Vol. 1 – Arco 1

Capítulo 8: Hora de Meter o Louco

Hospital, Woodnation 12:03 da tarde, quatorze de Julho.

Carregando dois copos de café, um homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto caminhava pelo corredor, até se aproximar de seu parceiro e atual guarda daquela porta: um homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto. 

— O seu turno acabou — avisou o homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto, entregando um dos copos para o homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto.

— Agradeço — respondeu o homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto. 

Ambos trocaram olhares silenciosos através de seus óculos escuros com aparências conflitantes; enquanto um possuía um pequeno par de linhas douradas nos braços do óculos, o outro tinha um pequeno par de linhas amarelas! 

Aquele grave erro quase foi o suficiente para que ambos quase fossem demitidos de seus empregos no passado. Como seriam tratados com seriedade caso possuíssem óculos de cores diferentes?

— Espera, Gregory, o que é aquilo?

Ao se virar para ver o que era apontado por seu parceiro, se deparou com uma foca

 

UGH! UGH! UGH! UGH! UGH! UGH!

 

Presa em uma enorme muda de roupas, incapacitando os homens de ver seu corpo, a criatura emitia sons que eram nitidamente os grunhidos de uma foca. E, como apenas focas fazem barulhos de foca, aquilo certamente era uma foca.

— Como assim? — indagou Ethan (o homem de corpo robusto com um terno escuro, pele branca e um cabelo castanho curto que não se chamava Gregory). — O que uma foca faz aqui?

— Não tenho certeza — respondeu Gregory, sereno, sacando e destravando sua pistola.

— Como não tem certeza? — Sacou e destravou a arma igualmente, tão calmo quanto um monge. — Estamos no final de um corredor fechado, vocês obrigatoriamente precisam ter vindo pela mesma direção.

— É verdade, bem que fiquei com a sensação de estar sendo perseguido por todo esse trajeto… mas toda vez que olhava para trás, encontrava apenas essa enorme muda de roupas parada e emitindo grunhidos de foca.

— Como assim “apenas”? É esse o problema que estamos lidando neste exato momento.

A suposta foca urrou novamente.

— Não devemos correr o risco — falou Ethan. — Precisamos neutralizá-lo.

— Acalme-se. No caso disso ser de fato uma foca, matá-la seria um erro inadmissível. Primeiramente, irei me aproximar para identificar essa possível ameaça — afirmou Gregory, instantes antes de descarregar o pente contra a muda de roupas.

A muda de roupas sambou freneticamente enquanto era baleada, parando completamente após o último tiro.

— Perdão, acontece que meu dedo escorregou no gatilho.

— Compreensível. Odeio quando isso ocorre comigo.

— Creio que a possível ameaça tenha sido eliminada — deduziu, aproximando-se da muda de roupas.

Ao alcançar a horda de vestimentas em forma de bola, Gregory levou sua mão até ela para arrancar algumas roupas e poder ver o que habitava dentro dela.

Assim que se deparou com aqueles olhos cintilantes e afiados, foi surpreendido com um soco na garganta. Caiu, incapacitado.

— Parado! — Ethan sacou a arma e apontou para o meliante.

O agressor estava coberto por inúmeros e insalubres trapos. Todos sujos, eram amontoados de roupas velhas e panos de chão, rasgados e úmidos. 

Não bastando isso, o rosto dele se encontrava coberto por um saco com buracos no lugar dos olhos e da boca. As únicas partes de seu corpo notavelmente visíveis eram as suas pernas, cobertas apenas por seus inúmeros pelos corporais e uma saia curta que lhe deixava estranhamente sexy.

Ethan mal visualizou o criminoso e já não conseguia vê-lo completamente, já que ele rapidamente agarrou Gregory pelo braço e o puxou para usá-lo como escudo. Então, como um touro furioso, começou a correr até Ethan. 

“Droga, se eu atirar, irei atingir o meu parceiro!”, pensou o agente, transpirando. “Como pode um homem ser tão mal ao ponto de se disfarçar de foca e usar o parceiro do inimigo como escudo humano?!”

Sem tempo para bolar uma estratégia, Ethan apenas viu ele parar em sua frente junto do escudo-humano. O inimigo, como um ogro, arremessou Gregory em sua direção para derrubá-lo.

Tentou desviar ao se jogar para o lado, mas neste mesmo momento, foi surpreendido quando o homem dos trapos entrou em sua frente! 

Antes de conseguir apertar o gatilho, fora desarmado e presenteado com um soco na mandíbula. Caiu instantaneamente, perdendo a consciência.

...

“Isso foi extremamente divertido”, pensou Leonard, observando os quatro sangramentos distribuídos entre suas pernas e braços. “Quem diria que se disfarçar de foca iria funcionar. Vei, tive muita sorte de ter conseguido escapar dos tiros apenas usando a minha habilidade em breakdance. Fui atingido apenas superficialmente… mas não posso ficar contando com isso, eu poderia ter morrido!”

Virou-se para a porta que estava sendo tão protegida pelos guardas (agora inconscientes). “Preciso invadir logo essa merda de sala. É questão de tempo para que alguém venha para cá por causa dos sons de tiros.”

Cambaleou até a porta que tanto almejava abrir e finalmente entrou na sala. Esbanjou um sorriso quando encontrou Amadeus deitado na cama.

— Oi, confrade! 

— Hm?

Ao olhar para a janela, foi surpreendido por encontrar Einstein atrás dela.

— O que cê tá fazendo aqui, mermão? Eu tinha te dito para esperar no estacionamento. 

— É que vim pra te dar uma ideia bombástica! E se o senhor, ao invés de arriscar a sua vida lutando contra um cara armado, simplesmente entrasse pela janela?

— ...

  — Claro, você teria que quebrar a janela e eles poderiam ouvir. Se não ouvissem, ouviriam quando você interrogasse o Amadeus, mas aí é uns 70% de chances de lutar contra 100%.  

— Foi melhor ter acabado com o perigo de uma vez.

— Enfim, boa sorte. Estou voltando para casa, me conte se conseguir. Se não contar, vou assumir que morreu e passarei a noite inteira chorando. Tchauzinho!

— Bicho, eu não sei viajar no tempo. Já era. Daqui a pouco vai ter gente vindo pra cá e aí vou ficar lascado. Tenho que interrogar esse velho rápido ou então levá-lo comigo. Sei lá — falou, abrindo a janela para que o seu cliente conseguisse entrar.

— Nossa, que perigo — sussurrou o hamster, escalando o murinho com uma leve dificuldade, muito por conta de seu traje gordo. Quando conseguiu, atravessou 50% do seu corpo pela janela. O resto ficou do lado de fora. — Eita, pode me ajudar? Fiquei entalado.

Leonard encarou a situação com impaciência.

— Que nada, já já vamos. Fica aí, senão vou ter que te empurrar outra vez depois.

— O quê? Não. Me ajude!

— Na verdade, me lembrei. Cê nem deveria estar aqui. — Acertou um chutão no feiticeiro, o jogando para fora da sala. 

O hamster caiu de bunda no gramado e talvez tenha ficado com uma leve vontade de chorar. 

— Até mais. — O detetive aproximou-se da cama do paciente. O velhote estava desacordado. O senhor de idade não emitiu um único sinal de vida, senão uma respiração fraca.

"No meu plano anterior, seria o Einstein quem conversaria com o velhote... mas como eu estou disfarçado novamente, não vai ser um problema se ele reconhecer a minha voz."

— Agente G. Está aí?

A frase saiu do comunicador de um dos guardas. Uma pergunta semelhante saiu do comunicador do outro segundos depois. “Agente G? Que merda é essa?!”, pensou o detetive, já temendo o que poderia acontecer caso os guardas não respondessem. Saiu para o corredor e correu até os comunicadores.

— Estão aí? — repetiu a voz, impaciente. 

— Estamos aqui — falou Leonard em um dos comunicadores, forçando a voz para que soasse machão. — Desculpa. Tomando café.

Se virou para o outro comunicador e apertou o botão responsável por ligá-lo, forçando a voz mais ainda para dizer:

— É isso aí. — Por fim, esperou a resposta do homem.

Três, cinco, dez segundos e nenhuma resposta. “Será que deu merda?” Quinze, vinte segundos e…

— Ok. — O homem desligou em seguida.

Emburrado, puxou os corpos inconscientes dos guardas e os levou para dentro do quarto de Amadeus.

— Vamos lá. — Finalmente voltou-se para o velho. Ele parecia longe de acordar.

Por isso, socou o estômago dele.

— Nem que a vaca tussa! — gritou o hamster, assistindo a cena pela janela. — Por que fez isso?

— Sssssh.

Resmungando em murmúrios, Einstein cruzou os braços e se afastou. Parou no outro lado da rua, onde sentou-se em um banco de madeira.

Enquanto isso, Amadeus abria os olhos. Estava suado e assustado, os olhos se revirando para analisar o ambiente. Sentou sobre a cama, desnorteado.

E deu um soco em Leonard.

A mente do velho encontrava-se tão vertiginosa que o detetive sequer precisou se esquivar para não ser atingido.

—  Seu comunista safado! — esbravejou Amadeus.

“???”

— Malditos. Vocês nunca levarão a ruína de vocês até esta nação!

— O quê?

— Acha que sou burro? Você mesmo confessou… não vão conseguir nos derrotar. Não encontrarão o que procuram, malditos!

— Quero saber o seu segredo. Sabe do que estou falando… Quem é Darwin Galileu?

— Como se eu fosse contar, seu merdinha.

“Então ele sabe quem é. Isso! Estamos no caminho certo!”

— Vocês são todos sentimentais, né? — falou o velho. — Saiba que estamos com o seu amiguinho. 

“Amigo?”

— É mesmo?

— Você nunca mais verá o seu amiguinho, Piotr Rasputin — Começou a gargalhar com aquela sua boca velha. — Se vê-lo, vai se arrepender.

— Ah…

“Quem diabos é Piotr Rasputin?!”, pensou. “Espera!”

O nome refrescou a sua memória em um choque. Havia dito aquele mesmo nome para o velho quando os dois lutaram na mansão: “Servi ao exército, seu merda!”, falou o velho naquele momento, o que gerou a resposta de Leonard: “Aé? E eu sou… Piotr Rasputin, da KGB.” Uma mera piada.

A piada foi um pouco longe demais. Todavia, era o que explicava a presença daqueles dois homens — que pelo jeito que foram chamados através daquele comunicador, não eram meros guardas, mas sim agentes secretos!

Amadeus devia ter, na verdade, acordado em algum momento e falado para a polícia ou para algum contato do governo que foi agredido por um agente secreto da União Soviética chamado Piotr Rasputin. Tinha que ser isso.

“Toda essa bagunça por causa de uma piadinha? Uma zoeirinha? Uma pegadinha? Uma malandragem? É incrível como sempre dou um jeito de complicar as coisas!”

— Não vai contar mesmo? — indagou o suposto agente da KGB.

“Se esse velho estiver falando a verdade, aqueles guardas realmente trabalham para o governo americano. E tem outros. Ele disse que estão com um parceiro ‘meu’, mas que parceiro? Seria o Laertes?”

— Nunca — respondeu o velho.

— Então ok. — Arrancou a pistola das mãos do nocauteado agente Ethan e a levou até a testa do velho: — Vai continuar com esse papinho? 

Mesmo com o cano da arma quase encostando em sua testa, o velho não tirou aquele sorriso sarcástico do rosto. O olhar perseverante dele indicava que não iria soltar informação alguma.

— Atira. O seu amigo está passando por algo muito pior do que isso. Pode ter certeza.

“Eu deveria estar triste pelo cara que quase me deixou em coma pelo resto da vida? Bem, esse disfarce de agente soviético é muito útil, então vou tentar.”

— Sério…? — Começou a chorar, como um verdadeiro ator (de Novela Mexicana). — Ayaurg ua uaarguuua!!! 

Mirou em grunhidos de choro e acertou no ritual satânico.

Por incrível que parecesse, o velho começou a gargalhar, se deliciando com o sofrimento do comunista safado.

“Ok, agora ele não terá dúvidas de que esse papo de União Soviética é real, mas… não posso perder tempo, o que faço pra tirar informações dele? Começo a torturá-lo? Não… não tô louco. Se ele não tem medo da vida, teria medo do que mais…? Bem, só me resta tentar enganá-lo.” Prosseguiu:

— Certo. Cê sabe muito bem que estamos atrás dele há muito, muito tempo… Você sabe que não iremos parar até encontrá-lo, sabe? 

— Imaginei.

“Acertei? Por que caralhos a União Soviética estaria atrás do irmão do Einstein?”

— Tudo o que ele sabe… isso seria a porta para a vitória da nossa nação.

O velho deu de ombros, como se estivesse debochando discretamente de Leonard. “Não é isso, o valor do Galileu não é relacionado a informações. Mas esse pedaço de necrose ficou feliz em pensar que a União Soviética não sabe muito bem sobre ele.”

— Seria a prova final de que o modo de vida de vocês, americanos, é falha!

— Ah, nem começa…

— Esses hambúrgueres, as pessoas trabalhando que nem loucas para ficarem só vendo comerciais e quererem gastar mais e mais… — Começou a usar todos os seus neurônios para se lembrar dos discursos de vilões russos dos filmes americanos. — Vocês são deploráveis. É verdade!

— O quê? Não começa! Vocês são verdadeiros monstros. Comem carne de criança e escravizam os próprios civis. Falam que são igualitários, mas a única coisa que é igualitária é a fome! Todo mundo morre de fome! Malditos comunistas!

— Vai tomar no seu cu, velho catarrento do caralho! Vocês fingem que todos podem ficar ricos, mas a verdade é que vivem em um mundo onde uns tem que pisar nos outros para serem bem-sucedidos. Tudo isso não é nada quando comparado ao nosso mundo igualitário. Lá, todos tem o direito de viver sem ter que se matar de vender hamburguer e essas porras aí. Unai-vos, meus camaradas. O dinheiro é do proletariado e essas viadagens aí. TRAREMOS A PERFEIÇÃO COMUNISTA AO MUNDO, SEUS MERDAS!!! — Foi de vilão russo para estudante mediano de humanas.

O velho rosnou, mas ficou sem palavras.

— É verdade — disse Amadeus, cínico.

— O quê?

— É verdade. Nós vivemos em um mundo desigual aqui. Dizem que vocês escravizam as pessoas, que o mundo de vocês é uma ditadura… mas a verdade é que vivemos em uma verdadeira ditadura imperialista por trás dos panos. Passei toda a minha vida trabalhando pelo governo e fiz milhares de atrocidades, mas mentia para mim mesmo, dizendo que era tudo em prol do crescimento da nação e felicidade da população. Eu via vocês e pensava que poderia ser pior… mas ao te ver, encontro apenas mensagens positivas! Se fosse uma ditadura, vocês seriam amargurados como eu. Mas olha você, tremendo ao pensar no sofrimento de seu amigo… 

“Mas...?”, pensou, vendo o velho usar suas poucas forças para levantar-se.

— A minha vida toda foi uma mentira. A União Soviética é um povo muito mais unido e feliz. O comunismo… — O velho estufou o peito e estendeu o punho para cima, gritando com toda a força de seu espírito: — O COMUNISMO É PICA!!!

Leonard continuou olhando fixamente para o velho, totalmente atônito.

— Ouça, o seu camarada estava certo em tentar invadir a minha mansão. A minha mansão realmente esconde algo muito especial. Lá dentro, tem um cartão que pode revelar a verdade.

“Isso!”

— Nem mesmo o governo americano sabe disso. Eles não têm a mínima ideia deste assunto, entendido? Pensam que seu amigo invadiu o lugar apenas para te ajudar a sequestrar um homem que trabalhou para eles na intenção de obter informações confidenciais. Então, aproveite para pegar o cartão escondido atrás do forno da cozinha quatro do segundo andar.

“Aquele tanto de cozinha foi feito para confundir os invasores?”

— Certo. Poderia me explicar melhor sobre a situação e sobre Darwin Galileu?

— É arriscado… você não deve saber até o “não saber” se tornar algo impossível. Caso contrário, eles podem te encontrar antes e te torturarem até descobrirem. Sei muito bem como são. Vá imediatamente. Depois de pegar o cartão, use-o na biblioteca.

“Biblioteca? Eu sabia que tinha algo na biblioteca! Sempre tem!” Esbanjou um sorriso confiante. “Belê. Isso foi melhor do que eu esperava. Queria continuar a conversa, mas não tenho tempo, é melhor eu dar no pé e ver por mim mesmo.”

— Muito obrigado, camarada — falou o “soviético” para o seu recém convertido aliado. Se virou, com as cobertas escondendo o seu sorriso, e saiu pela janela. — Tenho que ir agora mesmo. Não estamos lhe obrigando, mas se quiser o crescimento de nossa ideologia, espalhe as palavras de Carlos Marcos secretamente para todos. Mesmo se morrermos, a ideia do comunismo se tornará um fantasma que vai assombrar a sociedade em busca de vingança!

— Isso aí, camarada! Espera, não seria Karl Marx?

“Seria?”

— Esse tipo de formalidade não existe na União Soviética. Somos todos camaradas lá. Por exemplo, me chamo Piotr Rasputin, mas muitos me chamam de Camarada Pietrão Rasbemputo.

— Louvável! Tenha uma ótima tarde e boa sorte.

— Agradeço, camarada.

— Espere, só mais uma coisa!



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