Pt. 2 – Arco 3
Capítulo 37: Virtual Insanity (2)
Hall de entrada, A Casa do Sol Nascente - 00:45 da madrugada, dezesseis de Julho.
Bomba Lógica observa atentamente o processo regenerativo da ruiva. Manteve as mãos firmes sobre o cabo da grande foice de energia que segurava, sabendo que sua inimiga era veloz o suficiente para surpreendê-la. Precisava manter o foco.
— Vamos lá… que tal você ignorar que eu existo, enquanto faço o mesmo contigo? — disse, rotacionando a foice. — Nem sou a tua missão.
— Mas é muito mais interessante do que os meus alvos verdadeiros — respondeu, já totalmente curada de todos os ferimentos que havia adquirido durante a batalha. — Acho que meus superiores vão me desculpar se eu não pegar aqueles três por ter optado buscar a cabeça da ciborgue maluca que fez um massacre em Woodnation.
— Eita, me descobriram? Como? Deixei alguém vivo sem querer?
— Mas que cara de pau, hein?
Bomba Lógica tomou um susto quando a ruiva virou um borrão ultra-veloz e surgiu bem na sua frente, a centímetros de distância, já com as garras enormes prontas para atingi-la.
Ela recuou o mais rápido possível, ao mesmo tempo em que projetou uma parede de energia que a defendeu das garras. Em seguida, manipulou a parede para fazê-la avançar em linha reta, na intenção de atropelar Billie.
Esperava que conseguiria, no mínimo, atordoá-la. Essa estratégia se revelou inútil quando sua oponente simplesmente desapareceu através de um pulo antes de ser atingida pela parede.
“Onde ela foi?”, pensou, se virando imediatamente. No momento em que olhou para trás, se deparou com Billie saltando na sua direção. Os dentes da ruiva se transformaram em uma fileira de presas ferozes — dignas de um predador da selva.
Pega de surpresa, Bomba Lógica fora incapaz de se defender ou escapar. Teve o corpo agarrado pelos braços dela, que a mordeu com força. Começou a se debater loucamente, enquanto as presas se impregnavam em seu pescoço.
— Sua desgraçada… você é a porra de uma vampira?
— Eu temia em encontrar só gasolina aqui dentro, mas o teu sangue é delicioso! — exclamou. As presas serrilhadas e cobertas de sangue formaram um sorriso monstruoso.
— Ah, ok. Você é literalmente uma vampira.
Depois de se debater por um bom tempo, Bomba Lógica conseguiu usar a foice para atravessar o estômago da criatura da noite.
— Maldita! — vociferou Billie, antes de ser afastada com um chute. Muito sangue escapava do machucado no estômago.
— Tome essa, vadia! — gritou a ciborgue, correndo na direção de sua inimiga, pronta para acertá-la com outro golpe.
Novamente, a oponente tornou-se um vulto e saiu de sua rota. Ela olhou para cima e para os lados, e em todos os cantos conseguia ver aquele vulto veloz se deslocando, saltando entre as paredes, esperando o momento ideal para atingi-la.
— “Vadia”? — disse a vampira, sem parar de se mover. A voz dela ecoava por toda a sala. — Cadê a sororidade?
“As minhas habilidades físicas ampliadas pela minha fisiologia de ciborgue são poucos páreos para os dotes de uma vampira como ela”, pensou. “Mesmo com minha visão cibernética, que acompanha os projéteis mais velozes, não consigo ver mais do que um vulto. Ela não estava mentindo quando disse ser forte. Além disso, ela pode se regenerar, enquanto eu só vou ficando mais machucada e cansada. Se quero derrotá-la, terei que abusar do Virtual Insanity!”
Ela estendeu as mãos e o monitor que existia no lugar do seu rosto começou a brilhar intensamente, precedendo o momento em que diversas correntes de energia saltaram para fora da tela. As correntes se expandiram por todo o ambiente destruído em questão de segundos.
Não demorou nem três segundos para que Billie, em meio a tantos obstáculos, acabasse se chocando contra uma das correntes enquanto se movia em alta velocidade. A ruiva estava tão rápida que o impacto acabou sendo imenso. Imenso o suficiente para arrancar a perna esquerda dela.
— Sororidade é a minha bunda — exclamou a ciborgue. Com total controle sobre o movimento das correntes, fez todas elas se envolverem no corpo da vampira para prendê-la.
As correntes começaram a espremer Billie, ao ponto de deixá-la cheia de marcas; até que, inevitavelmente, os ossos dela começaram a se quebrar.
— Me solte! — vociferou a vampira.
— Nem vou.
— Olha só, se você me soltar agora, te deixarei ir embora e continuarei a minha missão original. Senão… eu mesmo darei um jeito de sair daqui. Quando isso acontecer, a sua morte será de uma crueldade… extrema e desnecessária. Coisa de filme de terror com maquiagem boa.
— Ai, que medinho! — zombou. — Relaxa, vou te soltar sim. Mas, só para prevenir qualquer trairagem, só farei isso quando minhas correntes já terem te cortado em vários pedacinhos. Vamos ver até onde tua regeneração vai, que tal?
Correntes nos braços, na perna restante, na cintura, no pescoço, e por todo o resto do corpo da vampira. As correntes ficavam cada vez mais apertadas, fazendo com que os sangramentos apenas aumentassem. Se fosse uma humana comum, Billie já teria sido transformada em um salame ambulante.
Mesmo assim, a ruiva não parava de se debater, como um animal preso em uma armadilha. Os dentes afiados rangendo, os olhos brilhando em um tom de escarlate mortal, os músculos de seus braços se expandindo monstruosamente, sua fisiologia se tornando momentaneamente igual a de uma aberração sobrenatural.
As correntes quebraram, uma por uma.
“Ah, vai se ferrar!”, pensou Bomba Lógica.
Mesmo sem uma perna, o monstro não cessou e avançou em disparada. A ciborgue se defendeu por muito pouco, projetando uma parede holográfica que se partiu com um único golpe da inimiga.
Ainda assim, a defesa durou o bastante para que sobrevivesse por mais um segundo. Tempo o suficiente para que conseguisse regurgitar um pequeno objeto de seu rosto-monitor, que caiu diretamente dentro da boca enorme da monstruosidade noturna.
— O que eu acabei de comer? — indagou Billie, que engoliu aquilo por reflexo.
— Uma granada.
Bomba Lógica se virou e saiu correndo, enquanto o monstro explodia logo atrás. Por ser muito badass, apenas continuou correndo, sem se virar.
BOOOOOOOOOOOOOOOOM!!!
A onda de destruição quase a pegou, mas conseguiu correr rápido o suficiente para fugir a tempo. Quando ela se voltou para trás, encontrou um ambiente totalmente distópico, que pouco lembrava a entrada de um hotel cinco estrelas. Um sorriso foi desenhado em seu rosto-monitor, já que não restara nem o pó da vampira.
“Finalmente! Nossa, pensa em uma guria chata? Chega do nada e atrapalha o esquema todo. Chatona…”
— Eu não vou morrer — disse Billie.
“Ah não!”
Seguindo a origem do som, a ciborgue foi guiada até o teto, onde uma horripilante criatura usava as garras para se prender. O corpo encontrava-se cheio de fuligem e sangue, sem pele; não só a carne estava exposta, como também partes dos ossos e um pouco do cérebro. A forma de vida deteriorada e bizarra desabou sobre o chão, e mesmo com um corpo totalmente fraco, começou a se levantar. Aos poucos, os ossos expostos eram cobertos por uma nova carne que surgia e a carne exposta era coberta por uma pele inédita. Aquela regeneração surpreendente recriou até mesmo as partes do cérebro que haviam se perdido.
— Não adianta arrancar minha perna, cortar minha cabeça, me explodir… — A perna que fora arrancada também começou a ser reconstruída. — Sou uma vampira. Uma criatura imortal que reina nas sombras. Estou viva há séculos e nada pode me matar!
“Ela é um pé no saco, em?”, pensou Bomba Lógica. Apenas se virou e voltou a correr.
— Não adianta fugir! — berrou o monstro.
De repente, a ciborgue acabou sendo atingida pelo vulto vampiresco. Um enorme rombo surgiu no seu braço direito, por onde começou a escapar sangue e um amontoado de fios rasgados.
— Se eu não estivesse nesse estado, teria cortado sua cabeça… — resmungou Billie, cambaleando. Isso não a impediu de avançar novamente.
— Droga!
Tentou escapar, mas outro rombo surgiu em seu corpo. Dessa vez, na perna esquerda. Caso não tivesse se jogado para o lado, a perna teria sido arrancada por inteira.
Os ferimentos foram o bastante para fazê-la cair no chão, diante à criatura das trevas, cujo a pele já voltara ao corpo junto ao ondulado cabelo ruivo.
Billie novamente veio em sua direção, mas dessa vez, ela conseguiu projetar outra parede holográfica que impediu a morta-viva de acertá-la.
A vampira exibiu um sorriso sarcástico, recusando a parar ali. Com uma força invejável, saltou até a parede ao lado e depois se jogou contra a Bomba Lógica. A ciborgue não estava com o monitor apontado para aquela direção e seria impossível se virar a tempo. Ou seja, estava incapaz de criar outra defesa de energia.
Por isso mesmo, fez a parede de energia que já havia criado simplesmente se expandir para os lados, até virar uma esfera que a cercou completamente.
Ainda fraca devido aos ferimentos, Billie quebrou a mão esquerda na tentativa de romper a defesa.
— Tenta de novo, verme — murmurou a ciborgue. Mesmo estando bem ferida, se sentiu segura o bastante dentro da doma para regurgitar uma televisão para fora do seu rosto. Na maior zoação, começou a assistir uma novela mexicana.
A morta-viva olhou para os lados, visivelmente irritada. Pensou em tentar atacar a doma de novo, mas de um segundo para o outro, mudou de postura. A seriedade sumiu e ela ficou mais relaxada, com um sorriso bobo no rosto. Se sentou ao lado da bolha de energia, assistindo a novela junto de Bomba Lógica.
— Por que ter pressa? — indagou Billie. — Tenho todo o tempo do mundo.
— Ué, então tá bom.
“Ela deve estar esperando o corpo se regenerar, pois assim vai recuperar a força que precisa para quebrar a minha redoma… não posso fazer nada quanto a isso. Mesmo nesse estado, ela seria capaz de me matar assim que eu desfizesse a defesa, porque já tô toda lascada.”
Com isso em mente, a seguidora de Panthael continuou assistindo a novela, enquanto conjurava um kit médico. Começou a usar os utensílios para dar uma tratada nos próprios machucados, embora nenhum daqueles itens fossem capazes de lidar com os danos mais sérios que recebera. Enquanto isso, os diversos ferimentos espalhados pelo corpo da vampira iam sarando por conta própria.
Embora assistisse a novela, ficou parcialmente vidrada na ruiva, atenta naquela regeneração incrível. Permaneceu esperando pelo momento, o momento em que o último corte na pele dela desapareceria.
Pois quando aquele momento chegou, Billie imediatamente se levantou e recuperou a postura ofensiva. Um soco bastou para dizimar a redoma de energia.
Nesse momento, Bomba Lógica se levantou o mais rápido possível e mirou o rosto até a vampira. Uma série de projéteis começaram a saltar para fora do monitor, que passou a agir como uma metralhadora, recheando Billie com uma onda ininterrupta de balas.
— Poxa, pensava que nós já tínhamos passado dessa fase! — exclamou a vampira, totalmente apática com as balas que a atravessavam. — Sabe muito bem que sou imortal.
— Sei muito bem disso, acontece que o meu poder se baseia na capacidade de transformar a enorme energia que o meu corpo gera em matéria. Luz solidificada — afirmou. — Sou capaz de simular basicamente qualquer material com isso! O problema é que preciso de tempo para criar coisas muito complexas…
— E eu quero saber como seu poder funciona? — disse, tentando avançar, mas sendo impedida pelos impactos da enxurrada de tiros. — Só pare de ficar adiando o inevitável. Morra logo.
— Eu só estou desviando a sua atenção. Se você ficasse focada nos tiros, ia acabar conseguindo escapar deles.
Os projéteis pararam subitamente. A vampira não esperou e irrompeu contra a ciborgue, mas quando isso ocorreu, se deparou com algo muito pior do que paredes de energia. De dentro daquele monitor que trazia coisas inimagináveis ao mundo, saiu uma das únicas coisas que poderia amedrontar um vampiro.
Um sol.
Billie ficou paralisada de medo ao ver aquela pequena esfera de gases e calor sair de dentro da ciborgue e sair voando na direção dela. Tentou recuar o mais rápido possível, mas a luz solar emanada pelo orbe já estava trazendo efeitos ao corpo vampírico. Ela começou a enfraquecer e perder toda a velocidade, enquanto sua pele pálida borbulhava em chamas.
— Não! Não! Isso não! — berrou em desespero. Conseguiu desviar da esfera, mas não sem perder um dos braços. Acabou caindo no chão enquanto gritava de dor, se rastejando.
A pequena estrela parou ali, entre as duas, como se estivesse ganhando uma órbita. A vampira continuou rastejando, as suas pernas foram os próximos membros a derreter.
— Se rastejando como um verme, engraçado — disse a ciborgue, observando a tentativa vergonhosa de fuga da morta-viva. Todavia, se impressionou quando percebeu que Billie conseguiu rastejar até um corredor, onde a luz do sol não chegava. — Ei, foge não!
Billie continuou rastejando, até sumir de sua vista. Bomba Lógica partiu em disparada até o corredor, aproveitando que a criatura em nada poderia vencê-la naquele estado.
Chegando no corredor, cruzou os braços, decepcionada. Encontrou um enorme buraco na parede, que levava para fora do hotel. Quando olhou para a cratera, achou uma rua quase vazia. A única presença no meio da escuridão era a monstruosidade ruiva, que estava sugando o sangue do cadáver de um civil. As suas pernas já tinham retornado, embora quase que desprovidas de carne e sem nenhuma pele.
“Droga, essa maldita vai conseguir recuperar as forças!”
Ao ver a Bomba Lógica, a criatura largou o cadáver e saiu correndo. O corpo regenerando cada vez mais a cada passo.
Percebendo que falharia em alcançá-la, a ciborgue cuspiu um pequeno chip rastreador no ombro da vampira antes dela desaparecer nas sombras da noite. “Bom, acho que a subestimei. Mesmo assim, duvido que ela tenha forças para ousar voltar a lutar comigo. Espero nunca mais encontrar essa corna do caralho.”
Então, olhou para baixo e prestou atenção na gravidade dos próprios machucados. Mal conseguia se manter de pé. “Merda… acho que vou ter que voltar para a Área 40. O Christopher conseguirá lidar com aqueles três sozinho”.