Fios do Destino Brasileira

Autor(a): PMB


Volume 1

Capítulo 6.1: A Aliança dos Quatro Tronos

O banquete foi servido logo em seguida, com porções enormes preenchendo qualquer espaço vazio sobre as toalhas brancas. Alguns conversavam, empolgados, e outros mantinham-se quietos ou trocando sussurros com os familiares — independente do que faziam, todos degustavam a excelente culinária do reino do dragão, o que era suficiente para inflar o ego de Shihan.

Shuyu, em algum ponto da recepção, foi movido para a mesa da direita, onde a maioria dos herdeiros ou antigos governantes se encontrava. A timidez e a ansiedade o impediam de trocar mais do que algumas palavras com as visitas, lhe restando interagir com Nidhogg dentro de sua cabeça. O tédio os levou para assuntos peculiares.

— Eu estou te dizendo, a melhor forma de comer um peixe é cozido — argumentava a deidade, firme em sua opinião. — Queria ter um corpo físico de volta para me deliciar.

— Claro que não, frito é muito melhor, Nid! Algum dia você verá a luz da razão.

Para a sorte dele, não tinha que falar em voz alta, visto que o debate ocorria dentro de sua mente. Não que fosse impossível conversarem fisicamente — Abençoados e suas divindades preferiam diálogos mentais, por praticidade.

Um puxão fraco na barra das vestes prateadas de Shuyu interrompeu a discussão que estavam tendo, eriçando seus cabelos. Nem havia percebido a aproximação seja lá do que tentava chamar sua atenção. Virou sua cabeça na direção do chão.

Era uma criança, com bochechas rosadas e o cabelo ondulado cor de fogo bem chamativos. O corpo dela era coberto por um vestido azul-escuro, com longas e bufantes mangas brancas — vários lacinhos e babados espalhados pela vestimenta eram da mesma cor clara. Os olhos, grandes e de um azul profundo, o encaravam timidamente por debaixo da franja repicada que quase os cobria.

— Ei, moço, sabe onde é o banheiro? — perguntou ela, quase que em súplica.

— Tamashi! 

O barulho dos pés de uma cadeira arrastando foi rápido. A expressão horrorizada da moça, uma das princesas, fez Shuyu segurar uma risada. Já antecipou as palavras que ela diria.

— Não se refira ao príncipe Mizuchiko assim! E não toque nele, é desrespeitoso! — explicou ela, ao mesmo tempo que desfazia o contato da menina com Shuyu. — Perdoe-me, Vossa Alteza, minha irmã ainda é muito nova para entender as devidas formalidades.

A moça deveria ter a mesma idade do herdeiro de Yggdrasil. Os olhos eram idênticos aos da criança que o abordou antes, embora os cabelos fossem castanhos e na altura dos ombros. O garoto sorriu para as irmãs com simpatia, principalmente pelo constrangimento da mais velha.

— Sem problemas — pronunciou, buscando em suas memórias o nome correto — Vossa Alteza Reiko Chiwa, primeira princesa de  Sophis, se não me falha a memória?

A garota de cabelos castanhos concordou com um puxar leve da barra do vestido branco, como uma saudação. A caçula tentou, em vão, imitar o exemplo, se atrapalhando no processo e tirando uma risada dos lábios do menino.

— O banheiro é no corredor ali na frente, segunda porta à esquerda — indicou ele, ajoelhado para a garotinha.

— Brigada, Mizu… Mizu… Mizurilo? — Seu nome era muito difícil para o vocabulário em formação dela, pelo visto.

— Mizuchiko, mas pode me chamar de Shu, se for mais fácil — disse delicadamente, afagando os cabelos alaranjados dela. — Seu nome é Tamashi, certo?

— Sim! Mas pode me chamar de Tama, Shu! E essa é minha irmãzona, a Rei!

Os braços diminutos circundaram, de forma adorável, a cintura da princesa mais velha. O rosto da jovem foi tomado por uma vermelhidão intensa — Shuyu sentiu também a aura dela oscilar.

— C-Como bem deduziu, Reiko Chiwa, primeira princesa de Sophis. Essa ao meu lado é minha irmã mais nova, Tamashi Chiwa.

O rapaz esperou os olhares sobre eles se dispersarem antes de prosseguir. Nunca tivera, até aquele momento, a chance de conversar com a herdeira da casa real de Sophis, embora soubesse muito bem quem ela era.

“Não existe ninguém mais polêmico que a Princesa Falastrona.”

— Não precisamos ser tão formais assim. Me trate como um adolescente normal enquanto não estivermos sendo observados — orientou o príncipe. A expressão de surpresa de Reiko foi substituída por malícia. — Imagino que a senhorita aprecie mais dessa maneira.

— Falamos a mesma língua, então — provocou ela, cruzando os braços sob o busto não tão largo.

Antes que pudessem prosseguir sua amigável conversa, foram cortados pelo anúncio da saída oficial dos reis e rainhas para a reunião particular da cúpula da nobreza. Liderados por Shihan e Suika, o grupo cruzou a sala em uma marcha constante, papeando entre si.

A visão despertou uma reflexão em Shuyu. Era impressionante perceber que, se não fossem as auras e presença poderosíssimas, não havia nada em comum entre eles, tamanhas eram as diferenças entre cada membro. O poder de união da Longinus era mesmo incrível.

Com o salão adjacente à sala de jantar aberto aos convidados, Shuyu e Reiko tinham muito mais liberdade para agirem como bem quisessem. Sem a necessidade de falas engessadas ou falsas simpatias, o breve tempo sem a rígida etiqueta da realeza era um sopro de ar fresco. 

— Tenho que te apresentar mais uma pessoa por aqui. Me segue rapidinho — propôs a princesa, sem esperar resposta para se movimentar.

 Caminharam juntos por algum tempo no amplo espaço de dois andares, logo depois de Reiko entregar a irmã aos cuidados do pai. “Está bem mais cheio do que eu esperava”, comentou para si, localizando alguns convidados excêntricos em meio à confraternização.

— Sério que eles não pouparam nem com segurança? Quase todos aqui são bons o suficiente para se defender…

— Do que tá falando? — indagou Reiko, virando para ele.

— Pelo visto, contrataram uma parte da elite da Longinus pra fazer a defesa da área do castelo — explicou brevemente — sendo que só a Líder Suprema estar aqui é o suficiente para afastar qualquer problema. 

— Não estão exatamente errados, mesmo que eu entenda a sua raiva — retrucou ela, ainda buscando a tal pessoa que queria apresentar. — A senhorita Haruki é com certeza poderosa, mas até minha mãe foi a favor de fazerem isso. Temos muitos indefesos também.

— Achava que você era mais radical.

— Até sou. Hipócrita, nunca. — A princesa o encarou com um sorriso zombeteiro. — Eu mais do que ninguém faria de tudo pra proteger minha família, principalmente minha irmã. Não julgo a preocupação.

A mesa de doces pôde ser vista ao longe. Shuyu não sabia exatamente a razão de estarem indo naquela direção, então confiou em sua guia para se deslocar entre os presentes.

Ao lado dos bem-casados, havia uma garota um pouco mais baixa que ambos. De pele quase porcelana e olhos âmbar, a princesa exibia um vestido sem mangas e pouco decotado, cuja barra descia até os joelhos. Os cachos do cabelo curto eram presos no lugar pela tiara adornada por cristais róseos e uma grande rosa de rubi no centro. Sem dúvidas, aquela garota era um colírio para os olhos com tamanha beleza natural.

— Hanako! Vem cá que eu tenho uma pessoa pra te apresentar! — Reiko abordou a menina com um aceno animado, assustando-a.

Por instinto, a ruiva escondeu o doce mordido e acenou de volta ao perceber quem se aproximou. Alguns olhares de reprovação foram direcionados para a princesa de Sophis — estava acostumada, logo nem se importou. Shuyu, por outro lado, fazia breves mesuras para se desculpar com os demais.

— Nem tinha te visto antes, Rei! Estou feliz em te ver de novo — expressou Hanako no meio do abraço com sua amiga. 

— Pois é. Por que sua casa tem que ser tão longe de Sophis? Uma vez a cada três meses é muito pouco!

— Ano que vem será melhor! Estamos treinando para is…

Assim que notou a presença de Shuyu, toda a espontaneidade calorosa da ruiva foi substituída por uma cordialidade fria. A menina de cabelos cor de fogo curvou-se em uma saudação, deixando o príncipe confuso pela mudança repentina de tratamento.

— Vossa Alteza Mizuchiko, é um prazer. Sou Hanako Koufuku, primeira princesa de Alfheim — apresentou-se sem qualquer emoção. — Peço desculpas pelo meu comportamento anterior, perdi meu foco.

— A Hana é muito certinha. Ela até tolera bagunça, mas é bom manter a formalidade com ela por enquanto — Reiko sussurrou ao ouvido dele. Não podia negar que ficou desconfortável pela proximidade.

— Eh… Shuyu Mizuchiko, príncipe de Yggdrasil — saudou de volta, desajeitado — é uma honra, Vossa Alteza.

No tempo de trocarem apresentações, Reiko já havia tirado as sapatilhas e sentado sobre a mureta de uma varanda próxima. Seu vestido branco de alças e detalhes violetas balançava contra o vento frio da noite. De repente, ela começou a levitar, fazendo seus cabelos parecerem algas no fundo do mar.

— Tem algum lugar interessante na área do castelo? — perguntou ela, observando o horizonte de ponta cabeça. — Mamãe não deixou eu explorar tanto assim desde que chegamos. Atena e eu estamos curiosas.

“Ser rebelde está mesmo no sangue dos Chiwa. O vestido não deveria estar caindo?", discorreu o jovem em sua mente. Sua conclusão silenciosa foi que ela deveria estar mantendo-o no lugar com os poderes de Atena, divindade real de Sophis e da qual Reiko era sabidamente a Guardiã.

— Que tal os jardins? São meu lugar favorito do palácio — sugeriu com um sorriso.

—  Boa ideia. Como chegamos lá? — Reiko foi a primeira a se empolgar, exalando ainda mais mana.

— Assim.

Asas dracônicas vermelhas se materializaram nos ombros de Shuyu quando ele se envolveu em sua aura púrpura, saltando da varanda em seguida. A princesa de Sophis o acompanhou com seus poderes, o que fez Hanako ponderar por alguns instantes sobre o que faria.

— Não queria ser deselegante, mas não tenho tempo de ir atrás deles andando pelo castelo. Vou me perder — murmurou a princesa, ainda confusa.

Das pequenas aberturas presentes nas costas de seu vestido, duas longas asas de fada, coloridas como um arco-íris, surgiram ao seu comando. A garota testou sua movimentação com um voo baixo — ainda não estava acostumada com os poderes de Titania, a deidade real de sua família.

— Hana!

Um puxão na barra de seu vestido a impediu de voar de uma vez. O rosto choroso de Tamashi Chiwa a encarava, as lágrimas prontas para vazarem pela lateral do rosto da pequena. Não eram necessárias palavras para entender que ela desejava ir com a irmã por ter se perdido do pai, com quem estava anteriormente. Com um sorriso gentil, Hanako pegou a menina no colo e alçou voo.

A noite estrelada sobre elas era de impressionar — o brilho da Lua atravessava as asas translúcidas da princesa, criando uma chuva de cores pelos campos de flores abaixo dela. “Yggdrasil parece ser uma terra tão rica…”, pensou ao observar os grandes prédios que compunham o conjunto do palácio de Dracone, sombreados pela grande Árvore dos Mundos, Se perguntava com o funcionavam aqueles campos floridos sob influência da grande sombra natural.

Os dois companheiros de Hanako tinham acabado de aterrissar em uma pequena área aberta, circundada por várias diferentes espécies de flores. Reiko já estava deitada sobre a relva quando a pequena Tamashi pulou em sua barriga.

— Tama! O que está fazendo aqui? — surpreendeu-se a princesa, que perdeu o ar pelo “ataque” da irmã. — Não estava com o papai?

— O papai sumiu, Rei! Ele tava na minha frente, aí eu virei pra pegar um docinho e ele não tava mais lá! — choramingou Tamashi. 

— Entendi. Bem, valeu por trazer ela, Hana. Depois eu dou uma bronca no meu pai. 

A fala de Reiko arrancou uma risada de Shuyu, cujo foco até então estava em uma região cheia de tulipas coloridas. Suas roupas estavam um pouco sujas, embora ele não ligasse exatamente para isso.

— Este lugar é maravilhoso, Alteza. Poderia ficar a noite inteira inalando esse delicioso perfume — elogiou Hanako enquanto acariciava algumas rosas.

Sem dizer mais nada, a princesa de Alfheim emitiu sua aura laranja-tangerina da palma de sua mão esquerda. Na pequena área verde em que o grupo se encontrava, lírios de múltiplas cores brotaram rapidamente de todos os cantos, deixando as duas princesas e o príncipe de queixo caído. 

Quando terminou, encarou seus dedos antes de fechar o punho.

— Ainda preciso praticar, mas acho que estou evoluindo.

— Isso foi incrível, Hana! — vibrou Reiko, deslizando no ar sobre as plantas recém-crescidas. — Dos meus poderes, só aprendi a controlar a levitação, mas ainda tá bem mal polido. Gasto mana demais.

— Titania tem me ajudado muito… Eu devo minha evolução aos ensinamentos dela.

A princesa de Alfheim corou com o elogio, apesar de sentir uma alegria sem igual pelas palavras doces da amiga. Os lábios de Reiko comprimiram-se em frustração, logo voltando ao normal quando a curiosidade natural da menina a fez encarar Shuyu com olhos grandes.

 — E você, Shuyu? Aprendeu algum truque para o exame prático de Palas? — A princesa de Sophis, para satisfação dele, agora conversava sem formalidades. 

— Estou há quase 1 ano com Nidhogg, então já tenho várias cartas na manga — retrucou ele.

— Chega a ser injusto. Eu só me tornei Guardiã de Atena há quatro meses! 

— Bem, eu recebi a Bênção Real na semana retrasada. — Hanako espontaneamente entrou na conversa. — É estranho pensar que existe uma diferença tão grande de tempo entre nossas cerimônias e, ainda assim, entraremos no mesmo ano.

Sentados no gramado, o quarteto conversou por mais alguns minutos. Entre risadas e histórias, Shuyu sentia-se envolvido em uma atmosfera reconfortante por poder agir como verdadeiramente era. Sem formalidades ou preocupações de pensar cada palavra que saísse de sua boca.

Estava feliz de poder, por um breve tempo, ser um adolescente comum. Reiko partilhava de seu sentimento, e a forma que Hanako aos poucos deixava a rigidez de lado o convencia de que o clima a havia capturado também.

Entretanto, eles não eram adolescentes comuns. 



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