Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 113: Culinária

A habilidade Fluxo foi ativada.

Todo o seu foco se concentrou em não surtar.


Lucas queria sair daquela situação correndo, porém se viu impossibilitado diante das garras da elfa. Aquilo não era normal, pelo contrário, ela parecia alguém completamente diferente.

“Mãe, por que você fez isso comigo?”

Era tudo o que passava pela sua cabeça, ele só não amaldiçoou porque era sua própria mãe de quem estava falando. 

De toda forma, o coração quase escapou pela boca de tanta pressão, e seus olhos procuravam na cozinha qualquer coisa que servisse para escapar.

Ele olhou para a panela, que continuava fervilhando alguma coisa dentro.

— Ah, eu quase ia esquecendo! O que você tá cozinhando?

Um largo sorriso brotou na face de Solein e ela recuou de volta para o fogão, mexendo com uma colher no conteúdo dentro da panela. O cheiro era ótimo, mas não remetia a nada do que lembrava exatamente.

— É um prato típico do nosso mundo, porém tive que substituir tudo com os legumes daqui. Chama-se Rani’Tazaa, nós coletamos as verduras e legumes, esprememos algumas para criar um molho e depois deixamos esfriar, fazendo uma pasta… 

Lucas acenou positivamente para a explicação da receita, mesmo não tendo ideia de como exatamente funcionava. Para agradá-la, decidiu ver a panela, mas tudo o que viu era um sinal de morte.

A cor era terrível, um verde radioativo prestes a explodir a cozinha. Pelo menos o aroma não incomodava… 

— Que-Que bom, deve ser bastante gostoso! 

— Sim, sim. Minha mãe cozinhava todo ano para nós…

O cantarolar retornou, um tipo de melodia que Lucas desconhecia. Ele sentiu ter pisado numa ferida, pois tudo o que a elfa fez foi mexer o ensopado e olhar fixamente para as bolhas.

Como forma de mudar um pouco o clima, o rapaz pegou uma panela de canto e quebrou dois ovos, lançando manteiga dentro e ligando o fogão.

Aquilo surpreendeu Solein, que imediatamente ia repreendê-lo e mandá-lo voltar ao assento, porém, ele rapidamente ergueu a mão em protesto.

— Não sou de comer só verduras, então quero melhorar a receita incluindo um tcham.

Ele não tinha um mestrado em gastronomia, mas os anos em pobreza ensinaram valiosas noções de como cozinhar ovo das formas mais inusitadas.

Uma pitada de sal e pimenta complementaram a comida, com um toque especial vindo ao virar para o outro lado e assar até um ponto perfeito.

Lucas apresentou como uma obra-prima, um exemplar de Pablo Picasso com Da Vinci. 

— Você só fez um ovo normal… 

— Ei, não é um normal! Tem paixão!

Aquele comentário o machucou. De fato, o que dava para fazer com ovo era só ovo.


Profissão desbloqueada: Cozinheiro.

Suas receitas agora oferecerão um pequeno incremento de atributos.

Fazer a mesma receita várias vezes aumenta sua eficiência.


“Ah, nem tinha ideia que essa coisa existia. Bem, era esperado, eu mal fiz comida até hoje, mãe na maioria das vezes cuidou de tudo…”

Ele deu de ombros e suspirou, meio decepcionado consigo mesmo por não aliviar o fardo. Sabe se lá onde Cristina estava, mas ainda assim uma certa coisa mexia com o rapaz.

— Lucas… — chamou Solein, com o rosto meio melancolico e com hesitação. — A sua mãe é adorável, sabia?

“Ouvir isso de você é esquisito demais para eu acreditar.” O pensamento cruzou, mas não foi verbalizado, ao invés disso só houve a resposta: — É, eu sei. Ela é a melhor do mundo.

— A senhora Cristina tem uma presença forte, um poder milagroso, uma índole impecável… não me surpreende seu pai ter casado com ela. Eu faria o mesmo.

“É o que?! Agora quer pegar minha mãe?!”

— Sabe, às vezes me sinto muito solitária desde que fui abduzida do meu mundo. 

Aquilo emudeceu Lucas. Sim, Solein não era da Terra, muito menos fazia parte da dimensão de bolso do Lago Congelado, ela vinha de outra dimensão.

O mesmo valia para as demais pessoas que trabalhavam ao seu lado, como Lilith, Igibris e Hurrto, até estranhava o motivo do anão continuar com eles tendo o poder de voltar para a casa.

De qualquer jeito, era fácil ter empatia por todos, levando em conta que ele próprio não era originário daquela dimensão, e sim alguém que tomou o lugar de outro Lucas.

— Eu entendo. Meu pai abandonou a gente há anos…

— Abandonou? Que traste de pessoa. Ele seria decapitado se estivesse no reino dos elfos de gelo.

— Cal-Calma, não é abandonar no sentido literal! Eu quis dizer que ele morreu, sim, morreu quando eu era criança! — A correção foi meio errada, culpa da confusão de informações. “Droga, eu ia esquecendo que o meu pai desse mundo foi um cara legal…”

— Ohhhh, sim! Então devia ser um cavalheiro honrado! 

— É, por aí… 

A conversa amenizou o clima, mas ainda lançava certa estranheza no ar, obrigando-o a lançar outra pergunta:

— Como era a sua mãe?

— Era a melhor maga de gelo do reino! Na verdade, ainda deve ser, duvido que alguém possa tomar o cargo dela. A mamãe costumava ser um pouco ausente, mas quando voltava, passava meses inteiros conosco.

Solein continuou contando sobre as conquistas de sua mãe, sobre como ela erradicou exércitos inteiros com magia de gelo e como era muito venerada na terra natal.

Ela foi cortejada por inúmeros homens depois de obter o posto de Mago da Corte, sendo a primeira mulher da história elfica a obtê-lo. 

No entanto, apenas o senhor Tremwin se tornou capaz de derreter aquele coração congelado, e assim eles se casaram e fizeram-na existir. 

Infelizmente, elfos eram muito inferteis, logo, quando Solein nasceu, todos esperavam um talento sobrenatural para com magia, mas ela era só acima da média, não um erro de cálculo igual sua mãe.

— Bem, ao menos, a vida dela deve estar melhor agora… Não tem a filha medíocre para todos caçoarem e atormentarem minha mãe…

— Solein…

— Se todo mundo é ridículo a esse ponto, se dizem que eu não era para nascer, então que mal faz estar aqui e agora? 

— Solein! — Lucas apertou o braço da elfa, que arregalou os olhos de susto. — Pare com isso, nenhuma mãe pensaria nisso! 

— O que? Não seja…

— Pare de se rebaixar, só porque os outros diziam isso pelas suas costas, não significa que a sua mãe te vê da mesma forma! Ela na verdade estaria chorando se ouvisse essas coisas!

Os lábios de Solein ameaçaram falar alguma coisa, mas imediatamente pararam, contendo-se como se quisessem enterrar os sentimentos no coração.

Um suspiro lhe fugiu, com ela desligando o fogão e elaborando uma fraca magia de gelo para o procedimento da comida, afastando-se em seguida rumo a mesa.

— Me desculpa…

— Sabe que não precisa se desculpar comigo, certo? — Lucas pôs uma das mãos no ombro dela, esboçando um sorriso. — Eu só não quero que pense assim, porque o que te disseram é mentira. Você é gentil, tem muita habilidade com magia de gelo e é absurda em combate. Ainda não esqueci que da vez que salvou minha pele contra aquele leão…

— Hihihi, obrigada. — A risadinha a fez corar, com os dedos escondendo a boca e os dentes mostrando. As risadas pararam, com Solein envolvendo-o num abraço quente. — Eu queria… ter escutado isso alguns anos antes. Talvez não pensaria tanto nisso se tivessem sido gentis.

O rapaz largou a vergonha e formalidade, devolvendo o abraço na mesma moeda, também fazendo um cafuné no cabelo prateado.

— Eu sei, eu também sou do mesmo jeito. Me sinto um fracassado quando tudo o que ouço são críticas e nenhum elogio… mas ei, enquanto tiver gente que apoia você, não custa nada continuar, né?

— Sim… — A resposta foi fraca, mas sincera, cheia de sentimentos. — Falando desse jeito comigo vai me apaixonar mais por você. Tem certeza que quer isso?

— Tá de boa, fica tranquila. Agora é o seu momento.

— Não, eu estou dizendo porque… você não quer mesmo se casar com nenhuma de nós duas, não é?

Lucas afastou, estranhando a pergunta. Acreditava que Solein se imergiu demais nos próprios sentimentos para abordar dessa forma, mas na realidade ela era mais esperta.

— Não é isso, é que eu nunca estive numa relação, sabe? Eu não sei como funciona, pra mim dá um certo medo vocês serem tão diretas e insistentes… Me assusta pra caramba… Também não consigo entender como funciona minha cabeça quando estou com uma de vocês. 

O momento do beijo era um caso. Aquilo não foi de fato de propósito — ou será que foi? —, então a mente dele se encontrava num turbilhão.

Será que o beijo transmitiu mesmo o que queria? Então se era isso, por que acabou deitando-se com Lilith? Por que seu corpo se movia assim sozinho, procurando as duas? Tudo era confuso.


A habilidade Fluxo evoluiu.

Rank C -> Rank B


“Péssimo timing, porém todas essas coisas precisam mesmo da minha atenção.”

Respirou fundo, uma enxaqueca incomodava a mente cheia de hipotéses. Ele não entendia e também não conseguia explicar porque essas coisas aconteciam.

Enquanto devaneiava, Solein pegou a panela e pôs em cima da mesa, trazendo dois pratos.

— Eu acho que entendi, deve ser o mesmo caso que passei algumas décadas atrás, no reino dos elfo de gelo.

— Hã? Você já namorou antes? 

— Claro, esqueceu que eu era uma dama requintada e filha da Maga da Corte? Vivi na elite. — Deu de ombros, usando uma colher para tirar a pasta dentro da panela para os pratos. — Todos queriam ficar ao meu lado, querendo favores da minha mãe. Eram sanguessuga e eu uma jovem apaixonada. Depois de descobrir a intenção deles, fechei meu coração, mas aí você apareceu…

Ela deu uma piscadela e encarou Lucas, mostrando um sorrisinho curto, singelo e ardente. Aquilo o fez corar, ao ponto de ter que olhar para outro canto. 

— Enfim, vamos parar com essa ladainha toda! — Solein falou, empurrando a cadeira para se sentar. — Vamos comer! 

Lucas observou seu prato com ovo, dando uma colherada e pondo na boca. Não precisava de medo, além do mais, nunca escutou reclamações das comidas de Solein.

O sabor era… estranho, mas familiar. Lembrava-no um tipo de molho suave de tomate, mas tinha uma pontada de mostarda no final e uma acidez. 

Algo dificílimo de explicar e muito gostoso, especialmente quando se misturava com uma proteína, no caso, o ovo. 

Ele mastigou sem pensar muito, sendo encarado por uma Solein que também degustava da refeição, a espera de um sinal positivo.

No entanto, nem precisou. Lucas devorou como se não houvesse amanhã, e só isso serviu para esquentar o seu coração, vê-lo feliz experimentando alguma coisa.

— Nossa, é gostoso. Pode me dar a receita depois? Eu quero experimentar colocar isso numa macarronada…

— Macarronada? Ah, é aquela massa molenga amarelada que vocês comem?

— Isso! Você nunca comeu macarrão?

— Nunquinha. Não sou daqui, lembra?

“É verdade, ela nem teve muito como experimentar nada da Terra…” Uma boa ideia cruzou a mente de Lucas, que sairia de qualquer forma. — Que tal passearmos? Eu vou passar na Seita do Sol Nascente, podemos ver outras coisas no caminho.

Aquilo irradiou o rosto de Solein, que por um momento se sentiu a pessoa mais sortuda do mundo. Um encontro? Como ela recusaria um pedido tão óbvio?

— Vamos, vamos! Eu quero muito ir!

— Certo, só precisamos de uma roupa boa pra você… Acho que também temos que pegar algumas, pra variar. Ainda tem aquelas de quando me visitou no torneio?

— Tenho sim, está comigo, inclusive…

— Ótimo, vou me trocar também. Já volto.

Lucas subiu as escadarias, causando uma felicidade sobrenatural na moça deixada para trás, que se trocou tão rápido quanto um piscar de olhos e aguardou enrolando as mechas nos dedos.



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