Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 46: Jogar

A recepção de Viviane não poderia ter sido melhor. 

Uma xícara de café ficava entre seus dedos, servido pela maestria de uma empregada que fez cafés sua vida toda, enquanto a temperatura do ambiente estava perfeitamente agradável.

Nem muito frio, nem muito quente, apenas geladinho ao ponto do sabor do café ser aprimorado ao extremo.

Lucas disse a ela que demoraria um tempo, precisava se arrumar e adoraria não feder a suor quando estivesse por perto. 

Ele subiu as escadarias, e Viviane se pôs a analisar o resto da morada nesse ínterim. Tomando o líquido preto na xícara de gole em gole, seus olhos rondaram o ambiente.

Havia desde vasos de flores até quadros bonitos pendurados na parede. A maioria com certeza não era uma obra original, mas o que valia era a intenção e estética.

No meio tempo que levou para observar como forma de passar o tempo, uma mulher de pijama e pantufas nos pés entrou na cozinha.

Os olhares das duas cruzaram. Um susto por parte da dona de casa a fez pegar o pilão em cima da pia para atacar a invasora.

— Senhora, ela é uma visitante do senhor Lucas — disse a empregada, vendo a óbvia tentativa de matar alguém no lugar.

— Ah… — A mulher parou, seus dedos largaram o pilão e ela ficou completamente vermelha. — Hehehehe, olá, querida… Tudo bem? Já conhece meu filho, né? Eu sou a mãe dele.

— Prazer conhecê-la. — Viviane acenou com a mão como forma de apaziguar aquela agressividade de antes.

A dona de casa também pediu um café. Nenhuma das duas disse outra palavra. Os barulhos de goles ecoaram na sala.

A quantia de vergonha que a mãe sentia era inconcebível. Nada era tão aterrorizante quanto uma visitante, talvez a namorada de seu filho, vir e as duas sequer conversarem.

“É pior do que os tombos que eu levei em público quando usava salto!”

Após batucar um pouco a mesa preta, ela tomou alguma coragem e disse: — Posso saber seu nome? 

— É Viviane, senhora.

— Viviane, que nome bonito. É… você tem algum hobby, Viviane?

— Eu costumo jogar golfe no meu tempo livre.

— Que legal, eu nunca joguei golfe. — Ela colocou a mão em uma parte do rosto, para esconder as bochechas vermelhas. “Óbvio que você nunca jogou, só gente rica joga golfe!”

A coisa da qual a mãe de Lucas se tornou especialista ao longo do tempo eram fofocas, mas como se aproximar de uma garota tão quieta e reservada como aquela moça?

Impossível, só se fosse. Era possível que puxasse assunto e houvesse retaliação por falar mal de alguém ou só comentar uma coisa que aconteceu a outra pessoa.

Os jovens dos dias atuais estavam sensíveis, tinha o medo de abrir a boca e ser reprimida por qualquer besteirinha.

Para sua sorte, seu filho entrou em cena pouco depois. De toalha ao redor no pescoço, camiseta e calção, ele deu um grande suspiro ao ver sua mãe e Viviane juntas.

— Desculpa se eu tiver interrompido algo, posso voltar e…

— Não precisa, filho! — cortou a dona de casa, puxando-o pelos ombros e empurrando na cadeira. — Coma uma coisa boa que a mamãe precisa sair. Eu vou… eu vou comprar roupas, isso! Já volto, tá? Beijo, te amo, tchau!

Tão rápida quanto um foguete, a mulher saiu. Lucas se perguntou o motivo da pressa e preferiu não perguntar, imaginando o tipo de conversa que teve com Viviane para ir embora.

— Bom — Ele fez um sinal com a mão, pedindo para a empregada sair da sala e deixá-los à sós. —, o que quer fazer enquanto estamos aqui? Tem piscina, uma sala de jogos…

— Corte o papo furado. Sabe o porquê estou aqui: quero que vá direto ao assunto e me leve para o tal lugar que só você consegue acessar.

— Fácil falar, difícil fazer. Não posso entrar lá a hora que eu quiser — mentiu, ele podia modificar a hora como bem quisesse, mas por que deveria confiar naquela interesseira? — Só a noite, então devemos esperar até bater a hora.

— Tá de brincadeira comigo, Lucas? Eu vim até aqui só pra escutar isso?! — Ela levantou da mesa, seus joelhos bateram e levantaram um pouco a mobília. 

O rapaz, por outro lado, somente cruzou os braços e lançou um de seus olhares preguiçosos na direção dela. 

Ergueu-se da cadeira, apoiando suas mãos no vidro negro a sua frente. Ele já estava irritado pelo jeito dela, querendo manter a paciência para retribuir o favor de dias atrás.

— Se não quiser vir comigo, pode dar meia-volta e voltar para casa. Eu estou te oferecendo uma chance de esperar aqui enquanto não é a hora. Em todo caso, tem um motel há uns quilômetros de distância daqui, posso te mandar o endereço e você fica lá até bater a hora.

— Eu me recuso! — Seu pé bateu no chão e seus braços cruzaram. — Vim até aqui para ter o que quero, prefiro esperar do que ficar naquele lugar nojento.

— Então mantenha a calma e não faz baderna. — Deu de ombros, tentando ainda tolerar a personalidade mimada dela. — Pensei que você era mais madura ou até tinha um jeito mais suave para as coisas.

— Não preciso de meiguice contigo. Ainda não confio em ti, esqueceu?

— E eu não confio em você. Estamos quites.

Viviane desistiu de argumentar. Era estressante demais ficar ao lado daquele cara, cheio de comentários sarcásticos e evitando ir para o principal.

Infelizmente, precisava dele para atingir seus objetivos. Não estava satisfeita com sua posição atual, muito menos seu poder.

Lucas a convidou para a sala de jogos. Viviane não se importava muito com esse tipo de atividade, sua educação era sempre voltada para livros, músicas e qualquer coisa culta.

Sempre foi assim, então ver aquele rapaz todo deitado num puff com um controle na mão e meramente jogando numa máquina quadrada era meio desprezível.

— Você não tem livros? E instrumentos? Onde que tá o campo de mini-golfe ou a quadra de tênis? Por que só comeu ovos ao invés de bacon e algo mais nutritivo?

— Os livros estão no meu quarto. Instrumento eu não sei tocar. Ninguém joga mini-golfe ou tênis… Pera, por que eu ia praticar essas coisas? Isso é cafona pra caramba!

— Cafona não, bonito! Você por acaso é um doido por não experimentar os luxos que tem?

— Pra que? — Ele largou o controle em cima do console e deu total atenção a Viviane. — Só se precisa de dois ovos pra se alimentar pela manhã. Uma corrida já faz bem pro corpo, e praticar uma arte-marcial ajuda a se defender. 

— Minha nossa, que alienado! — Já estressada, ela colocou as mãos na cintura. — Você precisa se tocar da vida que tem e aproveitar mais!

— Tá, e o que você sugere fazer? Sair por aí vestido de ouro?

— Não, não, seu idiota. Estou dizendo pra aproveitar mais o que tem. Ficou burro depois de passar tanto tempo na pobreza, Lucas?

— Não, eu só fiquei mais ciente do que preciso e não preciso, diferente de uma certa pessoa que não tem autocontrole, Viviane.

Um campo de guerra imaginário no meio dessa tensão. 

De um lado, um ex-pobre vivendo da forma como queria, do outro, uma ricaça raiz querendo se sobrepor aos outros com uma energia culta inigualável.

— Tive uma ideia — falou Viviane, com um sorrisinho nos lábios. — Vamos jogar uma coisa. O vencedor tem pleno direito de mostrar que o outro está errado, o perdedor deve aceitar que estava errado e começar a usar os hábitos do vencedor como punição.

— Certo… mas só vou concordar se eu souber que jogo é. 

— Ora, o único que seria realmente perfeito a algo assim… Vinte e um!

Da estante de tabuleiros, ela pegou um simples baralho. A empregada foi chamada para ser a juíza da partida, perfeita para uma disputa entre duas crianças.

Vinte e um, para aqueles que nunca tiveram a chance de tocar num baralho, consistia em revelar as cartas do topo do baralho e somar os números das cartas até o máximo de 21. 

Se passasse, você perdia. Se o seu número fosse abaixo do de outro, você também perdia. O famoso Blackjack, para os mais íntimos.

Eles fizeram uma aposta baseada em dinheiro. Aquele que tivesse mais dinheiro ao final seria o vencedor. 

O que eles não contavam era que ou a sorte de ambos estivesse péssima ou da empregada fosse absoluta.

O jogo começou com duas derrotas de Viviane, seguido por uma de Lucas. Estava tudo bem para ele, até que se deixou levar pela sorte e perdeu várias outras partidas.

No entanto, da sexta rodada em diante, todas as vitórias, sem exceção, foram para a empregada. 

Ela levou consigo praticamente qualquer dinheiro que os dois ganharam para o bolso, e no final podia comprar um carro à vista e sobraria ainda dinheiro para uma tv led de 55 polegadas.

Ao final, tudo o que sobrou aos dois apostadores foi amargura e tostões a menos para gastar. Lucas, aproveitando a deixa, só levantou da cadeira e voltou ao puff.

— É um empate, logo, nenhum dos dois precisa fazer absolutamente nada. 

— Não, não! Nada disso! — Viviane tomou o controle das mãos de Lucas, a empregada foi embora com uma conta bancária gorda. — Eu que não vou ficar olhando você fazendo toda essa chatice e esperando!

— E o que você quer que eu faça? Três piruetas e um mortal?

— Não, seu idiota… Hah, vamos andar um pouco. Ainda dá tempo de ir na cidade e voltar, né? Bora lá, andamos um pouco, te mostro uns lugares caros que você vai gostar.

— Vai parar de me encher o saco se eu for contigo? 

— Vou, prometo.

Um aperto de mãos firmou o contrato. Lucas, com a maior falta de vontade do mundo, pediu para a empregada cuidar da casa enquanto estavam fora.

Entraram na limusine, o motorista arrumou o retrovisor e eles pisaram na estrada. Cada um dos passageiros ficou numa extremidade do carro.

Lucas não abriu a boca, nem se serviu com o tanto de bebidas escondidas nos cantos do automóvel. 



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