Volume 1
Capítulo 32: A Lenda do Equilíbrio
O Salão dos Reis estava, pela segunda vez naquele 1º de fevereiro, abarrotado com as presenças poderosas dos 24 convidados nele permitidos. Ao contrário do clima festivo da reunião no período da manhã, o ar crepuscular era carregado de tensão, criada pelo tópico do qual foram de antemão avisados. Tudo que podia ser ouvido eram os sons do dedilhar suave de alguns sobre o tecido da mesa redonda e o tilintar de taças, vez ou outra movimentadas. Apenas sons pontuais em meio ao mar de calmaria absoluta.
Mais de 10 minutos se passaram desde que o último membro do grupo havia se sentado à mesa, então por qual motivo não começavam de uma vez? Seika Kouta era provavelmente a mais irritadiça vítima do silêncio avassalador do ambiente, visto a maneira que suas sapatilhas batiam no chão numa frequência cada vez mais alta — sua paciência esgotou-se quando Taeka materializou mais uma garrafa de vinho tinto sobre a toalha branca.
— Vem cá, mestra Haruki. — O vocabulário chulo atraiu olhares de julgamento de seus colegas. — O que estamos esperando? Todos estão aqui.
— Não somos nós que iremos falar o relatório, Seika.
Das muitas íris a ela direcionadas, as douradas da Líder Suprema eram, de fato, as mais intimidadoras. Sob a luz do entardecer, algo na maneira que ela cerrava os olhos para encarar a rainha de Caelio enquanto apoiava o rosto sobre as mãos transformava em gélido o ar fresco advindo das janelas. A fumaça do cigarro vazou pelos lábios pintados por um fraco batom rosa, já desbotado do longo dia.
— Peço apenas que tenha mais um pouco de paciência. Ele deve estar chegando.
— Certo, certo. Desculpe minha indelicadeza.
— Está mais para impaciência, não? — provocou Taeka, limpando os restos do cigarro no cinzeiro.
Batidas na porta, seguidas de um “Com vossa licença”, colocaram alguns dos governantes em estado de alerta. O homem, de cabelos loiros e brincos prateados redondos, dispensou qualquer apresentação formal, limitando-se a uma mesura curta após fazer contato visual com Taeka, do outro lado do cômodo. Assim como o dela, seu uniforme da Longinus era branco.
— Não pretendo tomar muito do tempo dos senhores — anunciou Shiro, papéis em mãos — então, caso tenham pressa, peço que esperem mais cinco minutos no máximo.
— Prossiga, General Sorako — Kotsuhi, o rei de Camelot, perfurou-o com o olhar.
— Claro…
“Como devem saber, as mortes entre menores patentes e estudantes têm crescido em ritmo preocupante. Tivemos baixas também até mesmo entre os nós, da Alta Cúpula, e no Conselho, como reportado pela major Jougai no ano passado. Entender o que está acontecendo foi o que me moveu nos últimos meses.
“Com o ataque aos herdeiros de Yggdrasil, Alfheim e Sophis durante a reunião de novembro, eu tive a primeira pista na direção certa e, a partir dela, fiz mais algumas descobertas por interrogatórios e missões de infiltração. Primeiro, estamos lidando com alguém que possui uma magia de teleporte de longa distância que o permite mover…”
— Isto é uma insanidade, Sorako!
Raiju, o mais próximo do homem loiro, o interrompeu com um soco na mesa. Embora apenas ele tivesse expressado esse sentimento claro de discordância, falava por muitos ali que o cenário descrito era impossível de ser real. Um poder de teletransporte, bem abaixo do nariz da Longinus? Seria mais fácil o mundo ser destruído do que isso passar do radar aguçado dos Guardiões.
O corte deselegante em sua linha de raciocínio fez as orbes azul-celestes de Shiro fitarem o governante de Orbisla com voracidade. A calmaria transmutou-se em nuvens de tempestade, prontas para destruir aquele que a enfrentava de frente.
— Majestade Jigoku, em respeito ao meu título de General, peço que não interrompa meu relatório. — Em qualquer outra situação, falar desta forma com um rei o faria perder o pescoço. — A discussão da situação virá quando todas as informações estiverem postas na mesa, obrigado.
Ainda que retribuísse a encarada com seus próprios olhos prateados, Raiju preferiu manter-se calado. Parte de sua indignação vazou dos anéis de magietras em seus dreadlocks, que reluziam com sua aura amarelo-manteiga. O outro homem ao seu lado, este de cabelos azuis mais ondulados e músculos bem definidos, segurou seu ombro com cautela, como se dissesse para não comprar briga. O rei de Orbisla atendeu seu apelo.
— Retornando, o inimigo é atuante em várias regiões usando magia de teleporte de longa distância.
“O ataque aos herdeiros comprovou isso pela presença de Águia Dourada do Apocalipse, reportada dias antes em Cielunia. Modéstia à parte, eu mesmo não conseguiria realizar um deslocamento tão rápido nem dando tudo de mim.
”O segundo ponto foi que podemos ter um mandante. Tanto na chacina de imigrantes harenarianos em Nebula quanto nos casos em toda Aquapia, relatos locais citaram avistamentos de uma mulher de cabelos carmesim, antes ou depois dos eventos, que tinha uma tatuagem de um triângulo envolvendo uma espiral no braço direito. As descrições batem, mas a identidade dela não parece se conectar a nenhum criminoso em nossa lista de procurados.
“O caso das cargas sem destinatário nas docas de Palas e Leoni também está relacionado a esses crimes, a mulher ruiva também foi citada pelos presos. Ou seja, ela é a mentora por trás de todas as situações.”
— Ou, talvez…
O ponto focal trocou de Shiro para o rosto de Taeka, recostada em seu assento. A Líder Suprema percebera algo que os demais falharam em fazer, como Reiyo notou muito bem quando ela sacou mais um cigarro do maço e o acendeu. “Ela sempre faz isso quando está inquieta”, pensou a Arcanjo. A tragada intensa da fumaça antecedeu seu espalhamento na direção da janela mais próxima, bem como o pigarreio nítido da loira.
— Shiro, peço que reflita comigo… — Sorako concordou com a cabeça. — Por qual razão o mandante cuidaria de negociar até mesmo com peões?
— Ainda que tenha razão, quem teria poder o suficiente para dar ordens na Águia Dourada? — julgou o General, irredutível. — Essa pessoa deveria estar na lista de procurados a esse ponto.
— Uma coisa não está ligada a outra. — O cigarro aceso foi apontado na direção dele. — Vamos assumir que o inimigo tenha mesmo magia de teletransporte.
“Pela lógica, quanto maior a distorção das leis naturais, mais mana é consumida. Por que gastar tanta mana apenas para dar ordens? Não seria mais fácil usar apenas uma vez e liberar o mensageiro para realizar sua tarefa? Quem usou esta magia não tem um estoque infinito.
“Agora, o motivo de ser a mesma mulher distribuindo todas as ordens implica que ou ela é a mais capaz para isso, ou só ela pode saber as ordens que estão sendo dadas. Isto só confirmaremos quando a capturarmos.”
— Mas como faremos isso, senhorita Haruki?
Shihan Mizuchiko e Kyouka Kan’uchi se encararam com desprezo ao terminarem a frase simultaneamente, suas intenções sendo silenciadas logo em seguida pela Líder Suprema. Esperavam que ela estaria sem uma resposta imediata, mas ela não seria a comandante da Longinus à toa. Um estalo e ela apontou para o alto, certa do que fazer — sua pergunta foi encaminhada para Shiro.
— O Lobo da Névoa foi visto nas últimas semanas?
— Capturamos alguns capangas deles e o interrogatório nos revelou que não — leu o general. — Mas ele deixou ordens aos seus subordinados para manterem a ordem nos domínios da facção. Não são poucos.
— Ótimo. Isto quer dizer que ele pode estar conectado não só ao massacre dos harenarianos, como também ao ataque da Águia — constatou Taeka, apagando o cigarro com sua mana concentrada. — Conhecemos seu padrão de ação. Vamos fazê-lo nos levar diretamente a quem está se aliando.
— A série de assassinatos de criminosos em meu reino teria algo conectado a este assunto, Sorako?
Foi a vez de Yumeko Chiwa adentrar a conversa, preocupação velada em sua voz. Ter menos cidadãos causando o caos pelas cidades não era um problema por definição, mas até quando seriam apenas os foras da lei? Capturar o responsável e entendê-lo era essencial para impedir um deslize catastrófico nas leis atenienses.
Sem Atena para fazer o trabalho sujo de análise das estatísticas pela primeira vez em quase 28 anos de vida, sentia-se fatigada demais para sequer cogitar a identidade do assassino em série. Mal conseguiu dormir naqueles dias, quanto mais avaliar as páginas e páginas entregues pela polícia de Sophis sobre o assunto. Sua esperança foi depositada em Shiro, que meneou negativamente sua cabeça.
— Desculpe, Majestade Chiwa. Não tive qualquer pista destes crimes, então não deve passar de um justiceiro fazendo o trabalho com as próprias mãos. — A rainha mordeu os lábios de frustração. — Mas darei a devida atenção agora que temos o plano de ação contra a ameaça principal.
— Use os recursos que precisar, Shiro. Os professores estarão ocupados com o início do novo semestre, mas darei dispensas temporárias aos primeiros-tenentes sempre que precisar.
— Entendido, mestra — concordou, sem mais comentários. — Isto é tudo. Irei me retirar aos meus aposentos, ficarei apenas por esta noite. Se tudo der certo, estarei de volta até o Torneio dos Esquadrões.
Uma segunda e última saudação e os brincos prateados dele sumiram de vista tão rápido quanto apareceram. O bater pesado da porta de madeira permitiu aos governantes que começassem a papear furiosamente sobre as novas notícias — era mesmo possível uma magia de teletransporte? E quem era a nova organização que tentava ameaçar a hegemonia da Longinus, depois de quase cinco milênios?
Havia perguntas demais para pouquíssimas respostas. Em meio às discussões fervorosas, Kiyo Yukihane ergueu-se de seu assento em absoluto terror. Hiko, que há pouco discutia com outros presentes, percebeu a movimentação inesperada do monarca.
— Ei, Kiyo! — chamou, confuso. — Onde está indo?
Conhecendo como conhecia o homem frio à sua frente, ele era determinado a agir por conta própria. Só o Deus Supremo sabia como Kiyo era capaz de colocar a vida em risco quando colocava alguma coisa em mente.
Ali, contudo, ele hesitou, como se tivesse sido capturado por algo muito mais profundo em seu interior, o que era muito mais chocante do que agir como sempre. Os olhos rubi do rei de Bliz encontraram os dourados de seu amigo, e a dúvida neles levantou suspeitas em Hiko.
— Preciso falar com os Tsukishi.
— O que eles saberiam deste assunto, Kiyo?
— Só… Hiko, confie em mim, certo?
Com aquelas palavras, foi a vez do cabelo branco de Yukihane deixar o coração de seu amigo exposto ao relento gélido de sua antipatia. A porta se abriu pela segunda vez, e Kiyo sumiu por entre os corredores de Olympia.
1 de Fevereiro de 4818 - Local desconhecido
A noite escura não contava nem mesmo com o brilho da lua, escondida acima da camada de nuvens que cobria o céu. Parada na frente do enorme arco de pedras negras incrustado na montanha, abrindo caminho para dentro dela, Mitsuko sentiu-se fortemente nauseada ao pensar no que estava por vir. Quase uma década se passou desde sua primeira visita àquela masmorra e ainda era preenchida pelas mesmas emoções da primeira vez.
Inspirou fundo em preparação e tocou a porta com seu braço tatuado. O símbolo reagiu ao seu chamado ao brilhar em um forte roxo, que se espalhou pelo braço dela até a porta. As frestas do material imitaram a incandescência da pintura corporal por alguns instantes antes da madeira se desmaterializar diante da ruiva, liberando a ela o caminho sombrio para dentro da construção. A contragosto, Mitsuko colocou-se em movimento em meio à escuridão mórbida dos corredores estreitos.
Passo a passo, a luz trêmula dos archotes revelou caminhos mais e mais largos — inscrições em símbolos, cujas traduções exatas Mitsuko não tinha a menor ideia, adornavam as paredes de pedra e traziam a eles a sensação de serem parte de algo muito mais antigo do que ela mesma.
Quando caminhou sozinha naquele lugar pela primeira vez, aos 14 anos, lembrava de sentir o terror apossar-se dela conforme explorou a estrutura escondida por dentro da montanha. Vez ou outra, deu o azar de encontrar com alguns deles, petrificados como estátuas, parados no meio do corredor — a palidez mórbida de suas peles e os olhos sem pupilas, janelas de uma alma vazia, causavam calafrios intensos no corpo de Mitsuko. Demorou anos para se acostumar a estar sob o “olhar” vigilante das criaturas perturbadoras, se é que eram mesmo capazes de enxergar.
Não só de más intenções era preenchida a fortaleza isolada naquela ilhota. Sua jornada por entre o labirinto de penumbras a fez encontrar, brilhando entre o limiar de luz e sombra, as orbes atentas de um homem alto encostado à uma parede: um aro vermelho na parte interna das íris tornava seus olhos azuis bem reconhecíveis à distância, o suficiente para Mitsuko ao menos tirar o amargor do rosto ao perceber sua presença.
— Boa noite, Juuzo.
— Belíssima noite, senhorita Mitsuko.
Embora tivesse enorme repulsa a admirar corpos de outras pessoas, a ruiva sabia reconhecer a beleza natural de seu colega: os cabelos ondulados, escuros como carvão, eram muito bem cuidados, assim como os músculos dele. O ponto principal do encanto por ele oferecido não era algo físico, todavia. O homem apontou para as grandes portas em frente a eles.
— Alguns dos insetos chegaram. Permita-me que escolte a senhorita sem grandes incômodos?
— Agradeço sua gentileza.
Manoplas enormes surgiram nos punhos dele, ambas em tom esverdeado e com detalhes dourados, ao passo que ele empurrou a madeira para abrir passagem. Uma enorme mesa circular acomodava diversas figuras, embora diversas cadeiras ainda estivessem vazias. Uma delas, justamente a de sua pessoa favorita dentre elas — o suspiro de saudade escapou por entre os lábios de Mitsuko, que ajeitava os cabelos desde sua entrada no salão.
Como Juuzo havia previsto, um prato bem apresentado atraía as piores moscas. Um par de vultos moveu-se pelo cômodo em grande velocidade, permanecendo um em cada lado de Mitsuko.
— Milady! Que prazer te ver novamente! — disse a primeira, com íris esbranquiçadas. — Uma pena que não estivemos com a senhorita no começo do ano. Muito tempo sem te ver me deixou… louco.
O jovem, de pele escura e cabelos desgrenhados de cor laranja, lambeu os lábios ao tentar alcançar a mão pequena da donzela. Tudo isto apenas para ser impedido por um soco veloz da manopla de Juuzo, que obrigou o rapaz a se afastar num salto. O protetor de Mitsuko ergueu o outro punho para evitar uma flecha contra ele disparada logo em seguida, fincando-a no chão com a potência do golpe defensivo.
— Não encoste no meu irmão, Nanami — ameaçou o responsável pelo disparo. Diferente do parente, seus cabelos ruivos eram perfeitamente arrumados no topo da cabeça, e os olhos eram de um ônix tão intenso que nem mesmo suas pupilas eram visíveis.
— Controle esse cão sarnento que chama de Shoto para que ele não avance na senhorita Mitsuko e eu reconsidero seu pedido, Souka.
— Ora, se for para termos um aquecimento, por que não me chamaram?
A iminente batalha foi interrompida pela voz de um terceiro não tão desconhecido. A garota não precisou nem fazer contato com o carmesim dos olhos dele para saber quem pronunciou aquelas palavras passivo-agressivas, uma vez que as passadas pesadas e a sombra massiva causada pelos archotes acesos entregavam por si só sua identidade.
— Não tenho qualquer desejo de lutar, Reiyama — esclareceu Juuzo, desfazendo suas manoplas em partículas amarelo-limão. — Estou apenas escoltando a senhorita Mitsuko até o devido lugar dela, mas os trogloditas dificultaram meu trabalho.
— Sabem que o mestre não gosta de batalhas neste local!
— Claro que sabemos. Defender uma de minhas amigas, porém, sempre será mais importante que isso.
— Você e seu idealismo hipócrita, Juuzo — debochou Hyoshin, caninos expostos em um sorriso macabro. — Vilões não têm motivos para serem bonzinhos.
Nanami estalou a língua com um olhar mortal para o Guardião de Fenrir. Sua aura era refletida em suas orbes brilhantes, preenchidas naquele momento de fúria — em um gesto de proteção, Mitsuko colocou a mão sobre seu ombro antes de assumir a dianteira contra o homem de quase 2 metros de altura.
— Não incomode o senhor Juuzo, Reiyama.
— Gosta dele pra defender assim, Mitsuko, querida?
— Não. Só tenho pressa para fazermos essa maldita reunião, e o mestre está chegando.
Como sempre, a mera menção àquele acima de todos ali era suficiente para que qualquer desavença fosse resolvida. Como uma mágica poderosíssima, capaz de apaziguar o mais sangrento dos conflitos dentro da estrutura interna dos Arautos. E Hyoshin era um dos que mais tinha plena noção do perigo de não manterem a civilidade na presença do chefe das sombras.
Rápida e silenciosamente, o pequeno grupo dispersou-se aos seus respectivos lugares. O assento ao lado direito da jovem mulher estava, como esperado, vago. “Não achava que fosse sentir tanta saudade dela”, refletiu, bebericando o copo d’água deixado ali por ordens do anfitrião. Teria de se acostumar a não ter a presença calada e agradável de sua parceira de equipe.
Conversas em voz baixa foram e viram entre outros convidados durante os próximos minutos. De pouco em pouco, os espaços restantes eram preenchidos pela chegada daqueles que se atrasaram, até o ponto que apenas quatro lugares dos mais de vinte estivessem sem alguém neles. O trono posicionado na sala seguia carente de um rei digno de assumi-lo — Mitsuko sabia que apenas um ser poderia tomar aquele lugar, e este não era quem atravessou a porta com um enorme sorriso de orelha a orelha.
Olhos carmesim, brilhantes e malignos, esquadrinharam o ambiente em busca de notar alguma falha na formação dos subordinados, mas nada encontraram. Ainda escorriam pelo fio da lâmina azulada dele filetes de sangue, como Mitsuko pôde perceber quando estes sujaram o piso de pedra com gotas vermelhas da mesma forma que sujavam as roupas do desconhecido. Mesmo com a situação macabra, ele sustentava um sorriso repleto de lascívia nos lábios.
— Ora, ainda bem que não demorei com minha diversão! Uma pena que não vou ter tempo de trocar de roupa para esse evento. — Arrumou os cabelos azuis, longos e lisos, antes de sua espada se transformar em partículas roxo-lavanda. — O mestre está bem impaciente com atrasos recentemente. Talvez melhore agora que tivemos sucesso na infiltração em Palas.
— As notícias já chegaram até você, Mouhan?
— Como não chegariam? — devolveu o homem à mulher ruiva que sentava-se três cadeiras à esquerda do trono. — Shimare, você mais do que ninguém sabe que sou o primeiro a saber quando algo acontece.
— Deveria ser também o primeiro a obedecer minhas ordens, Leviatã.
O comentário debochado ecoou do fim do corredor logo atrás do trono, do qual vazaram as sombras que engoliram a luz das chamas. O bom-humor do tal Mouhan transformou-se em seriedade quando as vestes azul-escuras revelaram a entidade oculta no mar de trevas errantes, seus olhos violeta exalando o poder a ele pertencente. Todos baixaram a cabeça em completa submissão.
Todos, exceto Mouhan.
— Tive um contratempo na reunião de janeiro, mestre. Jamais desrespeitaria uma ordem do senhor por livre e espontânea vontade.
— Sua utilidade, Leviatã, é tudo que manteve sua cabeça atrelada ao seu pescoço — lembrou ele, apático. — Não tolerarei insubordinação mais uma vez.
— Garanto que as notícias que trago de Kostarie serão satisfatórias ao senhor.
— A sua opinião pouco me importa.
Sem espaço para mais comentários, o líder sentou-se no trono e dissipou a escuridão ao seu bel-prazer. Algo semelhante à satisfação esboçou-se através das sobrancelhas arqueadas dele ao confirmar a presença de seus soldados — desta vez, não concedeu a palavra a nenhum deles.
— A Poetisa entregou-nos o relato do exame — anunciou. — A Lua e os Devoradores cumpriram a missão. Medusa e Hidra também estão entre os aprovados, o que não estava nas minhas expectativas, mas tomarei como um grato gesto de sorte.
— Tentará cooptar ambos, mestre?
O modo que Hyoshin tornou-se vítima do intenso encarar mortal fez com que se arrependesse de levantar a voz sem ser solicitado. Um pedido de perdão pôde ser ouvido por entre sua respiração arfante, acatado piedosamente pelo ser no comando da conversa.
— Apesar do total desinteresse que tenho em suas sugestões, Fenrir — criticou a língua afiada do comandante — admito que não é má ideia. Terei piedade de sua insolência desta vez.
— Agradeço sua imensa compaixão, mestre.
Para mesmo Reiyama se submeter a tamanha humilhação, não havia dúvida de que aquela entidade era muitíssimo poderosa. Perceber o medo assolar os corações humanos daqueles ao seu redor o encheu de júbilo.
— Muito bem. Antes de eu entregar a todos suas novas ordens, algo mais importante do que todos estes fatores me chamou atenção. — Pela primeira vez desde que Mitsuko o conhecera, anos atrás, um sorriso ocupou a face do líder dos Arautos. — O garoto que invadiu o torneio da realeza em novembro. Togami. Sem deidade conhecida até então, e nem mesmo a Poetisa conseguiu um relatório sobre qual seria seu sobrenome.
O som de uma cadeira arrastando seus pés no solo tirou a concentração dos presentes, que passaram a fitar o homem que se levantou dela. Assim como o chefe, tinha os cabelos negros e a orbes violetas, embora muito mais vívidas que as dele — a única coisa que verdadeiramente os diferenciava era a cor de pele, sendo a dele pálida como a própria Lua.
Ao redor de seu corpo, uma aura preta densa era emitida como um alerta para o cabeça do grupo. Este, porém, apenas riu diante da agressividade sobre ele feita, confiante de que a reação efetiva não viria.
— Ora, toquei numa ferida? — provocou o ser, com enorme escárnio. — Nada farei com aquele garoto. Digamos que estou interessado no que ele poderá fazer pela nossa causa…
— Vamos, Hikari.
A mulher loira ao lado do subordinado rebelde hesitou em segui-lo de prontidão, alternando suas orbes âmbar entre o chefe e o namorado, mas o fez. A risada maléfica do líder dos Arautos apenas se intensificou conforme a dupla se retirava, muda, pela porta do salão.
— Vejo que sabe suas ordens! Me poupará saliva com isto.
“Vigiar Togami e identificar os pontos fracos dele.” Tinha total confiança de que não seria nada além daquela tarefa, semelhante a uma tortura mental ao jovem pálido e sua companheira. A mão esquerda dela segurava a dele, na tentativa de transmitir alguma calma por meio dos anéis prateados idênticos em ambos os dedos anelares.
Sua estabilidade iria pelos ares se de lá não saísse imediatamente. A escuridão dos corredores não foi suficiente para abafar as palavras do mestre das sombras, que apontou o indicador direito para as costas largas do casal e proferiu a frase que martelaria a cabeça deles pelos próximos meses.
— Não me decepcione… Tsuyoshi Shinwa.
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