Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 88: Xadrez

Hélio era um homem que entrou no torneio para chamar atenção, assim como a maioria das pessoas que entrou. Ele não tinha objetivo exato, só arranjar o emprego estaria bom.

Seu poder não lhe deu tantas oportunidades no campo de trabalho, não era nenhum efeito psicológico ou algo que aprimorasse seu físico, sendo assim sua melhor chance era tentar virar um raider.

Até que, de uma hora para a outra, ele sentiu o chão se mexer e a ilha abaixo de seus pés começar a se mexer. 

“Por que eu inventei de vir pra cá?”, foram seus pensamentos enquanto corria contra a ladeira que cada vez mais ficava inclinada.

De algum jeito, ele chegou ao topo e viu o ambiente quase inteiro daquele solo instável. Estava numa ótima posição, a maioria dos participantes podia ser vista, logo, talvez seu poder viesse a calhar.

O ar ao seu redor se reuniu na ponta de seus dedos, circulando em forma de cilindro para dar lugar a um arco invisível feito de vento pressurizado.

Uma flecha de ar tremulou no arco, que logo foi puxada e teve sua força multiplicada em dezenas de vezes. Ele mirou em um de três alvos, dois caras numa moto estacionados em outra ilha.

O projétil deslizou para fora da arma, no entanto, tinha um problema crucial: era vento, então obviamente seguiria qualquer corrente que estivesse ali, ou seja, ele errou feio.

O alvo atingido foi uma pessoa com mãos de espinho, um alvo completamente nada ver. Eis aqui um dos motivos de Hélio não conseguir trabalho: sua mira era absolutamente ruim.

— Eu só quero ir pra casa agora…

Não tendo mais o que fazer, desceu a longa encosta das ilhas combinadas, tomando cuidado nos passos para que não despencasse para a morte certa.

Ele não queria nem imaginar o que houve com as demais pessoas que foram pegas na colisão, seu objetivo era só pegar uma boa posição. Entrar na competição do torneio estava fora de seu alcance.

Quando enfim chegou a uma ponte suspensa para ficar em solo mais firme, ele viu uma cena inusitada de uma meleca rosada se remexendo no meio da grama.

Seu corpo estava sendo atingido por labaredas fracas de fogo, um sujeito meio mal-encarado estava tentando evitá-lo a todo custo, mas seu poder era tão fraco que mal causava efeito.

Hélio achou aquilo a chance perfeita para acertar o mais forte pelas costas. Preparou outra flecha, que ao invés de atingir a criatura feita de Babaloo, acertou o homem com chamas fracas e o derrubou.

— Oh, obrigado, colega — agradeceu o slime, com um aceno gelatinoso.

Talvez por causa do ato de gentileza, o homem Babaloo saiu se arrastando ao invés de alvejá-lo, o que por um lado pareceu justo e por outro fez Hélio questionar suas escolhas de vida.

Depois de coçar os cabelos em plena frustração, decidiu seguir por aí e encontrar algumas vítimas mais provável de vencer, e tinha muita coisa rolando em cada uma das ilhas.

Dava para escutar explosões rolando, chamas azuladas subindo até o céu e gritos de pessoas em plena queda livre. Ao menos, ver esse caos deu uma ideia de como as coisas se desenvolveriam.

Hélio reparou que ao caírem, as pessoas eram resgatadas do oceano abaixo caso não subissem de novo em um minuto, sendo levados por um barco e colocados numa plataforma isolada do evento.

Ou seja, se ele caísse, não tinha escapatória. Era impossível de voltar, seu poder tinha lá suas limitações e não permitia que fosse tão extremo.

Sendo assim, escolheu analisar atentamente os competidores e ver alguém que talvez pudesse bater de frente. 

A variedade de oponentes era imensa, mas seu medo de se encontrar com alguém que pudesse rebater com tamanha felicidade também. 

— Caneta azul… azul caneta… 

Aquela voz veio aos seus ouvidos, e quando virou a cabeça para o lado, percebeu uma caneta bic gigante convenientemente voando em sua direção.

Hélio deu uma rasteira, desviando de última hora do ataque e notando o movimento brusco da caneta, que agora flutuava a poucos metros de distância dele.

Gerou uma flecha e disparou, mas mesmo que o alvo estivesse perto, o ataque caiu numa árvore ao lado. Puto pra caramba, ele apenas brandiu o arco de vento como se fosse um porrete.

— Eu tô de saco cheio, isso tem que dar!

— Tá marcada com a minha letra…! — A tampa da caneta flutuou para fora e se encaixou na porta de baixo, esguichando tinta para todos os lados.

Hélio usou seu agora arco porrete para bater contra o líquido, a pressão do vento abriu um tipo de abertura no meio da onda, facilitando mais seu desvio, no entanto tudo estava bastante sujo ao redor.

A falta de espaço ocasionada pelas árvores e pelas demais pessoas ao redor também não colaborava com a luta, logo, fez o que era mais justo: correr.

Saindo em disparada para fora daquele lugar, Hélio julgou que a melhor região no momento era uma das pontes metálicas, então acabou guiando a caneta voadora para lá.

Num lugar mais calmo e com menos risco de sofrer pelas mãos de outra pessoa, Hélio tentou futilmente puxar seu arco para atirar, mas parou no instante que a caneta veio em sua direção.

Estava perto demais, se atirasse seria acertado na mesma hora! Por instinto, pulou para trás, a ponta afiada do objeto se fincou no chão, dando a perfeita oportunidade para atacar.

Ele disparou, mas sua visão horrível colaborou para que acabasse batendo num dos cabos que mantinham a ponte, deixando-a meio bamba. 

A expressão de raiva de Hélio ficou ainda mais evidente, e só piorou quando a caneta conseguiu se desprender e veio voando em sua direção. Ele usou o arco de vento e o colidiu contra a ponta da caneta. 

A pressão do vento repeliu a arma da caneta de volta, ao mesmo tempo que uma sequência de golpes tornou aquela luta ridícula num combate de espadas.

Era um show de tinta voando para todos os lados e faíscas voando por conta do choque do metal, mas aos poucos a caneta azul estava se cansando.

Como se não bastasse manter uma forma estranha, mover todo aquele corpo alongado e pesado custava muita energia, o que lentamente retardou sua movimentação.

Foi quando Hélio viu uma chance, ele passou por baixo da caneta e atingiu seu corpo de plástico, fazendo o rachar e dando um dano absurdo na caneta.

O objeto flutuante caiu no chão, assim Hélio empurrou a caneta com o pé e a viu cair rumo ao mar abaixo.

— Por pouco… 

Ele respirou fundo, meio cansado, olhando novamente para as ilhas. Outra explosão traçou o céu e arrastou as árvores para longe.

— Hah, fazer o que, brasileiro só se fode mesmo…

 

*****

 

Carlos não tinha nenhuma habilidade fenomenal, muito menos era uma pessoa de destaque no meio dos outros. Ele era tão “comum” que sequer precisava ser descrito para ser imaginado pelos outros.

O motivo de ter entrado no torneio foi por pura diversão, já que seu trabalho de Marketing tinha absolutamente nada a ver com suas próprias capacidades.

Ele avaliou brevemente a espada que arrumou, um sabre de luz feito de plástico que brilhava ao apertar um botãozinho no pomo que acendia uma fileira de luzes dentro do bastão.

Aquilo era um brinquedo velho de um priminho seu, do qual ia jogar fora, mas na última hora Carlos pediu para levar e disse que usaria no torneio.

Enquanto girava sem parar o sabre em uma única mão, apareceu uma figura ilustre para desafiá-lo.

— Finalmente, alguém normal! — berrou o sujeito com espinhos nas mãos, junto de um hematoma feio no queixo e uma marca vermelha no ombro. — Agora eu consigo…!

Carlos finalizou tudo num único movimento. O espaço pareceu ter sido cortado entre os dois, pois de uma hora para a outra o seu sabre de plástico atingiu o queixo do inimigo, tirando sua consciência.

Para finalizar, uma estocada empurrou a pessoa para fora da ilha, com tanta força que com certeza daria uma grande dor abdominal no dia seguinte.

Foi sorte que não clicou no botão, do contrário, teria sido mu resultado bem pior. Seus olhos rolaram pelo ambiente, meio entediado e sem saber exatamente qual era seu objetivo.

“Será que só fico aqui esperando parado ou o que?”

Ele ficou de sobrancelha erguida, duvidando se deveria ir atrás dos outros como forma de acumular pontos ou algo do tipo, mas seus pensamentos evaporaram com a aparição de uma nova pessoa.

Um bloco de terra, grama e madeira veio em sua direção, mas Carlos saiu do meio do caminho e viu o objeto atravessar o local que estava. 

No entanto, aquilo não era um pedregulho, muito menos uma manipulação simples do terreno, era uma peça de xadrez, um peão formado pelo próprio ambiente.

A peça bateu no chão, dura e sem completo movimento, além de adquirir uma cor mais escurecida. 

“O que é isso…?”

Carlos estava de sobrancelha erguida, mas logo uma segunda peça veio em sua direção, no formato de cavalo e fazendo um rasante no meio do ar, junto de uma curva que interceptou sua saída.

Sem escolha, o homem apertou o botão do sabre e uma luz fosforescente rodeou o brinquedo, que se chocou contra o pedaço de rocha e cortou um pedaço seu com facilidade.

Traços de queimado correram pelo corpo duro do cavalo, ao mesmo tempo que um cheiro de fumaça subiu. Carlos interceptou aquele ataque, no entanto teve que sair do caminho para não ser atropelado.

Um terceiro objeto veio, uma alta torre que arrastava todo o chão por onde passava, e mesmo interceptando parcialmente sua mão na estrutura da torre, o sabre de luz de brinquedo acabou ficando enganchado.

Ele teve que soltar e rolar pelo chão, antes de tomar equilíbrio para saber de onde exatamente aquelas coisas vinham. A tal pessoa não tinha aparecido em lugar nenhum ainda.

Carlos revestiu suas mãos de uma fonte de calor fortíssima, a mesma coisa que fez o sabre funcionar apropriadamente, seu poder de invocar plasma na superfície do corpo e no que tocava.

Seus olhos depararam-se com uma silhueta se aproximando, outro peão que apenas pretendia esmagá-lo, mas bastou um toque na parte debaixo que a peça explodiu de dentro para fora contra o calor.

— Cacete, o que tá acontecendo? — indagou, meio aborrecido pelo tanto de tralha que vinha. 

Ao todo, três peças passaram por perto, e ele não sabia se essas coisas se mexiam por conta própria, mas nem o peão e nem o cavalo voltaram, se era o caso, então a torre…

Uma pancada forte atingiu as costas de Carlos, lançando-o para longe junto do sabre de brinquedo. Conseguindo ficar de pé após girar diversas vezes no ar, o homem avaliou mais uma vez o que tinha ao redor.

Na verdade, ele teve quase um panorama geral das coisas, porque de cima via um conjunto de peças de xadrez se movendo em alta velocidade pelo largo espaço da ilha.

Essas peças destruíam tudo no caminho, causando mais desmatamento florestal que um fazendeiro buscando terreno na Amazônia para plantar soja. 

No entanto, as movimentações constantes das peças indicavam algo anormal, especialmente porque os peões tinham um movimento mais livre que ia além de só chegar ao outro lado.

As únicas peças que permaneceram imóveis era o rei, a rainha, um bispo e poucos peões na ponta daquele tabuleiro vazio. 

Carlos caiu no chão novamente, seu corpo correu por conta própria na direção das peças principais, acreditando cegamente que destruí-las daria alguma chance para escapar.

Antes mesmo de chegar muito longe, a terra abaixo de seus pés de repente se abriu numa fenda, e pelo canto do olho ele avistou um bispo.

Após o chão se abrir que a peça fez o movimento, forçando-o a lançar uma pequena onda de plasma para baixo na tentativa de se impulsionar apenas para um pulo.

Deu certo, mas logo seus desejos seriam frustrados por uma grandíssima barreira: quase todas as peças do tabuleiro estavam na posição de pegá-lo. Um xeque-mate.



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