Volume 1
Capítulo 1: A Kuuderella Que Senta ao Meu Lado
Bip bip bip. Bip bip bip bip.
Eram 7 da manhã. O despertador do telefone, que eu não usava há algum tempo, ecoava pelo quarto.
O calendário marcava abril.
Um novo ano letivo, uma nova vida, novos alunos, novos trabalhadores — a primavera é a estação em que tudo começa. Do lado de fora da janela, o clima era perfeitamente primaveril, com uma mistura de frio persistente e o calor suave do sol.
Na rua lá embaixo, pessoas circulavam com uniformes novos ou ternos novos e de aparência estranha. O vizinho do apartamento ao lado havia se mudado no mês passado e, ontem mesmo, um novo morador já havia tomado posse. Tudo parecia agitado.
As férias de primavera haviam terminado. Eu — Katagiri Naomi — estava dando boas-vindas à minha segunda primavera desde que comecei o ensino médio.
Em outras palavras, fazia um ano desde que comecei a morar sozinho.
Depois de desligar o alarme, sentei-me na cama, estiquei o corpo para me livrar da rigidez do sono, respirei fundo e mudei de foco.
“...Certo. Hora de levantar.”
Saí da cama e fui ao banheiro jogar água no rosto para me acordar.
O sabonete facial que eu tinha acabado de repor alguns dias atrás era barato. Aparentemente, minha pele é bem resistente, então meus únicos critérios são o preço e o quanto me sinto revigorado.
Enxaguei a espuma, fechei a torneira e, com uma escova de dentes na boca, limpei as gotas de água espalhadas pela pia e pelo espelho antes de enxaguar a boca.
“Acho que cresci... um pouco?”
Murmurei para o meu reflexo no espelho.
Eu provavelmente tinha me acostumado um pouco mais a morar sozinho, mas não me sentia especialmente mais adulto.
“Isso não vai mudar nada, né?”
Afastando-me do espelho, vesti a camisa social branca que havia passado ontem, apertei a gravata e vesti a calça do uniforme que havia lavado durante as férias de primavera. Depois veio o blazer.
“Obrigado pela refeição.”
Juntei as mãos em frente à pequena mesa individual e comecei a preparar o café da manhã.
A refeição daquela manhã era arroz com ovo cru, um ohitashi de espinafre que eu tinha preparado com antecedência e um pedaço de salmão grelhado que comprei com desconto.
[Kura: Pessoal, um ohitashi é basicamente uma folha verde escaldada e marinada em um molho leve de shoyu e caldo dashi. (Folha cozida e banhada a um molho.]
Salpicado com sal e grelhado até ficar bem crocante, o salmão dava uma crocância satisfatória a cada mordida, liberando explosões de sabor rico. Se me permite dizer, estava perfeitamente cozido.
O cardápio lembrava um café da manhã típico de uma rede de restaurantes de carne bovina, mas prepará-lo eu mesmo custava menos de um quinto do preço, e poder comê-lo fresco e delicioso era algo que eu só comecei a apreciar no último ano.
Limpar, cozinhar, lavar roupa — cuidar de todas as tarefas básicas sozinho, aprender que só de viver custa dinheiro e perceber o quanto eu devia aos meus pais... Gostaria de pensar que isso é pelo menos algum sinal de crescimento.
“Morar sozinho? Claro, se você conseguir uma bolsa de estudos integral. Não que você consiga.”
Isso foi há dois anos, quando eu estava no oitavo ano do ensino fundamental, começando a pensar no futuro.
Esse comentário veio da minha mãe, recostada no sofá em frente à TV, rindo.
E agora lá estava eu, vivendo aquela vida depois de cumprir a proposta dela.
Quando finalmente ganhei a bolsa e ela disse: “Que promessa foi essa mesmo?” — completamente séria — fiquei genuinamente bravo com ela. Olhando para trás, porém, é uma lembrança meio carinhosa.
“Obrigado pela comida.”
Lavei minha louça rapidamente e a arrumei no escorredor. Com louça suficiente para apenas uma pessoa, é mais fácil, a longo prazo, lavá-la imediatamente do que adiar — outra coisa que aprendi.
Uma olhada no relógio digital mostrou 7h45.
A escola ficava a uns 15 minutos de caminhada, então, se eu saísse às 8h, teria tempo mais do que suficiente para chegar até o sinal da manhã. Para matar o tempo, pensei em preparar uma xícara de chá e encher a chaleira com água.
O lugar onde eu morava era bastante espaçoso para alguém que morava sozinho — um apartamento de 1 quarto, com cozinha, sala de estar e jantar e quarto, todos conectados em um único layout espaçoso.
Construído há quatro anos, tinha fechadura automática, porteiro eletrônico e caixa de entrega — segurança de primeira linha. A cozinha, o banheiro, o ar-condicionado e outras instalações eram todos novos, tornando-o um aluguel relativamente caro para a região.
Mesmo tendo conseguido uma bolsa integral, inicialmente recusei o lugar, me sentindo mal com o custo. Mas meus pais insistiram — “É o amor de pai e mãe!” — e tomaram a decisão por mim. Agora que eu morava aqui, eu era grato por esse amor e passei a gostar muito do lugar.
E havia mais um motivo para eu gostar deste apartamento.
“Elas estão em plena floração novamente este ano.”
Abri a janela que dava para a varanda voltada para o sul. Bem à minha frente, erguia-se uma magnífica cerejeira em plena floração.
Suas pétalas rosa-claras balançavam ao vento, colorindo a vista com aquele inconfundível charme primaveril. O vento que soprava pelas flores trazia um leve aroma agridoce de sakura.
“Esta vista é realmente extraordinária.”
A visão das pétalas dançando suavemente ao vento, descendo lentamente como se estivessem flutuando, era de tirar o fôlego — algo que só se pode testemunhar na primavera.
Enquanto Naomi estreitava os olhos para observar a paisagem, absorvendo tudo, uma voz linda e clara se sobrepôs à cena como mágica.
“Essa música...”
Naomi se acalmou, concentrando-se para ouvir a melodia.
Era uma melodia que todo japonês já ouvira — uma canção folclórica tradicional sobre flores de cerejeira. A bela voz cantada era suave, porém distinta, e deslizava no vento como se louvasse o pleno desabrochar das flores de cerejeira, alcançando os ouvidos de Naomi.
Era como se as pétalas à sua frente dançassem ao som daquela voz, descendo lentamente pelo ar. Como se puxado por um fio delicado e invisível, ele se virou em direção à fonte e foi imediatamente cativado pelo perfil da garota ao lado.
Com a suave brisa primaveril agitando seus cabelos negros, a garota estava na varanda vizinha, cantarolando aquela música. Ela parecia uma delicada peça de vidro — tão bela que parecia irreal.
Seu perfil era tão refinado quanto uma escultura de porcelana branca, e em seus grandes pálidos olhos azuis, as flores de cerejeira caídas refletiam suavemente enquanto seus lábios teciam a melodia no ar.
—Linda.
[Del: Lindo (a descrição da cena). | Kura: Essa vai além.]
Essa foi a única palavra que me veio à mente.
Sua voz pura e cristalina se misturava suavemente à atmosfera, ecoando suave e profundamente. As notas suaves acariciavam os ouvidos de Naomi, envolvendo-os em calor, e antes que ele percebesse, estava completamente enfeitiçado, incapaz de se mover.
Mas dentro daqueles olhos azuis semicerrados, havia uma fragilidade fugaz — como algo fortemente ferido que poderia se romper a qualquer momento.
Refletindo as pétalas que caíam suavemente ao seu redor, seu perfil continha uma frieza silenciosa que só a fazia parecer mais misteriosa. Naomi não conseguia tirar os olhos da garota — até que olhar dela encontrou o dele e a música parou abruptamente.
“...!”
Seus olhos se arregalaram ligeiramente em surpresa.
Aquela expressão, antes como a de uma estátua de vidro sem vida, agora continha um leve traço de confusão — e isso finalmente trouxe Naomi de volta à realidade.

...Espera aí. Vendo por fora, eu pareço um esquisito agora, não é?
Dando um passo para trás e analisando a situação objetivamente, ele percebeu que estava descaradamente olhando para a varanda da vizinha.
E não apenas isso — a outra pessoa era uma garota extraordinariamente bonita. Se ele fosse acusado de ser um voyeur, não teria como se defender. Essa percepção repuxou desajeitadamente a voz da boca de Naomi, formando um sorriso forçado.
“...Desculpe. Eu não estava tentando bisbilhotar nem nada.”
“...”
A garota franziu as sobrancelhas e olhou para baixo. Suas pequenas mãos se apertaram na frente do peito, como se estivesse com medo.
Ela parecia uma criança sendo repreendida por fazer algo ruim, e mesmo com suas expressões sutis, Naomi podia sentir a tensão em sua postura rígida.
“...Me desculpe.”
Ela murmurou com uma voz quase inaudível, depois se virou e voltou rapidamente para o quarto, escondendo o rosto.
Barulho. Batida.*
O som da janela se fechando ecoou enquanto Naomi era deixado sozinho na varanda dele.
Tudo aconteceu tão rápido que ele nem teve tempo de fechar a boca entreaberta.
“...Eu realmente estraguei tudo.”
Ele virou a cabeça para longe da varanda vizinha, apoiando o queixo na mão contra o corrimão, resmungando para si mesmo.
Ele sabia que alguém tinha se mudado para a casa ao lado ontem, mas não fazia ideia de que seria uma garota como ela. E, a julgar pelo uniforme que ela usava, ela poderia ser uma aluna nova na escola dele este ano.
Mesmo que as pessoas não se misturassem muito com os vizinhos ultimamente, o fato de ela ser uma garota da mesma escola — e de que aquela fosse a primeira interação deles — tornava as coisas muito estranhas. Se os pais dela o denunciassem como uma pessoa suspeita, ele honestamente não podia reclamar.
Pelo menos, por enquanto, não parecia que ela fosse tocar a campainha ou sair correndo para a sacada gritando com ele, o que era um alívio. Mesmo assim, enquanto ela estivesse na casa ao lado, eles provavelmente se encontrariam em algum momento. Quando isso acontecesse, ele só teria que se desculpar direito.
Assim que pensou nisso, seus olhos pousaram no relógio dentro do quarto. Já passava das oito.
“Merda, eu também preciso ir.”
Ele deixou o incidente de lado por enquanto, pegou sua mochila e saiu pela porta, deixando a chaleira de água quente para trás.
◇ ◇ ◇
“Aah, Nacchan, bom dia~!”
“Bom dia, Katagiri-sensei.”
“Aww, que formal! Quando estivermos fora da escola, me chame de ‘Mana’!”
“Foi você quem disse isso, desde que eu esteja de uniforme, somos professora e aluno, Katagiri-sensei.”
“Eu disse isso? Não me lembro... Ah, espera, talvez eu estivesse bêbada.”
A caminho da escola, quem mostrou a língua sem a menor vergonha foi Kasumi Katagiri — minha professora na Academia Tosei e também minha prima.
Ela tinha 24 anos naquele ano, era baixa, com um rosto jovem e infantil. Seu cabelo estava cortado na altura dos ombros e, embora seu corpo tivesse as curvas de uma mulher, sem o terno ela mal parecia mais velha do que eu.
“Você não gostaria que as férias de primavera fossem, tipo, duas semanas a mais? Professores também merecem uma recompensa por terem sobrevivido ao ano, sabia?”
“Você disse exatamente a mesma coisa durante as férias de verão do ano passado. ‘Trabalhamos duro por meio ano,” lembra?”
“Eu disse? Ah, espero que a política ultra-relaxamento se torne uma realidade — tipo, semanas letivas de quatro dias. Com o mesmo salário, é claro.”
Minha prima era o tipo de adulta que sempre queria tirar uma folga, pelo menos metade do mês.
Ela tinha uma atitude despreocupada e frequentemente era repreendida pelo supervisor de turma, o que não era incomum para os alunos verem. Mas com seu charme e alegria constante, as pessoas meio que a perdoavam.
Mesmo caminhando ao lado dela, não parecíamos ser professor e aluno — parecíamos mais irmãos ou amigos.
Eu não conseguia odiá-la de verdade. Sua positividade me ajudou mais vezes do que eu conseguia contar.
“Mas nossa, Nacchan, seu uniforme agora te veste. Um ano atrás você parecia tão novinho, como se o uniforme estivesse te vestindo.”
“Qualquer um se acostumaria depois de um ano.”
Até uniformes produzidos em massa começam a se ajustar melhor depois de algum tempo. A mochila vai naturalmente para o ombro direito, e eu consigo ir a pé para a escola sem pensar nisso.
Ao contrário do ano passado, quando tudo era novo e incerto, agora é só uma questão de familiaridade — só parece confiança.
“Ahaha, não, não foi isso que eu quis dizer. Só quis dizer que, do ponto de vista da sua irmãzona, você cresceu um pouco.”
Ela entrelaçou os dedos atrás das costas e olhou para mim com um sorriso provocador.
Desviei o rosto, desviando do seu olhar travesso que sugeria memórias de anos passados.
...É isso que acontece quando alguém te conhece desde sempre.
[Del: O clássico: “Eu segurei você no colo quando você era bebê.”]
Kasumi era seis anos mais velha que Naomi e sempre fora como uma irmã mais velha de verdade para ele. Eles eram próximas desde sempre. Ela podia ser uma adulta sem esperança, mas Naomi nunca conseguia realmente respondê-la.
Quando Naomi estava no ensino fundamental e enfrentava a realidade de escolher um caminho para o seu futuro, foi Kasumi quem levou suas preocupações a sério. Foi ela também quem o apresentou ao sistema especial de bolsas de estudo quando ele sentia uma estranha pressão para “crescer rápido”.
E quando Naomi cumpriu o acordo que ele havia feito com seus pais sobre conseguir a bolsa de estudos —
“Não tem como um estudante do ensino médio viver sozinho, isso simplesmente não é possível!”
“E se eu cuidar do Nacchan? Ele trabalhou duro e cumpriu sua promessa — isso não é justo!” — foi Kasumi quem ficou brava com os pais relutantes por ele.
Era por isso que Naomi ainda não conseguia responder, e ouvir que ele tinha crescido parecia apenas uma provocação.
E, a julgar pelo sorriso irônico em seu rosto, era definitivamente uma provocação.
“Bem, se você pudesse olhar para alguém e dizer ‘ele cresceu’ depois de apenas um ano, a vida seria muito mais fácil. Eu nem me sinto adulta.”
“Você provavelmente deveria agir mais como adulta, considerando sua idade e cargo.”
“Ugh, isso não é nada adorável. Nem um pouco. Essa atitude é um grande não-não. Fracasso total. Desqualificado.” Franzindo a testa dramaticamente, ela cruzou os braços pequenos em um X para repreendê-lo.
Ela provavelmente não queria agir de forma boba, mas gestos como aquele eram exatamente o motivo de sua falta de autoridade. Ainda assim, essa brincadeira era parte do que a tornava quem ela era.
Enquanto Naomi caminhava com um sorriso irônico, Kasumi de repente bateu palmas e disse: “Ah!”
Ele parou e inclinou a cabeça em sua direção.
“Falando nisso, ouvi dizer que uma aluna transferida virá para a nossa aula hoje.”
“Uma aluna transferida?”
◇ ◇ ◇
“Sou Yui Elia Villiers. Prazer em conhecê-los.”
Sua bela voz, como um sino suavemente tocando o ar, carregava seu nome com um tom monótono e inexpressivo.
A sala de aula estava em silêncio. Imperturbável com a atenção plena de seus colegas, a garota que Naomi vira naquela mesma manhã estava na frente da turma, sem um pingo de medo ou emoção.
A turma inteira se mexeu nervosamente, trocando olhares. Acontecera tão repentinamente que ninguém sabia bem como reagir.
Um nome obviamente estrangeiro que ninguém estava acostumado a ouvir. Longos cabelos negros que brilhavam à luz. Pele lisa, como porcelana. Uma figura esguia, como a de uma modelo, com membros longos. E, acima de tudo, seu rosto era impecavelmente delicado como vidro trabalhado, emoldurado por misteriosos olhos azuis.
A nova aluna transferida, de aparência frágil e vagamente melancólica, era inconfundivelmente a mesma garota da casa ao lado. Naomi não conseguiu esconder sua surpresa ao vê-la.
“A Villiers-san é uma estudante de intercâmbio da Inglaterra. O japonês dela é ótimo, mas pode haver coisas com as quais ela ainda não esteja acostumada, então, pessoal, sejam gentis com ela, okay~?”
Kasumi continuou em seu tom despreocupado de sempre, parada ao lado de Yui. A sala de aula começou a murmurar baixinho.
“Cara, acabamos de ser atingidos por uma beldade de verdade.”
O garoto na frente de Naomi — seu amigo Kei Suzumori — se virou com um sorriso irônico.
A turma inteira encarava Yui com uma mistura de curiosidade e inveja, e aquele comentário resumia exatamente o que todos estavam pensando.
Mas a garota em questão não demonstrou a mínima reação. Permaneceu ali, com uma presença silenciosa, o olhar frio e distante de tudo, como uma nobre dama trancada em uma torre. Aquele ar de mistério só fazia sua beleza se destacar ainda mais.

“Qual é o veredito do juiz Naomi?”
“O que eu deveria estar julgando? Não me interesso por esse tipo de coisa.”
“Sabia que você diria isso.”
Kei deu de ombros e soltou uma risada alegre.
Kei era meu amigo mais próximo desde que entrei nesta escola.
Ele podia parecer chamativo e agir de forma descontraída, mas era incrivelmente atencioso e tinha uma incrível noção de lidar com a distância entre as pessoas. Jovem ou velho, homem ou mulher — ele conseguia se dar bem com qualquer um.
Por algum motivo, essa personificação humana de habilidades sociais tinha gostado de mim e continuou por perto até nos tornarmos amigos. E mesmo alguém como Kei, que normalmente não julga as pessoas pela aparência, não pôde deixar de mencioná-la — prova de que Yui havia chamado a atenção de todos.
À nossa frente, nossa pequena e agitada professora de sala de aula me olhou e assentiu com um sorriso deslumbrante que praticamente fazia um som, enquanto levantava a palma da mão.
“Certo, a Villiers-san, seu lugar é bem no fundo, perto da janela. Se precisar de alguma coisa, pergunte ao garoto ao seu lado, Katagiri-kun. Ele pode parecer hostil, mas na verdade é bem gentil.”
“Sim, entendido.”
“...Hã?”
[Kura: Destino? Nada disso! Uma prima que realmente fez um milagre kkkk]
Yui assentiu levemente e, ao lado dela, minha prima sem esperança acenava com um sorriso.
◇ ◇ ◇
“Tem alguma coisa que você queira perguntar?”
“Não, obrigada. Revisei o guia escolar que recebemos com antecedência, então já me familiarizei com as instalações e as regras.”
“Entendo. Então... nada mesmo?”
“Sim. Nada mesmo.”
“...”
“...”
Depois da aula da manhã, durante o intervalo antes do primeiro período. Eu estava tentando falar com Yui, que estava sentada ao meu lado, mas a conversa não estava indo a lugar nenhum.
Na verdade, nem tinha começado. Ela não fazia contato visual e agora se virava para olhar pela janela, como se dissesse que tínhamos terminado. Mesmo assim, como a professora tinha me pedido para ficar de olho nela, me senti obrigado a pelo menos me esforçar — mas essa era a realidade.
Não que eu esperasse uma conversinha divertida ou algo assim, mas...
Ela nem olhou na minha direção. Nenhum sinal de que estava tentando se encaixar. Toda a sua aura gritava: “não fale comigo.”
Claro, alguém tão bonita provavelmente atraía muita atenção indesejada, então eu podia imaginar que isso era irritante. Mas ainda assim, eu queria que ela pelo menos entendesse que eu não estava tentando dar em cima dela nem nada do tipo.
...Mesmo ela sendo literalmente minha vizinha.
Ela nem deu sinal de me reconhecer daquela manhã.
É verdade que foi um encontro breve, e não é como se eu tivesse um rosto memorável — especialmente comparado ao dela —, mas do jeito que as coisas estavam indo, não havia chance de eu sequer dizer uma palavra para me desculpar mais cedo.
“...”
“...”
Sem mais nada a dizer, fiquei em silêncio. É claro que nenhuma nova conversa surgiu disso.
Os colegas que nos observavam por curiosidade começaram a desviar o olhar, sem jeito. Yui permaneceu perfeitamente composta e inexpressiva.
Por que diabos isso parece uma competição de olhares silenciosos?
Assim que esse pensamento passou pela minha cabeça, Kei, que aparentemente já tinha visto o suficiente, interveio com um sorriso radiante para tentar ajudar.
“Ei, ei, Villiers-san, o que te fez vir estudar no Japão?”
“Eu tenho meus motivos.”
“Ahh, entendi. Desculpe se fui muito pessoal. Então... há algum lugar no Japão que você gostaria de visitar?”
“Não, não particularmente.”
“Ah... então você é mais do tipo que fica em ambientes fechados?”
“Não, não exatamente.”
“C-certo, então talvez... humm...”
Yui o ignorava com a maior frieza possível.
Mesmo com o próprio Sr. Comunicação lançando tópico após tópico, ela não respondia a nenhum. A bola simplesmente caía todas as vezes.
Kei continuou tentando, mudando ângulos e abordagens, mas em nenhum momento ela percebeu o que ele estava lançando. A “conversa” foi apenas uma série de tentativas perdidas.
Esta pode ser a primeira vez que vejo o Kei se esforçar assim...
Fiquei quase impressionada com a forma como ela o dispensou. E então, o sinal de alerta para o primeiro tempo soou nos alto-falantes.
Levantei a mão gentilmente para impedir Kei, que ainda não havia desistido, e intervim.
“Bem, se algo acontecer, me avise. Afinal, a professora me pediu para ajudar.”
“Okay. Obrigada.”
Ela me olhou pela primeira vez e fez uma leve reverência, encerrando a conversa.
Ela disse que estava tudo bem e, se não quisesse se envolver, achei que era melhor respeitar isso. Se ela precisasse de ajuda, eu interviria.
Considerei essa abordagem e dei um tapinha no ombro de Kei, dizendo: “Boa tentativa, cara.”
◇ ◇ ◇
As aulas acabaram e já era depois da aula.
Enquanto Yui se levantava silenciosamente de sua cadeira e saía da sala, Kei a observou ir embora e murmurou:
“A Villiers-hime realmente não disse uma palavra o dia todo, hein?”
“É. Ela ficou exatamente como estava esta manhã.”
Olhei para a cadeira agora vazia ao meu lado e assenti.
Sejam homens ou mulheres, vários colegas tentaram conversar com ela ao longo do dia, como Kei. Alguns provavelmente estavam apenas curiosos ou interessados nela. Mas a aluna transferida passou o dia inteiro com a mesma atitude fria e inexpressiva.
Como a professora tinha me pedido para ficar de olho nela, eu a observava do assento ao lado, mas ela ira ao refeitório ou à loja da escola sozinha durante o almoço e nunca pareceu perdida entre as salas de aula. A julgar por isso, ela realmente tinha feito a lição de casa sobre a escola. Eu não precisei interferir em nada.
“Bem, algumas pessoas só querem ficar sozinhas, então devemos respeitar isso.”
“É, mas se ela veio até aqui para estudar e tem dificuldade para fazer amigos, seria meio triste.”
“Se for esse o caso, claro, eu também me sentiria mal — mas não é essa a impressão que ela está transmitindo.”
“...Verdade.”
Kei assentiu, com as sobrancelhas franzidas.
Apesar da aparência chamativa, Kei era genuinamente gentil e prestativo, nunca com segundas intenções.
Ele cuidava especialmente de qualquer um que parecesse isolado — como eu, quando comecei aqui. É por isso que nunca pensei que a intromissão dele fosse algo ruim.
Mas o muro que Villiers havia erguido era inegável.
Então, imaginei que a coisa mais gentil que eu poderia fazer era respeitar os limites dela e não me impor a ela.
Se essa foi a escolha certa ou não, eu não saberia dizer. Mas, por mais bem-intencionado que seja, fazer algo que a outra pessoa claramente não quer não pode ser chamado de gentileza.
“A propósito, ouvi algumas pessoas da turma conversando. Aparentemente, ‘Villiers’ é um sobrenome nobre britânico.”
“Nobre? Sério?”
“É. Meio difícil de imaginar aqui no Japão, mas aparentemente ela é uma princesa de verdade.”
“Uma princesa, hein... Não parece que é real de jeito nenhum.”
Quando você ouve “princesa,” imagina a clássica beleza loira em um vestido branco de babados com uma tiara — saída diretamente de um mangá ou filme.
Mas Villiers tinha cabelos pretos brilhantes e feições refinadas, quase japonesas. Ela era linda, sem dúvida, mas não se parecia em nada com a imagem de princesa dos contos de fadas ocidentais. Simplesmente não combinava.
Ainda assim, ela tinha um nome do meio, e se vinha de uma família nobre, talvez fosse assim mesmo.
“De qualquer forma, vir estudar aqui na nossa idade é bem impressionante. Não consigo nem imaginar ir para um país estrangeiro sozinha.”
“Sozinha? Ela veio da Inglaterra sozinha?”
“A Kasumi-chan disse que estava estudando no exterior, certo? Isso geralmente significa vir sozinha. Mas tenho certeza de que ela está hospedada na casa de alguém que conhece.”
“...Sério?”
As palavras de Kei me fizeram lembrar de hoje de manhã.
O complexo de apartamentos em que moro não foi projetado para famílias — é mais tipo: espaçoso para um, apertado para dois. E é alugado principalmente para morar sozinho.
Eu tinha esquecido na correria da manhã, mas, considerando isso, é provável que Villiers esteja morando sozinha, assim como eu.
O que significa que ela realmente veio da Inglaterra sozinha e se mudou ontem — que surpresa repentina.
Minha cidade natal fica a apenas duas horas de trem-bala e, mesmo assim, levei muito tempo para me adaptar a morar sozinho.
E ela está fazendo isso sozinha... em um país estrangeiro, nada menos.
Mesmo que dinheiro não seja um problema, se ela não estiver hospedada com uma família anfitriã como Kei presumiu, então isso deve ser incrivelmente difícil.
Tenho certeza de que há alguém por perto com quem ela possa contar. Provavelmente eu não deveria estar me preocupando com isso. Mas tendo passado pelas mesmas dificuldades no ano passado, não consegui parar de pensar nisso.
“Ainda assim... se a própria Villiers não quer ajuda, não há muito que possamos fazer.”
“Mas você tem aquele status oficial de ‘ajudante designado’ da Kasumi-chan, não é?”
“Não ajuda se eu me tornar um ajudante indesejado.”
“Certo, essa foi uma resposta sólida. Não tenho como discordar disso.”
Kei riu com seu tom descontraído de sempre.
Eu também já tinha passado por uma fase de teimosia, então entendia como pode ser difícil aceitar ajuda, mesmo quando bem-intencionada. Às vezes, dar espaço a alguém é a escolha mais gentil.
Na época em que eu estava nas nuvens depois de ganhar aquela bolsa, fiquei um pouco convencido demais. Agora, vejo aquele momento como nada mais que um capítulo vergonhoso da minha história. E como Kei e Kasumi conhecem essa parte de mim, não consigo me sentir arrogante perto deles.
Ainda assim, aquelas experiências amargas me ensinaram muito — então vou chamá-las de “boas experiências” agora. É isso.
“Você está trabalhando no seu emprego ‘legal’ hoje, Naomi?”
“É. Você ainda está no seu emprego ‘ilegal’ nos fins de semana, certo?”
“Não chame ajudar nos negócios da família de ilegal.”
Kei deu uma risada tímida e deu de ombros.
A mãe dele administrava um clube de recepcionistas, e ele ajudava regularmente nos fins de semana.
Tecnicamente, era uma boate — mas como Kei trabalhava na cozinha e não interagia com clientes, e era um negócio de família, ele disse que estava tudo bem.
Eu só descobri isso depois que nos aproximamos no ano passado, e isso explicava por que Kei sempre se sentiu tão maduro para a idade dele.
“Você deveria passar por lá um dia desses. Aposto que as garotas de lá iriam adorar você. Eu até te arrumaria um serviço extra.”
“Vou considerar isso quando tiver idade suficiente para beber. Enfim, preciso sair agora.”
“Legal. Te vejo semana que vem, então.”
Acenei levemente e saí da sala de aula, indo para o que Kei, brincando, chamava de meu “emprego de meio período legalizado”.
◇ ◇ ◇
No extremo oposto do campus da Academia Tosei, havia um prédio de concreto com uma grande cruz no telhado. A luz do sol filtrava-se pelos vitrais que cobriam as paredes, espalhando um arco-íris de cores pela capela silenciosa.
“...Certo.”
O murmúrio baixo de Naomi ecoou pelo espaço vazio.
Ele girou suavemente o pescoço e os pulsos, respirou fundo e, lentamente, baixou os dedos sobre as teclas pretas e brancas. Um som rico e solene ecoou pela capela quando o órgão de tubos ganhou vida.
A peça era um hino frequentemente usado em casamentos e cultos dominicais — Hino nº 312: “Que Amigo Temos em Jesus”.
Com os tons brilhantes característicos dos instrumentos de sopro entrelaçados, a melodia vibrante e poderosa preenchia o ar. Sentindo o som na ponta dos dedos, Naomi tocou com as mãos e os pés, controlando o grande instrumento instalado ao longo da parede da capela.
A Academia Tosei era uma escola missionária católica com uma longa história, e o campus incluía esta pequena igreja.
Era usado para casamentos, funerais e cultos semanais, e até mesmo aberto ao público — cristãos locais frequentemente se reuniam ali. Normalmente, trabalhos de meio período eram proibidos na escola, mas ajudar em tarefas escolares como essa era considerado uma atividade extracurricular e permitido como exceção.
Naomi trabalhava como organista na igreja.
Para ser sincero, se ele só quisesse ganhar dinheiro, trabalhar em uma loja de conveniência ou em uma lanchonete pagaria muito melhor.
Mesmo sendo uma escola missionária histórica, ainda era uma instituição moderna — a maioria dos alunos tinha empregos de meio período secretamente e, desde que não houvesse problemas, a escola geralmente fazia vista grossa.
No entanto, Naomi era bolsista. Se causasse algum problema, poderia perder esse status. Então, se ele quisesse trabalhar, sua única opção era um dos poucos empregos aprovados pela escola.
O próprio Naomi não era religioso, mas sua mãe costumava levá-lo à igreja quando criança, então ele se sentia bastante confortável naquele ambiente. Além disso, ele tocava piano há anos, então esse trabalho não o incomodava — na verdade, ele até gostava de poder tocar livremente um órgão de tubos multimilionário (yen) o quanto quisesse.
Quando Naomi tirou os dedos das teclas, as notas persistentes do órgão de tubos desapareceram lentamente no silêncio da capela.
“...Sim, isso serve.”
Ele flexionou os pulsos, verificando a sensibilidade nas pontas dos dedos.
Como ele havia recebido uma chave secreta com permissão para usar o órgão sempre que a capela não estivesse em uso, Naomi adquiriu o hábito de vir aqui para tocar sempre que estivesse livre — depois da escola, nos fins de semana. Era uma de suas rotinas favoritas.
“Certo, mais uma—”
Assim que colocou os dedos nas teclas novamente, notou um raio de sol entrando pela porta entreaberta da capela e se virou para olhar para trás.
E lá estava—
“…Katagiri-san?”
Yui Elia Villiers, com os olhos azuis ligeiramente arregalados de surpresa.
◇ ◇ ◇
No escritório da igreja atrás da capela, Naomi agora estava sentado em frente a Yui em uma pequena mesa.
“Você está aqui para a entrevista de emprego de meio período, Katagiri-san?”
“As irmãs que administram este lugar são meio... relaxadas. Como a nossa professora.”
“Entendo. Obrigada pela ajuda.”
Yui assentiu com um pequeno “Ah,” parecendo entender.
Naomi se sentiu um pouco constrangido por até mesmo uma aluna que tinha acabado de conhecer a professora já conseguir perceber que tipo de pessoa Kasumi era — mas, pensando bem, era Kasumi, então ele deixou passar.
“Certo, você poderia preencher esta inscrição?”
Ele deslizou o formulário necessário para se candidatar a uma atividade extracurricular autorizada pela escola.
Não era oficialmente um emprego de meio período regular, então o formulário era super simples — apenas nome, endereço, informações de contato e um breve motivo para a inscrição. Era apenas uma formalidade para mostrar que a escola permitia o trabalho voluntário da aluna. Ou pelo menos foi o que sua prima disse.
“Se preferir que eu não veja suas informações pessoais, pode dobrá-lo ao meio antes de devolvê-lo.”
“Não, eu não me importo. Está tudo bem.”
Yui tirou um estojo da bolsa e se virou para o formulário.
Naomi avistou o estojo — era branco com um desenho preguiçoso e estilizado de um gato. Um daqueles designs tão feios que se tornam fofos, do tipo que tem um charme estranhamente cativante.
...Não esperava que ela gostasse de coisas fofas assim.
Estranhamente, contrastava com a imagem fria e indiferente que ela transmitia. O contraste entre isso e seu rosto inexpressivo enquanto começava a preencher o formulário chamou toda a atenção de Naomi.
Olhando para ela novamente, ela realmente tinha feições impressionantes. Até o simples ato de prender o cabelo atrás da orelha parecia uma cena de filme. Mesmo assim, sua expressão permanecia ilegível — sem dar nenhuma pista sobre o que ela estava pensando.
Acho que é assim que ela se mantém distante dos outros.
Enquanto observava a caneta deslizar pelo papel, a mão de Yui parou de repente. Sua caneta pairou sobre a linha intitulada “Motivo da Candidatura”.
“Essa seção é sobre o seu motivo para querer fazer este trabalho.”
“...Entendo. Obrigada.”
Yui levou a caneta aos lábios, franzindo levemente a testa.
Então, após um breve aceno de cabeça, ela retomou a escrita. Preencheu a linha com: “Porque mesmo na Academia Tosei, que proíbe empregos de meio período, a diretora me disse que eu poderia ganhar dinheiro com este trabalho.” Então, ela olhou sutilmente na direção de Naomi.
“É, acho que o que eles estão perguntando não é por que você escolheu este trabalho, mas por que você quer ganhar dinheiro em primeiro lugar.”
“Meu motivo para querer ganhar dinheiro?”
“Não se preocupe — não é como se eles fossem te rejeitar por isso. Você pode simplesmente escrever algo como ‘para experiência social’ ou ‘Eu queria me envolver no trabalho da igreja’. Tudo bem?”
“Entendo. Obrigada pelo esclarecimento.”
Sentada perfeitamente ereta, Yui fez uma reverência educada e começou a apagar o que havia escrito.
É claro que o que ela havia escrito originalmente não estava errado, mas talvez interpretar as nuances do japonês ainda fosse um pouco difícil. Enquanto Naomi pensava nisso, seus olhos se voltaram para o nome escrito em seu formulário, e uma compreensão repentina o atingiu.
“Villiers... Seu nome do meio, Elia... é um nome de batismo?”
“Sim, é.”
[Del: Dentre todas as possíveis traduções, Elisa, Eliane, Eliana, optei por Elia, pois o significado do nome é o mesmo de Elijah, a variação no inglês, que é Elias em português. (Elia também pode ser uma variação do nome masculino Eli)
-Elijah: O Senhor é o meu Deus / Meu Deus é Yahweh (este nome no hebraico significa “Eu Sou O Que Sou”, nome inicialmente apresentado a Moisés no episódio da sarça ardente na Bíblia, sendo considerado, dentre todos os títulos e semelhantes que Deus ‘recebe’, como o seu nome.]
Yui assentiu levemente em resposta.
Um nome de batismo, ou nome cristão, é dado quando alguém se submete ao batismo como um sinal de fé. Cristãos devotos frequentemente recebem o nome de um santo de um padre e o incorporam ao seu.
A Academia Tosei, sendo uma escola missionária, tinha um programa de intercâmbio entre escolas irmãs no exterior. Se Yui era devota o suficiente para ter um nome de batismo, então fazia todo o sentido que ela estivesse ali. E não foi surpresa que o diretor a tivesse apresentado a esse trabalho.
Enquanto Naomi assentia silenciosamente para si mesmo, Yui terminou de preencher o formulário e o entregou a ele.
O motivo revisado para a inscrição agora era: “Para despesas de subsistência.”
A resposta inesperada fez Naomi piscar, surpresa.
“Despesas de subsistência...? Tipo, comida e outras coisas?”
“Sim. Isso mesmo.”
“Você está cobrindo suas próprias despesas de subsistência?”
“Há algo errado com isso?”
“Não, não está errado, apenas... inesperado.”
Yui respondeu à pergunta desajeitada e reflexiva de Naomi sem a menor emoção.
A filha de um nobre britânico, trabalhando meio período para cobrir as despesas de subsistência enquanto estudava no exterior — estava muito longe da imagem de uma princesa mimada.
Naomi já esperava isso, pela conversa anterior com Kei, que ela pudesse estar morando sozinha naquele apartamento, mas quanto mais ele pensava nisso, mais sua ideia do que uma “princesa nobre” deveria ser parecia equivocada.
Pelo que ela havia expressado antes, parecia que a própria Yui havia abordado o diretor para pedir trabalho. Ela devia ter seus próprios motivos.
Não cabia a ele se intrometer nas circunstâncias alheias. Se ela não estava se voluntariando mais do que isso, não era algo que Naomi precisasse perguntar.
Ele percebeu que estava se apegando a alguma fantasia preconcebida e decidiu deixar isso de lado. Mesmo assim, havia uma coisa que ele se sentia compelido a esclarecer com Yui.
“Mas esse emprego não paga muito, sabia? Se fosse para despesas de subsistência, você provavelmente ganharia mais fazendo um trabalho regular de meio período.”
O estilo de vida solo de Naomi era algo que ele conquistara cumprindo o acordo com os pais. Contanto que pudesse ganhar o suficiente para cobrir suas despesas pessoais, já estava bom.
Claro, ele não se importaria de ter mais, mas arriscar sua bolsa de estudos por um dinheirinho extra não valia a pena.
Afinal, esse emprego era apenas “auxílio aprovado pela escola”. Não era fixo e, mesmo que você trabalhasse em todos os intervalos, ainda não daria muito resultado.
Então, se ela realmente quisesse cobrir suas despesas de subsistência, esse emprego provavelmente não seria suficiente.
“...Tudo bem. Eu só quero ganhar o que puder, dentro dos limites aprovados pela escola.”
Seus olhos azul-claros, baixos para a mesa, brilhavam com uma seriedade silenciosa.
Suas palavras, embora suaves, carregavam um calor determinado que Naomi não ouvira dela até agora.
...Então a Villiers também consegue fazer esse tipo de cara.
Aquela vontade calma, mas resoluta, em sua voz deu a Naomi um vislumbre de quem ela realmente era pela primeira vez. Mudou a imagem que ele tinha dela em mente.
Ela devia ter seus próprios motivos para vir ao Japão, coisas que não sentia necessidade de explicar. E então Naomi decidiu respeitar isso e recuar.
“Desculpe. Isso foi um pouco fora do contexto. Essa resposta está boa o suficiente para mim.”
“Não, tudo bem. Obrigada pelo aviso.”
Enquanto Naomi se desculpava, Yui fez uma leve reverência, e seus longos cabelos negros balançaram com o movimento.
Ele aceitou o formulário preenchido e o dobrou em um envelope.
“Tudo bem, vou entregar isso ao gerente da igreja. Duvido que eles rejeitem, mas, por precaução, espere uma resposta na próxima semana.”
O trabalho não era popular entre os estudantes — não pagava bem e as funções eram vagas. Naomi era o único a fazê-lo no momento.
Se ele não fosse bolsista, também teria procurado um emprego com melhor remuneração. E se a igreja realmente precisasse de ajuda, eles simplesmente contratariam alguém temporariamente por conta própria. Não era como se estivessem em extrema necessidade.
Além disso, se o diretor fosse quem a recomendasse, não havia como Yui ser recusada. Mesmo assim, Naomi acrescentou o aviso por precaução.
“Mais alguma coisa que você queira perguntar?”
“Tudo bem se não for sobre o emprego?”
“Claro. Se eu puder responder.”
“Bem, então...”
Yui baixou o olhar pensativamente por um momento, depois olhou para cima novamente.
“Você mora no apartamento ao lado do meu, Katagiri-san?”
“...Hã?”
Naomi congelou, pego completamente de surpresa.
“...Então você percebeu.”
“Sim. Percebi quando te vi na sala de aula.”
“Entendo. Faz sentido.”
“Sim.”
“……”
“……”
…Certo, como ele deveria responder a isso?
Ele presumiu que ela não o havia notado naquela manhã — mas aparentemente ela o havia notado. E o fato de ter sido ela quem tocou no assunto, ali mesmo, naquele momento, o deixou sem palavras.
Ele planejava se desculpar na próxima vez que se encontrassem, mas não era exatamente bom em pensar rápido nesse tipo de situação. Não tinha ideia do que dizer.
Yui, por sua vez, o encarava sem mudar de expressão. Ele não conseguia ler nada em seu rosto — nenhuma ideia de porque ela havia tocado naquele assunto de repente.
No fim, pensar sobre o assunto não ajudaria. Naomi decidiu encarar a situação de frente e seguir seu plano original — pedir desculpas.
“Bem, sobre isso—”
“Me desculpe.” “Me desculpe.”
“…Hã?”
“…O quê?”
Ambos se curvaram ao mesmo tempo, e então olharam para cima, surpresos com o pedido de desculpas um do outro.
“Por que você está se desculpando, Katagiri-san?”
“Hã? Assim... eu estava espiando, não estava? Mas, mais importante, por que você está se desculpando?”
“Porque se alguém ouvir uma voz suspeita cantando na casa do lado, imagino que seria desagradável.”
...Voz suspeita cantando?
Na verdade, ele ficou completamente encantado com ela. A única razão pela qual ele não se desculpou imediatamente foi porque ficou muito impressionado tanto pela música quanto pela própria Yui depois.
Enquanto inclinava a cabeça levemente para a direita, Naomi inclinou a dele para a esquerda e franziu a testa.
“Serei mais cuidadosa no futuro, então, por favor, me perdoe pelo que aconteceu.”
“Ah... bem, é... Eu também serei mais cuidadoso. Vamos ficar quites.”
“Entendido. Obrigada.”
Ainda com a mesma cara de pôquer, Yui curvou-se educadamente. Naomi, um pouco envergonhado, curvou-se de volta também.
...Não entendi totalmente o que aconteceu, mas se a Villiers não está brava, então acho que está tudo bem.
Esse pensamento o ajudou a decidir considerar o incidente resolvido. Mas ainda havia uma coisa que o incomodava. Assim que começou a fechar a boca, abriu-a novamente.
“Mas, uh... posso te falar uma coisa?”
“Sim. O que foi?”
Yui voltou o olhar para Naomi ao ouvir suas palavras.
“Não era uma música desagradável. Deixe-me pelo menos corrigi-la.”
Ouvindo isso, Yui piscou várias vezes e inclinou a cabeça levemente.
“...O que você quer dizer com isso?”
Sua cara de pôquer demonstrava um leve traço de confusão enquanto fazia a pergunta gentilmente. Naomi, sentindo-se um pouco envergonhado de dizer isso em voz alta, ainda mantinha os olhos nela e respondeu diretamente.
“Sua voz, Villiers... era realmente boa. Já ouvi muita gente cantar, especialmente como organista, e mesmo assim, fiquei genuinamente cativado. Então, só quero deixar claro que... não achei nada desagradável.”
“...Katagiri-san.”
Seus olhos azuis se arregalaram ligeiramente, a surpresa era claramente visível em seu rosto.
Naomi tocava piano com a mãe dele desde pequeno, e ele frequentemente acompanhava cantores ao longo dos anos.
Por isso, mesmo que fosse apenas ela cantarolando, ele percebia o nível de habilidade dela — e sabia que não era algo que se aprendesse da noite para o dia.
Então ele disse isso, mesmo sabendo que poderia ser desnecessário. Mas, para ele, era o mínimo que podia fazer para demonstrar respeito.
“...M-muito... obrigada.”
Enquanto processava o que ele disse, Yui — ainda com a cabeça ligeiramente inclinada — olhou para baixo e corou levemente, com uma expressão inquieta, os olhos vagando como se não soubesse o que fazer.
...Huh. Ela é até bonitinha quando está sendo sincera.
Ver seus ombros curvados e seu comportamento tímido e afobado fez os lábios de Naomi se curvarem em um pequeno sorriso.
Esse contraste com sua cara de pôquer habitual tornou o momento ainda mais cativante, e uma risada discreta escapou.
“...O que foi?”
“Nada.”
Yui franziu a testa um pouco, desgostosa, e Naomi deu de ombros em resposta.
Ele meio que queria aproveitar aquele raro vislumbre do lado mais suave dela um pouco mais, mas não queria forçar a barra e deixá-la brava. Então, decidiu encerrar o assunto e se levantou.
“Tudo bem, então. Volte aqui depois da aula na semana que vem. Eu explicarei o trabalho.”
“Entendido. Obrigada.”
Com isso, Naomi a guiou até a porta dos fundos que dava para a saída do escritório. Yui, agora completamente recomposta, fez uma reverência e saiu.
Enquanto a luz quente do crepúsculo entrava, Naomi semicerrou os olhos ligeiramente devido à claridade — então percebeu que Yui havia parado de andar. Ela se virou para ele, com sua pequena figura o encarando mais uma vez.
“Seu órgão também foi maravilhoso. De verdade.”
Banhada pelo brilho suave do sol poente, Yui deu um sorriso fraco e gentil.
Era um sorriso lindo — tão adorável, aliás, que Naomi se esqueceu completamente de responder, hipnotizado enquanto ele o absorvia.
...Então ela realmente consegue sorrir.
A expressão solitária daquela manhã se foi. A expressão rígida e indecifrável da sala de aula se foi. Em seu lugar, estava uma doce garota com olhos azuis gentis e um sorriso caloroso e adorável.
“Bem, então, até a semana que vem. Adeus por enquanto.”
Ela se curvou mais uma vez, seus longos cabelos negros balançaram suavemente mais uma vez enquanto ela se virava — e desta vez, sem olhar para trás, ela desapareceu de vista.
Naomi soltou um suspiro longo e relaxado.
“...Ela é uma princesa bem confusa.”
Aquele rosto solitário daquela manhã. Sua expressão estoica na aula. Aquele olhar tímido mais cedo. E o sorriso cativante que ele acabara de ver.
A filha de um nobre britânico que foi transferida para sua turma. A garota que se sentava ao lado dele. Uma colega de trabalho em um emprego que ninguém mais queria. Sua vizinha.
Relembrando toda a cadeia de eventos — algo em que nem mesmo Kei provavelmente acreditaria — Naomi soltou uma risada silenciosa e incrédula.
Claro, ele e Villiers não eram nada mais do que isso. Apenas duas pessoas cujos caminhos se cruzaram estranhamente. Ele não tinha intenção de forçar uma conexão mais profunda.
Ainda assim, se ela se sentisse confortável o suficiente para abrir seu coração um pouco mais, isso o deixaria feliz.
“Bem... acho que vou voltar a praticar.”
Sorrindo suavemente para si mesmo, pensando em quão expressiva sua misteriosa vizinha poderia ser, Naomi fechou a porta dos fundos e voltou para o órgão.
-Moonlakgil: Olá pessoal, me junto a revisão dessa obra maravilhosa! Espero de coração que vocês apreciem tanto quanto eu! Agora segue a letra da música (coral), que foi mencionada no capítulo, escrita pelo Delvalle.
Que Amigo temos em Jesus,
Todos os nossos pecados e tristezas para carregar!
Que privilégio levar
Tudo a Deus em oração!
Ó, que paz muitas vezes perdemos,
Ó, que dor desnecessária suportamos,
Tudo porque não levamos
Tudo a Deus em oração!
Temos provações e tentações?
Há problemas em algum lugar?
Nunca devemos desanimar,
Leve ao Senhor em oração.
Podemos encontrar um amigo tão fiel
Quem compartilhará todas as nossas tristezas?
Jesus conhece cada uma das nossas fraquezas,
Leve-as ao Senhor em oração.
Estamos fracos e sobrecarregados,
Sobrecarregados com uma carga de cuidados?
Precioso Salvador, ainda nosso refúgio —
Leve ao Senhor em oração;
Teus amigos te desprezam, te abandonam?
Leve ao Senhor em oração;
Em Seus braços Ele te tomará e te protegerá,
Você encontrará consolo lá.
Traduzido por Moonlight Valley
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