Fios do Destino Brasileira

Autor(a): PMB


Volume 1

Capítulo 27: Insanidade em dose controlada

29 de Janeiro de 4818 - Continente de Origoras, Reino de Harenaris, Lua do Deserto

 

O cair da noite diminuiu exponencialmente os pedidos de desafio de Shiro. Não que isso o incomodasse, claro — estava cansado de ter que pegar leve e aprovar recrutas de potencial mediano. Ordenado pela comandante em pessoa, ainda que a contragosto, a diretriz como avaliador para ele foi bem clara.

”Valorize talentos, mesmo que não passem por você”. As palavras duras de Taeka repetiam-se em looping e sempre ao se sentir obrigado a dar permissão para um aluno que quase o atingiu. Em qualquer outro cenário, ser capaz de encostar em Shiro Sorako, o Demônio do Relâmpago e General da Brigada das Chamas, seria um feito e tanto. Contudo, quando este estava com sua imensa velocidade acorrentada pelas instruções firmes da Líder Suprema da Longinus, 237 pessoas conseguiram essa proeza de igualarem-se a ele.

O fato de estar impaciente ao fim do exame também colaborou para que deixasse mais brechas que o normal em sua postura de batalha desleixada. Há três semanas, suas extensas investigações o levaram até uma missão na fronteira portuária entre Genten e Bliz — após uma batalha não tão complicada (com o que teve certeza serem capangas mal-treinados), interceptou uma carga de compostos químicos cujo destino final era o porto de Corperfora, em Eromi. O destinatário da entrega não foi localizado mesmo com as informações da Longinus chegando com uma semana de antecedência ao continente localizado a 2 oceanos de distância.

Como o responsável por toda a empreitada desde o início da operação, o loiro sentia-se frustrado ao não colher um fruto sequer de seu esforço. Como uma carga daquelas não possuía ninguém para recebê-la? Ou será que perderam as pistas da identidade no meio do caminho? As únicas pessoas que sabiam daquele incidente eram pertencentes ao mais alto escalão da Longinus, e um traidor ali já o teria impedido diversas outras interrupções. A falha só podia ser sua.

A figura de Enji Sekisuna, rei de Harenaris e justamente quem o escolheu para aplicar o exame na Lua do Deserto, passou em sua mente. De todas as opções, ele era o único que Shiro não tinha condições de investigar mais a fundo, embora o preconceito com os nascidos no reino de areia — algo que faria Taeka o pegar pelo pescoço, se soubesse — também fosse parte da razão de duvidar dele. Não conseguia confiar naqueles olhos gatunos de coloração amarelo-âmbar, mas não tinha outra escolha se não o fazer pela falta de qualquer evidência. No fim das contas, Enji era o novo Guardião de Osíris.

Seus devaneios foram interrompidos pela eclosão de dezenas de auras menores na floresta densa. Como havia mais meio milhar de pessoas na ilha, aquele grupo não representava nem dez por cento dos competidores restantes — se pretendiam lutar em conjunto, provavelmente seriam dizimados pela técnica de Sorako. Ao prestar mais atenção, o homem percebeu algo destoante entre as muitas presenças que detectou.

Uma aura escura, maligna, como a de um típico Amaldiçoado possuído, caminhava à frente da tropa. Revelou-se por fim como um garoto, magro e alto, de pele escura, cabelos vermelhos e olhos prateados. Em suas mãos, um arco com textura escamosa da mesma cor de seus cachos comprovou que estava vindo para o combate direto com Shiro. “Um arqueiro na linha de frente de uma investida? Ele perdeu o juízo”, ponderou o Guardião de Raijin, confuso com as intenções do jovem. Embora a aura tivesse deixado Shiro em alerta, as palavras educadas do desconhecido não tardaram a chegar em seus tímpanos.

— Muito boa noite, senhor — saudou o menino, encarando-o — sou Koyo Gintei, prazer. 

— Shiro Sorako, General da Brigada das Chamas e seu examinador. — A resposta do militar foi seca e objetiva. — Presumo que já tenham escutado uns dos outros as regras, então vieram para um desafio, correto?

— Eles não, senhor — desmentiu Koyo. — Eu representarei todos aqui.

A risível afirmação dele, acompanhada do olhar sério e posicionamento firme do arco, definitivamente não estava nas expectativas de Shiro. Fosse pela confiança maliciosa nas íris claras ou na maneira que ele não fraquejou um momento sequer, mesmo quando o general cresceu sua aura azulada, algo na mente do homem tinha a certeza de que não estava lidando com um adolescente como as centenas que enfrentou nas últimas horas. As não tão sutis ondas de escuridão presentes na leitura da mana dele causavam um desconforto nítido no âmago do Guardião.

— Antes que eu possa aceitar seu desafio, garoto… — adiantou-se Shiro, com sua katana amarela erguida contra ele. — Preciso que me mostre seu Símbolo do Pecado.

Sem questionar, Gintei puxou sua camiseta para cima, revelando a imagem da cobra pronta para o bote circundada pela ponta de lança invertida. Diferente do que esperava, a marca exibia um tom fosco de preto — logo, o competidor estava em condições mentais estáveis, fora da influência de sua Maldição. O temor de Sorako não se dissipou por completo ao constatar esse fato. Maldade naquela forma e tamanho jamais seriam naturais a um ser humano comum.

— Você está apto a participar — declarou por fim. — Mas tem a certeza de que vai lutar sozinho?

— Tenho.

— Não se arrependa mais rápido do que eu espero.

Shiro tornou-se uma breve ilusão visual de tão rápido que se movimentou na direção de seu oponente. Envolto em eletricidade, preparava-se para um corte mágico certeiro pelas costas de seu alvo quando notou algo perturbador.

Não só Koyo havia seguido seu movimento perfeitamente como estava com a cabeça virada por completo para trás, seus olhos prateados com pupilas de serpente fixos na espada do militar. Tal fato sozinho, entretanto, não impediria Sorako de seguir com o ataque veloz contra ele.

— Tripla Origem. 

As três ondas, de elementos fogo, luz e sombra, foram disparadas em Shiro, forçado a esquivar para não receber o impacto à queima-roupa — escutou o som de uma explosão seguida por uma onda de choque considerável ao encostarem numa árvore próxima.  Chamou a atenção dele também que o corpo de Gintei não precisou de qualquer movimentação para criar os três epicentros de mana, como se só tivessem surgido mediante a ordem dele.

Porém, o ritmo da batalha seria ditado por Shiro, independente das circunstâncias que surgissem no caminho. Seus cortes eram desviados ou bloqueados por mais e mais canalizações de Koyo, e ainda assim ele seguia com uma incansável sequência de golpes trovejantes. Já havia visto uma diversidade impressionante de elementos sendo criada pela magia do garoto — apenas gelo e eletricidade não tinham dado as caras até aquele instante.

Todo o contexto de estar enfrentando um aluno com aquela variedade de técnicas era absurdo apenas de se imaginar. Era senso comum que dualidade elemental era um traço raríssimo, mesmo entre Abençoados e Amaldiçoados, e o jovem ali havia mostrado uma proficiência com ao menos 5 deles. Muito mais do que o suficiente para ser aprovado pelos critérios menos rigorosos de Taeka.

Para Shiro, não era o necessário para deixar alguém com o Símbolo do Pecado adentrar os portões da capital dos Guardiões. Apesar de reconhecer o talento e a capacidade, era seu dever garantir que aquela alma não havia se submetido à Maldição que habitava o corpo dele. “Será que é uma das que fugiu recentemente?”, imaginou o loiro, empurrado para longe por uma rajada de ar. Não conhecia de memória aquela arma ou perfil mágico que enfrentava.

Sua aura azul-piscina envolveu ele e sua katana. Quebrar as regras por meio milésimo não faria mal a ninguém. 

— Passo do Deus do Trovão.

Pôde ver a expressão de surpresa de Koyo de perto, uma vez que agora tinha a lâmina rente ao pescoço dele. O garoto não teve tempo nem de detectar a movimentação da mana do homem, como vinha fazendo — foi quase um curto teletransporte, de tão veloz que ocorreu. Desfazendo seu arco em partículas negras e de braços levantados, não restou outra opção para ele que não se render.

Sorako guardou sua arma na bainha e repetiu o gesto de seu adversário.

— Vocês passaram. Podem seguir a ponte — anunciou com um gesto simples. — Me faça sentir que estava certo nessa decisão, Gintei.

Koyo agradeceu silenciosamente pouco antes de ser tomado pela multidão que representou em batalha. Elogio a elogio, a malícia emitida pela alma dele tornou-se cada vez menor, até desaparecer por inteira no mar de positividade que tomou o ambiente.

Sentando-se para aguardar o próximo oponente, Shiro refletiu sobre a curta batalha que acabara de ter. Quem seria o lado verdadeiro de Koyo? A mente perturbada que causava inquietação com apenas um olhar? A persona de aura gentil que caminhava alegremente pela ponte logo atrás de si? A dúvida só seria respondida se assistisse o desenrolar do caminho daquele jovem ruivo. E ele estaria de olhos, como o responsável por permitir a entrada dele no quartel general da Longinus.

 

 

30 de Janeiro de 4818 - Continente de Origoras, Reino de Tellus, Lua da Natureza

— Zuko, você tem certeza absoluta que vai seguir com esse plano?

Sentados embaixo de uma árvore, o trio fazia os primeiros-socorros nas feridas que receberam vinte minutos atrás. O príncipe, a quem era dirigido a questão anterior, rasgou mais um pedaço de tecido para enfaixar sua perna direita, demonstrando assustadora calma para quem tinha um sangramento extenso, da panturrilha à parte de trás do joelho. Os olhares admirados e um tanto preocupados de Akashi e Keiko foram substituídos por facetas de insegurança quando escutaram a nova ideia dele.

— Depois de quatro tentativas, eu tenho certeza que… — Suas palavras foram interrompidas pela dor aguda ao apertar a ferida. — é o único jeito de burlar a detecção dele.

Shikiba se aproximou, engatinhando na direção dele.

— Se você estiver errado, acabou — comentou a única menina. 

— E justamente por estar confiante de que vai dar certo que vamos fazer — rebateu o nobre. Seu sangue estava estancado, ao menos por hora. — Descansem pelas próximas horas, e se alimentem. Vou precisar que vocês façam o trabalho sujo.

 

 

O sol ainda demoraria algum tempo até estar em seu ápice, o que dava bastante tempo para Katsushi refletir sobre uma infinidade de assuntos em sua mente. Para alguém muito autocentrado, uma olhada em seus pensamentos se mostraria chocante: de sua mãe querida a um aluno que havia acabado de aprovar, pessoas e mais pessoas rodavam cada canto de seu subconsciente em um furacão de comentários aleatórios.

Estava há quase 1 semana sem contato com o mundo exterior, apenas interagindo com os competidores, o que lhe deu tempo demais para perder em planos e mais planos.

— Nekoren não me entregou aqueles relatórios de missão, preciso cobrar ela quando terminar o exame. — Murmúrios cadenciados, como um monólogo intermitente, saiam de sua boca em velocidade assustadora. — Estou de saco cheio do Shiro e da Reiyo ganharem as missões mais legais e eu ficar servindo de segurança, mas isso é porque estou muito ”esquentado”, seja lá o que a Taeka quer dizer com isso. Será que a Seika tá bem? Ela estava de mau humor da última vez que escre…

A percepção súbita sobre estar falando da rainha de Caelio o fez se calar. Não era a primeira vez (também não seria a última) que o fluxo de pensamentos sorrateiramente inseria a belíssima Seika Kouta sem motivo algum em sua linha. Estava acostumado a ser daquele jeito com outras pessoas, mas a sua antiga novata era um caso especial.

Tinham uma relação bem longa, de fato. Por vezes, se perguntava o que a jovem rainha vira nele na época que entrou na Academia — fosse qual for o motivo, a dama de cabelos negros nunca mais deixou de atormentá-lo, mesmo quando ele se formou há 2 anos atrás. Seu escritório em Genten deveria ter centenas de cartas escritas por ela ao longo dos anos que se conheciam, sempre assinadas como “de sua admiradora, Seika”.

Os amigos do homem diziam que a paixão de Seika era explícita, o que Katsushi era esperto o suficiente para entender. Ainda assim, em momento algum ele soube ou quis retribuir aquelas emoções, de tão focado que estava na sua escalada ao topo da Longinus. Como um hareariano típico, a única maneira de não ser discriminado por sua nacionalidade era ser aquele no cume da montanha, acima de qualquer outro que se opusesse em seu caminho. Não havia espaço para futilidades como um relacionamento e suas muitas obrigações para com outra pessoa.

Sua eleição como comandante da Vanguarda do Céu na penúltima votação para os Generais o pegou de surpresa, embora relutasse a admitir isso por honra. Antes dedicado unicamente a colocar as mãos no título sócio-militar mais alto para alguém que não a Guardiã de Neith, o tigre sanguinário viu-se sem uma presa para perseguir pela primeira vez em muito tempo. Até cogitou buscar o cargo de Reiyo como braço direito de Taeka, mas desistiu ao perceber que a relação entre elas era pautada em algo muito além de poder. Algo semelhante com o que ele e Seika tinham.

A constante interação com o casal secreto da elite da Longinus ao longo do último ano teve um forte efeito nele. Foi por volta desse tempo que os pensamentos “estranhos” começaram a flutuar pela superfície da sua consciência, sempre de maneira abrupta e intensidade surreal. Em missões solo, sentado no seu cômodo particular no quartel da Vanguarda do Céu ou mesmo em sua enorme casa em Genten,  o silêncio estarrecedor que usava para pensar tornou-se seu inimigo pessoal. Viu-se saudoso de companhia, ainda que visse seus amigos com alguma frequência — o desejo de companhia, porém, cravava-se em seu peito com firmeza assustadora. 

Era quando chegava a esse ponto de frustração espontânea que a voz suave e doce de Seika repetia-se em sua mente. “Katsu, olha isso!”, “Katsu, senti sua falta”, “Katsu!” e…

— Foi-se um longo tempo, mas ela enfim capturou sua atenção — provocou Gabriel, com uma risada calorosa. — Ela adoraria saber que quer vê-la. Quer dizer, não só i…

— Gab, agora não.

O corte do humano foi seco, como a deidade esperou. Pelo longo tempo que estiveram juntos, sabia mais do que ninguém que Katsushi detestava falar sobre as próprias emoções. Restou ao arcanjo apenas suspirar pela teimosia irreparável de seu receptáculo, que se armou com seu sabre. A face de angústia deu lugar para a usual máscara de confiança absoluta, representada ali pelo sorriso debochado.

— Temos companhia — completou o rapaz, agora direcionando sua fala para os recém-chegados. — Vieram pra mais uma surra? Essa vai ser a última, hein.

Os três jovens que aparecerem no seu campo de visão mostravam-se determinados, impassíveis às suas palavras e com suas armas prontas para combate. O silêncio dos dois garotos permitiu Keiko ir na frente, avançando agressivamente contra ele.

— Com certeza vai ser a última! — Keiko preparou sua katana em pleno salto. — Porque agora nós vamos passar!

— Vem pra cima, garota leão!

O apelido que Katsushi deu à Shikiba era por sua ferocidade e atitude — ambos traços que ela fez questão de mostrar a ele ao envolver sua lâmina em aura amarela-brilhante. Pela terceira vez, aquela guerra brutal começaria com o embate entre a leoa audaciosa e o tigre impiedoso. Os dois colegas dela seguiram-na com cautela.

— Mordida Leonina!

Pede Paradisi.

O sabre de Torajin brilhou em carmesim, partindo de encontro ao fio da arma inimiga. O choque entre elas produziu vento forte que balançou as árvores ao redor, mas o militar a afastou com facilidade. Akashi e Zuko emendaram a investida de sua colega com seus próprios golpes, muito mais sincronizados do que da primeira vez que enfrentaram o homem.

“Ryoujin quem está conduzindo essa dança das espadas”, deduziu Katsushi no meio de mais um corte da Nóralltach. Não havia dúvidas, pelo perfil de guerreiro que tinha o príncipe, de que Akashi fora ordenado apenas a seguir seu ritmo e preencher as lacunas de cada sequência que fosse realizada. Keiko, também de volta ao combate, não divergia muito do padrão que percebera no garoto de cabelos verdes.

— Logo… — murmurou para si mesmo. — Só preciso pegar o maestro. Dens Tigris!

A mudança de postura pegou o trio desprevenido, dada a agilidade da técnica de Katsushi. O alvo do general, posicionado atrás de seus colegas, alternou para Gáe Buidhe, a Lança Amarela, na hora perfeita para segurar o impacto do corte de Torajin, o que permitiu Akashi partir para cima do inimigo com sua aura amarronzada mesclando-se à sua pele parda. 

Apicem Dei!

Scutum de Caelo!

A barreira de luz estilhaçou-se ao contato com a espada gigante de Kousho. Pelo praguejar que ouviu sair da boca suja do militar, o homem não esperava ter de lidar com uma ofensiva tão próxima assim — ao menos, não quando seu oponente era um jovem sem muita experiência em combate. Era hora de colocar suas cartas na mesa, fosse pela satisfação do combate ou para proteger seu orgulho como guerreiro.

Como ocorreu 1 dia atrás, a aura do general rugiu aos céus, empurrando Keiko e Akashi para longe do círculo que se formou ao seu redor. Os três competidores observaram os músculos dele se deformarem e crescerem, cada vez mais disformes, até o ponto da silhueta tornar-se irreconhecível em meio à densa nuvem de mana. Assemelharia-se a um verdadeiro monstro se não fossem as íris amareladas, cujo brilho refletia a astúcia somente mostrada por um humano.

Não mais viam também o sabre perolado: os punhos fechados, agora duas a três vezes maiores, exibiam as veias dele com grande nitidez através de sua pele, prontos para partir à violência. A encarada maldosa dele transmitiu um fortíssimo frio na espinha de cada um dos estudantes, que só puderam erguer suas armas e se preparar.

Katsushi agiu de acordo com a agressividade transmitida pelo seu novo visual. De potência crescente, os golpes desferidos com os punhos carmesins tiravam porções enormes de vitalidade deles — nem mesmo Keiko foi poupada de receber uma pancada poderosa no estômago, fazendo-a sentir o gosto férreo espalhar em sua boca e colocar-se de joelhos, sem ar. Assim como ela, Akashi lutava contra a tontura para não cair de vez após receber um gancho bem dado em seu queixo, tentando proteger sua colega.

No fim, Zuko quem sustentava a batalha, embora hematomas doloridos pelo corpo e o olho direito inchado mostrassem que era apenas uma questão de tempo até um golpe mais preciso de Katsushi o colocar numa situação semelhante à dos seus aliados. Nóralltach, com rachaduras espalhadas pelo metal, não seria capaz de bloquear muito mais ataques pesados jogados contra ela. 

— Admita a derrota, Alteza! — vociferou Katsushi, entre um soco e outro. — Desista, ou…

O general golpeou o centro de uma rachadura, o que quebrou a espada ao meio — Zuko viu-se de mãos vazias conforme as partes do objeto transmutaram em partículas negras. Nenhuma de suas outras armas conseguiu ser conjurada a tempo de impedir a outra mão de Torajin de se conectar com a lateral direita de seu corpo, jogando seu corpo contra uma árvore e derrubando-a no processo.

Talvez eu tenha que quebrar mais algumas das suas costelas! 

A risada maníaca e distante dele mal fora ouvida pelo príncipe, ocupado demais em manter-se consciente para escutar. Pela sensação dormente e gelada que permeava a região de seu pulmão, deveria ter uma hemorragia interna em curso. Tossiu uma porção de seu sangue antes de erguer-se em um salto, mão direita na nova espada, Beagalltach, e mão esquerda sobre a dolorosa ferida.

— Só isso que tem para me oferecer, general Torajin? — provocou Zuko, cujas íris azuis queimavam junto da chama interior dele. Sua franja no meio do rosto estava bagunçada e suja de sangue. — Nós já vencemos, só falta perceber isto.

O nobre acelerou contra o inimigo o mais rápido que conseguia. Katsushi sentiu-se afrontado pela sua nova caça reagir à imponência de seu acerto anterior com tamanho desprezo.

— Presas de Javali!

Ferrum Tigris!

Houve uma explosão pelo encontro da lâmina de aura escura, vindo num corte ascendente, com o punho de aura carmesim, de cima. O solo rachou sob os pés deles, e o rosnado feroz do homem, tal como uma fera ensandecida, encontrou o grito de coragem de Ryoujin. Lentamente, os joelhos de Zuko passaram a ceder — o sorriso confiante, digno de um Guardião de Diarmid, não. O avaliador salivou em ver sua presa lutar com tanta garra. “Será uma delícia esmagar esse orgulho!”, pensou.

Atrás do príncipe, Akashi conjurou uma esfera de luz que, como bem sabia o Guardião de Gabriel, seria usada em uma técnica de disparo à longa distância. Katsushi ergueu sua barreira mágica, rente ao corpo e em todos os pontos possíveis para o disparo de energia atingi-lo, pouco antes do garoto de cabelos esverdeados estender a palma, liberando o feixe contra ele. 

Porém, o fluxo de mana não fez qualquer curva ou desvio. Projetando sua trajetória em linha reta, a magia de luz perfurou pouco acima de onde ficava o coração de Zuko e, em seguida, parte do abdômen do militar. Ambas as vítimas do ataque perderam as forças para continuar a disputa alguns segundos depois, com o herdeiro de Bellato desmaiando de vez sem nem guardar sua espada. Katsushi não sentiu o ferimento tanto quanto ele, mas sua musculatura estava de volta ao normal quando Keiko se aproximou, aos tropeços, para oferecer os primeiros socorros ao colega.

— Zuko! Vencemos, Zuko! — chamou a loira, de olhos encharcados. As mãos dela estavam envoltas na aura amarelada. — Vamos, acorda aí, seu doido! Seu plano deu certo!

— Plano? — indagou Torajin, encostando a palma no ombro da garota. Estava transferindo mana para ela curar Zuko sem ser vítima da própria exaustão. 

— Sim, plano.

Akashi, também cambaleante, se juntou à conversa com um semblante preocupado. Com cuidado, limpou a face imunda de seu amigo, com cuidado para não fazer qualquer movimento brusco em sua pele — o respeito demonstrado por ele naquele gesto impressionou o comandante. Os orbes cinza-grafite de Kousho encontraram a inquisição silenciosa das íris dele, que compreendeu a pergunta anterior naquele instante.

— Zuko percebeu que a única falha na sua defesa eram os pontos que estavam “protegidos” por um de nós — explicou o garoto. — Resumindo, você estava tomando suas decisões com a certeza de que não iríamos nos atacar. Ele apostou nisso depois de nossa última tentativa.

Um tanto chocado pelo poder de observação do herdeiro de Bellato, o general refletiu sobre como a batalha havia transcorrido, ponto a ponto. Em retrospecto, sua cabeça de fato só ergueu barreiras onde considerava “pontos cegos”, ou seja, fora de seu olhar direto. De maneira alguma acreditou que, em algum momento, seu adversário priorizaria uma ofensiva frontal contra ele, quanto mais naquele estado caquético que estavam. Gostaria de ouvir da boca do garoto como diabos ele era tão insano para propor algo assim.

Porém, Zuko não acordaria tão cedo, como podia ver pela mana instável em seu corpo inerte. Tinha de aceitar que só teria a chance de perguntar, com muita sorte, na Academia de Palas. Afinal…

— Meus parabéns, todos estão dentro — afirmou, derrotado mas orgulhoso. — Peguem seu amigo e o levem ao posto que está um pouco mais à frente nos trilhos. Temos curandeiros esperando para resolver os ferimentos enquanto o próximo trem para a cidade não chega. 

— Claro! — responderam em uníssono os outros dois.

Passaram os braços do príncipe por cima do ombro de cada um deles, partindo em passos rápidos para além da ponte. Akashi soltou o ar que prendera sem perceber quando, finalmente, pisaram na ponte de magietras para o leste. Um soluço bem alto atraiu a atenção dele, cuja fonte era a garota loira de olhos prateados ao seu lado. Antes que ele tivesse a chance de questionar, ela ergueu o braço livre para enxugar as lágrimas.

— R-Relaxa! Eu s-só fiquei com muito medo… 

— Não foi à toa, senhorita Shikiba! Só fiquei preocupado.

— Nós devemos muito ao Zuko. Ele é demais! — riu ela.

Kousho tornou-se repentinamente consciente da beleza dela quando sorridente. Estavam em trapos, com as roupas sujas e cabelos desgrenhados, mas ela ainda continuava muito bela com aqueles olhos prateados.

— S-Sim. Ele só precisa acordar primeiro para agradecermos!

— Ele merece esse descanso mesmo! 

— Eu escuto vocês. 

O murmúrio de um Ryoujin de bochechas ultra vermelhas restabeleceu o ânimo deles, que passaram a provocá-lo sem piedade. Apesar das respostas rudes e um tanto debochadas, havia um resquício, um mero esboço de sorriso no canto de seu rosto machucado. Pela primeira vez em muito tempo, sua cicatriz do pescoço não coçou após uma batalha, e torceu que assim continuasse.

 

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