Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 105: Hades

Lucas entendeu muito de imediato o que aquilo significava. Não haviam aparelhos ao redor para indicar sua condição, porém, ao focar seus sentidos na energia mágica, confirmou o que pensava.

Aquela mulher estava numa situação péssima, adoentada tanto por dentro quanto por fora. A baixa mana sobre sua pele e também a constante dispersão da energia ao seu redor indicava isso.

Zhang Zhao ia abrir a boca para falar algo, mas ao olhar para a expressão complicada no rosto de seu convidado, hesitou. A mensagem foi passada se ter que falar uma palavra sequer.

— Há quanto tempo ela tá assim? — perguntou Lucas, aproximando-se da cama.

— Dois anos. Ela ficou assim desde que um portal quebrou próximo de onde morávamos e desenvolveu essa doença. Tentamos as melhores pilulas medicinais e até usei tudo o que pude das ervas de maior qualidade que vocês nos deu, mas ainda assim nada funcionou.

Ervas da Manhã era um tipo específico de planta que cresciam nos mais variados ambientes dos portais. Ela podia possuir formas e ser de uma espécie diferente, mas seus efeitos e propriedades eram sempre os mesmos.

O grau de pureza variava porque dependia de uma série de fatores nos portais, o que acarretava numa oscilação de preço absurda. 

O motivo de Lucas ter adquirido tanta riqueza era por causa dos drops dos goblins, que sempre entregavam os itens na pureza máxima, o que alimentou sua carteira até o talo.

— Solein, pode dar uma olhada nela? 

— Sim… com licença. — A elfa deu um passo em frente e contornou a cama.

Os olhos claros dela se concentraram na mulher, um pequeno brilho apareceu ao redor de suas pupilas e inspecionaram seu corpo.

O jovem sabia do talento da elfa para certas coisas mágicas, não à toa entregou o cajado em suas mãos, no entanto nunca houve uma chance real de chamá-la para ajudar, até agora.

— Isso é… terrível…

— O que? O que você viu? — perguntou Zhang Zhao, com o rosto mais preocupado que antes.

— O corpo dela está rejeitando sua própria energia, mesmo que de uma maneira muito lenta. É por isso que está tão doente.

— E tem um jeito de consertar isso? Deve haver um meio de curá-la! É minha mãe!

— Eu… não tenho certeza, nunca vi nada assim. Talvez o papai saiba o que fazer, mas trazê-lo até aqui levaria tempo e não acho que seja o bastante.

Lucas ponderou um pouco naquelas palavras. Tremwin, pai de Solein, era um senhor de idade e também tinha sua habilidade com magia e diplomacia.

Era uma voz da experiência, porém não garantia que seu tratamento funcionasse. 

Ao invés disso, uma outra coisa veio a sua mente, duas telas que o sistema mostrou durante sua primeira vinda ao mundo.

 

Uma nova receita foi adicionada à lista de criação: Elixir

 

Medicina

★★★★★

Proficiência atual: 1.000%

 

Essas duas apareceram ao alcançar o nível avançado da profissão Alquimista, porém nunca houve uma oportunidade real para usá-las, e durante o seu primeiro reset, houve pouco incentivo para até mesmo mexer nas coisas de alquimista.

Fora isso, atualmente ele só contava com duas profissões no seu arsenal.

 

Caçador: Intermediário.

Arquiteto: Intermediário

 

A primeira servia para coletar mais drops, mas levando em conta a rotina infernal de treino e a falta de tempo para esfolar monstros e coletar seus materiais, tinha pouco uso.

A segunda também passava pela mesma coisa, pois não precisava passar muito tempo construindo coisas. O máximo que fez era a decoração do Lago Congelado, seu cafofo e a cabana do anão Hurrto.

Ao menos, sabia como resolver essas questões. Kard estava na outra dimensão farmando monstros, e possivelmente a essa altura poderia estar com o item que queria.

Um suspiro fugiu de sua boca, o número de coisas a se fazer aumentava de maneira absurda.

— Certo… sei como resolver isso, mas vai demandar tempo.

— De verdade? — gritou Zhang Zhao, pegando nas mãos de Lucas. — Você realmente fará isso? Se fizer, eu me entrego de corpo e alma! Te darei tudo o que quiser de mim!

— Aff, sai dessa, eu já disse que não quero nada contigo! — Ele balançou o braço e se desfez do aperto. — Eu vou retribuir o favor que você pediu, mas sinceramente, se seu problema era tão grave assim, só bastava chegar em mim e pedir. Eu não sou um monstro sem coração, sabia?

Os olhos do jovem Dragão Branco se iluminaram diante daquela afirmação. Lucas de fato parecia um herói, e não estava querendo fazer isso por pura vantagem, ele só faria o que era certo de se fazer.

Quanto a Xing Xong, o chinês de cabelo azulado observando tudo, ele conteve uma risada perante a forma infantil do qual seu junior se apresentava. Seu coração ainda foi tocado pelo ato de gentileza, no entanto.

Já Lilith… se não tivessem o mínimo de auto-controle, atacaria Lucas exatamente onde estava. Um homem agir desse jeito tão bondoso a troco de nada só lhe dava mais vontade ainda de corrompê-lo.

Lucas olhou para o rosto da mulher mais uma vez. Ele viu nela sua mãe, Cristina, deitada sobre a cama numa situação semelhante. Era improvável que estivesse assim, levando em conta o poder dela.

“Mas se isso acontecesse com ela, eu ia até o fim do mundo para salvá-la.”

Seus punhos se cerraram, nada mais que empatia perdurava em seu coração. 

— Eu trarei mais ervas da manhã, tenho também outra ideia que pode funcionar caso dê errado…

— Trazer mais? Já tentamos isso, não funciona.

— No meu caso, eu trarei um remédio sintetizado e específico, só preciso entrar em contato com um colega meu para terminar o que falta. Talvez ele tenha acumulado o bastante a essa altura…

Ele cruzou os braços, se nada desse errado do outro lado, era para tudo estar nos conformes e assim o problema seria resolvido num piscar de olhos.

Talvez demoraria, mas levando em conta como o tempo corria duas vezes mais devagar nas outras dimensões, era provável que tinham tempo o bastante.

Eles enfim saíram da sala, deixando a sós Zhang Zhao com sua mãe enferma.

Xing Xong disse que era normal para o jovem mestre ficar assim, e sabendo de uma notícia tão boa, queria passar um tempo a mais com ela para dividir suas felicitações quando acordasse.

O grupo continuou caminhando para fora daquele espaço, rumo a um elevador localizado na parede central da seita. Lucas já suspeitava o que vinha a seguir

— Deixa eu adivinhar, vou ver o homenzão lá em cima?

— Homenzão é um jeito estranho de se referir ao patriarca, mas sim, ele quer te ver.

— Como ele é? 

— É um homem sábio, mas suave. Ele não é muito brincalhão, mas também não é muito sério, existe um equilíbrio em sua personalidade que permite os outros se sentirem a vontade… quando ele não está cultivando, claro. É um infeliz mal que o assola, seu cultivo sempre está em primeiro lugar.

Lucas inclinou a cabeça para o lado em dúvida. O que significava a parte de “quando ele não está cultivando”? Será que o velho entraria em uma fúria absurda se fosse interrompido?

Ele não era muito investido nas artes místicas chinesas para entender todos os conceitos detrás daquelas práticas estranhas, mas não negava que as pessoas da seita passavam uma vibe diferente de gente comum.

Qualquer um ficaria em pleno choque se soubesse do que aquele pessoal era capaz, não foi diferente com Lucas ao reparar como até as crianças partiam rochas usando a testa.

Era meio sobrenatural, mas ao mesmo tempo acolhedor, igual as atmosferas passadas pelos seus animes de lutinha favoritos. 

O elevador subiu rapidamente. Um ping indicou que chegaram no andar selecionado, e imediatamente Lucas sentiu algo estranho no ar.

Era como se a gravidade fosse aumentada, ele apenas sentiu nada por estar acostumado a carregar pesos no corpo durante o treino, porém as outras duas atrás demonstravam reações diferentes.

— Vocês duas vão me esperar lá embaixo — disse, saindo de dentro do elevador.

— Mas queremos ir contigo! — reclamou Solein, fazendo biquinho.

Ele soltou um leve suspiro antes de se aproximar de novo dela e segurar sua mão, o que era algo do qual a elfa não estava esperando e lançou sua mente para as alturas.

— Tenham paciência, só isso, eu logo logo voltarei.

As duas, especialmente Solein, ficaram com os corações ardentes diante dessas palavras. Em parte angustiadas e em parte agradecidas pelo cavalheirismo, elas teriam que voltar ao primeiro andar.

Se soubessem como mexia naquela tecnologia estranha, poderia ser um lindo momento, mas Xing Xong teve que intervir e apertar o botão para elas mesmas de forma que entendessem como a engenhoca funcionava.

Após partirem, Lucas e Xing Xong andaram em direção a onde o patriarca estava. O jovem antenava as orelhas e cerrou os olhos para prestar atenção em qualquer minúsculo detalhe.

O local em si parecia uma suíte não muito luxuosa. Os móveis eram simples, nada que merecesse destaque, além de ter muita pouca coisa para se gabar.

Nem mesmo a bandeira da china ou pergaminhos antigos decoravam as paredes, somente quadros de artes rústicos e pouquíssimas armas.

— O patriarca é uma pessoa humilde? Tem tanta pouca coisa, eu esperava mais pra alguém como ele…

— Sim, ele diz que luxos não servem para si. Toda sua atenção normalmente é focada para o cultivo, logo, ele tem muita pouca paciência para coisas como moda ou arquitetura, pedindo para seus discípulos resolverem isso, mas deixando da forma mais simples e eficientes possíveis. Demorou alguns surtos de raiva vindos do mestre para este local ficar assim.

— Legal, eu também gosto de pensar do mesmo jeito. — Deu de ombros, um sorriso apareceu no seu rosto enquanto admirava a simplicidade das coisas. — Mas as minhas coleções de figures, mangas e jogos retrôs com certeza iam tomar conta de toda minha casa se não fosse pela minha mãe.

Xing Xong soltou uma leve risada. Mesmo sendo alguém nos planos superiores de cultivo e tendo muita sorte, ele entendia que era natural os humanos se renderem aos próprios desejos.

Ter muita coisa era algo que muitos queriam, houve um tempo que até ele próprio quis se aprofundar na sua fascinação por artigos de arte, mas a seita o ajudou a conter seus anseios.

Ambos pararam na varanda na extremidade da suíte. Dali, havia um largo espaço, uma ponte que ia para o céu aberto, com uma plataforma distante em que havia um chão com fofíssimas almofadas.

Assim que foram para aquele espaço mais aberto, Lucas sentiu a pressão aumentar. Seus olhos encararam as pequenas costas de um homem sentado, enquanto ondas de energia chicoteavam seus arredores.

Não precisou ouvir uma palavra para deduzir quem era esse. Felizmente, não se rendeu a pressão, mesmo que seus sentidos gritassem para se afastar daquela besta.

Plantou os pés no lugar, enquanto Xing Xong deu passos à diante e se ajoelhou a uma certa distância daquela figura simbólica.

— Patriarca, como pedido, ele está aqui.

A energia se dispersou parcialmente, como se o fluxo que era absorvido por aquele homem tivesse sido grandemente reduzido.

— Está dispensado, Xong. Faça o restante dos seus afazeres, quero que minha conversa seja particular.

O chinês de cabelo azul acenou com a cabeça e fez uma reverência antes de sair. Quando só eles dois ficaram dentro da suíte, o patriarca começou a se mover.

As partículas douradas ao seu redor ainda se mexiam, enquanto a voz dentro da cabeça de Lucas gritava “Perigo! Perigo!” igual um robô com defeito.

Assim que trocaram olhares, um gelo passou pelo rapaz, mas não por causa de ficar de frente para esse homem, isso não.

Era por causa da peculiar tela flutuando diante de seus olhos.

 

O deus Hades te observa com bastante curiosidade.



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