Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 87: Impaciência

Por causa da forma como as tecnologias atuavam nos dias atuais, não era nada difícil usufruir de um portal para realizar determinados tipos de eventos que precisavam de privacidade.

Se, digamos, era necessário um ambiente largo para um grande número de pessoas, bastava manter o chefe preso e contido num lugar então chamar as pessoas para entrarem.

Não havia nenhum perigo, os portais uma hora quebravam e os monstros podiam sair, mas isso não acontecia se as coisas não durassem muito lá dentro e se houvesse algum conhecimento prévio.

Por isso, era muito normal jogar drones e robôs descartáveis e baratos para averiguarem o interior de um portal, para assim classificá-lo e indicar um conjunto de informações essenciais.

Essas informações iam desde geografia a monstros, temperatura, chefes, tamanho, dentre outros. Para isto, a associação tomou um espaço portal de rank D que possuía um ambiente gigante.

Lucas apoiou a cabeça no banco do ônibus e leu com certa preguiça o panfleto que resumia as coisas dentro da dungeon do portal. Por motivos óbvios, o evento não aconteceria ali dentro.

Já bastava o buraco no meio de uma das câmaras principais, levar o prédio ao chão com diversas pessoas lutando insanamente e lançando poderes para todos os lados não dava certo.

Por isso, um portal também se tornava flexível para tais eventos. Ele soltou um suspiro, abrindo a janela do busão porque estava fazendo quase 40°, e ninguém merecia o cheiro de suor abafado lá dentro.

Agraciado por um ventinho gostoso, Lucas colocou a cabeça para fora e viu na distância um portal no qual se aproximavam, cercado tanto por oficiais quanto pelo grupo de pessoas vestidas mais cedo.

— Senhor Lucas, é perigoso ficar assim!

— Mesmo que um caminhão em alta velocidade batesse em mim, eu sairia ileso, Yasmin…

— Exatamente por isso que é bom ficar aqui dentro, você pode causar um prejuízo enorme e ferir outra pessoa.

— Verdade, né, não pensei nisso.

Logo o rapaz obedientemente retornou, batendo a perna de impaciência. Ele queria logo fazer alguma coisa ao invés de escutar explicações e lidar com pessoas chatas.

Nem que fosse para correr e esperar, poderia ser qualquer coisa. Não lutar continuava sendo a melhor estratégia em sua cabeça, mas, por algum motivo, seu corpo dizia o contrário.

Talvez fosse por culpa da garota que ele queria garantir ao menos uma boa colocação para ela. Faria mal nenhum ajudá-la, ainda mais que ela pareceu muito simpática.

Outra vez, Lucas abriu o joguinho de celular e esperou o resto da viagem, até uma parada abrupta tomar a atenção dos passageiros. 

Eles chegaram praticamente dois minutos depois, fazendo-o jogar fora algumas energias utilizadas para entrar numa fase do Candy Crush. 

Após isso, houve uma revista geral nas pessoas com detectores e todos tiveram que tirar os celulares e guardá-los num saquinho junto com outros objetos importantes.

“Eu tô indo fazer concurso público ou participar de uma competição? Bom, pensando melhor, isso aqui realmente parece um tipo de concurso quando se leva em conta as demais pessoas no ramo, eu acho. Tem gente com olho gordo em mim faz tempo…”

Lucas olhou por cima do ombro uma vez, deparando-se com um grupo de sujeitos engravatados e extremamente atentos aos competidores, alguns não escondiam o fato de estarem interessados no rapaz.

Ele soltou um suspiro, guardou suas coisas e se reuniu com os demais participantes na entrada do portal, cada um tinha seu próprio nervosismo para sofrer.

Para sua sorte, Zhang Zhao estava muito longe e prestava atenção apenas nas suas próprias coisas, o que era um grandíssimo alívio. 

Drones foram enviados de antemão para dentro do portal, então os participantes se dividiram em grupos comandados por novamente aqueles monitores de roupinha branca colada.

Lucas e Yasmin permaneceram juntos de um jeito ou de outro, e logo todos os grupos adentraram o portal de um em um. 

A sensação de atravessar um tipo de líquido viscoso retornou pela primeira vez em muito tempo, há muitos meses que Lucas teve sequer um motivo para entrar num portal.

No entanto, o ambiente do lado de dentro parecia algo de outro mundo. Ilhas flutuantes em todos os lados, pontes artificiais sustentadas e conectando cada uma daquelas faixas de terra voadoras.

Eles pareciam estar no meio das nuvens, abaixo tinha um grande oceano que se remexia sozinho nas suas ondinhas. 

Lucas sinceramente não queria saber o que acontecia se caísse lá embaixo. Os grupos foram levados para ilhas diferentes, cada uma era bastante grande e espaçosa.

Isso talvez geraria uma vantagem, porque tanto espaço permitia diversas chances de fuga e também diferentes interações entre os poderes.

Ele que não desejava enfrentar um usuário de fogo no meio de um bosque ou pequena floresta na superfície dessas ilhas, e na verdade parecia uma péssima escolha usá-las de esconderijo.

Um suspiro fugiu de sua boca, ele teria que esperar mais um tempinho, mas já estava sem paciência. De acordo com o que aqueles integrantes disseram, em alguns minutos seria permitido a briga entre os participantes.

Se fizessem qualquer coisa com intenção de ferir o outro antes do tempo estabelecido, seriam desclassificados na mesma hora.

Essas regras chatas já estavam dando no saco, ao ponto da expressão no seu rosto ser pior que um cão chupando manga.

— Yasmin, quero que você me desculpe pelo que vou fazer… — Lucas enrolou um dos braços por baixo das axilas da garota, que era mais baixinha que ele.

— Senhor Lucas, o que está fazendo? Você deve ir com calma e… Uhaaaaww!

De uma hora para a outra, os dois se tornaram vultos se deslocando em alta velocidade. 

As veias de Lucas estavam bombeando sangue a toda velocidade, seu corpo se movendo por conta própria ao longo das pontes como um fantasma.

A única coisa que ficou para trás foram as suas marcas de pés, que inclusive marcaram as pontes de metal de tamanha força imposta numa pisada.

Yasmin ficou tonta de tantos balanços, mas mal enxergava direito o ambiente ao seu redor se modificando, alternando entre árvores, campos abertos, pontes e pessoas.

Os demais integrantes daquele grupo de antes só puderam ficar de cabelo em pé e chocados pela vista. Pelo visto, um inimigo formidável estava impaciente demais para esperar.

 

*****

 

Viviane assistia as diversas telas dentro de sua cabine com ansiedade e um misto de preocupação. 

O seu lado mais psicótico, a persona que cada vez mais aparecia em seus dias, era a responsável pela ansiedade, pelo simples fato de ter captado muitos sujeitos interessantes.

A parte preocupada era seu lado real, que não sabia o que achar de cada uma daquelas pessoas, especialmente de Lucas, que demonstrou uma coisa fora da curva em questão de segundos.

Atrás dela, sentada num grande sofá confortável, a matriarca da família bebia um gole de soda italiana, coisa que nunca provou na vida. 

— Hummm! Que gostoso, o sabor espalha todo pela boca!

— Que bom que está gostando, senhora… Me permite perguntar algo sobre o seu filho? — Ela se virou na direção da mulher, meio curiosa. 

— Huhum! Pode perguntar o que quiser, querida, eu respondo! Infelizmente só não tenho o álbum de fotos dele…

“Álbum de fotos?” Viviane levantou a sobrancelha, não entendendo direito o que isso queria dizer. — O seu filho sempre foi… desse jeito? Anormal, quero dizer.

— Não, nem um pouquinho. Pra falar a verdade, eu e o pai dele fizemos diversos exames, mas nos foi dito que ele não tinha nenhuma habilidade, isso até um dia ele tomar atitudes totalmente estranhas e se comportar como outra pessoa! Era como se tivesse sido possesso, ou acordado pra vida.

— Sério? O que ele fazia antes?

— Ora, ficava fornicado no quarto jogando videogame e trabalhando, só isso. Ele sempre foi um garoto que amou muito jogos, até sugeri que trabalhasse com isso, mas não rendeu muito… Ainda assim, me orgulho do que Lucas fez. Esse garoto é um ótimo filho, o melhor que uma mãe como eu poderia desejar.

Viviane estranhou aquelas palavras, porque saiam com uma naturalidade e receio ao mesmo tempo, como se houvesse mais uma coisa sendo escondida no meio disso.

No entanto, não deixava de ser estranho. Era como se uma inspiração divina tivesse caído na cabeça dele e de repente seus pensamentos se alinhassem.

“Ohahahaha, eu vivo te falando, precisamos matar ele! Eu quero matá-lo, quero saber das suas memórias e o porquê é desse jeito!”

“Não tente fazer nenhuma loucura, idiota. Eu não vou seguir seus desejos de nenhuma forma, além do mais, Lucas é importante para meus planos futuros…”

“Kwahahahihi, pare de se enganar! Seus planos futuros vão culminar na morte de um de vocês cedo ou tarde, é por isso que deve dar o primeiro golpe e apunhalá-lo pelas costas antes que seja tarde!”

— Que dor de cabeça… — Viviane apertou a testa, andando lentamente em direção ao sofá e tomando o assento ao lado da matriarca. — Dona, se importa se eu pedir alguns doces?

— Não, não me importo. Eu nem imagino o quão doloroso deve ser para você ter que lidar com o tipo de coisa que tenho visto todo dia…

— Perdão, não entendi o que quis dizer…

— Ah, querida, não é nada demais. É normal para toda pessoa ter dores depois de lidar com uma bola caótica ambulante. Digo por experiência própria, pois eu enfrento uma até hoje…

A moça não entendeu nadinha, porém, com a ajuda de alguns pacotes de jujuba e chocolate, junto de outros doces cheios de açúcar, seu cérebro agiu melhor e suprimiu a vontade daquela segunda entidade.

Seus olhos caíram nos televisores do outro lado da sala, e com o apertar de um botão num controle, a engenhosa tecnologia alternou para os outros participantes.

Existia todo tipo de gente naquele meio, a maioria seria contratada por alguma empresa e ficaria por isso, no entanto ainda existiam alguns que poderiam ser deixados de lado.

Só teria como se descobrir o resultado final quando a ação começasse. Um sinalizador foi atirado para cima, a explosão esverdeada era visível de todas as direções.

Logo explosões começaram ao longo das ilhas, árvores e rochas eram jogadas em todas as direções, mas um fenômeno captou a atenção de qualquer pessoa que assistia a transmissão.

Uma ilha inteira voava sozinha em direção a outra, chocando-se uma na outra e derrubando muitos dos participantes na água. 

— Uau, acho que esse pessoal tá querendo matar um ao outro… — falou a mãe de Lucas, analisando com seus olhos afiados.

— A senhora não está preocupada com o seu filho? Esse tipo de coisa é muito perigosa.

— Eu estou mais preocupada com os outros se deparando com ele.

— Espera, sério? Acho que ele não ia gostar de ouvir essas palavras da própria mãe…

— Ah, não me entenda errada, Viviane. — Ela juntou as mãos no colo e esbanjou um leve sorriso. — Eu estou sim preocupada que meu neném se machuque, mas é mais provável que aconteça aos outros. Sabe, na minha linha de trabalho, um dos primeiros instintos que desenvolvemos é uma intuição forte para descobrir como os outros são… O meu filho, hehe, fez essa minha intuição apitar depois de muito tempo.

Viviane inclinou a cabeça para o lado, sem entender ainda. Tinha algo que não viu entre as entrelinhas? Um detalhe minucioso que mudava por completo o nível de Lucas?

Ela começou a observar atentamente aos demais telões, mas tudo o que o rapaz fazia era fugir, passando pela trilha de projéteis por cima de sua cabeça sem olhar para trás.

Era um comportamento estranho. No jeito típico, Lucas teria partido para cima de alguém e o derrotaria com todas as suas forças, mas ele preferia conservar suas energias.

A resposta veio quando uma pessoa interrompeu seu caminho. Lucas não perdeu o ritmo, continuou correndo igual uma força imparável, arremessando a garota em seus braços para cima.

O sujeito tentou acertá-lo com um espinho na mão, no entanto, a esquiva rápida e a joelhada no meio do queixo da pessoa acabou com o combate num piscar de olhos.

Lucas pegou Yasmin no meio do ar antes que caísse no chão. 

— Viu só? — indagou a mãe, cruzando os braços. — Num golpe só, rapidinho… e imaginar que ele está se contendo. Hah, meu neném realmente cresceu muito…



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