Volume 2
Capítulo 42: Cultivo
— Pera, pera, pera! — Lucas levantou a mão a frente, querendo entender o que passava na cabeça daquele cara. — Explica do começo, e primeiro, eu nunca te vi na minha vida!
— Oh, mas nos vimos sim! Uma pena que eu não sabia o que você trouxe da última vez, do contrário… eu teria te prendido com cordas e levado comigo.
Um arrepio atravessou a espinha de Lucas, que agora ficava confuso se era melhor retornar para a cela ou ficar lá fora conversando com o esquisito.
— Mas tudo bem, já que é assim, vamos caminhar um pouco enquanto conversamos. É melhor do que ficar parado no meio da escadaria.
O rapaz acenou com a cabeça, concordando, mesmo que já imaginava que quando tivesse a chance, fugiria.
Os dois andaram pela calçada, Xing Xong gesticulando suas mãos e murmurando consigo mesmo, como se estivesse decorando o que falaria.
Quanto mais se distanciavam da delegacia, mais Lucas pensou que fora uma má ideia acompanhá-lo, estaria mais em paz isolado numa solitária que ao lado dele.
— Ok, já sei como explicá-lo — disse o chinês, abaixando as mãos. — Você já ouviu falar da arte dos cultivadores, Lucas?
— Não? Ei, você não faz parte de uma seita doida e tá me levando pra lá, né?
— O que? Quer dizer, eu faço parte sim de uma seita, mas não da forma como você pensa… — Seus dedos apertaram as pálpebras, enfim reparando que tinha ido longe demais.
Xing Xong abriu a boca para dizer que a tal seita da qual fazia parte não tinha aspectos religiosos, mas era uma muito importante.
A seita da Jade Divina era um grupo que buscava paz espiritual e que não tinham conseguido pelos meios convencionais.
Isso se enquadrava desde aqueles que tiveram um aprofundamento ferrenho em religião ou se afundaram em filosofias específicas, saindo sempre tristes no processo.
O grupo propunha entregar essa paz por meio de muita meditação e reflexão constante, acolhendo o novo membro numa família.
Eles também tinham um sistema próprio para escalar pessoas para conseguir dinheiro, e ironicamente a forma mais fácil de obtê-lo era por meio de raids.
— Tá, mas o que eu tenho a ver com isso? — perguntou Lucas, com uma sobrancelha levantada. “Ele quer que eu entre por acaso?”
— “Ele quer que eu entre por acaso?”, é isso que está pensando agora. Não é isso, o que desejo é só um suprimento dessas ervas que você vendeu da última vez.
Xing Xong mostrou a tal erva da manhã, que supostamente tinha um grau de pureza alto e muita energia dentro.
Ele continuou dizendo que essa erva era a principal usada por cultivadores, homens e mulheres que entravam em longos estados de meditação para atingirem picos de poder espiritual maior.
Mesmo que parecesse ficção, muitos deles eram raiders renomados ou em uma carreira de longa data.
No entanto, para a arte do cultivo, era necessário um constante consumo de comida e medicinas, e quanto melhor fosse um ou outro, mais potente seria o cultivo da pessoa.
— Ou seja, você quer mais das ervas pra sua seita e vai me pagar por isso…?
— Isso, exatamente! Agora sim você entendeu. Por acaso teria algum problema?
Lucas pegou as mãos de Xing Xong e as apertou com todo gosto do mundo, seus olhos possuiam cifrões no lugar das pupilas.
— Por que não contou logo, cara? Eu não ia recusar se tu só falasse isso de uma vez. Tô interessadissimo e posso te entregar muitas e muitas delas, viu? — Apertou mais ainda, seus olhos brilhantes concentrados no rosto agora lindo de Xing Xong. — Quantas precisa? Pra quando você quer? Onde você precisa que eu deixe? Hein, hein?
— Por-por favor, se acalme… — O jogo virou, agora quem era pressionado e posto medo era o chinês. — Não se apresse agora, temos bastante tempo para decidir isso. Por enquanto, quero o seu número para negociar os preços.
— Ah… entendi… — Ele largou a mão, seu olhar decepcionado encarou o asfalto quente. — Tá, anota aí.
Ele passou seu número devidamente, mas os dois ainda não tinham seus assuntos terminados. Ainda haviam mais detalhes para se saber, como o caso dos cultivadores.
Por mais desinteressado que Lucas estivesse de receber trezentas explicações sobre quem era pessoa X e Y e o que faziam, não disse nada.
O chinês disse sobre o porquê os cultivadores cultivavam constantemente, o primeiro era a longevidade.
A constante meditação reconstruia o corpo perfeitamente, mesmo sem que o cultivador notasse, o que tanto ajudava a manter sua vida quanto o melhorava grandemente.
Aqueles que faziam há tanto tempo, os velhos mestres, eram os maiores e mais poderosos de todos.
Os velhacos facilmente dariam um sarrafo em qualquer raider classe A sem um pingo de dificuldade.
Lucas achou interessante essa última parte, mas ignorou todo o resto porque não aguentava mais escutar um chinês explicar sobre reinos espirituais, portões e centenas de milhares de conceitos orientais filosóficos do qual ele não lembraria no dia seguinte.
— Depois de alcançar o quinto portão, você praticamente se tornou um imortal na questão de idade. O próximo passo é liberar o sexto, da qual vai refinar seu corpo ao limite humano e…
— Entendi, entendi. Uma pergunta, vocês precisam da erva mesmo ou delas processadas? Tipo, se tem problema quando ela é misturada com alguma coisa.
— Depende muito. — Colocou a mão no queixo, ponderando sobre o assunto. — Se a pureza da erva não for perdida, pode ser bom, mas se na mistura há outros nutrientes que amplificam o cultivo, quer dizer que o item usado é de altíssima qualidade. Claro, eu não espero que você tenha algo assim, já que só os artesãos do plano superior são os mais capacitados de produzir coisas assim, veja bem, eles foram os primeiros a descobrirem como construir as pílulas de crescimento, as pílulas de crescimento são também objetos feitos com a combinação de materiais com uma fineza imprescindível e…
Outra vez, começou o papo, que Lucas prontamente ignorou porque já não aguentava mais escutar aquele cara falar.
Por que chinês tinha que ter o problema de falar tanto? A mente dele voou para outra dimensão como forma de ignorar a saga do discurso infinito.
Ele ficou tão cansado que preferiu mandar Xing Xong para casa do que continuar a conversa, então cada um foi para o seu caminho antes que ficassem presos numa longa cena expositiva.
“Amém, um momento de silêncio. Ao menos eu sei que ele é inofensivo pra mim… mas o lance de me amarrar deu medo mesmo, foi bom ter saído logo!”
Tentou ao máximo tirar aquela coisa da cabeça, porém por conta do novo possível comprador, Lucas possuía um novo norte.
Ele ainda se sentia meio bandido, especialmente porque pelo contexto havia acabado de sair com uma bolsa cheia de erva e pretendia vendê-las a um grupo suspeito.
Pensando alto nisso, ficava ainda pior. Entrou na zona para ignorar isso, agraciando-se com as mobtraps em formato de caixa.
Continuavam inteirinhas, perfeitas para pegar seu casual grind. Agora com o título, as mortes dos goblins possuiam uma chance de 100%.
Pegou o novo conjunto de ervas da manhã e as guardou dentro de sua base. Dividiu-as em dois conjuntos, uma para serem transformadas em medicina e a outra somente para guardar.
Imaginou que se conseguisse uma coisa melhor, ou seja, se usasse a profissão alquimista para acumular maestria em Medicinas.
Caso maximizasse a maestria, provavelmente teria um preço melhor vender esses itens ao invés da forma pura. Seria um bônus dos bons.
“Hora de trabalhar!” E assim, Lucas de uma em uma transmutou as ervas.
*****
Levi tinha um péssimo pressentimento. Poucos dias atrás, ele teve uma impressão de estar sendo observado, e quando tentava procurar quem estivesse fazendo isso, não achava nada.
Imaginou que estava ficando louco, mas as coisas pioraram um pouco mais quando surgiu um rumor de um invasor no campus.
Os guardas falaram sobre, incluindo também um depoimento de Natália, sua namorada, da qual tentou pegar o invasor.
Infelizmente, também serviu de combustível para rumores ao redor dela.
Escutou sobre como mesmo com uma habilidade poderosa, ela não era capaz de capturar um pervertido andando lá dentro.
“Desgraçados, falam assim da minha namorada fofa porque não estão na pele dela! Se eu tiver que ouvir mais disso, juro que vou matar alguém!”
Essas ameaças ficaram presas na sua cabeça, alterando até mesmo seu olhar gentil no dia a dia. Independente disso, não mudava o fato de Natália se sentir um lixo.
Primeiro, perdeu um esquisito entrando no campus, segundo voltou com um cheiro horrível no corpo, e terceiro era sacaneada por todas as pessoas já que ela se achava tanto por sua habilidade e no final não conseguiu nada.
Ela nem mesmo tinha vontade de encarar seu namorado por pura vergonha.
Os dois se viam nas aulas, conversavam sobre o material, mas nem por isso a garota sentia vontade de abrir a boca e soltar um desabafo para tirar o peso.
Ela só sentia inútil, um completo lixo e contrária a imagem que construiu por tanto tempo.
A mestra poderia estar decepcionada e sua família também se soubessem de sua falha, ou assim Levi acreditava passar na cabeça dela.
— Ei, amor — chamou o rapaz, puxando-a pela mão quando saíram da aula. — Vem comigo, quero te mostrar uma coisa. É muito importante, viu?
— Hum… tá bom, vamo. — Ela não apertou na mesma intensidade, porém acompanhou.
Levi a levou para um canto isolado no campus, mas não para darem amassos em segredo, como a maioria das pessoas acreditaria, e sim para dar uma fugida.
Ele pulou e se sentou no meio do muro, aquela parte não tinha a cerca elétrica, o espaço no qual havia descoberto há uns meses para fugir do campus se estivesse entediado demais.
A maioria das pessoas acreditava que Levi era santo, mas isso era uma grande mentira. Até sua família acreditava nisso, incrivelmente.
Uma das poucas pessoas que sabia a verdade era Natália. Vendo-o subir, ela colocou sua mão no topo e puxou, enfim os dois saíram do campus e puderam andar em paz pela cidade.
— Quer me contar o que tá pensando? — perguntou o rapaz, de mãos dadas. — Se não quiser, não tem problema, amor.
— Não quero. — Ela fechou o rosto, enrolando seu braço no dele. — Só… só vamos ficar por aí, tá bom? A gente tem que voltar daqui uma hora, não esquece da nossa próxima aula.
— Não se preocupe, voltaremos quando tudo der certo. É bom aproveitar agora… Ah, que tal algumas barras de Bis Black?
A garota ficou completamente muda. Levi sabia muito bem seu ponto fraco, então logo concluiu que seu silêncio era um mero sinal de concordância.
Algumas compras que custaram uma facada no bolso do rapaz, enfim uma Natália mais sorridente apareceu, mas só depois de dar uma mastigada em um chocolate e ser paga um sundae.
Ele ainda tentava entender como cabia tanta comida naquela barriga. Deveria ser bem um segredo feminino, já que o mesmo acontecia com sua mãe.
Na praça de alimentação, Natália largou sua comida em cima da mesa, os olhos vacilando entre encarar o namorado ou as demais pessoas passeando.
— Tem algo que quer falar e não consegue — disse Levi, lendo o rosto dela igual um livro. — Sempre te digo: não precisa se forçar a falar se não quiser, solte quando achar melhor.
— Não é isso… é que… eu tô preocupada com o que pode acontecer contigo agora.
— Como assim? Eu estou ótimo, amor, completamente sossegado.
— Não é isso… O cara que invadiu o campus disse seu nome e falou que era seu irmão. Eu fiquei preocupada e ataquei ele, já que não queria acreditar. Daí fiquei pensando se você arranjou briga com uma pessoa e ela veio tirar satisfação…
Levi inclinou sua cabeça. Era impossível que seu irmão viesse a essa hora. Foi só perguntar o nome que a comida voou de sua boca num cuspe.
— Como ele era?! O que tava usando?!
— Hã? Ele… ele era meio normal. Tava de óculos e moletom de treino.
— Puta que pariu! Eu vou ver é ele agora!
Levi pegou sua bolsa da cadeira, preocupando mais ainda sua namorada, que segurou o braço dele para ficar.
Uma discussão bem longa ia começar entre o casal, mas um grande evento interrompeu. Um som de explosão ressoou na praça de alimentação, e de repente, um portal estourou ali.