Volume 1
Capítulo 16.1: Dois tronos, um coração
10 de Dezembro de 4817 - Continente de Origoras, Reino de Yggdrasil, Academia Real de Dracone
Shihan atravessou o corredor em sussurros baixos e incompreensíveis. Repassava sua lista mental de afazeres, tão lotada que provavelmente não poderia resolver tudo em apenas um dia. Poderia ter repassado algumas de suas demandas para Suika ou mesmo Keishi, mas seu orgulho falou mais alto e relutou até o fim.
Agora, estava nesta situação extremamente desagradável de nem mesmo poder pensar em descansar. O desconforto era grande ao ponto que considerou seriamente em cancelar o treino da manhã para ter o mínimo de tempo para si mesmo.
— Se continuar assim, os vinte e seis anos como Abençoado não vão ter mudado nada… — suspirou por fim, esfregando os olhos cansados. Não tinha como fugir de sua tarefa atual — Bom di…
— Feliz aniversário, mestre! — comemorou o trio de jovens, em uníssono.
— Feliz aniversário, Vossa Majestade — uma outra garota curvou-se para ele.
A expressão de Mizuchiko não poderia ser outra que não de grata surpresa. “Então, já é essa época do ano?”, perguntou para si mesmo enquanto seus pupilos se aproximavam dele; sua noção de tempo certamente estava deteriorada pelo cansaço de suas responsabilidades.
Heishi foi quem tomou a frente do grupo, oferecendo um cordial aperto de mão ao rei. De sorriso largo e expressão empolgada, o garoto não tardou nos cumprimentos.
— Queria agradecer em nome de nós três pelos treinamentos e pela hospitalidade — disse o moreno, ajoelhando-se junto de seus amigos. — É uma honra ser discípulo de Vossa Majestade.
— Faço das palavras dele as minhas, Majestade. — Ayame fingiu que não viu o sorriso presunçoso de Heishi ao dar valor às palavras dele. — Agradeço por estar mais um ano sob vossa proteção.
— Fico muitíssimo contente de ver a evolução de todos — encarou-os, um a um, com atenção — principalmente como pessoas.
Os olhos esmeraldinos de Shihan recaíram por fim em Tatsuyu, ainda de cabeça baixa. O Guardião de Hefesto meneou a cabeça timidamente, em uma conversa silenciosa com seu professor, antes do rei direcionar-lhe uma expressão satisfeita. O rapaz torceu para que nenhum dos outros presentes tivesse notado essa breve interação.
Com três palmas altas, o governante ordenou que voltassem ao trabalho duro, ordem essa que o grupo de jovens acatou de prontidão. Não que pudessem descansar, com o exame de entrada da Longinus estando a pouco mais de um mês de distância. O tempo para melhora era curto, e as possibilidades quase infinitas.
— Aya, você viu o Shuyu? Ele não falou nada de atrasar.
A pergunta de Haruhi, que se alongava junto da Guardiã de Eolo, foi deveras pertinente aos ouvidos dela. O príncipe deveria ter chegado, visto que os treinos começavam logo após o café da manhã, mas nem para o desjejum ele havia aparecido. Conhecendo também a personalidade do rei Shihan, a falta de comentários sobre o “atraso” do herdeiro implicaria que estava ocupado com algo.
Ayame continuou o ciclo intermitente de elaborar possibilidades e debatê-las por cerca de quatro horas. Tempo suficiente para, enfim, Shuyu passar pela porta da sala de treinamento, os cabelos desarrumados como sempre ela gostou — o suor escorrendo pela lateral de seu rosto empolgado e molhando suas vestes indicava que ele definitivamente esteve ocupado.
— Oh, finalmente, meu filho! — saudou Shihan. — Disse que ia atrasar, mas está quase no horário de almoço!
— Peço desculpas, pai! — A euforia ainda tomava conta do corpo do príncipe. — Mas finalmente consegui o que queria. O senhor hoje ficará em repouso, merecidamente.
— Como assim? Eu tenho uma série enorme de coisas a fazer, Shuyu! Perdeu o juízo?
Mesmo o tom de reprovação do rei não foi capaz de tirar a energia do herdeiro. Shuyu controlava-se para manter o decoro perto de seu progenitor, embora soubesse que não era necessário tal comportamento.
— De forma alguma, pai — garantiu o garoto, caminhando para o vestiário. Tinha de tirar aquelas roupas molhadas. — Eu farei tudo no seu lugar, inclusive supervisionar todos aqui. Vá tomar um banho, Suika está te esperando.
— Filho, as coisas não são simples, sabe disso.
— Claro que sei. Por isso passei a manhã inteira me deslocando de um ponto a outro da cidade para adiantar cada reunião. — Shihan não acreditou que seu filho tivesse feito tudo isso por suas costas. — Após o almoço, tenho uma reunião com a família éldica que veio oferecer uma parceria e…
A maneira que Shuyu falava com tamanha objetividade dos assuntos era assustadora. O rei duvidou que aquele fosse seu despreocupado menino — como teria resolvido mais rápido que ele discussões tão complexas? Seja lá como fosse, o governante havia sido deixado para trás.
— Enfim, isso tudo não importa. O senhor pode ir para o quarto, como eu disse — terminou o príncipe. — Deixa eu dar para o senhor este presente, pai.
Nidhogg não estar na cabeça de Shihan, em momentos como aquele, fazia falta a ele. O Dragão diria algo como “O moleque te pegou de calça curta!”, com certeza. Deu-se por vencido aos argumentos do primogênito, sorrindo para seus alunos.
— Certo, cumprirei o pedido do pequeno príncipe aqui — anunciou, afagando os cachos arroxeados de Shuyu. — Vejo todos mais tarde para a comemoração.
— Sim, senhor!
Com uma saudação militar, o rei deixou o cômodo. Só então que Shuyu permitiu-se cair de joelhos, sendo prontamente socorrido por Ayame. O cansaço era nítido em suas íris esmeralda, ainda que ofuscado pelo brilho de conquistar algo que queria ter feito há muitos anos.
— Como foi difícil manter a pose… — reclamou o rapaz, massageando os ombros. — Agora entendo o porquê dele sempre estar tão exausto.
— Shuyu, como fez isso? — Haruhi foi a primeira a se aproximar. — O impenetrável Shihan Mizuchiko cedendo? Você é incrível!
— Estive planejando isso desde que recebi Nidhogg. — Pegou a toalha rosada oferecida por Ayame, agradecendo em seguida. — Eu e a tia Suika combinamos tudo na semana seguinte à chegada de vocês.
— Ainda assim é incrível, Shu!
Foi a vez da Guardiã de Eolo elogiá-lo enquanto segurava suas mãos, um leve rubor preenchendo as bochechas dela. Shuyu não o percebeu, diferentemente dos demais — estava cego com o próprio sucesso, eufórico como nunca o tinham visto antes. Para alguém cujo ritmo costumava ser lento, vê-lo vibrante daquela maneira era intrigante.
O Guardião de Nidhogg contou um pouco mais de sua agitada manhã ao círculo de amigos, tudo enquanto aqueciam-se e treinavam sob suas ordens. Escutaram como ele havia negociado os direitos de um conjunto de minas próximo à Cordilheira dos Titãs, ao leste de Yggdrasil, sobre o grande carregamento de fogos de artifício vindos de Genten, a reunião com os conselheiros sobre a ineficiência burocrática dos registros empresariais…
As informações eram de um espectro tão amplo de temas que só ali os amigos de Shuyu notaram o quão distinta era a criação do príncipe, versado em tópicos desde economia à legislatura. Uma face completamente destoante de sua cotidiana simpatia e fala simples, esta que ele jurava ser sua face normal.
— Tá, chega de papo, falei demais. — Tal como o pai, Shuyu deu duas palmas antes de prosseguir. — Deem cinquenta voltas na Academia Real, hoje é o dia de treino de velocidade. Quem terminar por último vai fazer mais vinte!
— O quê? — berraram seus colegas, descrentes. Ele apenas sorriu.
— Não vou repetir. Está valendo já!
Ayame saiu em disparada na frente, seguida de Haruhi e Heishi, respectivamente. Para a sorte do príncipe, Tatsuyu demorou algum tempo para captar a ordem, o que permitiu o nobre lembrar de um detalhe importante que não havia comentado. Com um puxão na gola do uniforme do outro garoto, Shuyu atraiu o olhar confuso dele.
— Teve outra coisa que não posso falar sem ser com você. Me encontre antes da festa do meu pai no jardim sul — indicou aos sussurros. — Peça ajuda à tia Suika qualquer coisa.
Mesmo perdido, o tom sério de Shuyu fez o Guardião de Hefesto confiar nele sem questionamentos. Com um aceno de cabeça, Tatsuyu partiu atrás dos amigos, percebendo que foi um erro ter demorado tanto. Estava à beira das lágrimas com a ideia de ser o último a completar o treinamento.
— Esperem, eu não quero correr setenta voltas!
A lua crescente iluminava o céu estrelado de Dracone. Seguindo as orientações de Suika, como o príncipe havia dito, Tatsuyu caminhava a passos largos pelo trajeto de pedra dos jardins floridos. A primavera dava seus primeiros sinais de despedida para ceder seu lugar ao verão.
Se o castelo estava repleto de ar quente, o vento fresco dos jardins remexia os cabelos negros do jovem plebeu, lambendo as laterais de sua face — conseguiu entender um pouco do porquê Shuyu gostar tanto de estar próximo das plantas. “Acho que a Haru gostaria de uma dessas…”, pensou enquanto a beleza das flores em seu máximo desabrochar era captada por seus olhos rubi.
Tinha de deixar tais ideias fúteis para mais tarde. Em pé próximo aos campos de girassóis logo à frente, pôde ver a silhueta alta e parruda do príncipe de Yggdrasil, segurando em sua mão direita uma das flores amarelas. O olhar dele não parecia focar para nenhum ponto em específico — era como se estivesse em transe, hipnotizado por uma imagem distante.
Tatsuyu pigarreou alto para chamar a atenção dele, que guardou a flor em seu bolso com bastante pressa.
— A-Ah, é só você, Tatsu… achei que fosse meu pai ou algum dos jardineiros! — A justificativa intrigou o jovem. O que o rei Shihan acharia de ruim em Shuyu estar com um girassol nas mãos? — Que susto!
— Desculpa, força do hábito ficar em silêncio quando estou sozinho. — Tatsuyu sorriu amarelo para ele.
— Tudo bem. Enfim, vamos para o que interessa, não quero te enrolar muito.
Do bolso da jaqueta de couro negra, Shuyu tirou uma fotografia, estendendo-a ao seu colega em seguida. Sem entender, Tatsuyu pegou a foto e colocou-a sob o brilho noturno, atitude da qual logo se arrependeu.
Sentiu o medo enrijecer seus membros, congelados como se tivessem sido expostos ao inverno mais rigoroso de Bliz. A ânsia de vômito atingiu o fundo de sua garganta ao encarar os dentes brancos e pontiagudos da pessoa na imagem. Vermelhos como sangue, as íris dele, mesmo no papel, ainda fizeram calafrios intensos atingirem o corpo do Guardião de Hefesto — ele os reconhecia bem até demais. Sua mão amassou a foto por reflexo.
— C-Como… — gaguejou ele, abalado. — Q-Quem…?
A reação dele confirmou as suspeitas do príncipe. Os olhos verdes de Shuyu o encaram com um misto de compaixão, pena e compreensão silenciosa. Puxando de volta a flor de seu bolso, rodopiou-a nos dedos enquanto divagava em voz alta.
— Kyomei Mouhan. Criminoso de alto nível, nascido em Orbisla procurado há mais de 10 anos — relatou o nobre, como quem lia uma ficha. — Seu principal crime foi o genocídio sem razão de uma vila em Éden, em que ninguém sobreviveu.
Shuyu aproximou-se dele.
— Pelo visto, quase ninguém.
— C-Como você soube de tudo isso?
A pergunta engasgada de Tatsuyu expressava seu choque com a sagacidade do príncipe. Agora, as pupilas dele estavam finas como as de um réptil, semelhante às de Koushi na batalha de um mês atrás — analisavam cada centímetro, cada músculo do rosto do plebeu com uma atenção assustadora.
— Heishi e Haruhi me contaram um pouco sobre o seu passado logo que se mudaram ao castelo. — Antes que pudesse praguejar contra eles, o príncipe o calou com um gesto de mão. — Foi uma ordem do meu pai. Ele queria ter certeza de que não haviam inventado uma mentira entre vocês, e eu cumpri as ordens dele.
Ao mesmo tempo que isso o chateou, Tatsuyu entendeu o motivo da inspeção. Do ponto de vista da família real, todo cuidado era definitivamente pouco, ainda mais com aqueles que frequentavam o castelo.
Contudo, a profundidade das informações que Shuyu coletou era muito além do que contou para seus amigos de infância. Sua dúvida foi percebida pela rápida intuição do outro menino, que voltou à sua pose simpática. Suas pupilas também assumiram sua forma comum, diminuindo um pouco o sentimento de opressão por parte do nobre.
— Eu fiquei curioso sobre o que escutei. Assim como meu pai, assumi coisas sobre você, e quis provar que eu estava errado em pensar assim — confessou Shuyu, desconcertado. — Pedi então ajuda para a Suika para pesquisar junto comigo e provar sua inocência completa.
— Até a mestra Jishima está envolvida nisso? — suspirou Tatsuyu.
— Tudo que eu sabia sobre você era sua idade, que era o Guardião de Hefesto, que morou na residência de um Guardião aposentado por algum tempo e depois foi encontrado pelos dois. Eu tinha que começar de algum lugar.
— E como você chegou na minha vila?
Uma vez passado o choque inicial, o plebeu expressava genuíno interesse no assunto. Uma maçã não cai muito longe do pé, como diria o ditado popular, e Shuyu não era diferente — de nariz empinado e pose triunfal, passou a explicar sua “incrível linha de raciocínio”.
— Tracei paralelos entre as datas. Vi quando morreu o Guardião de Hefesto anterior, já que ele é uma deidade livre, onde morou o seu antigo protetor, o seu primeiro registro como Abençoado… — listou o príncipe, para a surpresa dele. Havia ido bem longe. — Foi difícil, mas cheguei na aposta de que pertencia ao vilarejo destruído. E você não foi o único, descobri que Ayame também é de lá.
— É por isso que ela ficou quieta um dia desses. Achei que tinha sido mau-humor pelo Heishi ou sei lá.
— Não, foi eu ter contado para ela. Ativei gatilhos que não deveria — justificou, mordendo os lábios de frustração — mas a verdade não pode ser escondida. Por isso que decidi contar a vocês.
Era uma quantidade assustadora de novidades para processar em tão pouco tempo. A capacidade dedutiva da mãe e filho impressionou profundamente o moreno, que agora se encontrava estático — pouquíssima informação havia sido fornecida a eles para encontrarem um resultado, e este ainda foi muito preciso. Somente repensando toda conversa até então que um detalhe retornou à sua mente.
— Espera… Você disse “criminoso procurado”?
— Isso mesmo. Kyoumei Mouhan nunca foi capturado, nem uma única vez — confirmou o príncipe no mesmo instante. — O que sabemos sobre ele vem de outros criminosos de alta classe que serviram em alguma missão em que ele estava envolvido.
Em segundos, Shuyu sentiu como se a aura avermelhada de Tatsuyu fosse incendiar toda a natureza ao redor deles, tamanha era sua intensidade e calor. As íris rubi estavam preenchidas por um sentimento que Shuyu, acostumado à bondade natural dele, estava crente que seu colega não era capaz de sentir.
Ódio. Um ódio visceral, violento, incontrolável — a própria face de quem era capaz de cruzar o inferno e ainda ser incapaz de dissipar aquela emoção tão avassaladora em seu peito. Era como uma bomba de memórias, pronta para detonar qualquer decisão racional que pudesse ser tomada. Pela primeira vez desde que conhecera Tatsuyu, Mizuchiko teve dúvidas se seria capaz de enfrentá-lo para impedir o garoto de agir impulsivamente.
— Me deixa ficar com a foto. — Não era um pedido, mas sim uma ordem. — Eu preciso olhar para ela todos os dias.
— Isso não vai te fazer bem, Tatsuyu — negou Shuyu, prontamente. — Você deve saber melhor que ninguém.
— Ele quem… Ele quem matou meus pais! — O príncipe não fraquejou. — Faz quase dez anos que eu vejo esse rosto todo dia… Eu preciso dessa foto! Me dá a porra da foto, Shuyu!
O moreno tentou roubar a imagem das mãos do nobre, que não deixou. A face do Guardião de Hefesto estava transformada pela sua obsessão, deixando-o completa e absurdamente aterrorizante; sua aura estava esquentando o ar ao seu redor em um ritmo descontrolado. Mesmo Shuyu, abençoado com uma pele mais resistente ao calor, estava sentindo as labaredas da aura.
— Não, Tatsuyu! — Shuyu afastou seu amigo com um empurrão em seu rosto. — Me escute, por favor! Esse ódio não pode ser parte de você.
— Pra quem sempre teve tudo, deve ser fácil mesmo dizer!
As palavras venenosas escorregaram pela ponta da língua do garoto, que logo se calou ao perceber o que havia dito. Suas íris rubi encararam o rosto do príncipe com extremo remorso, ao passo que ele recuperou parcialmente seus sentidos.
A dor das queimaduras que surgiram em sua pele por perder o controle começaram a arder assim que sua agressividade foi contida. Suas pernas perderam a força e seus movimentos ficaram pesados, mas ainda teve força para colocar sua mão sobre a cicatriz presente no ombro direito.
— O quê diabos eu tô dizendo…? — sussurrou, balançando de leve a cabeça. — Você vem me dar a pista que eu mais queria há tanto tempo e eu aqui quase te matando. Eu sou ridículo.
— Eu estava pronto para revidar, só para constar — brincou Shuyu, com um tapa no ombro dele. — Piadas à parte, eu não te julgo por reagir como reagiu, Tatsuyu. Eu também não saberia o que fazer no seu lugar.
A mana do Guardião de Hefesto estava de volta ao fluxo normal. Sentado ao chão, Fukushu encarou novamente a escuridão da noite em toda sua melancolia. Shuyu o acompanhou em um ato de camaradagem, admirando o brilho fraco das estrelas no céu.
Passaram alguns minutos em puro silêncio, sem nem cruzarem os olhares. Quando a vergonha pela sua reação passou, Tatsuyu levantou a cabeça — ao mesmo tempo que o príncipe, para seu azar.
— Pode falar primeiro — sinalizou o nobre.
— Não, não, você primeiro!
— Tá… — Shuyu coçou a nuca. — Desculpa por não ter sido mais cauteloso.
— Eu que peço desculpas por falar da sua vida — respondeu, baixando a cabeça novamente. — Você só estava tentando me ajudar.
— Acho melhor só esquecermos isso — propôs o príncipe. — Fechado?
— Uhum.
Apertaram as mãos respeitosamente. Shuyu ponderou se deveria ou não dizer sobre aquilo. Talvez fosse o justo, visto que inspecionou a vida inteira do colega sem permissão. Mesmo em uma posição de poder, não queria ser visto com desconfiança por quem gostaria de chamar de amigo dali para frente.
— Tem mais uma coisa que preciso contar.
— O quê?
Tatsuyu desviou o olhar dos pontos brancos no céu direto para os olhos esmeraldinos do príncipe. “É bem mais difícil do que pensei”, amaldiçoou o herdeiro em sua mente, já arrependido de ter tomado a iniciativa.
— Eu… A princesa Kan’uchi e eu estamos namorando.
— Oh, legal! Faz quanto tempo?
A ausência de qualquer surpresa ou comentário adicional na resposta do rapaz fez Shuyu imaginar se ele sequer sabia de quem estavam falando. Numa tentativa nem um pouco sutil de fazê-lo expressar alguma emoção adequada, ao menos aos seus olhos, o príncipe se aproximou.
— Você sabe o histórico dos Kan’uchi com Yggdrasil, não sabe?
— Claro que sei! Vi tudo sobre a briga com Helias acho que esse ano ou ano passado no colégio — atestou Tatsuyu. — Não lembro de detalhe nenhum, mas tenho certeza que é uma briga tão velha quanto minha vó!
“Ele definitivamente tá zoando com a minha cara”, pensou Shuyu. De certa forma, havia certa semelhança entre a ingenuidade dele e de Togami, como escutou de Reiko antes. Descrença permeou o corpo do herdeiro — como poderia o rapaz à sua frente ser tão neutro? De onde vinha aquela positividade?
— E você não acha estranho os herdeiros de nações inimigas estarem apaixonados?
— Claro que não. Se vocês conseguem se amar mesmo quando não deveriam, quando chegarem ao poder vão poder fazer isso direito, não?
Shuyu não quis admitir, mas invejava o otimismo dele. Tantas vezes escutou que era impossível, que a melhor decisão seria desistir, que ignorar seu sentimento mais íntimo era o correto — fosse de Ayame, Hanako ou Reiko, o que escutou delas pareceu se desmanchar frente ao argumento de Tatsuyu. Ele não estava sozinho.
— Tem razão, Tatsu — concordou por fim, sorrindo. — Só não conta isso pra ninguém.
— Tenho cara de fofoqueiro pra você?
O príncipe agradeceu antes de encerrar o assunto e chamar o rapaz para irem à festa de Shihan, que já deveria ter começado. Entre as conversas e risadas durante o evento, um pensamento vagou pela mente dele.
“Acho que vou escrever uma carta pra Yoko contando isso.”