Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 108: Charme?

A noite durou muito mais do que devia ter durado. Os olhos de Lucas queimaram quando a luz do sol entrou pelas cortinas, sua cabeça doía muito e o corpo estava parcialmente dolorido.

O treino de Amora sequer se comparava ao esforço feito na noite anterior, e ele temia até que suas coisas tivessem quebrado por causa disso. 

Por sorte, tanto a cama quanto o restante da mobília ficou intacta. Ele ergueu o torso, coçando o cabelo e soltando um longo bocejo.

Passou a mão no pescoço, mas uma ardência o fez recuar.

— Tsc… — Olhando para o local, viu uma marca roxa de mordida. — Ela não pega leve nisso… Senhor, no que eu fui me meter?

Enfim acabou encarando a moça deitada ao seu lado. Seu corpo estava escondido pelo lençol, mas seu rosto dorminhoco e sorriso satisfeito ficaram amostra para o mundo.

A principal culpada dos machucados era essa mulher, a responsável por roubar sua virgindade e atrai-lo para prazeres que nunca antes experimentou: Lilith.

Oficialmente, Lucas perdeu quase todas as virgindades. Faltava uma, mas ele jamais ousaria perdê-la se fosse por sua própria dignidade.

Vendo-a deitada assim, até se sentia meio sem jeito, porque era muito fofo. Claro, quando levava em conta o que aconteceu ontem a noite, essa imagem caia por terra.

Ele foi ao banheiro para arrumar sua cara surrada e bagunçada, ao mesmo tempo que aliviava as memórias e extase de ontem.

Não precisava de palavras para lembrar, e francamente, estava num misto entre esquecer e lembrar. A segunda opção era extremamente tentadora.

Por causa do jeito que estava, achou melhor se arrumar o mais rápido possível, inconsciente do que acontecia lá embaixo.

Na cozinha, Solein estava andando de um lado para o outro na cozinha.

“Um café da manhã especial, um café da manhã especial!”

Ela não dormiu, como iria conseguir dormir na casa do seu amado? Ao invés disso, acabou passando a noite quase inteira no quarto de sua sogra para pegar dicas de como encantar seu noivo.

O único motivo por não ter escutado a ação que acontecia no andar de cima foi por causa de uma magia silenciadora de Lilith, que evitou qualquer som escapar.

Então, completamente inocente, Solein anotou cada tática que deveria usar para conquistar aquele jovem moço que puxou seu coração.

— Ele tem feito uma rotina mais saudável, e como sua noiva, eu preciso apoiar em tudo que ele faz… — Ela mexeu a colher na panela, adorando a versatilidade dos utensílios e aparelhos na cozinha. — Uma omelete, uma vitamina bem equilibrada, tapoi… tapo… tapioca? É, assim que se chama essa coisa.

A felicidade em seu rosto era genuína, preparar cada uma daquelas coisas se tornou uma ótima atividade, e com certeza alguém como ele adoraria esse tipo de coisa.

“Quero ouvir um ‘Eu amei essa comida, Solein, vamos nos casar!’, é o mínimo!”

Depois de colocar tudo numa bandeja, a elfa respirou fundo para acalmar seu coração e subiu as escadarias com o mais pleno cuidado. 

Parou na frente da porta do quarto, estufando o peito e enfim batucando.

— Estou entrando, com licença…

Ela girou a maçaneta e empurrou, apenas para ficar estática no lugar ao ver as costas de Lucas. Arranhões, muitos arranhões. Mordidas, muitas mordidas.

A bandeja só não caiu de suas mãos porque fez muito esforço para fazer tudo, então por garantia colocou em cima da escrivaninha do quarto antes que acabasse derrubando.

— Lu… Lucas…

Um arrepio passou pela espinha do jovem moço. Ele sabia que Solein tinha entrado, mas esqueceu um detalhe crucial: estava só de bermuda.

Suas costas ficaram ali, revelando seu grande pecado. Um pesar apareceu em seu peito, ele tinha feito merda e se tocou tarde demais.

Não queria nem virar a cabeça, temendo que uma foice cortasse sua garganta no instante em que se mexesse. Isso de fato aconteceria no menor deslize.

Passos ecoaram pelo quarto, o som deles era parecido com o badalar do sino da morte. Um dedo gelado encostou na sua nuca, intensificando em milhares de vezes o medo.

— Como foi… que isso aconteceu…?

— Ééé… bem, eu…

— Foi a Lilith, não foi…? O que vocês dois fizeram…?

— Aconteceu que…

As palavras engasgavam na garganta, não querendo de jeito nenhum sair. Uma situação pior que aquela não poderia existir, e piorou ainda mais ao notar uma súcubo sonolenta se mexendo.

— Niah… que sono bom, o melhor que já tive. — Ela coçou os olhos antes de abrí-lo, apenas para se deparar com duas pessoas no quarto. — Ah, bom dia, amor, e mau dia pra você também, orelhuda.

Um conjunto de veias saltou da testa da elfa. Ela pôs o pé em cima da cama e puxou Lilith pelo chifre, enquanto suas pupilas brilhavam como flocos de gelo caindo numa nevasca.

— Quem é você para me chamar de orelhuda, sua desgraçada sem vergonha! — o grito espalhou-se pela casa igual um trovão. — Como ousa fazer algo assim, hein? Como você tem a cara de pau de logo no primeiro dia atacá-lo?! Não tem modos? Não sabe o que é romance, sua maldita?!

— Ai, ai! Quem é você para saber de romance e modos?! — Em troca, ela agarrou as orelhas da elfa. — Você que não conhece nenhum jeito para tomar o coração de um homem direito! Teve o tempo inteiro para chegar na cama dele e nem usou isso, então aceitei a minha vitória!

— Vitória?! Você é uma ladra, uma vagabunda maluca!

— Ah é?! E você é uma aliciadora, além do mais, beijou o meu amor forçadamente quando ele nem queria!

— E eu aposto que você deve tê-lo forçado a dormir contigo, só assim para ter aceitado!

— Eu? Haha, não seja estúpida, elfinha, eu agarrei o coração dele e o tornei meu por conta própria!

O debate acalorado explodiu dentro do quarto, o que permitia que Lucas saísse de fininho caso fosse rápido, porém o desconforto em seu rosto e um restinho de honra o impediu.

A situação de como se relacionou com aquelas duas era complexo e complicadíssimo. Por um lado, nutria certas coisas que não entendia por Solein, por outro, Lilith aprendeu como atiçá-lo.

Ele estava no meio de uma corda bamba, indeciso se soltava e se jogava para um dos lados.

— Garotas, se acalmem, por favor…

— Me acalmar?! — berrou Solein, virando o rosto com as orelhas quase vermelho-sangue. — Como eu vou me acalmar depois de ver isso? Eu ainda não terminei com você, Lucas, espere para ver!

— Ora, vai ficar com raivinha do meu amor agora, é? A culpada aqui ainda é você!

— Por que a culpa é minha? A culpa é claramente do Lucas por deixar de conter os seus instintos! Um homem sem autocontrole é sem valor!

— Segurar os instintos? Como você quer que ele, um homem na flor da idade, faça isso?! 

Outra vez o debate recomeçou, e Lucas se sentiu um grandíssimo inútil. 

Ele parecia até a garota naqueles triângulos amorosos de séries da Netflix, em que a garota não tinha poder sobre os outros dois rapazes interessados nela.

Vendo por essa perspectiva, ficou ainda pior para sua situação. Reconheceu o próprio erro, não era para ter se entregado a algo assim quando tinha uma segunda pessoa na equação.

Um longo suspiro fugiu da sua boca, talvez devesse só sair e curtir o tempo lá fora para acalmar a cabeça enquanto as duas se decidiam sobre o que fazer.

No entanto, seu respirar atraiu os olhares das duas, que encararam-no como se estranhassem. Ele levantou os olhos e encarou de volta, com ombros caídos.

— O-O que foi?

— Por que você tá assim? — indagou a elfa, sem soltar o par de chifres. — Fique com cara de coitadinho depois. É melhor para você levar sermão…

— Mas vocês duas estão brigando por uma besteira que eu fiz, não é?

— Hãã… Sim? Quer dizer, é porque você decidiu escolhê-la ao invés de mim. Eu quem devia ter a honra, mas essa maldita aqui ousou ser sapeca e tirou o que era meu por direito.

— Acorda, orelhuda. — Lilith mostrou a língua para irritá-la ainda mais. — Pega quem chega primeiro. Você demorou muito e eu aproveitei.

— Como é que é? Repete.

— Já chega, tá bom, tá bom! — Lucas enfim se colocou no meio das duas e as empurrou, abrindo espaço. — Não precisam brigar de novo, isso vai durar o dia inteiro se continuarem. Eu sei que errei, Solein, desculpa, é só que foi no calor do momento e eu não resisti…

A elfa cruzou os braços, seus lábios se mexeram como se quisesse dizer algo, mas hesitou diversas vezes. Ela andou em direção à porta, sem sequer dar seu tempo para vê-lo.

— Aproveite seu café da manhã.

— Solein…

A porta bateu de uma vez. O café da manhã ainda estava em cima da mesa. Àquela altura, a fome tinha até ido embora. 

Ele ainda comeu do mesmo jeito, a memória de seu tempo como pobre era viva, então estragar comida era um tabu.

— Não liga pra ela, meu amor, é só um estressezinho. Além disso, você me tem, eu sou muito melhor do que aquela orelhuda metida a besta…

— Lilith, cala a boca, por favor.

— Ah, podia pedir com jeitinho…

A súcubo saiu da cama e usou magia para confeccionar um conjunto de roupas novo, que apareceram num passe de mágica. Ela particularmente gostou do traje preto colado, então decidiu usá-lo de novo.

Quanto a Lucas, havia acabado de tomar a vitamina e pôs o seu velho moletom de treino. Ao descer para o andar debaixo, logo na cozinha, avistou a elfa de costas comendo também alguma coisa.

 Estava sozinha, porém Lucas hesitou em se aproximar. A irritação estava no ar, e por isso só saiu pela porta, abrindo um portal rumo ao Lago Congelado.

Solein continuou no mesmo lugar, sozinha e com uma xícara de chá gelado. O silêncio pairou pela casa, o que permitiu pensar por um momento.

Mas não por muito tempo, pois logo outro alguém invadiu a cozinha: Cristina, mãe de Lucas.

— Ah, bom dia… Espera, por que você ainda tá aqui, garota? — A matriarca estranhou, levantando uma sobrancelha enquanto caminhava com cuidado rumo a geladeira. — Não era para você estar em casa? Seus pais não se preocupam contigo? E aliás, cadê o meu menino?

— Ele saiu, dona. Aquele cabeça oca foi embora e me deixou aqui. 

O tom tristonho foi como um grito de desespero para a mulher, que pegou um assento depois de colocar na mesa um bolo de chocolate conservado na geladeira.

Com um garfo, ela começou a despedaçá-lo e comê-lo, aproveitando para também conversar com essa moçoila.

— Por que diz isso? Ele fez algo de errado?

— Ele dormiu com outra, dona! Ele dormiu com alguém que não era eu!

— Ah, você quis dizer aquela de cabelo preto e corpão? Eu já esperava isso, acreditei que você ficaria no quarto dele para evitar que isso acontecesse.

— Como…? E por que não me avisou?

— Oxi, porque é óbvio…? Você se autoconsagra noiva do meu filho, mas nem um anel tem no dedo e muito menos o Lucas te chama de namorada. Dá pra ver de longe que vocês só tem sentimento e nada de laço amoroso, tá na cara.

— Mas ele me beijou e tudo, óbvio que tem algo nisso!

— Se tem, é vacilo dele e dou umas palmadas naquele garoto depois por ter machucado o seu coração… Cruzes, nunca pensei que diria isso, imaginei que meu filho ia ser um solteirão pelo resto da vida! — Outra mordida no bolo encheu o cérebro de Cristina de dopamina. — Bom, sendo sincera, eu não sou de me meter em drama meloso, prefiro ficar na minha e observar.

A frustrada elfa abaixou a cabeça, completamente derrotada. Além de perder para Lilith, sua inimiga assumiu uma grande vitória, conquistando algo que a própria Solein não tinha coragem.

— Só que… — falou a matriarca — como uma mulher, você deveria abusar do seu charme.

— Abusar do meu charme?

— Sim, do seu charme. O meu filho acha você bonita e pelo jeito gosta da sua ajuda. Enquanto aquela menina tem um corpão, você tem a personalidade. Basta ganhar dela usando seu melhor trunfo.

Algo clicou na cabeça de Solein. Isso de fato estava certo.

Mesmo que muito decepcionada pela atitude de Lucas, ela ainda o queria. Eles não eram de fato noivos, nem namorados e muito menos casados para os padrões culturais humanos.

Sendo assim, provavelmente aquilo só era uma relação esquisita entre os dois, não tinha um amor de verdade no meio, ou seja, Solein precisava usar de seus artifícios para colocá-lo ao seu lado novamente.

Um novo plano teve início em sua mente, que agora pretendia ser como uma águia prestes a capturar uma grande carpa.



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