Fios do Destino Brasileira

Autor(a): PMB


Volume 1

Capítulo 19: O peso da expectativa

26 de Janeiro de 4818 - Continente de Origoras, Reino de Yggdrasil, Estrada entre Dracone e Dragetenner

 

— A gente vai mesmo conseguir chegar inteiros? — reclamou Haruhi, abanando seu rosto. — Que calor infernal!

— Não sei onde tão sentindo essa temperatura toda.

— Claro, Heishi, você não sente porque o ar ao seu redor sempre tá frio! — retrucou a loira.

O sol quente de pleno verão era impiedoso com os jovens sob ele expostos. Mesmo dentro da larga e ventilada carruagem, os cinco alunos da Academia Real de Dracone buscavam formas de suportar o calor de meio de tarde, impiedoso com suas vítimas.

Quer dizer, deveriam estar tentando, visto que só Haruhi parecia enfrentar esse problema. Cada um à sua maneira, os colegas da Guardiã da Medusa esquivavam-se da sensação intensa do ar seco com suas habilidades, enquanto ela só podia usar as serpentes de seu cabelo para  abanar-se com vários leques.

— Fala sério, nenhum de vocês se compadece do desconforto que tô passando aqui, não?

— Bem, a maioria aqui tem imunidade ao calor, então acho que nenhum te entende de verdade, Haru — ponderou Tatsuyu, sem graça. — Devemos chegar em umas 3 horas à cidade. Lá vai estar melhor, com certeza.

— Obrigado, senhor óbvio, como eu não percebi que nenhum de vocês sente o bafo do inferno? — debochou a loira, virando para  a parte da frente do veículo. — Mestra Jishima! Por favor, me fala que não tô maluca de estar pingando de suor!

Suika, sentada em um banco mais distante deles no transporte, gargalhou com o choro desesperado de sua discípula, embora estivesse passando pelo mesmo sufoco que ela. Foi indicada pelo rei para acompanhar o quinteto de alunos em seu longo trajeto até Dragetenner, a Cidade-Ponte de Yggdrasil, e divertia-se com as experiências da primeira viagem longa dos plebeus.

Como bem explicara a eles antes de partirem,  todos os reinos de Origoras possuíam uma cidade semelhante, com função principal de conectar o continente à ilha de Palas, onde se localizava a grande cidade-estado de mesmo nome. Não por coincidência, era onde também a sede da Longinus estava estrategicamente posicionada, no ponto central de Ouras.

— Espero que mantenham esse entusiasmo nos próximos dias também — comentou a morena, com os cabelos presos em suas habituais maria-chiquinhas. — Vão precisar de bastante energia para aguentar a prova.

— Você até agora não comentou sobre isso com a gente, mestra! — Heishi interferiu, levantando-se de seu assento. — Nem sabemos como vai ser a prova!

— Oh, não? Acho que estou ficando velha para não lembrar desse detalhe… — O comentário não teve tanta graça quanto ela esperava. Ocultou a vergonha com um pigarreio. — Brincadeirinha. Bem, o que sei é que teremos uma sessão de combate. Só.

— Poxa, tia Sui… Mãe, você sabe mais que isso, vai!

Shuyu quem entrou na conversa, totalmente indignado com o mistério que sua responsável fez sobre o tema. Estava em silêncio há um longo tempo, por uma razão que seus colegas não conseguiam compreender — sua expressão também não permitia espiarem o que se passava por trás das orbes esverdeadas. A mulher que os guiava, por outro lado, era capaz de deduzir o motivo: ansiedade, pura e simplesmente.

Enquanto compreendia o sentimento, dada as expectativas de Shihan sobre o garoto, era bem mais do que estava acostumada a vê-lo cobrar a si mesmo. Acompanhou-o por tempo suficiente para perceber a sutil diferença entre esta e as demais vezes. Não podia dizer que não estava curiosa para descobrir a fonte desse estado de antecipação intensa.

— O que posso contar é sobre o que aguarda vocês depois de todo esse esforço. Serve?

— Sim, por favor! — Haruhi e Ayame gritaram em conjunto, os olhos brilhando.

— Certo, certo! — A mulher limpou a garganta antes de continuar. — Como já devem saber, Palas é uma cidade enorme.

“Mesmo se você descontar os soldados da Longinus e os alunos, ainda são quase 8 milhões de pessoas na ilha inteira. Ah, e é tudo cidade, com as coisas modernas que vêm de Sophis, tipo elevadores e prédios enormes. Tem sim casas mais simples, mas elas estão mais nas periferias.

“Agora, pra parte que vocês querem saber — os dormitórios. São… 500? Isso, 500 torres, todas com dez andares! Elas formam uma muralha ao redor do resto da Academia de Palas, e no centro de tudo isso tem a Olympia, a torre mais alta já feita. Ela deve ter uns 30 andares, coisa pra caramba! A área da Academia é quase uma cidade, tem refeitórios, piscinas, quadras de esporte e muitas outras coisas disponíveis para todos os moradores.”

— Ok, a gente pode sonhar isso depois. O que é “Lua do Dragão”? — perguntou Tatsuyu.

Heishi deu-lhe uma encarada debochada, o que fez o garoto revirar os olhos. “Lá vai ele se exibir de novo…”, denotou enquanto o outro moreno aprumava-se, sorriso confiante e olhos bem abertos.

— Qual é, meu querido Tatsu? Você não prestou atenção nas aulas de geografia?

— Prestei, só não lembro — retrucou. — Também não fiz um intensivo só porque a garota que eu queria ficar tinha dificuldade com a matéria.

— Ligeiro como sempre — riu Heishi, abaixando seu nível de sarcasmo. — As Luas são as ilhas artificiais da Longinus, que ficam entre um reino e Palas. Têm 8 delas, e ficam na mesma distância do continente e da ilha central.

— Quem as construiu foram uma dupla de antigos Guardiões de Gaia e Behemoth. — complementou Shuyu, já de olho na próxima dúvida do amigo. — Elas são bases militares, mas a Longinus consegue manusear o terreno da ilha pra fazerem outras coisas.

Tatsuyu murmurou um “obrigado” aos garotos antes de bocejar bem alto. Estava tão ansioso para a viagem que não havia dormido na noite anterior, e só agora o sono o atingiu com força. Suas pálpebras pareciam pesar uma tonelada inteira, forçando-o a fechar os olhos.

Cambaleante, sua cabeça eventualmente caiu sobre o ombro de Haruhi, cuja atenção estava na conversa que tinha com Ayame. Ao contrário do que esperavam, a loira ajustou seu corpo para mantê-lo bem apoiado e estável mesmo com o balanço da carruagem — o ar gentil de sua expressão comunicava muito mais do que ela imaginava sobre os sentimentos florescendo em seu peito.

Sentimentos estes que não passariam despercebidos das provocações dos demais, dezenas de vezes mais espertos que o garoto de olhos rubi adormecido em seus braços.

— Oh, então era sobre ele que você estava me pedindo conselhos, Haru? — brincou Suika, colocando a mão sobre a boca para conter o barulho. 

— Ela é assim com o Tatsu desde que conheci eles, mestra. Mas claro, só com ele. — Heishi não poupou-a de seus comentários maliciosos.

O rosto da garota já estava vermelho — fosse de raiva ou de vergonha, não sabiam dizer. O sol de verão tinha inveja da coloração de Seishi naquele ponto, tão quente quanto o ar escaldante do lado de fora, se não mais. Era tão claro assim que estava caidinha, completamente enfeitiçada por Tatsuyu? Ela não sabia dizer.

Em meio às repetitivas cutucadas dos demais, a única que parecia compreender seus sentimentos era Ayame, cujo silêncio inesperado chamou a atenção de Haruhi. Seguindo os olhos castanhos dela, percebeu que a Guardiã de Eolo fitava as costas de Shuyu intensamente, tão hipnotizada quanto ela mesma.

— Não é só você que tem uma paixonite, Haruzinha — apontou a voz feminina dentro de seus pensamentos. 

— Não enche, Medu! — rosnou a loira, embora só sua deidade pudesse escutar. — Eu não escolhi gostar desse idiota!

— Pois é, nem ela escolheu gostar de um rapaz destinado a uma vida política. Pelo menos nisso você deu sorte. — Tanto a górgona quanto as cobras de seu cabelo se eriçaram. — Por enquanto. Tatsu não vai ficar solteiro para sempre.

— E-Eu sei disso! Mas…

As íris esmeraldinas contemplaram o rosto adormecido de seu amado, em transe. Lembranças de tudo que viveram desde que se conheceram inundaram seu coração, sufocando-o em um mar de emoções desconexas e intensas. Por que era tão difícil dizer para ele o que sentia?

— Um dia, irá se arrepender de ter ficado parada, Haruhi.

A conexão mental com Medusa foi encerrada, deixando-a mais uma vez à mercê da sensação inebriante de ter Tatsuyu apoiado sobre ela. Não acordar o garoto era sua prioridade por enquanto — Heishi poderia esperar para ter o que merecia.

A caravana de Dracone chegou ao seu destino junto do cair da noite, quando as primeiras estrelas iluminaram o céu de Yggdrasil. Com a ajuda de alguns serviçais, logo estavam acomodados em um hotel próximo à área do exame do dia seguinte. 

Poder ver a entrada da ponte da janela do quarto era, simultaneamente, empolgante e amedrontador para Tatsuyu. Nem se lembrava de quando dormiu no meio da viagem, mas acordou pouco mais de meia hora antes de chegarem — Haruhi havia caído no sono em algum ponto também, apoiada sobre ele. Pela expressão no rosto de Shuyu, o único acordado e lendo naquele momento, algo bem divertido havia acontecido.

Seguiram religiosamente as ordens de Suika: comer, meditar em grupo e então partirem para os quartos — as meninas junto com a professora e os meninos em outro à parte. Deitados cada um em uma cama, logo perceberam que o sono não chegaria tão cedo quanto gostariam. Heishi levantou-se em um salto, jogando os punhos para cima.

— Cara, não consigo dormir nessa merda. — O moreno sentia-se livre para ser informal. — Eu tava lidando bem com a ansiedade mas agora tá foda. É como se eu tivesse tomado um litro de café.

— Não é só você. Passei o dia inteiro em paz e não consigo nem ficar parado sem sentir minha perna tremer — confessou Shuyu, suspirando. — Acho que só dá pra esperar.

— Vamos falar então sobre a gente, então! Você começa, Tatsu!

— E-Eu?

— Você mesmo! — reforçou Heishi, com o dedo na direção dele. — Você gosta da Haru?

— Que pergunta é essa, mano?

O rosto de Tatsuyu expressou seu claro desconforto com a ideia sugestiva de seu amigo. Não é que não gostasse de sua melhor amiga, mas tinha certeza de que existia uma diferença entre o que ele implicava e o que sentia realmente. Explicar para ele estes pormenores, contudo, apenas o empolgaria mais — optou pelo caminho mais simples.

— Não sei… acho. 

— Qual é, que sem graça! — exclamou o garoto de gelo. Shuyu seria então sua próxima vítima. — E você, Shu, gosta da gatinha da Ayame?

— Não que isso venha ao caso, mas ela com certeza vomitaria de ouvir você dizer isso — constatou o príncipe. — E não, eu não gosto da Ayame.

A segurança com a qual Mizuchiko falou sua afirmação deixou Tatsuyu admirado. Invejou, por um instante, a autoconfiança do rapaz para não sentir o mínimo de hesitação em expor sua verdade. Receber uma resposta negativa também afetou Heishi de alguma forma, visto o seu olhar descrente. 

— Sério? Não daria nem um beijinho? Um amasso? 

— Claro que não. Ela é minha melhor amiga e apenas isso.

— Não sei como você não cede à tentação — suspirou Reiketsu, cruzando os braços. — Olha que eu acho ela uma chata despeitada, mas não se nega uma beleza rara dessa. Aquele cabelo azul é muito atraente.

— De novo, ela vomitaria de escutar isso de você e com razão — repreendeu o príncipe, polido como sempre. — Até eu senti nojo, Heishi. Essa é a sua pior parte, sem dúvidas.

— Apreciar mulheres é um problema? — devolveu o acusado. — Não sei se gostamos da mesma coisa.

— Admirar uma moça não é tratá-la como um prêmio. — O tom de voz de Shuyu não deu espaço para piadinhas. — Você está falando da minha melhor amiga como um pedaço de carne, sem nem perceber. Jamais vou concordar com isso

— Tá, tá, vamos mudar de assunto então.

Podia não ser claro para o nobre, porém Tatsuyu percebeu o constrangimento pelas pontas avermelhadas das orelhas dele. Nunca havia visto o amigo se dobrar para outra pessoa que não Haruhi, o que foi uma grata surpresa — talvez houvesse esperança para ajustar o problemático Heishi.

Shuyu resolveu assumir as rédeas da conversa, para que não tivessem mais uma pergunta inconveniente como aquela. Seus olhos verdes encaram Tatsuyu com simpatia, preparados para atenuar o clima estranho com seu manejo político nato.

— Muito bem, minha vez então. Vejamos… — O príncipe pensou um pouco. — o que planejam fazer na Academia? E depois dela, também.

— Eu quero ser mais forte pra ganhar muita grana e ser famoso! — respondeu Heishi, sem hesitar. — Ah, e aposentar meu pai do trabalho de artesão. O velho merece um descanso.

— Meu único desejo é entender o que aconteceu com a minha família — admitiu Tatsuyu enquanto olhava para o céu noturno. — Depois disso, não faço a menor ideia.

— Não tem nada que você goste de fazer? — insistiu Shuyu.

O Guardião de Hefesto, com suas íris rubi, refletiu sobre a pergunta. Se viver um dia de cada vez era complicado o suficiente para ele, imaginar dez anos no futuro era praticamente impossível — até descobrir a identidade do homem que tudo lhe tirou, nem mesmo tinha um plano para o ano de 4818.

Estudar, trabalhar, casar, ter filhos… Nenhuma destas coisas sequer passou em sua cabeça em algum momento da vida. Haruhi muitas vezes tentou colocar juízo e fazer ele dar mais valor ao caminho que tinha pela frente. Tentativas falhas, como podiam perceber.

— Gosto de olhar paisagens. Principalmente com flores e plantas — ponderou, por fim. — Acho que eu gostaria de viajar o mundo em busca da vista perfeita.

— Eu também gosto muito de flores! Principalmente girassó…

A empolgação do príncipe não sobreviveu a meio segundo exposta ao mundo, sendo contida num piscar de olhos. A dupla de plebeus notou a estranheza e trocou olhares, como se conversassem telepaticamente sobre o que acabaram de presenciar. Shuyu observou a interação silenciosa com o coração apertado.

Concordaram em alguma coisa que ele não fazia a mínima ideia do que poderia ser e voltaram sua atenção ao príncipe. “Se a Yoko souber, tô fudido”, pensou.

— Não imaginei que queria ser jardineiro, Shuyu — disse Tatsuyu, neutro.

— É, que coisa exótica. Mas a gente te apoia, viu?

A cara séria que fizeram  deixou o príncipe confuso entre sentir alívio ou preocupação de saber que realizaria o exame junto deles dentro das próximas doze horas.

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