Volume 1

Capítulo 11: Aquele que Trouxe a Salvação

   Na segunda-feira seguinte à recuperação completa de Yui da febre.

   Quando Naomi e Yui, chamados à igreja, passaram pela secretaria, Kasumi — que já estava lá — entregou-lhes uma cópia impressa.

“Sobre o culto de Páscoa neste domingo — daqui a três dias. Vocês dois vão participar, certo? Eu já contei com vocês, então se um de vocês desistir no último minuto, quem está ferrada sou eu.” Kasumi disse isso sem se desculpar, olhando diretamente para os dois.

“Não é meio estranho confirmar presença tão tarde para um evento que está marcado há séculos?”

“Ah, que falta de fofura. Naomi, você não é nada fofo com essas coisas. Você costumava ser simplesmente adorável.”

   Kasumi colocou uma das mãos no quadril e balançou o dedo indicador para ele com uma carranca dramática.

“Espera aí, o Katagiri-san era fofo quando pequeno?”

   Por algum motivo, Yui se inclinou ansiosamente diante daquele comentário.

“Ah, sim, super fofo. Ele costumava me seguir para todos os lugares — banho, banheiro, tudo. Era um trabalho de tempo integral mantê-lo longe de problemas.”

“Ei, quando foi isso? Não me lembro de nada.”

   Naomi rapidamente interrompeu as lembranças presunçosas de Kasumi.

   Ele se lembrava vagamente de tomar banho com ela quando eram pequenos, mas definitivamente não era nada tão pegajoso quanto ela fazia parecer. Provavelmente.

“Hã. Então você era o garotinho da irmã mais velha, Katagiri-san?”

   Yui franziu as sobrancelhas e olhou para Naomi, estranhamente descontente com a ideia. Querendo mudar de assunto, Naomi voltou ao assunto em questão. “De qualquer forma, Villiers, você está pronta para o evento, certo?”

“Sim. Eu mantive minha agenda aberta quando fui informada.”

   Eles já haviam conversado sobre a data quando ela assumiu o cargo, mas Naomi verificou duas vezes, só por precaução.

   O culto de Páscoa era um dos principais eventos públicos realizados pela igreja administrada pela escola — aberto também a participantes de fora.

   Isso significava que Naomi, Yui e o restante da equipe cuidariam da preparação, organização, recepção e até mesmo de coisas como distribuir ovos de Páscoa e gerenciar o andamento da cerimônia.

   Além disso, Naomi se apresentaria como organista. Ele folheava os hinos para revisão, mas como os cultos principais geralmente envolviam trechos tradicionais, ele poderia tocá-los de memória, se necessário.

“Você participou no ano passado, então sabe como é. Villiers, você participou de cultos de Páscoa no Reino Unido, certo?”

“Sim. Se o culto seguir a mesma estrutura que no Reino Unido, estarei bem.”

“Ótimo. Então, deixarei as funções e a programação detalhadas para o Naomi. Tenho algo que preciso desesperadamente resolver, então conto com você — haaaaah... olhadinha*.”

   Ela soltou um suspiro exagerado e lançou olhares penetrantes para Naomi, como se dissesse: “Pergunte-me o que há de errado já.”

     Suspiro*... lá vamos nós de novo.

   Resignado, Naomi soltou um longo suspiro e se virou para ela.

“Certo. O que aconteceu desta vez?”

“Você entendeu tudo errado! Desta vez não fui eu! Eu só errei o pedido do panfleto e já implorei para a gráfica consertar, então está resolvido! Isso é outra coisa!”

   Naomi ficou levemente impressionado — ela já havia errado em algo e resolvido antes mesmo que esse novo problema surgisse. Não que ele estivesse surpreso.

“Uma das pessoas do coral que deveria cantar pegou alguma coisa e está mal da garganta. Não é sério, mas disseram que não poderão se apresentar neste domingo, então agora tenho que me esforçar para encontrar uma substituta!”

[Moon: Já tô até vendo pra onde isso vai…]

   Kasumi pressionou a mão na testa e soltou um longo grunhido.

“Você não tem com quem conversar? Verifique na rede escolar ou algo assim.”

“Tenho, mas é tudo muito repentino! E se eu pedir para uma agência de talentos ou algo assim, eles vão aumentar o preço. Já estouramos nosso orçamento com os panfletos, então, se gastarmos mais, vou levar uma bronca de novo.”

“É, e você mesma causou isso.”

“Mesmo que eu tivesse, o que está feito está feito! E garotos que implicam assim levam um fora, okay?! Lembre-se disso, garoto da puberdade!”

   Naomi suportou silenciosamente seu desabafo ridículo, pensando: “Não é de se admirar que ela não tenha namorado.”

   Quando ele olhou para o lado, Yui pareceu querer dizer algo, mas hesitou. No final, ela não disse nada e apenas baixou os olhos, com os lábios apertados por culpa.

   Naomi achou que era melhor não prolongar o assunto. Afinal, o coral tinha sido uma lembrança dolorosa para Yui.

“De qualquer forma, vamos lidar com o que pudermos. Boa sorte com o resto.”

“Bem, este é o trabalho. Não posso me dar ao luxo de ser demitido nesta economia. Ah! E se fizéssemos versões só de órgão, sem vocais?”

“Se nenhum dos professores cristãos reclamar, claro.”

“Exatamente! Eles são tão rigorosos com tudo. Tipo, relaxa logo — arruma um hobby.”

   Kasumi mostrou a língua, ignorando completamente a própria hipocrisia.

   A maioria dos professores da escola eram cristãos, e muitos deles frequentavam os cultos mais importantes.

   Só para constar, o arqui-inimigo de Kasumi — o chefe de seu departamento — era um dos frequentadores assíduos, então, se ela se excedesse de novo, com certeza levaria outro sermão.

“Bem, vou explicar os passos da preparação para a Villiers, então boa sorte com tudo, Katagiri-sensei.”

“É, é. Conto com você.”

   Deixando algumas palavras de condolências para Kasumi, que agora estava curvada em desespero, Naomi saiu rapidamente da igreja com Yui a reboque — antes que mais caos os alcançasse.

 

 

◇     ◇     ◇

 

 

“Embora seja um culto de Páscoa, não é como o Natal, onde temos decorações especiais nem nada, então não há muito o que fazer,” disse Naomi, caminhando lado a lado com Yui enquanto voltavam da escola para casa, sob o pôr do sol.

   Na verdade, a maior parte dos preparativos — como os materiais de distribuição e os ovos de Páscoa — era feita pela equipe, então nem ele, nem Yui tinham nada para preparar com antecedência.

   O fluxo básico do dia seria: entrada dos convidados, recepção, canto de hinos, depois o pastor leria uma passagem do Evangelho, faria um sermão, faria uma oração e, finalmente, encerraria com outro hino antes de todos saírem.

   Embora fosse um culto especial, o ambiente era relaxado o suficiente para que até mesmo participantes não religiosos pudessem comparecer casualmente. Não havia nenhuma formalidade excessivamente rígida. Para os estudantes trabalhadores como Naomi e Yui, a principal função era simplesmente distribuir panfletos e programas na entrada, e ovos de Páscoa quando as pessoas saíam.

“Só que eu vou tocar órgão do começo ao fim, então você vai cuidar da recepção sozinha enquanto eu estiver lá em cima. Tudo bem?”

“...Sim, eu vou ficar bem.”

   Yui assentiu levemente, com a cabeça ligeiramente abaixada.

   Ela estava assim desde que saíram da escola.

   Mais precisamente, desde que Kasumi mencionou a membra desaparecida do coral. Naomi não a pressionou — ele entendia o motivo sem precisar perguntar.

   Quando a conversa terminou, os únicos sons eram os passos ecoando na rua. Então Yui parou de andar e sussurrou:

“...Você não vai dizer nada, hein, Naomi.”

   Naomi também parou, virando-se para ela. Ele deu de ombros levemente, respondendo em um tom deliberadamente casual.

“Não tenho nada a dizer.”

   Yui mordeu o lábio levemente e balançou a cabeça, franzindo as sobrancelhas como se estivesse preocupada.

“Mas... quando eu estava em apuros, você sempre me deixou contar com você. E ainda assim... eu simplesmente me afastei quando alguém precisou de ajuda. Eu sou horrível, não sou...”

   Ela exibia o mesmo sorriso fraco e frágil que Naomi vira em seu rosto quando se conheceram, enquanto mastigava as palavras e olhava para o chão.

“...Mas mesmo assim, eu ainda não consigo cantar. Não importa o quanto eu queira...”

   Sua voz tremia com uma mistura de resignação e arrependimento, e seus olhos azuis se fecharam.

   Os longos fios de seu cabelo pendiam como uma cortina, escondendo seu rosto.

   Naomi deu um sorriso irônico e murmurou:

“...É meio nostálgico ver você fazer essa cara de novo.”

“...Nostálgico?”

“É. Você sempre fazia essa cara quando tentava esconder como realmente se sentia.”

   Os olhos de Yui se arregalaram levemente, como se tivesse sido pega de surpresa.

   Talvez ela mesma nem tivesse percebido. Tentando disfarçar suas emoções, ela deu outro sorriso fraco e frágil.

   Naomi não via esse hábito há muito tempo. Vê-lo novamente lhe trouxe uma sensação pesada no peito. Ele se forçou a sorrir para aliviar o clima.

“Você não entrou para o coral da igreja. Você não é obrigada a cantar. Então não há nada de errado com você. É por isso que não estou dizendo nada. Na verdade, eu só quero que você pare de se culpar por tudo.”

“...Naomi...”

   Yui continuou sorrindo fracamente, seus lábios finos tremendo enquanto ela abaixava a cabeça.

   O incidente que Sophia havia mencionado — o culto que levara Yui a deixar a Inglaterra — ainda estava claramente apodrecendo dentro dela como uma cicatriz retorcida. Ver aquela sombra escurecer seu rosto novamente fez o peito de Naomi doer.

“E além disso...”

   Naomi se aproximou, falando o mais gentilmente que pôde.

“...Quem mais se arrepende de não cantar é você, não é?”

“......”

“É por isso que não preciso dizer nada.”

   Naomi deu um sorriso desajeitado, afirmando a Yui que ainda não conseguia se perdoar.

   Yui fechou os olhos com força, os lábios pressionados em uma linha fina.

   Ela parecia prestes a rir, ou talvez chorar, com o rosto contorcido por emoções não ditas. Ela abriu a boca uma vez, depois a fechou novamente sem dizer nada.

   Finalmente, balançou a cabeça levemente e virou o rosto para o céu noturno, forçando um pequeno sorriso vazio.

“...Talvez você tenha razão.”

   Yui disse uma vez que não era que ela “não quisesse cantar” — era que ela “não conseguia cantar”. Se ela realmente não se importasse mais, não estaria sofrendo tanto agora.

   E Naomi, que a observara se esforçando tanto para se transformar, sabia melhor do que ninguém: não havia mais nada que ele precisasse dizer.

   O silêncio se instalou entre eles.

   Nenhum dos dois falou. Suas sombras longas e alongadas se misturavam sob o céu alaranjado.

   Só a própria Yui poderia encontrar a resposta que procurava.

   Se ela decidisse que queria cantar, Naomi a apoiaria. E se ela decidisse que não podia, ele também respeitaria.

   Isso era tudo o que Naomi podia fazer — e ele sabia disso. Foi por isso que apertou com força a mão que tanto queria estender e oferecer a ela.

“...Desculpe. Estou indo para casa. Não estou com fome, então não se preocupe com o jantar.”

   Yui murmurou, com a voz excessivamente animada enquanto mantinha o rosto virado, passando por ele enquanto se afastava.

   Naomi não conseguiu impedi-la.

   Tudo o que ele podia fazer era observar sua figura se afastando, diminuindo de tamanho sob o sol poente. “...É difícil. Coisas assim.”

   Engolindo a vontade de chamar ela, Naomi murmurou para o céu solitário da noite.

 

 

◇     ◇     ◇

 

 

   Quando Naomi olhou para o relógio na mesa, já passava das 21h.

   Depois de se separar de Yui, ele tinha ido direto para casa e agora estava deitado na cama, sem fazer nada em particular.

   Jantar sozinho pela primeira vez em um bom tempo parecia mais trabalhoso do que compensador. Mesmo quando ele se forçou a beliscar alguns acompanhamentos prontos, eles tinham um gosto estranhamente insosso e, depois de algumas mordidas, ele os enfiou de volta na geladeira.

     ...Este apartamento parece muito maior do que eu me lembrava.

   Mesmo que ele morasse lá há mais de um ano, o quarto parecia estranhamente grande esta noite.

   Naomi pegava o celular de vez em quando, mas ainda não havia mensagens de Yui.

     Ela está comendo direito? Ou está apenas sentada sozinha, se isolando?

   Era tudo em que ele conseguia pensar, e a preocupação o atormentava. Mas ele imaginou que Yui precisava de um tempo para organizar seus sentimentos, então jogou o celular na cama.

     De alguma forma, ter a Yui por perto se tornou uma parte normal da minha vida...

   Só agora ele percebia o quanto ela ocupava espaço em sua rotina diária.

   Eles só haviam pulado um jantar juntos. Passado apenas algumas horas separados. E, ainda assim, o vazio em seu quarto parecia um buraco enorme.

   Ele continuava repetindo a cena de antes. Havia uma maneira melhor de dizer aquilo? Poderia ter sido mais gentil? Se eu tivesse sido mais atencioso, talvez ela não tivesse ido embora sozinha...

   Por mais que ele dissesse a si mesmo que estava se intrometendo porque queria, a verdade permanecia: se a pessoa não quisesse ajuda, você não poderia oferecer a mão ou empurrá-la para frente.

   Naomi se virou de lado e gentilmente pousou a mão dele onde antes segurava a de Yui.

   A frustração impotente de não poder fazer nada por ela o atormentava.

   Foi então que ele ouviu — uma voz fraca e familiar cantando, entrando pela janela.

“Essa voz...”

   Ele ouviu atentamente. Era a mesma melodia que cantava sobre as flores de cerejeira, a mesma voz pura e clara gravada em sua memória.

“...Yui.”

   Naomi saiu para a varanda — e, assim como quando se conheceram, a música parou.

   A brisa ainda fria de abril agitou os cabelos de Yui, revelando seu perfil. Ela exibia o mesmo sorriso fraco que lhe mostrara mais cedo naquela noite, olhando para o céu noturno.

   Naomi não disse nada. Ele simplesmente apoiou os braços no corrimão ao lado dela e olhou para as mesmas estrelas brilhantes.

   As flores de cerejeira que haviam florescido em sua plenitude apenas algumas semanas antes já haviam caído, substituídas por folhas verdes e frescas, inaugurando uma nova estação.

   A paisagem que se transformava em apenas algumas semanas lembrou Naomi de como o tempo continuava passando, quer você quisesse ou não.

“Minha mãe cantava muito bem.”

   A vozinha de Yui soava como se não estivesse sendo ouvida por ninguém em particular.

“Quando eu era pequena, sempre que não conseguia dormir, ela cantava canções de ninar para mim. Eu adorava essas músicas... e antes que eu percebesse, eu também estava cantando.”

   Ela estreitou os olhos como se estivesse relembrando aqueles dias.

   Naomi permaneceu em silêncio, ainda olhando para as estrelas enquanto ele ouvia.

“Minha mãe era cantora. Ela cantava em todos os tipos de lugares para trabalhar. Quando ela cantava com o coral nos cultos, eu sempre ficava animada para vê-la. Eu a achava incrível. Eu queria ser igual a ela, então ela me ensinou a cantar.”

   Uma brisa leve passou entre eles, roçando suavemente o perfil melancólico de Yui.

   Esta era a primeira vez que ela falava sobre a mãe.

   Ela nunca havia tentado tocar no assunto antes, então Naomi nunca se intrometeu. Mas agora que ela estava compartilhando, ele assentia silenciosamente a cada palavra.

“É por isso que... cantar é uma lembrança preciosa da minha mãe. Uma lembrança que guardo com carinho... porque eu não posso mais ver ela. E ainda assim...”

   Sua pequena mão apertou levemente onde descansava no corrimão.

“...Eu não consigo mais cantar.”

   Yui inclinou a cabeça para baixo, com um sorriso suave e amargo.

   Como se estivesse se culpando por perder algo insubstituível. Como se estivesse tentando desviar o olhar do momento em que perdeu a capacidade de cantar, exibindo um sorriso seco e vazio.

“Na verdade, quando eu ainda estava na Inglaterra, tentei entrar para o coral. Eu queria cantar as músicas que minha mãe me ensinou. Eu queria tocar o coração das pessoas, assim como ela. Mas eu... nem tive a chance de cantar.”

   Ela soltou um suspiro pesado e doloroso e sorriu ironicamente, com a voz carregada de amargura.

“Eu queria mudar alguma coisa. Pensei que talvez cantar pudesse me ajudar nisso. Mas eles só zombavam de mim. Caçoavam de mim. Me tratavam como uma piada... e, eventualmente, passei a ter medo. Com medo de cantar na frente dos outros. Mesmo sendo algo tão precioso para mim...”

   Ela soltou uma risada abafada, meio risonha, como se estivesse contando uma história boba. Então, como se todo o humor tivesse se esvaído, ela exalou outro longo suspiro.

“Yui...”

   Naomi se lembrou do que Sophia lhe contara — sobre a crueldade mesquinha de sua família extensa.

   Yui e Sophia tentaram superar isso, mudar as coisas. Mas tudo o que receberam em troca foi mais ridículo.

   Foi o suficiente para distorcer uma garota que passara tanto tempo suportando a solidão. Isso era óbvio, apenas pelo sorriso tênue no rosto de Yui — cheio de resignação e autodepreciação.

   Naomi não sabia o que dizer. Ele apenas cerrou os punhos com mais força.

“Eu confiei tanto em você... você me viu no meu pior momento, repetidamente... e, mesmo assim, eu ainda não consigo cantar. Eu digo que quero mudar, mas olhe para mim. Patética, não é...?”

   Ainda olhando para baixo, Yui soltou uma risada oca e autodepreciativa.

“Você não é patética.”

   As palavras escaparam da boca de Naomi antes mesmo que ele percebesse.

   Mesmo que Sophia a tivesse ajudado, Yui ainda precisou de muita coragem para vir ao Japão sozinha.

   Querer mudar. Escolher recomeçar sozinha — isso era tudo menos patético.

“Então... por que você estava cantando agora há pouco?”

   Yui levantou a cabeça lentamente, seus olhos vazios se voltando para Naomi.

   Ele não desviou o olhar. Ele a encarou de frente.

   Mesmo que ninguém estivesse por perto, mesmo que ela não quisesse ser ouvida, Naomi sabia que cantar naquele momento havia exigido tudo o que ela tinha.

   E ainda assim ela cantava. E sua voz, baixa e trêmula, o alcançou — cheia de coragem.

   Foi por isso que Naomi não desviou o olhar. Ele ficou ali, observando-a.

“...Naomi.”

   Yui se abraçou com força com os dois braços.

   Se segurando para não desmoronar. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela lhe dirigia um sorriso frágil e sussurrava com a voz trêmula:

“Eu quero cantar de novo... Eu quero poder cantar...”

   Mesmo que suas feridas ainda não estivessem curadas... mesmo que ela ainda não conseguisse olhar para cima sem se decepcionar consigo mesma...

   Ainda assim, ela encontrou coragem para pedir ajuda a Naomi...

“Ei, Yui. Quer sair um pouco?”

   Naomi sorriu gentilmente quando ele estendeu a mão em sua direção.

 

◇    ◇    ◇

 

“Cuidado onde pisa — está escuro.”

   Naomi destrancou a entrada lateral da igreja com sua chave reserva e entrou no prédio escuro como breu. Yui hesitou por um momento, mas depois o seguiu em silêncio.

   A essa hora, a escola estava completamente deserta. Yui olhou ao redor da igreja vazia, um pouco inquieta.

“Temos mesmo permissão para entrar aqui a esta hora...?”

“Se alguém passar por aqui, direi apenas que estou aqui para praticar órgão. É para isso que serve o uniforme.”

   No ano passado, Naomi passou muitas noites estudando órgão de tubos sozinho, então os seguranças que patrulhavam o local se acostumaram a vê-lo. Ele aprendera por experiência própria que, se estivesse uniformizado e dissesse que estava praticando, eles deixariam passar sem questionar.

   Para evitar suspeitas, ele passou pelo escritório iluminado e abriu silenciosamente a porta que dava para o santuário.

   Dentro da capela silenciosa, o luar entrava pela claraboia e pelos vitrais, lançando um suave brilho azul sobre os bancos.

“…É lindo…”

   Yui murmurou, impressionada com a atmosfera serena e sagrada.

“Né? Eu também sempre achei.”

   Naomi sorriu, satisfeito por ver Yui cativada por uma de suas vistas favoritas e privadas — algo que ele nunca havia compartilhado com ninguém antes.

   Sob o luar onírico, ele deu um passo à frente, seus passos ecoando suavemente enquanto caminhava pelo corredor acarpetado vermelho em direção ao altar.

“Naomi…?”

   Yui o chamou baixinho, incerta de suas intenções.

   Sem responder, Naomi sentou-se ao banco do órgão e abriu delicadamente a tampa sobre as teclas. Então ele se virou e encarou Yui, que ficou paralisada, prendendo a respiração.

“Não posso dizer que entendo sua dor, Yui. E também não posso apagá-la.”

   Sua voz calma ecoou suavemente na capela silenciosa, como se fosse parte do próprio silêncio.

   Uma palavra de cada vez, lenta e firmemente, ele falou como se quisesse absorver cada sílaba.

“Foi por isso que pensei nisso. Se você está sofrendo, o que eu posso fazer por você?”

   Os olhos azuis de Yui se arregalaram ligeiramente. Ela levou as mãos ao peito, os dedos entrelaçados delicadamente.

“Sempre acreditei que não posso ajudar alguém que não quer ajuda. Ainda acredito nisso. Não importa o quão certo eu ache que algo esteja, ou mesmo que eu saiba a melhor resposta... se a pessoa que estou tentando ajudar não quer, então é apenas uma interferência indesejada.”

“Naomi...”

   O luar suave brilhou em seus olhos, e suas mãos entrelaçadas se apertaram um pouco mais. “Foi por isso que nunca perguntei sobre seu canto. Ou sobre sua família. Imaginei que, se você não tocasse no assunto, não era minha função perguntar.”

   A voz de Naomi permaneceu tão gentil quanto ele conseguia.

   E, sinceramente, ele ainda acreditava que essa era a abordagem certa.

   Escolher o que é “certo” não significa que seja certo. Escolher o “errado” não significa que seja um erro.

[Moon: Profundo…]

   O que é certo varia de pessoa para pessoa — de acordo com o modo como vivem e o que valorizam.

   Por isso, ele pensava que, se alguém não expressasse seu desejo, significava que não o queria. Então, ele deveria ficar de fora.

“Mas... talvez existam pessoas que querem desejar algo, mas não conseguem. Pessoas que foram tão gravemente feridas que tiveram que desistir até mesmo de querer qualquer coisa. Foi nisso que comecei a pensar.”

   Ele olhou para a mão que outrora segurara o calor de Yui.

   O que ele poderia fazer? O que só ele poderia fazer? O que ele queria fazer?

   Com todos esses pensamentos reunidos em um só, Naomi cerrou o punho lentamente e olhou diretamente para Yui.

“Você não está mais sozinha. Não importa o que aconteça, eu estou do seu lado. Então não tenha medo. É por isso que...”

   Ele ergueu o olhar para encontrar o de Yui.

“É por isso que eu quero que você cante. Para mim.”

   Ele disse isso com uma determinação ainda mais forte do que o voto que fizera na frente de Sophia.

“Se você não consegue cantar para si mesma... então cante por mim. Se eu sou alguém importante para você — alguém que você disse que importava — então eu sei que você consegue. Certo?”

“Naomi...”

“Eu quero ouvir você cantar. Eu quero ouvir as músicas que importam para você. Eu não me importo com o que os outros dizem. Eu quero ouvir sua voz, Yui.”

   Não era uma declaração de amor. Apenas pura honestidade egoísta.

[Kura: De fato não é, mas a emoção que vai com as palavras é.]

   E ainda assim ele disse a ela, sem o menor sinal de vergonha.

   Assim como a promessa que haviam feito antes — só que desta vez, seu egoísmo era ainda mais profundo. E desta vez, sua determinação era ainda mais forte.

   A única luz na silenciosa capela vinha da lua que se filtrava pela claraboia. E naquele silêncio, uma pequena, suave, e gentil risada ecoou.

“...Por que você é sempre tão gentil comigo, Naomi?”

   Seus olhos brilharam com lágrimas, e ela lhe lançou um rosto sorridente e choroso — ao mesmo tempo frágil e radiante.

“Eu te disse. Sou egoísta. Insistente, na verdade.”

   Naomi deu de ombros de onde estava sentado ao órgão, e Yui não pôde deixar de soltar uma risadinha discreta.

“Você tem razão. Ninguém nunca me fez um pedido egoísta como esse antes.”

   Ela deu um passo lento e deliberado para a frente, e o luar iluminou brandamente seu sorriso.

   Uma única lágrima brilhou em sua bochecha sob o brilho suave, como algo saído de um sonho.

   Vendo-a finalmente sorrir novamente, Naomi coçou o nariz, ligeiramente perturbado.

“Desculpe, não consegui pensar em uma maneira melhor de fazer isso. Bem bobo, né?”

“Talvez um pouco. Mas é muito ‘você’ — e eu adorei.”

   Os dois não conseguiram mais se conter, e suas risadas ecoaram suavemente na quietude da noite.

   O sorriso de Yui, banhado pelo luar, era tão lindo, tão encantador, que não podia ser descrito em palavras. E naquele sorriso, não havia mais nenhum traço de dúvida ou tristeza.

   Enquanto caminhava até Naomi, ela colocou a mão gentilmente em seu peito e sorriu calorosamente.

“Você toca o órgão para mim? Só desta vez. Se for você tocando, sei que conseguirei cantar. Para aquele que expressou o egoísmo que eu não consegui — por alguém que é importante para mim.”

   Ainda sorrindo suavemente, Yui se virou e deu um passo à frente em direção às fileiras de bancos vazios.

   Sua figura esguia e graciosa não demonstrava nenhum sinal de hesitação ou medo. Só de olhar para suas costas, Naomi percebeu: ela vai ficar bem.

   Naomi voltou-se para o órgão. Ajustando as alavancas de volume e tom, ele colocou os dedos suavemente nas teclas pretas e brancas.

   Quando as pontas dos dedos pressionaram o teclado, as primeiras notas suaves do órgão de tubos ecoaram pela capela, suavemente iluminadas pelo luar suave. A música era o Hino nº 148, “Cristo Salvador Ressuscitou Hoje”.

   Um hino clássico, frequentemente cantado durante os cultos de Páscoa.

   Era o mesmo hino que Yui um dia deveria cantar — e agora, aqui e agora, Naomi o tocava para que ela pudesse finalmente olhar para a frente novamente.

  Enquanto o prelúdio de Naomi preenchia o espaço, Yui fechou os olhos e respirou fundo. Então, ergueu a cabeça — e a voz.

   Não era o cantarolar tímido que cantara na sacada antes. Era claro, vibrante, belo — ressonante, forte e livre de hesitações.

   O canto de Yui, agora livre de medo ou dúvida, juntou-se ao órgão de Naomi, pintando a capela com algo mágico — transformando o espaço em um lugar de pura serenidade e luz.

   Lágrimas escorriam pelas bochechas de Yui, refletindo o luar enquanto brilhavam e deslizavam por sua pálida pele, repetidas vezes.

   E mesmo enquanto caíam, ela parecia feliz — radiante — exibindo o sorriso mais caloroso e alegre que Naomi já vira.

   Com a mão pressionada contra o coração, ela cantou com tudo o que tinha, derramando sua alma em cada nota. Ela era apaixonada, poderosa — e absolutamente, de uma beleza de tirar o fôlego.

   Esta era a verdadeira eu de Yui.

   Naomi percebeu que, finalmente, ele estava vendo a verdadeira Yui. E poder testemunhar aquele sorriso fez seu próprio coração se encher de orgulho. Suas mãos pressionaram as teclas com mais força, infundindo cada acorde com aquele sentimento.

   Enquanto cantava, Yui virou a cabeça ligeiramente — e seus olhos encontraram os de Naomi do outro lado do santuário, enquanto os dedos dele dançavam sobre o teclado.

   Seus olhos azuis reluziam de alegria, estreitando-se em um sorriso enquanto ela lhe dava a expressão mais brilhante e radiante que já havia demonstrado.

     —Sim. Ela é linda.

   Sob o brilho azul-claro da lua, cercado por uma luz onírica, o sorriso que Naomi conseguira proteger não precisava de palavras.

   Era simplesmente, avassaladoramente — belíssimo.

-DelValle: A letra traduzida de Christ the Savior is Risen Today:

 

Cristo Senhor ressuscitou hoje, Aleluia!
Terra e céu em coro dizem: Aleluia!
Elevam suas alegrias e triunfos, Aleluia!
Cantem, céus, e terra respondam: Aleluia!

 

A obra redentora do amor está concluída, Aleluia!
Lutou a luta, a batalha vencida, Aleluia!
A morte em vão o impede de se levantar, Aleluia!
Cristo abriu o paraíso, Aleluia!

 

Vive novamente o nosso glorioso Rei, Aleluia!
Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Aleluia!
Uma vez ele morreu para salvar as nossas almas, Aleluia!
Onde está a tua vitória, sepultura jactanciosa? Aleluia!

 

Elevai-nos agora para onde Cristo nos conduziu, Aleluia!
Seguindo a nossa Cabeça exaltada, Aleluia!
Feitos como ele, como ele nos erguemos, Aleluia!
Nossos são a cruz, o túmulo, os céus, Aleluia!

 

Salve, Senhor da terra e do céu, Aleluia!
Louvado sejas por ambos, Aleluia!
A ti, agora, saudamos triunfante, Aleluia!
Salve, Ressurreição, Aleluia!

 

Rei da glória, alma da bem-aventurança, Aleluia!
Vida eterna é esta, Aleluia!
A ti conhecer, a teu poder provar, Aleluia!
Assim cantar, e assim amar, Aleluia!

 

 

Traduzido por Moonlight Valley

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