Fios do Destino Brasileira

Autor(a): PMB


Volume 1

Capítulo 31.2: Surpresas (des)agradáveis

Haruhi tinha a certeza de que estavam perdidas.

Desde que se separaram, ainda nos vestiários sob Olympia, a loira tentou seguir as instruções de Shuyu para guiar ela e Kyorai até o prédio 340, na ala norte da Academia de Palas. Porém, quanto mais se movimentava por entre os vários caminhos e edificações ao longo das estradas de pedra, sentia-se mais emaranhada em confusão.

Sua colega, em silêncio até então, também tinha um semblante de dúvida, embora o motivo fosse outro. Um puxão suave nas vestes da loira precedeu a primeira palavra de Kyorai em mais de meia hora.

— Haru… você não tem noção geográfica?

A pergunta fez os detalhes esmeraldinos de seu novo sobretudo brilharem. Para que não restasse defesa para a Seishin, as serpentes de seu cabelo moviam-se em completo descontrole. Seria um problema responder honestamente sua nova amiga? Ou deveria manter a pose de confiança até o problema se tornar impossível?

— E-E tu, Kyo? Por que não t-tira essa gargantilha nem pra tomar banho? — Sua resposta supriu a pergunta anterior,  aos olhos de Shikage. —  Tem vergonha de algo que está aí embaixo?

— Isto é algo que não quero contar. É pessoal demais e eu não confio o suficiente em você ainda.

— Ai, que facada de graça! — debochou Haruhi, com um tapinha nas costas dela.

Mesmo ocupada — até demais, diga-se de passagem — com se localizar, a Guardiã da Medusa não deixou de perceber que Kyorai tinha tomado certa “distância” dela e de Ayame após pegarem suas cartas. A alegria inicial de Haruhi por dividir o apartamento com sua nova amiga aos poucos era pintada pelo desconforto nas ações da outra menina, que não reagia aos seus estímulos e brincadeiras.

Depois de tantos anos lidando apenas com dois garotos cabeças-ocas, perdera um pouco de sua sensibilidade feminina. Genuinamente não sabia como abordar o assunto de maneira discreta, muito menos qual seria a origem do péssimo sentimento que permeou a relação entre elas. Algo tinha que tentar.

— Qual é, você já viu meu Símbolo do Pecado! — brincou ela. — Acho que não tem coisa mais vergonhosa do que ter uma tatuagem dizendo que é uma descontrolada.

— Para começo de conversa, não é como se tivesse como escondê-la, Haru.

— Sim, mas eu te mostrei sem medo.

— Por vontade própria — reforçou Kyorai, enquanto Haruhi diminuiu a velocidade das passadas.

“Ok, talvez seja melhor eu simplesmente desistir de entender”, refletiu a loira. Se mais uma resposta atravessada fosse dirigida a ela, seu mau humor com certeza seria maior que sua boa vontade de consertar seja lá o que estivesse errado entre elas. “Acho que agora eu entendo quando o Heishi diz que somos difíceis de entender.”

A garota de cabelos brancos à sua frente uma hora abriria o jogo. Uma hora. 

Algo fez as serpentes de Haruhi chiarem para um ponto cego atrás da dupla. Considerando o quão boas eram em percepção mágica, surpresa não foi quando a garota de aura latente se aproximou delas com um pouco de timidez — assim como as duas, vestia um uniforme da Longinus com tons de amarelo claros e suntuosos, bem casados com seus cabelos de cor similar presos em um rabo de cavalo alto.

A prata dos olhos dela encontrou o âmbar de Kyorai e a esmeralda de Haruhi. Pela forma que foi encarada, percebeu o quão intensa era a vazão de mana de seu corpo, suprimindo-a antes de acenar, mãos trêmulas.

— O-Oi! Vi que vocês estavam rodando aqui há algum tempo… — Kyorai encarou sua colega, corada, com os olhos afiados. — Sou Keiko Shikiba, prazer!

— Sou Kyorai Shikage. Esta é Haruhi Seishin.

— Quando tu decorou meu no…

— Ignora ela, hoje está meio aérea — cortou sem delongas. — Como já deve ter percebido, estamos perdidas. Saberia dizer onde fica o prédio 340?

— Estou indo para lá também! Meu apartamento é o 522, e o de vocês?

A pergunta animada da garota de caninos afiados seguiu-se pelo silêncio súbito de suas novas colegas. Keiko pensou se alguma coisa em sua fala teria soado desrespeitosa — não estava acostumada aos dialetos fora de seu vilarejo ainda. A leonina faltou cair para trás quando ambas começaram a revirar os bolsos, de costas para ela.

Sua pressão aguentou tempo o suficiente para vê-las estenderem os papéis de carta da Longinus na direção dela. Escritos com a letra formal da organização, as inscrições “Prédio 340 - Apartamento 522” a fez gritar alto o suficiente para os pássaros próximos alçarem voo.

 

 

— Será que a gente deveria fazer alguma coisa?

Direcionado mais para si do que para suas acompanhantes, as íris de Keiko mantiveram-se focadas na situação que estavam mesmo quando sussurrou a questão ao pé do ouvido delas. A curiosidade exalava dos olhares atentos para a próxima ação da figura pequena e robusta parada em frente à porta do conjunto.

Era perceptível, de longe, sua baixa estatura, cuja impressão frágil era desmontada pelos ombros bem trabalhados sob as vestes da Longinus com detalhes em vermelho gritante. Sua face estava oculta pelo cabelo liso na altura do ombro, da mesma cor dos bordados — se pudessem observar seu rosto, veriam que Akane Yamazaki lacrimejava com a mera ideia de atravessar a entrada do conjunto.

— A mamãe disse que tava tudo bem! Eu sei que não tem nada pra ter medo atrás dessa porta!

 Keiko notou a pronúncia curiosa da desconhecida, com o “erre” puxado. Conhecia bem aquele sotaque interiorano de Leoni, bem como a região do qual ele era originário. Era pertencente aos vilarejos de Jubil, ao extremo noroeste de Fenelope, capital leonina. Todos seguidores da Casa do Leão, há muito desaparecida dos palácios reais.

Suas divagações foram descontinuadas pelo avanço rápido de Haruhi, que agora estava com uma mão sobre a cabeça da desconhecida. Pela maneira que a ruiva se afastou quase que por instinto, Kyorai teve medo da menina desmaiar ali mesmo pela proximidade súbita de outra pessoa.

— Q-Q-Q-Q-Q-Quem é v-v-você?! — Akane se acuou na parede oposta do corredor, tremendo como vara verde. — P-Porque t-t-tem serp-pentes no seu cabelo?!

— Pô, calma! Só vim ver se não estava perdida.

“Justamente ela falando sobre estar perdida?”, pensaram suas colegas.

— N-Não estou perdida! — afirmou a baixinha, um pouco menos nervosa. A distância dela para Haruhi também não era mais tão grande assim. — Só não me acostumei com a cidade ainda e o elevador me deu medo e não sei quem são minhas colegas de quarto e o que vão achar de eu ser tão baixa mesmo sendo quase três anos mais velha que a maioria aqui e eu ser do interi…

A mão branca da Seishin impediu a avalanche sobre ela lançada de prosseguir. Estava chegando ao ponto de se sentir aterrorizada pela mera ideia de ter preocupações similares às da menina, que a cada adição tornava-se mais uma tempestade de tremores. Nunca imaginou que alguém pudesse ser tão ansiosa assim.

Das palavras proferidas por ela, conseguiu tirar algumas informações interessantes. Uma muito mais importante, porém, ainda permanecia uma incógnita a ser revelada por ela.

— Vamos do zero, ok? — sugeriu Haruhi, com uma piscadela para a jovem. — Eu sou Haruhi Seishin. Minhas colegas ali são Keiko Shikiba e Kyorai Shikage. 

— A julgar pelo andar da carruagem… — A outra loira se aproximou. — estamos todas no mesmo apartamento. 522 o seu, né?

Tal qual a garota leão poucos minutos atrás, Akane ficou muda. Seu corpo foi de joelhos ao chão, e ela curvou-se para Keiko tal qual um religioso fervoroso para um santo. Os olhos castanhos dela lacrimejavam sem uma razão clara ou coerente.

Enquanto Haruhi e Kyorai entreolharam-se com confusão, Shikiba sentiu o temor se apossar de sua mente à medida que percebeu o que aquilo significava. Precisava evitar a qualquer custo o que estava prestes a acontecer. Seu futuro na Longinus — e, possivelmente, sua vida também — dependia disso.

— S-Sou Akane Yamazaki, s-senhorita Shikiba! Não posso acreditar que…

— Não. Por favor. Se levante.

Objetiva, seca e amedrontadora, o pedido de Keiko agiu como um feitiço de comando sobre Akane, que se calou sem pestanejar. A euforia anterior, embora existente no balançar tênue das pernas curtas da ruiva, fora dissipada para dar lugar a uma obediência cega. Ela estava inteiramente sob controle da aura leonina, cujos olhos prateados eram agora como os de um felino: vorazes e intimidadores.

A interação esquisita entre ambas fez Kyorai erguer uma sobrancelha. Quem era Shikiba para causar um sentimento tão intenso de perturbação em uma garota desconhecida? Não havia nenhum registro em sua mente de alguém com este poder em Leoni além de Hyoku Saikiba, o atual rei. O uniforme da Longinus de Keiko também não apresentava detalhe extra algum, corroborando a perspectiva de ser alguém pertencente à classe comum.

Fosse por ignorância ou mero esquecimento, a Guardiã de Ártemis guardou a informação para outro momento, visto que nada conseguiu a associar a ela. “Que fenomenal sorte de ser colocada justamente no conjunto com estas duas…”, reclamou em sua cabeça, ao passo que Keiko ofertou a mão para Akane.

— Akane, certo? — perguntou, ajudando-a a se levantar. — Alguma variação de “vermelho” nos ideogramas antigos?

— S-Sim! — A mais baixa do grupo pegou uma das mechas com grande carinho. — Minha mãe que escolheu. É algo como “vermelho de fim de tarde”, não é muito comum.

— Ainda me pergunto se algum dia vão redescobrir como escrever na língua antiga — ponderou Haruhi, de braços cruzados sob o busto. — Se já sabemos o significado de todos os símbolos, não entendo qual a dificuldade.

— A língua atual dos humanos é tão curiosa quanto, Haru.

As outras três garotas olharam com espanto para a figura espectral atrás de Haruhi. Assim como a loira, os cabelos dela eram serpentes sibilantes douradas, e encarava o outro lado do corredor para não fazer contato visual com nenhuma das presentes. Por baixo da túnica branca com detalhes em prateado reluzente, a pele morena da Medusa criava um contraste digno de ser uma composição de um grande pintor.

Por estar virada, não puderam ver o enorme sorriso em sua face, entre nostalgia e remorso.

— Confesso que gostaria de ter conversado com mais humanos na época. A genialidade para desenvolver um sistema tão complexo de escrita é algo que passei a admirar tarde demais. 

— Você era uma Maldição, né, Medu? Você sabia ler a língua antiga?

— Ainda sou, se formos seguir a regra à risca — riu a górgona. — Saber, não sabia. Poucos deuses se esforçaram para isso, mas acho que só Atena deve guardar uma memória tão distante…

— Aí não era ela só ensinar de no…

— P-Preciso ir ao banheiro, com s-sua licença!

O nervosismo de Akane subitamente se fez presente mais uma vez, obrigando-a a destrancar a entrada do conjunto com pressa e sumir no primeiro quarto que conseguiu entrar. Kyorai estaria mentindo se dissesse que não achou cômico a movimentação desesperada da nova colega de quarto.

Por questão de espaço pessoal, optaram por não fazerem mais perguntas sobre o que disseram até ali. Juntas, as três e Medusa entraram no apartamento e cada uma escolheu seu quarto — Haruhi foi jogada para o segundo quarto da esquerda para a direita, dada a indecisão de Keiko e sua curta paciência para lidar com a discussão.

Da ampla janela, podia ver o gramado esverdeado da Academia de Palas repleto de alunos transitando por entre os caminhos. Apenas o quarto — uma ampla suíte mobiliada com armários, cama e escrivaninha — deveria ser quase metade do tamanho da casa de seu pai, Fuyu Seishin. Havia um leve toque de perfume ainda nos lençóis, aroma este que Haruhi fez questão de inspirar ao se jogar no travesseiro. 

— Isso aqui tudo só pra mim por dez anos? — balbuciou a loira, pensativa. — Cara, será que reprovar deixa a gente no mesmo quarto ou nem…

“Será que dá para mudar de quarto?”

A pergunta não pronunciada fez Haruhi corar, perdida dentro de seu coração. Tinha muita coisa para processar, e a pessoa que verdadeiramente acalmaria seus ânimos era Tatsuyu e sua usual empolgação inocente. Seu interesse romântico deu sorte na divisão dos quartos, visto que Shuyu e Heishi foram designados ao mesmo quarto do rapaz. Ayame foi a única separada do sexteto vindo de Yggdrasil, então só teria mais informações sobre ela quando fossem jantar mais tarde.

Tão rápido quanto se deitou, a loira sentou-se na escrivaninha e analisou as gavetas dela. Alguns materiais foram deixados para os novos alunos para que pudessem frequentar as aulas ao longo da primeira semana de. Pensar em ter que conhecer logo amanhã seus novos colegas era empolgante, mas ao mesmo tempo a deixava nervosa. Lembrou-se da orientação de seu pai logo antes de sair de casa em Dracone. A caneta de tinta preta começou a sujar o papel com as emoções de Haruhi.

“Querido pai, tenho muito para te contar. Você recebeu essa carta porque… (suspense intencional) Eu passei. Se prepara porque essa vai ser uma longa história sobre a jornada com os meninos até Palas…”

 

 

— O que tu tá fazendo aqui, mergulhador do aquário? 

Heishi levou uma cotovelada rápida de Shuyu como repreensão. “Cada dia que passa, o Shu fica mais como a Haru…”, refletiu Tatsuyu, sentindo a dor de seu melhor amigo por osmose — a recepção desrespeitosa do garoto não foi suficiente para Togami perder sua expressão de nítida felicidade, grato pela imensa sorte que o iluminou.

O maior de seus medos estava resolvido sem nem precisar fazer nada. Toda sua insegurança foi drenada ao ter as íris rubi do Guardião de Hefesto fazendo contato com as suas heterocromáticas. Não sentia tamanha gratidão há um bom tempo.

— Tá aí uma coisa que eu não esperava — comentou Tatsuyu, direcionando um sorriso ao recém-chegado. — Parece que o nosso “até breve” foi bem breve mesmo, né, Togami?

— 3 meses passaram voando, de fato. — A capa do baixinho ondulou ao se deslocar para perto dele em alta velocidade. — Bom ver que está inteiro. Nenhuma cicatriz desta vez? Oh, e olá, Shu… e Reiketsu.

— Por que a frieza é sempre comigo nessa porra? 

O tom de repulsa passou com clareza à compreensão de Heishi, cujas íris azuis se afiaram contra o menino ao lado de Tatsuyu. Se tinha algo que enfurecia o Guardião de Búri, isto era ser tratado com menos respeito do que (acreditava que) merecia. Haruhi lhe avisou de quão grande era sua hipocrisia de exigir o mínimo quando nem isso fazia com os outros, algo que entrou por um ouvido e saiu pelo outro do rapaz.

Para evitar que a tensão se tornasse insustentável, o príncipe cortou a conversa com um aperto de mão.

— Certo, Togami, é um prazer te ver de novo! 

Ledo engano da parte de Shuyu em tomar aquele caminho. Assim que sua pele fez contato com a dele, o mundo girou e seu subconsciente foi envolto num turbilhão de imagens sem nexo. No meio do esforço para entender, a luz se tornou sombra e a sensação de movimento parou por completo. Foi como encontrar um ponto para estabilizar os pés em meio ao puro caos.

O único ponto ainda iluminado pela luz etérea de sua mente tinha o formato de uma tela quadrada, tal qual a de um cinema: uma cena estranha, mas conhecida, desenrolava-se para Mizuchiko acompanhar de camarote. Uma enorme figura disforme, armada com uma espada, “duelava”, por assim dizer, com a lua, aqui representada em todo seu resplendor.

A lâmina separou o satélite natural ao meio com um golpe potente de magia de luz — uma energia escura vazou das metades partidas, adentrando em seguida a silhueta indefinida de seu carrasco. A explosão brilhante esbranquiçou a vista de Shuyu, forçado a proteger seus globos oculares com as mãos.

Quando abriu os olhos, estava de novo no mesmo lugar de onde partiu. Nem um segundo pareceu ter se passado enquanto ele fora atormentado pelo pesadelo bizarro — o príncipe fora congelado no espaço-tempo durante toda a duração. Seu silêncio repentino incomodou Togami, o catalisador daquela visão.

— Eh… Shu? Tá tudo bem? — perguntou o menino, afastando-se com receio. — Apertei forte demais sua mão?

A cabeça de Shuyu parecia que ia explodir de tanta pressão, mas ele escondeu bem o desconforto com um sorriso sem dentes. “Não posso preocupá-los com isso…”, reafirmou para si antes de afrouxar um pouco o colarinho do uniforme.

— Nem, relaxa. Eu tenho esses surtos de enxaqueca às vezes — tranquilizou o príncipe. — São como explosões. Vão embora rápido, mas são bem fortes.

— Nunca foi num médico ver isso?

Heishi já havia esquecido a interação anterior, uma vez que se aproximou para ajudar o herdeiro de Yggdrasil. Mizuchiko teve sucesso em sua intenção, apesar do resultado negativo para sua própria saúde.

— Já, mas ninguém sabe a razão. Convivo com isso há tempo demais, então estou acostumado.

— Deveria ir se purificar, sei lá — devolveu o moreno ao dar de ombros. — Só sei que eu quero explorar esse apartamento. 

Egocêntrico como sempre, o galã de gelo não esperou a resposta dos demais antes de sair caminhando pela casa mobiliada apenas com o essencial: mesa de jantar, algumas estantes, poltronas… uma variedade de objetos que você veria em qualquer residência, feitos de material de altíssima qualidade. Enquanto o grupo caminhava pelo ambiente sem procurar algo específico, Togami demorava-se sobre cada peça com um olhar intenso. Seu comportamento intrigante fez Shuyu direcionar as esmeraldas na direção dele.

— Gosta de arquitetura, Togami? 

— Arte, num geral. Não sou bom pintando, mas gosto de escrever, ler e de fotografias. — As íris heterocromáticas não corresponderam ao contato. — Aqui valorizam bastante a variedade, pelo que conheço. Percebi coisas até de Orbisla no caminho.

— É o jeito da Longinus de manter equilíbrio. Nenhuma nação deve ser mais cultuada que outra — concordou Shuyu. — Pra mim, conhecer outras nações como conheço a minha própria é o primeiro passo para a diplomacia de verdade. Aprendi isso numa viagem à Academia de Fenelope.

— Não tive acesso a tanto quanto você, Shu… — A risada de Togami foi bem destoante de sua natural expressão séria. — mas meu pai tinha alguns livros de relações internacionais escritos por leoninos. São bons mesmo!

— Você tem conhecimento de diplomacia?

A dupla se empolgou numa conversa muito acima do nível de saber de Tatsuyu e Heishi, que preferiram se manter calados e absorver conhecimento. Contudo, o Guardião de Búri conseguiu se conter por pouquíssimo tempo — seu interesse por história aflorou a cada citação que faziam a livros e mais livros do passado, bem como estruturas presentes nas cidades. 

A chaleira de curiosidade chegou ao ponto de ebulição quando Shinwa tocou no tópico de sua estadia em Sophis.

— Lá em Camones, tem a Biblioteca Real, aproveitei bastante o meu tempo lá pra procurar sobre o Metatron… 

— Metatron? Que deidade é essa?

O baixinho só percebeu seu fenomenal deslize quando os orbes azuis de Heishi brilharam na direção deles, famintos por uma informação que nunca ouvira antes. Por sua capacidade empática, Shuyu notou o súbito receio de Togami em responder objetivamente a pergunta do colega — seu pai, Shihan, alertou o plebeu dos riscos de divulgar a existência de um poder tão grande, em especial para aqueles ao redor do portador desta Bênção ou Maldição.

Não precisou nem socorrer o rapaz para auxiliá-lo a escapar da pergunta, visto que Togami fechou a cara de repente e se recusou a emitir qualquer outra frase. Se antes Heishi estava frustrado pela diferença de tratamento, agora ele estava tão furioso que partículas de gelo preencheram o cômodo pela influência de sua mana azulada, também emitida pelos olhos afiados. A instabilidade de sua aura podia ser sentida com enorme facilidade.

— Sabe, estou começando a achar que você é como todos da tua raça.

— Heishi! — Shuyu intercedeu pelo amigo. — Não querer revelar informações pessoais para alguém que você não tem proximidade é normal. Você causou isso!

— Por que está defendendo esse merdinha, Shuyu?!

— Porque você não é a voz da razão! 

O estalo audível da língua precedeu a desintegração de todos os cristais no ar e a saída de Heishi para o quarto mais à direita da área comum. Resmungos e ofensas eram murmurados pelo garoto, cujo caminhar pesado fez Tatsuyu duvidar se ele voltaria ao normal dentro da próxima hora.

— Mexer com o ego do Heishi é foda… — concluiu por fim, suspirando. — Desculpem esse idiota. Ele tende a ser bem explosivo, mas não é má pessoa.

— Desculpe, Tatsu, mas eu não consigo enxergar o Heishi como uma boa pessoa.

— É, tenho que concordar com o Shu. Reiketsu me dá nos nervos.

— A coisa não tá boa pra ele, pelo visto. — As íris vermelhas se fecharam para ele pensar no que dizer. — É, não tem mesmo como defender ele aqui. 

Admitir a derrota naquela situação era mais difícil do que Tatsuyu imaginou — sua opinião sobre o garoto manipulador de gelo era demasiado enviesada para ser levada em consideração pelos demais. Seu melhor amigo era rude, insensível e um tanto problemático de se lidar, mas havia uma certeza em seu peito de que Heishi jamais o abandonaria, tão forte quanto a que sentia de Haruhi. Era sua obrigação defendê-lo.

— Eu vou dar uma puxada de orelha nele quando ele se acalmar. Desculpa de novo, Togami.

— Não precisa se desculpar por ele. Deixe que ele mesma faça isso — insistiu o garoto. — Mais tarde, combinei de me encontrar com as meninas no refeitório da ala leste. Ela disse que era o menos movimentado. 

— Reiko sabe das coisas para recomendar aqueles lados. — Shuyu colocou a mão sob o queixo, impressionado. 

— Uma tal de “princesa Kan’uchi” também vai estar lá, mas não conhecia ela não. Enfim, topam?

O príncipe e o plebeu acenaram em concordância à proposta. A divisão dos três quartos restantes correu fluída, e agora Shuyu tinha toda a liberdade de esparramar-se na ampla cama. Em suas mãos, uma fotografia tomou forma sob o brilho da janela: nela, dois rostos jovens, o dele próprio e o de uma garota de cabelos ruivos, estavam colados, como se tivessem se espremido para conseguirem aquele ângulo.

Por muito pouco ele não teve uma explosão de euforia na frente de seus amigos ao ouvir o sobrenome de sua amada donzela. Embora tivesse confiança nela, um canto obscuro de seu coração temia que Yoko não tivesse conseguido atravessar a muralha difícil que era o exame — um sentimento infundado, claro. Yoko era muito mais forte que ele.

Eles tinham muito a conversar. Não só para conversar, como também para viver, mesmo que em segredo dos demais. Tudo que importaria para Shuyu dali para frente era poder passar o resto de seus dias ao lado da dama do sol.

— Já faz um ano que tiramos essa foto, né? — sussurrou para ninguém ouvir. — Hoje que a gente muda isso, Yoko.

 

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