Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 106: Patriarca

Uma divindade mandando uma mensagem do mais absoluto nada, como isso não o assustaria? Esses seres demonstraram diversos comportamentos estranhos, mas recentemente parecem ter se amontoado em sua cabeça.

Lucas queria saber o que aquele em específico queria, pois só de estar perto do Patriarca fez com que chamasse atenção. O velho à sua frente, por outro lado, condizia um pouco com a imagem desse deus.

Hades representava a morte, o tártaro, o pós-vida, não muito diferente daquele senhor, cujo peso da aura ao seu redor mais lembrava o de um defunto. 

O instinto primordial era de atacá-lo e eliminar sua existência, como se fosse uma afronta à própria natureza.

— Oho, que vontade de matar forte… — disse o velho, alisando sua barbicha com um leve sorriso. — O que você está pensando, jovem?

Disparar e enfiar um chute no meio da barriga daquele senhor. Seria futuramente condenado por lei? Sim, mas em primeiro lugar não era nem para ele estar vivo.

— Quem é você? O que você quer comigo?

— Bem direto ao ponto, igual a própria mãe.

Um tremor tomou conta das mãos de Lucas. Falar de sua mãe era um golpe baixo, e se saísse qualquer mínimo xingamento, não hesitaria em levantar os punhos e cair para a briga.

— Calma, calma, não quis dizer no mal sentido… — O patriarca suspirou, vendo a tensão passar pelos músculos do garoto. — Estou só dizendo que são parecidos nesse quesito. Cristina normalmente não gostava de enrolação e grandes debates reflexivos, preferindo a vida simples.

— E o que tem? Viver de maneira plena é a melhor coisa.

— Não estou dizendo ser ruim, só apontando as semelhanças… Por favor, você nasceu de sete meses para ser assim? Enfim, indo direto ao ponto, eu sou o patriarca da seita do Sol Nascente, o próximo homem a transcender a humanidade, e também alguém que reconhece as forças além do nosso alcance. 

O rapaz fechou a boca. Pelo que lembrava, somente o anão Hurrto estava ciente de coisas assim por causa de seu sistema. Outra pessoa saber disso lhe deixou sem reação.

— Surpreso? É de se esperar, você deve ser alguém ciente de uma coisa ou de outra, então sente-se, tome um chá e converse comigo, porque sinto que você se arrependerá caso negue.

Assim, o garoto tomou um canto no sofá, seguido pelo patriarca, que ficou no lado oposto. Duas xícaras de chá estavam prontas na mesa entre ambos, ainda quentes.

Um conjunto de biscoitinhos de manteiga acompanhava a bebida. A porcelana, feita de cores azuis e brancas, realçavam o sabor do chá, enquanto os biscoitos lançavam farelos para todo canto.

Para conter a ansiedade, era normal Lucas comer bastante, então os biscoitinhos sumiram num piscar de olhos enquanto o patriarca ajeitava a postura no assento.

— Hum… Então, você percebeu como sou diferente das outras pessoas, certo?

— Sim, a atmosfera que você tem é pesada e a energia ao seu redor parece de cemitério…

— Quem vivenciou muitas lutas também dizem o mesmo. Às vezes escuto que cheiro a morte, mesmo passando os melhores perfumes e usando as melhores roupas, no entanto, você sabe o porquê disso? Consegue encontrar uma razão para que eu pareça assim?

— Não, nunca encontrei alguém forte assim também…

— O motivo é simples: era para eu ter morrido há muito tempo atrás.

A informação caiu como uma bomba, mas Lucas se manteve calmo. Ele estava falando com um zumbi? Ou seria um vampiro? Bem, não parecia um vampiro levando em conta que não era pálido.

— Quando eu era jovem — continuou o patriarca —, procurei cegamente poder das mais variadas formas possíveis. Eu queria vingar do meu irmão, que sempre era superior a mim em tudo e me rebaixava por representar uma vergonha na família. Tentei muito, mas muito mesmo, evitar a tentação de ir para o caminho sombrio, mas no final me rendi e fiz o que queria. 

— E o que você fez?

— Eu o matei, é claro. Porém, houve um grande troco: a entidade da qual pedi poder me amaldiçoou com vida eterna, para que eu visse todos quem amava morrerem e para reviver os meus pecados diariamente. Vi meus filhos, netos, bisnetos e até tataranetos morrerem, um por um. Zhang Zhao e Xing Xong? Eles possivelmente fazem parte da minha linhagem, de tanto tempo que ela começou.

O patriarca tomou um gole do chá, olhando cima que possuía um teto de vidro, do qual as nuvens vagavam solitariamente enquanto o sol já tinha se passado há muito tempo.

— Aquele ser era traiçoeiro, e por causa dele carrego o cheiro da morte por qualquer lugar. Com o tempo, também aprendi a identificar nos outros… e ele é muito forte em você. — Ele apontou para o garoto na sua frente, cerrando os olhos e focando nele. — Me diga, você fez algo como eu fiz?

— Não, em nenhum momento. Na verdade, eu nunca fiz nada a ninguém.

— Então por que possuí esse cheiro e aura?

— Eu não sei. Acordei desse jeito, e agora quando morro, volto para o mesmo dia em que comecei.

— Quantas vezes você já morreu?

— Uma…

Doía um pouco falar isso, porque Lucas ainda tinha o medo de morrer de novo. Caso isso acontecesse, tudo voltaria do zero, qualquer esforço no mundo real iria embora num estalar de dedos.

Seu dinheiro, felicidade, tudo sumiria. Não à toa que ele evitou construir relações no mundo real, além do mais, do que adiantaria formar vínculos se bastava um deslize para tudo sumir?

Era esse tamanho medo que o impediu de fazer muitas coisas, tal como manter o devido contato com Bianca, com seu irmão, com sua mãe e até com Amora. Ele não queria se frustrar de novo.

Se por acaso morresse, seus atributos também desapareceriam. Ele treinava fazia meses, rasgando cada pedaço de si apenas para ficar mais forte.

Mesmo que demorasse para subir um atributo, jamais parou, porque precisava ter força para proteger sua família. Poderia parecer redundante, levando em conta seu medo, mas essa era sua lógica.

— Uma vez, é? — O patriarca tomou um gole do chá, analisando o garoto da cabeça aos pés. — Você conhece esses seres do além, que oferecem poderes sobrenaturais a certos humanos?

— Não exatamente. Recebo suas mensagens às vezes, depende muito. Assim que te vi, chegou uma.

— Ah, quer dizer que agora ele está prestando atenção em você.

Um arrepio subiu pela espinha de Lucas, a ideia de uma entidade usando suas costas como alvo não parecia uma boa ideia. Ele também odiava ser espiado toda hora.

O patriarca riu daquela reação, e então falou:

— Faz muito tempo desde meu último contato com aquele que me amaldiçoou. Ele também me enviava mensagens, mas desde então, parei de recebê-las.

— Espera, quer dizer que você tem um sistema?!

— Sistema? O que diabos é isso?

— É um guia com informações essenciais suas. — Lucas arrastou o dedo para o lado, abrindo uma série de telas referentes a atributos, skills e artes. — Aqui, consegue ver essas coisas?

— Só consigo ver um garoto imaginativo balançando o dedo no vento, hahaha!

Aquela piada tirou o jovem dos nervos, ainda mais porque odiava ser chamado de “garoto”. Ele fechou as telas, já tinha concluído que o velho não podia vê-las.

— Interessante o seu conceito, uma pena que as mensagens que refiro são visões. Antigamente, minha vista embaçava e eu olhava e conversava com um homem, mas de uns tempos para cá, só tive lapsos de memória. Minha vista pisca e aparece algo completamente fora do lugar, ou alguma coisa que aconteceu antes. Essas são as mensagens que recebo.

Lucas analisou as informações até ali. O velho poderia facilmente enganá-lo dizendo que as telas eram invisíveis e que suas visões era o que tinha, mas duvidou que estivesse mentindo.

Primeiro que não havia razão, segundo que seria estranho chamá-lo daquela forma apenas para ter esse bate-papo por causa da energia ao seu redor.

Dava para sentir um motivo a mais detrás da empatia, como se fosse um aviso. Lucas, no entanto, não entendeu nada disso, nem conseguia ler a mente daquele senhor para adivinhar.

Tirar à força também seria uma péssima ideia, porque teria o rosto varrido pelo piso igual um pano de chão. Uma expressão frustrada tomou conta da sua face por um momento.

Eles passaram mais um tempo conversando, em especial sobre o caso das entidades, que Lucas revelou sem rodeios o que eram, apenas para assustar o velho patriarca por tamanha crueldade.

Também mostrou coisas do sistema, como a forma que podia materializar itens da loja e como existia uma ampla gama de habilidades disponíveis, que iam além do convencional para as pessoas.

O patriarca se agradou bastante com a conversa, e após o sol se por, decidiu que estava bom de dialogarem, então prontamente se despediu.

Lucas fugiu sem olhar para trás, o mais rápido possível, pois de fato não gostava de andar perto daquele velho. Ao chegar no térreo, um ping abriu as portas.

— Meu amooorr! 

A primeira coisa a acontecer, obviamente, foi uma mulher se jogar na direção do jovem. Era Lilith, pois só ela teria tanta cara de pau e também só ela o chamava assim.

Lucas rapidamente desgrudou o par de esferas resPEITÁveis do seu corpo, mais envergonhado do que qualquer outra coisa por ter que enfrentá-los em público.

— Menos, Lilith… — disse, segurando-a pelos ombros como forma de contê-la. — Continua assim e eu nem olho para sua cara.

— Não, não! Você sabe que eu gosto de ser punida por ser uma garota má, mas isso já é uma punição grave demais!

— Então por favor, se controle… Já terminei o que tinha que fazer aqui mesmo.

A súcubo acenou várias vezes com a cabeça, esboçando um rosto confiante. Em seguida, foi a vez de Solein, a elfa de cabelo prateado, se aproximar.

O seu jeito tímido e quieto era bem melhor de se mostrar em um espaço público, mas o que piorou a situação foi quando ela segurou em seu braço e encostou.

“Ela já se acostumou com isso tão rápido…?” Inclinou a cabeça para o lado, deparando-se com um par de orbes brilhantes mirados em sua direção. “Pelo visto sim.”

Aquilo seria uma dor de cabeça, e por isso ir embora parecia a melhor coisa a se fazer no momento. No entanto, antes de sair, Xing Xong também se intrometeu no caminho.

Felizmente, ele não se jogaria em sua direção, muito menos impediria sua passagem, diferente das duas outras malucas.

— Senhor Lucas, como foi lá em cima?

— Foi bem, Xing. Quase morri, mas passo bem.

— Hã? Bem, eu não sou expert no vocábulo brasileiro, mas creio que deva ser bom. — Ele coçou o cabelo, ainda pensando na redundância daquela frase. — De qualquer maneira, o senhor já vai?

— Sim, tenho que resolver umas coisas em casa. Vou ter muito trabalho daqui pra frente, consigo até sentir… De qualquer maneira, não se preocupe quanto ao remédio da mãe do menino lá. Eu vou garantir para pegá-lo o mais rápido possível, sei que o coitado deve sofrer.

— Entendo… Bem, eu ia perguntar exatamente sobre isso, mas creio não ser necessário.

Um sorriso apareceu na face do chinês, e assim ele os acompanhou rumo a saída. Também fez questão de levá-los na limusine de volta para casa, coisa que seria uma cortesia.

Era também para conversar quanto ao valor das Ervas da Manhã que tinham mantido suprimento constante, junto de um pagamento gordo pela ajuda.

Ao final, os três desceram do carro na casa isolada, a limusine desapareceu tão rápido quanto chegou. Lucas teve que largar um gigantesco suspiro. Seus olhos pesavam e os ombros ficaram caídos.

— Docinho, não fica assim — falou Lilith, então aproximando o lábio do ouvido dele continuou: — Eu sei de uma magiazinha que faz você ficar elétrico num instante. Quer experimentar?

— Tô exausto demais pra isso… — Ele passou a mão no cabelo. — Vou arrumar um quarto pras duas, amanhã penso em mandá-las de volta. Por favor, nunca mais façam isso.

Solein continuava abobalhada e no mundo da lua. Ela estava diante da casa do amado dela, e contra uma inimiga voraz ainda por cima, o que só fazia sua mente funcionar a todo vapor.

Uma pena que Lucas estava em nenhuma clima para tentar adivinhar o que se passava em sua cabeça.



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