamente não se devia ao fato de suas antigas vestes serem muito parecidas com as de um sem-teto.
Como as vestimentas estavam sujas, as lavou com ajuda da bondade do dono daquele bar logo à frente do estacionamento — que foi muito bondoso de não acordar enquanto ele invadia o banheiro do bar durante a madrugada para usufruir da torneira e do sabonete daquele recinto.
Depois, as estendeu sobre uma cadeira de praia abandonada no meio daquele lixão para que elas secassem até o amanhecer. Foi o que ocorreu.
A calça jeans, um pouco rasgada e também meio apertada para as suas pernas, fazia com que quase qualquer pessoa que o visse se sentisse obrigado a passar alguns segundos admirando suas coxas perfeitamente idênticas às de uma galinha.
Não que isso possa ser considerado um elogio.
De resto, a camisa que provavelmente foi de alguma vítima de bala perdida e a blusa com cinco pacotes de cocaína em seus bolsos eram perfeitas para o contexto em que o detetive se encontrava.
Os dois voltaram para a colina e se envolveram na roda de discussões dos vizinhos de Amadeus, que encontravam-se previsivelmente assustados com a invasão domiciliar que ocorreu no dia anterior.
O problema é que a dupla não pôde se manter na conversa por muito mais do que alguns minutos. Saindo diretamente de um estacionamento abandonado (tradução: lixão), era óbvio que o “perfume natural” em seus corpos não causava a melhor das sensações nos vizinhos.
— Que cheirinho de pobre é esse? — disse um deles, logo promovendo a expulsão dos dois, que ocorreu em menos de três minutos.
— Vão se lascar! — esbravejou o detetive, indo embora junto de seu cliente.
Felizmente, já tinham informações o suficiente: na conversa, descobriram que o hippie não foi tão bom em escapar da polícia quanto os dois, acabando por ser preso.
Isso os levou diretamente até a delegacia. Ao pararem na frente da estrutura, Leonard sussurrou no ouvido de Einstein:
— Se me acharem suspeito, tu mete aquela explosão bacana neles e a gente dá no pé.
— É para eu matar todo mundo?
— Tá louco? Claro que não, só explode eles.
— O que quer dizer com isso?
— Explode, mas não mata.
— Não sei se compreendi muito bem.
— Tipo, é só explodir um pouquinho. Uma explosão delicada. Um pouco gostosinha até.
— Tudo bem. Vou fingir que entendi.
— Perfeito. Me espera aqui, viu? — Estalou os dedos e entrou na delegacia animadamente.
O centro do local era uma sala não muito cheia. Um pouco à frente da entrada, uma mesa de atendimento, ao lado de um longo corredor. Leonard se aproximou da atendente, pousando as mãos sobre a mesa e esboçando um sorriso meio forçado.
— Coé, sou sobrinho de um senhor chamado Amadeus Stevens. Ouvi dizer que invadiram a casa dele. Como o otário não me deu muitas informações, vim para saber se o ladrão foi pego.
— Otário?
“Ih, escapuliu.”
— Sabe como é. Linguagem de parentes, né.
— Entendi. Perdão, não tenho muitas informações sobre o caso, mas…
— Mas…?
— Não se sabe de nenhum criminoso. Dizem que o senhor acabou se machucando sozinho e desmaiou.
“Malditas fofocas e seus rumores! Quem tá certo, os vizinhos ou esse carinha?”
— O quê?
— Conhece o hospital da cidade? O seu tio está lá. É uma boa ideia visitá-lo, pois não tenho mais informações para lhe dar.
“Como assim? Será que o loirinho fugiu e a polícia não quer revelar?”
— Pode pá — respondeu, escondendo os seus questionamentos e vazando.
Atropelando a porta e se afastando da delegacia, agarrou o ombro do feiticeiro e saiu andando junto dele, como se já estivesse com o próximo destino em mente.
— Os policiais nem sabem da existência do Laertes, ou então, querem que as pessoas pensem isso.
— Sério?
— Sim.
— Droga. O que faremos para encontrá-lo?
— Ainda temos uma chance de descobrir mais sobre o caso e ela é um pouco desesperada, já que se chama Amadeus Stevens. Bora tentar conversar com o velho no hospital, aproveitar que ele não viu os nossos rostos. Ainda existem chances dele estar envolvido com o mistério dos seus irmãos.
— Caçarolas voadoras, é verdade! Espero que esse seja o caso. Espera, o senhor não disse para mim que vocês dois conversaram durante a invasão? E se ele reconhecer a sua voz?
— Primeiramente: senhor é o caramba, sou novinho, tenho só 22 anos. Segundamente: a palavra “segundamente” existe? Bem, tanto faz. Em segundo lugar: não serei eu quem vai conversar com ele. Cê vai interrogá-lo, enquanto fico apenas escutando.
— Ok. Felizmente, sou um hamster muito sociável.
— Espero que seja. Vamos logo para o hospital.
E assim eles fizeram. O que não foi difícil, visto que só existia um hospital em toda aquela cidadezinha.
Andaram pelos corredores em busca do quarto do Amadeus. Tentaram falar com a atendente a primeiro passo, mas ela disse que o paciente em questão não aceitava visitas.
Depois de atravessar quase todos os corredores, a dupla encontrou uma porta no fim do último corredor que chamou a atenção. Afinal, estava atrás de um homem de terno; um segurança.
— É hora de explodir sem matar?! — exclamou Einstein.
— Tá louco?! — gritou. — Não fala isso em voz alta, parça.
— Explodir quem? — O guarda perguntou.
Leonard virou-se para ele, boquiaberto e já em pânico:
— Foi mal pelo erro de comunicação, brô, estamos falando de explodir… é… explodir… as… as… as crianças do hospital?
— Acho que o senhor piorou as coisas — sussurrou o hamster.
— Senhor o caralh–
— Explodir crianças? — indagou o guarda, aproximando a mão da cintura, onde se encontrava o coldre de sua arma.
—... de alegria, é claro! O meu amigo hamster aqui é daqueles caras que brincam com as crianças doentes para fazê-las se sentirem melhor. Sei lá o nome dessa galera, só sei que ele faz parte dessa gangue. Quis dizer, grupinho! Inclusive, acho que a próxima criança que ele irá alegrar tá atrás dessa porta. Esse é o quarto 635, certo?
— Negativo. Esse é o quarto 382.
— Certeza?
— Absoluta.
— Então tá... Acho que erramos o número do quarto.
— É claro que erraram. Afinal, esse é o último quarto e seu número é 382. Me perdoem, mas como poderia existir um quarto número 635? — argumentou o homem de terno, totalmente sereno.
— Catapimbas, o meu amigo é um burro mesmo! Ele não está vestido adequadamente, mas é daqueles palhaços da corte real. Quis dizer, circo. Por que cacetadas eu falei corte real? Não sei. Tchauzinho, hahahahah!
Com uma pulga atrás da orelha, o guarda apenas observou os dois se afastarem com pressa.
— Que merda, por que tem um guarda armado vigiando aquela porta? — Leonard cochichava, ainda se afastando.
— Não sei. Posso voltar e explodir aquele mequetrefe? — falou Einstein, no mesmo tom de voz. — Só não sei se consigo explodir sem matar.
— Esquece essa joça. Iremos invadir aquele quarto em breve. Tenho certeza de que é onde o Amadeus está — refletiu por alguns instantes. — Einstein, não tem como você atirar um ataque mágico naquele cara? Só que um ataque que não o mate, não o exploda e nem o deixe no hospital durante seis meses?
— Ainda não tenho pleno controle de minha energia. Mas se eu me concentrar, posso deixá-lo no hospital por somente três meses.
— Fora de cogitação.
— Tá, então o que faremos?
— Se tu não consegue lidar com aquele cara sem matá-lo, então faremos isso de outro jeito — afirmou, esboçando um sorriso malandro. — Se prepare, porque tá na hora de meter o louco.