Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 92: Estouro

Hélio estava mais uma vez numa situação meio apertada. Pendurado de ponta cabeça numa árvore, escondido com suor frio descendo pela testa, ele podia pressentir algo correndo por aquela mata.

Se pudesse pensar, talvez acreditaria estar interpretando um personagem no filme Predador prestes a morrer por não ser o personagem principal, já que uma coisa se esgueirava abaixo.

Era um tipo de salamandra bizarra de pele vermelha, que andava devagar por onde ia e vinha, mas constantemente cheirando o ambiente e procurando por qualquer presa pelo odor de seu medo.

Se Hélio fosse pego, com certeza ia soltar tudo preso dentro da sua barriga, por mais que na sua cabeça a mera ideia tomasse uma forma extremamente nojenta.

“Porra, eu deveria ter seguido meu caminho pelas áreas mais abertas ao invés de ir nas ilhas ainda com restinho de mato… Pera, por que eu fiz isso? Eu nem consigo acertar uma flecha, caceta!”

No momento, queria atingir uma flecha no seu “eu” do passado, mas era mais provável que errasse e atingisse o seu “eu” do futuro no processo.

Bom, era tarde demais para reclamar e o problema com que se deparou exigia plena atenção, do contrário seria eliminado antes mesmo de ganhar algum tipo de holofote.

“Ainda que eu deva estar entre um concorrente interessante, é melhor manter minha posição atual e tentar ganhar pontos de algum jeito… Só que nem a pau eu enfrento esse cara.”

Mais cedo, Hélio observou o resultado de uma luta envolvendo essa estranha lagartixa e uma manipuladora de fogo bem poderosa. 

A mulher ruiva fugiu, mas aquele monstro saiu da batalha quase intacto, o que provavelmente significava uma forte resistência e quem sabe outras capacidades ocultas que preferia não ficar para saber.

De qualquer jeito, ele quase foi pego no fogo cruzado, tendo que entrar em retirada e se esconder para não ser engolido vivo e eliminado, mas o que menos esperava era que o azar viesse ao seu encontro.

— Hum… — O ser abaixo das árvores estalou a língua, então olhou de um lado para o outro como se procurasse alguma coisa. — É, eu definitivamente me perdi de novo. Acho que vou descansar um pouquinho antes de continuar minha caçada… Decepcionei o chefe pelo meu erro, mas espero que ele entenda.

Cris tinha um péssimo senso de direção, não à toa que um colega seu mais cedo indicou a localização de Bianca por causa da fúria constante dela e do quão fácil era achá-la dada o seu poder destrutivo.

Sem nada para fazer e querendo tirar um bom cochilo, sentou-se ao pé de uma árvore, parecendo uma pelúcia fofa em versão ultrarrealista que ganhou vida própria. 

“Por que tu escolheu aqui de todas as árvores possíveis?!”, questionou Hélio consigo mesmo, agora vendo o tal monstro logo abaixo de onde estava.

Se ele levantasse a cabeça, seria o seu fim. O coração ficou perto de sair pela boca conforme os olhos de Cris escaneavam seus arredores e sua língua de vez em quando fazia sons de “ssss” estranhos.

O arqueiro vesgo suou frio, tendo que segurar as próprias gotas transpirando de sua pele para não revelar sua posição, o que por si só já era um desafio levando em conta que continuava pendurado num galho.

“Eu posso atirar e… Não, eu errarei, isso é muito arriscado!”

Levando em conta os últimos acontecimentos — também chamadas de “falhas”. —, Hélio estava mais do que certo em não confiar na sua pontaria para sair do problema.

Achava que se tentasse, mesmo na distância de um tiro entre seu sucesso e a desgraça, ainda erraria miseravelmente e a sua desclassificação seria imediata.

No entanto, ao pesar os pros e contras, quem sabe esse era o mais longe que poderia ter ido. Já foi o bastante enfrentar uma caneta gigante na base da porrada, e ele com certeza não experienciaria de novo.

Ajeitou-se no galho, subindo de forma o mais cautelosa e lenta possível para não produzir barulho, apenas para se sentar e ter algum chão para preparar uma flecha.

Ele puxou a corda invísivel, que tremulou sem chiado algum, e estava prestes a soltar, até que…

— Cris, finalmente te achei! — gritou uma voz no meio do mato, que logo apareceu em corpo inteiro. — Eu demorei pra te procurar, fiquei meio ocupado com algumas coisas no caminho…

A pessoa em questão era um jovem de aparência muito comum, da qual não tinha necessidade de ser descrita, mas um detalhe extremamente chamativo era a sua altura.

Ele era minúsculo, talvez do tamanho de uma criança, mas com a aparência crescida. Também não era anão, porque seu corpo era completamente proporcional em todas as partes

— Ah, olá. — A lagartixa acenou com um de seus dedos de garras e esboçou um leve sorriso. — Enfrentou outros concorrentes? Pensei que ia ser desqualificado rápido depois de nos separarmos.

— Sim, sim, também imaginei o mesmo, mas nada que uma boa habilidade de encolhimento e experiência em se esconder dos valentões não ajudasse.

Agora as coisas pareciam meio ilógicas, ao ponto de que Hélio desistiu de atirar. Era uma grande sorte sua não ter sido visto, já que o raio de visão daquela pessoa pequena era limitado por causa de sua altura.

— Enfim, sobre o que eu queria dizer… — falou o anão-não-anão, escondendo as mãos no bolso. — Tá rolando uma briga não muito distante daqui que tá um show. Tem o tal Lucas que avisaram no meio, e também o cara responsável pelo choque das ilhas.

— Sério? Vamos pra lá agora então!

A pelúcia ultrarrealista se levantou num pulinho, mas retornou a sua forma humana para maior mobilidade. 

Até então só estava usando por precaução contra um ataque surpresa, no entanto, com a companhia de mais alguém, era menos preocupante andar por aí.

Os dois foram embora em pouco tempo, sem sequer olharem para trás e encontrarem um homem pendurado num galho em tempo de cair, mais semelhante que com um macaco do que com um ser humano.

Hélio suspirou de alívio. Os momentos mais tensos de sua vida inteira passou diante de seus olhos, e aquilo foi só um breve momento de descanso para os outros dois.

Ele despencou para o chão, quase quebrando um osso no processo por ter caído de mal jeito, e com toda sua vontade de continuar de pé naquele evento, fugiu para um lugar aleatório.

 

*****

 

Carlos habilmente esquivou de um peão que veio cortando na transversal, seus olhos rapidamente analisavam seu entorno e projetavam os próximos movimentos de cada peça.

Até agora, o que sabia era que só uma delas se movia por vez, e que o usuário deveria estar em algum canto alto para ser capaz de levá-las ao lugar que queria.

O que lhe fez ter essa ideia era o fato de como os ataques quase sempre vinham do ponto certo, como se o oponente soubesse sua posição e quais movimentos faria para encurralá-lo.

No entanto, isso não tirava o fato de que Carlos estava numa casa de xeque-mate. 

Não bastava só esquivar com seus instintos sobrenaturais ou explodir os pedaços de terra que vinham na sua direção, ele praticamente não conseguia sair de uma determinada área da qual ficou preso.

O mesmo conjunto de peças permaneceu parado, o rei, rainha, bispo e cavalo. Ele olhava para essas coisas com um ódio mortal, já que ainda seu desafio era meramente contra as partes mais fracas daquele poder.

“De alguma forma, ele também consegue e está nesse exato momento controlando outras partes desse tabuleiro invisível, porque não tem muitas coisas lutando comigo. As outras possivelmente estão dando conta de mais concorrentes… Merda, que monstro cabuloso!”

Ele se jogou para o lado e apoiou a mão no chão para conseguir cair de pé, só para ver uma torre enorme criando uma nova trincheira naquela terra extremamente bagunçada.

O cansaço também estava tomando conta de seu rosto, contudo ainda dava para suportar por mais um tempo, especialmente por causa de outra coisa que reparou: as peças levavam tempo para voltarem a atuar.

Só ocorria um movimento por vez, mas, além disso, quando um dos objetos era destruído, levava alguns minutos para retornar ao campo de batalha.

“Se eu destruir os que estão me alvejando e deixar só a torre, pode ser que dê certo, assim eu limito a quantia de possibilidades que ele tem como me atacar.”

Seus ouvidos se atiçaram ao máximo possível, assim como a visão. Ele viu um bispo se mover em sua direção ao invés de abrir uma fenda abaixo de seus pés.

Ele deu um passo para trás, rápido o bastante para que suas mãos revestidas de plasma acumulassem calor dentro do objeto e o explodissem assim que ficasse mais escuro.

Um inimigo a menos, era hora de possivelmente um dos peões. Outro salto evitou que fosse esmagado, e assim como aconteceu com o bispo, o peão desapareceu de vista.

Pelo ângulo, podia prever qual era o próximo ataque. Ele se pôs numa parte em que sabia por onde seria atacado, e assim aconteceu.

A torre veio em altíssima velocidade, Carlos desapareceu de vista por um momento, e quando o movimento da torre terminou, ele não estava em lugar algum.

Tudo o que aconteceu foi simples: ele se pregou no objeto um momento antes de ser atingido, o que permitiu atravessar boa parte do campo de batalha e sair da área que ficou preso.

Carlos estourou a torre, que se tornou miolos de terra pelo chão, agora estava mais perto do que nunca do rei.

“Se minha teoria estiver certa, ou o usuário é aquele rei, ou se eu matá-lo, as demais peças deixam de existir!”

Seus dedos carregados de plasma estavam se aproximando do rei, no entanto, de último momento, houve um movimento curto e significativo daquele maldito.

O espaço aberto foi o suficiente para estragar toda a estratégia e esforço, mas pior ainda foi a retaliação da rainha ao lado.

Ao invés de agir meramente como as demais peças, a rainha tinha uma forma própria, sendo uma mulher alta e com uma espada de pedra nas mãos.

Uma estocada atingiu Carlos, que por reflexo pôs as mãos no abdômen para bloquear. Parte da espada foi consumida pelo plasma, mas o impacto ainda ocorreu.

Ele foi jogado para trás, a pancada forte fez o ar sumir de seu corpo por um momento. Os arredores pareciam muito escuros e sem som, com ecos batendo nas orelhas.

“Fui precoce, se eu esperasse mais um pouco e usasse a cabeça, isso não teria acontecido…”, pensou, resistindo a tentação de se ajoelhar depois de um ataque tão forte. “Foi bom enquanto durou, eu vim fazer as coisas sem me importar tanto e curti o resultado…”

Ele estava prestes a desistir, se um relâmpago não irrompesse dos céus e impedisse um golpe finalizador que o derrubaria para fora da ilha.

Uma garota de cabelo curto e olhos puxados deu um passo em frente, atirando raios como uma arma elétrica viva, enquanto praticamente tomava atenção de tudo e todos pelo som estrondoso de seus ataques.

Ela viu Carlos caído no chão, mas não se importou tanto, na verdade focou seus esforços quase unilateralmente na figura da rainha, quem aparentava ser a mais problemática.

— É bom ficar de pé, senão vou fritar até seus miolos — ameaçou, demonstrando uma feição nada amigável. — Só vamos ser aliados por um curto momento, esse cara é muito mais perigoso do que sou pra ti, logo, faça sua escolha de desistir ou tentar me enfrentar também. Eu não dou a mínima de qualquer jeito.

O homem sorriu fracamente, era só isso que podia expressar depois de receber um golpe tão forte. Ele se ergueu com dificuldade, revestindo os braços de plasma novamente.

— Não fará mal… Cof… Ainda tenho tempo para descansar um pouquinho mais?

— Pode ter certeza que não. — Um CRAKABOOM estourou da mão dela, disparando mais um relâmpago que tirou por completo o som do ambiente. — Você vai é morrer se continuar agindo dessa forma.

— Hã?! O que você falou?! Eu não ouvi!

— Eu disse…

Antes de terminar, as peças voltaram ao seu movimento, cercando os dois em um piscar de olhos.

Cho Pei largou um longo suspiro e levantou as mãos. Ela se meteu numa enrascada que não queria, mas quem sabe isso atrairia os olhos de seu mestre e colegas para ganhar alguns pontinhos.



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