Volume 1

Capítulo XIII: Carta de Alforria.

Passaram se alguns dias desde que o infeliz Gilmar de Leiria Castanho recebeu a visita de Kuria e ele quando pensava neste momento ria ao lembrar se de uma reportagem da revista Científica que seu pai assinava e que sempre lhe enviava após ler, (após a visita de Kuria o isolamento de Gilmar foi um pouco afrouxado) na matéria em questão Kuria tinha um termo oficial: ABAS -1 ou Anomalia Biológica Auto Senciente nº1.

Ele já tinha se acostumado com a prisão domiciliar, volta e meia seus pais ou seus parentes vinham para visitá-lo e ele ficava na rotina de jogar vídeo game e fazer alguns exercícios com os equipamentos de ginástica que o exército autorizou que recebesse.

Vira as notícias, sua amiga ou o que quer que seja sumiu, mas havia retornado (é o que dizia a imprensa). Já ele intercalava momentos entre pensar e não pensar no que lhe ocorrera há pouco, demorava a acreditar na maluquice que o mundo estava caminhando.

(Como se o mundo nunca tivesse deixado de caminhar numa maluquice).

E quando menos esperava recebeu uma chamada e era aquela mulher, aquela garota, aquela criatura aquela seja lá que caralhos apareceu, antes de perguntá-la o motivo da conversa ela entrou e disse:

—Tenho boas notícias, soldado faça suas malas e vamos! Depois o exército envia o resto dos seus bens.

—Hã? Como? Quando? Assim?

—Deixa de ser molenga vamos, consegui sua como diziam na época que seu povo tinha escravos? Carta de Alforria? Está livre ou não, na verdade seu Imperador perdoou você com a condição que ficasse sob minha tutela, na verdade era parte do acordo....

—Tutora? Como assim? Não é por nada não, mas eu não sou uma criança muito menos adolescente. E você ser minha tutora eu achava que tu fosse sei lá da minha idade ou pouca diferença....

—Garoto eu não falei??? Sou uma divindade!!!!!

—É não sinto curiosidade em perguntar sua idade

—1500 anos.

—Certo, interessante, o que...1500 a..! Eu fico imaginando se você fosse deste mundo aqui.

—É eu sei, aconteceu muita coisa aqui pelo visto os humanos daqui são mais dinâmicos e apesar de não existir outras raças no seu mundo, eu pelo que li perdi muita diversão, uma pena. Vamos!!!! Se puder vestir sua farda eu agradeceria.

Kuria e Gilmar então saíram apressados em um veículo do exército e foram para a base aérea de Brasília onde pegaram carona em um avião de carga para a base aérea do Portal. Estes voos da FAB eram rotineiros, pois levavam suprimentos, materiais, tropas e etc.

Da base pegaram um trem de carga que atravessou o portal e chegou à estação de cargas do Forte São Jorge recém inaugurada. (Mérito da engenharia do exército que ergueu trabalhando 24 horas por dia uma base funcional em pouco mais de uma semana e desde então continuava sendo ampliada, afinal Forte São Jorge estava sendo planejada para ser uma metrópole.)

Chegando à estação Kuria que vestia um uniforme de marechal providenciou um SUV modelo Agrale Marrua M50 com carreta acoplada. Neste veículo levaram alguns bens de Gilmar, equipamentos de exploração e depois ele foi saber um engenho experimental construído pela Faculdade Mackenzie capaz de transformar qualquer sumo (sumo seria o liquido que sai quando a planta podendo ser extraído de troncos, caules e folhas dos vegetais) em biocombustível.

—Para onde vamos Srta Kuria?

—No caminho te explico

—Caminho para onde?

—Existe um templo para minha adoração a uns 40 como vocês dizem quilômetros ao norte daqui, vai amarre as coisas e dirija eu te mostro o caminho.

Kuria então se dirige a um oficial e disse:

—Tudo pronto conforme eu solicitei?

O oficial prestando continência responde:

—Sim, conforme a Sra. solicitou!

—Gilmar, você dirige!!!!! Eu mostro o caminho.

—Você já disse isso!

—Continuo repetindo, vai!!!

A viagem de aproximadamente 1 hora e meia entre estradas milenares e caminhos pedregosos, riachos rasos e pasto virgem, aldeias espalhadas cuja difícil vida de seus moradores receberia um alívio de seus novos conquistadores, coisas consideradas simples para um homem moderno como luz e água encanada, mas para aquelas pessoas simples e até para o sujeito que tinha mais posses aquilo seria algo considerado um presente divino.

Estradas iriam ser construídas diminuindo o tempo de viagem entre uma vila e outra, unindo as pessoas e facilitando as trocas. 

Enquanto isso durante o percurso Kuria entre uma orientação e outra sobre o caminho, descrevia tudo como se tivesse divagando, sobre a paisagem que eles viam, sobre qualquer coisa, paisagem esta tirada das infinitas histórias ambientadas em mundos fantásticos histórias produzidas aos milhares e consumindo aos milhões no nosso mundo.  

Chegaram logo a um dos templos da deusa, este era um prédio que lembrava os templos clássicos gregos do tamanho de um casarão de paredes de mármore branco que na base era tingido pelos musgos que cresciam dando um tom cor cinza esverdeado.

Colocando lá suas coisas no local onde sua, pelo menos naquele momento responsável determinou. Ele dormiria em um cômodo próximo a uma pequena piscina, Gilmar finalmente tomou coragem e questionou:

—Por que eu? Justo eu?

—Por que eu te escolhi? Porque eu quis, eu sou uma deusa, eu escolho quem eu desejo, mas como sou generosa eu lhe direi um dos motivos.

Nos dias que me ausentei tive a chance de encontrar com meu irmão a divindade da guerra ele caso você tenha a sorte ou o azar de trombar com ele, atende pelo nome de Kurios Poleimon e aquele idiota, mas querido irmão quando me recebe depois de tantos anos apenas diz: “o vento da guerra está chegando”.

Kuria continuava a falar, mas com uma calma e sinceridade:

—Ventos da guerra? A existência da vida já é a causa da guerra, que vento? Estamos e sempre estaremos imersos na tempestade da guerra, ora com ventos brandos, ora com ventos fortes, mas sempre ventos.

Mas meu irmão disse: Aquele vento da guerra que sacudirá nosso mundo, como virá? O que importa é que virá. Eu não dei muita bola para o que ele disse, afinal profecias de guerra sempre aconteciam e acontecem, é uma nação irrompendo como um vulcão ou desmoronando como se a terra a engolisse, viva mil anos e isso não fará diferença.

Porém...por eu não dar atenção como se houvesse uma força maior com propósito difuso acabei percebendo que eu, como vocês dizem, “detonei” a série de eventos que levará ao pressentimento de meu irmão.

—A Senhora se refere ao nível das armas do meu mundo?

—Sim e a ambição das nações que admito de certa forma incitei.

Pegando e bebericando uma taça de vinho ou algo parecido que para Gilmar apareceu por nada ou por pura conveniência a deusa finalizou:

—Virei uma peça de algo maior? Sério, isso parece irônico e divertido...

—E onde eu, apenas eu entra nisso?

—Como posso dizer...quando notei rapidamente toda a tecnologia do lado de lá do portal que abri, o imenso poder das máquinas para o bem e para o mal, ainda com meu humilde desejo de ver onde isso poderia levar...bem se pode haver A Guerra eu posso nesse rol imenso de indivíduos, tomar um, tomar um soldado para mim.

(Gilmar olhou num misto de semblante assustado e sério.)

Eu então peguei um que ao mesmo tempo fosse determinado poderia não ser de grande importância, alguém que só é lembrado quando morre sabe.

O lusitano ficou quieto não falou nada apenas pensou: FILHA DE UMA PUTA

A deusa leu os pensamentos e séria e ameaçadora olhou de volta.

Gilmar congelou completamente de pavor e logo Kuria o repreendeu:

—Por que essa cara de medo? Nunca foi encarado por uma garota? E outra coisa, não é seu objetivo ser um soldado? Não lutou um breve conflito na sua terra? Que soldado é esse que não lida com a possibilidade e normalidade com a morte? Agora sentes medos?

—Então eu entraria como um peão nessa guerra vindoura?

—E o que tem de errado? Você escolheu isso, você já fez isso! Deveria ser para ti desde o início matar um ato normal, é o que faz um soldado! Tu não estarás sozinho eu não conduzirei ninguém, seu Império partirá de bom grado para guerra por que teu povo no fundo assim o deseja eu apenas estarei disposta a facilitar este desejo.

Olha que curioso isso que vi:

Uma coisa eu reparei nas sociedades de seu mundo, a tecnologia para matar é cada vez mais aplicada e desenvolvida ao mesmo tempo em que o ato de atacar o inimigo se torna cada vez mais impessoal, vocês matam, são capazes de causar cada vez mais destruição, mas mal vêem o inimigo!!!!!! É uma coisa bem repugnante eu diria o problema não é matar, o problema é matar sem olhar quem você está matando, entende? Qual a diferença da guerra para esses jogos elétricos de vocês? É tudo um apertar de botões.

Gilmar ouviu e ficou quieto, ela tinha razão, finalmente as coisas caíram à ficha e ele perguntou de fato, que raios ele estava fazendo ali? Como tudo aconteceu?

Logo ele entendeu que sim ela tinha razão, ele era apenas um soldado, um peão que poderia e deveria ser enviado para onde fosse caso fosse objetivo ou desejo do seu comandante assim é um soldado.  “Oh-oo-oh you're in the army now”.

Sacramentando seu novo destino que ele custaria a acreditar Gilmar começou a cantarolar:

A vacation in a foreign land, Uncle Sam does the best he can
You're in the army now, oh-oo-oh you're in the army now

Now you remember what the draft man said,
Nothing to do all day but stay in bed
You're in the army now,
Oh-oo-oh you're in the army now...

—Eu posso entender o que te passa e perdoarei sua hesitação, mas também parabenizarei sua compreensão...soldier... Descanse um pouco logo caminharemos faz tempo que não percorro estes campos há alguns animais interessantes que vocês brasileiros iriam gostar de ver. 

Gilmar não sabia, na verdade ninguém sabia e os Brasileiros iriam depois descobrir graças ao extenso trabalho das editoras de livros que pagavam aventureiros (grande maioria formada por brasileiros comuns com pouco amor a vida) que saiam explorando cidades, vilarejos (ou ruínas) carregando boas quantias de ouro e prata (fundidos em moedas pelo governo imperial que autorizava a emissão e em troca recolhia uma fatia do valor como imposto de acordo com o preço internacional dos metais preciosos).

Estes exploradores, pessoas corajosas sedentas por aventura em posse dos valores confiados. Compravam por onde andavam livros e pergaminhos e nas cidades maiores também quando possível encomendavam livros para os copistas. Os livros então eram traduzidos e impressos para um público cada vez mais ávido e curioso por este novo mundo e isso gerou grandes lucros no mercado editorial. 

As notícias de estrangeiros de outro mundo comprando livros fizeram com que se criasse um fluxo de mercadores para o Forte São Jorge. No início da história desta colônia a comercialização de livros foi a principal fonte de renda local. O governo se beneficiou com os impostos recolhidos.

(NOTA DO AUTOR: VOLTANDO AO TEMA PRINCIPAL E LEMBRANDO QUE HERÓDOTO DE HALICARNASSO FAZIA A MESMA COISA QUE E EU FIZ E SE ELE PODIA...)

Entre estas histórias e registros recolhidos, uma que faria Gilmar Castanho ter certo temor e respeito era os relatos datados de 500 a 1000 anos atrás em que diziam que Kuria era mais temida do que adorava e neste período era considerada uma das divindades da guerra, além de lendas sobre a forma fria com que a deusa eliminava quem a desapontaram.

Kuria Potomato ou Kuria bebedora de sangue, este era seu título há muito tempo atrás, a deusa sanguinária que escolhia amantes e se nos mitos gregos uma história em que um escolhido para ter uma noite de amor com Afrodite parecia ser um sonho, com Kuria era diferente.

Se a noite de amor, se o ato sexual não lhe satisfizesse, algo considerado bem difícil de fazer o pobre infeliz era massacrado, uma cena que nenhum cronista ousou descrever, mas que todos imaginavam.

Ao mesmo tempo seu irmão o verdadeiro deusa da guerra valorizava quando a paz prevalecia na medida do possível.

Passado um tempo contemplando o silêncio o lusitano perguntou:

—Certo e a partir de agora o que será de mim?

—Não, sei, isso dependerá de você, amanhã tu iniciará um treinamento, uma demonstração de habilidades vou apreciar o que você for capaz de fazer.

Agora poderá fazer o que quiser do seu tempo, descansar (ainda é cedo) andar, qualquer coisa, atrás do templo tem um pequeno rochedo faça o que quiser agora vá!

—Pequeno rochedo? Pensou Gilmar

De fato, havia um rochedo em meio aquele terreno acidentado próximo ao prédio, a rocha em si tinha pelo menos 5 ou 7 metros e estava convenientemente intocada.

Em volta do Agrale algumas caixas lacradas e bem pesadas...

—Um dos poucos prazeres da carreira de armas...Concluiu ele.

Um tilintar ensurdecedor começou a ressoar e a deusa em seu canto privado disse para si mesma:

—Crianças, nunca crescem...

A noite logo caiu, prevendo que seria desperto o tão cedo fosse possível o rapaz retornou para seus aposentos que há pouco tinha preparado e se aprontou para descansar. Estava cansado, confuso e intrigado.

Da prisão domiciliar no subúrbio de Brasília para um templo esquecido no novo mundo, mais precisamente na Mesogeia, como se acostumaria a se referir, quanto tempo levaria para que absorvesse tudo aquilo ali, isso se absorvesse?

Naquela noite de início de Dezembro no Brazil, lá estava fazendo calor, muito calor. Os brasileiros como de costume vão se refrescar nas praias e rios, mas naquele mundo onde seu clima ainda iria ser estudado, parecia uma noite fria de outono.

Gilmar de Leria Castanho, 22 anos, quando dormiu sonhou com os dias de combate no breve conflito armado onde ajudou a defender a sede do governo do seu país, lá estava ele após a vitória dos monarquistas no referendo o novo rei D. Afonso VII de Portugal. Do lado de fora uma insurreição de militares e militantes armados que sabe-se lá como conseguiram seus suprimentos tentando um último ataque desesperado contra o que de fato era um regime legítimo e naquele caos ele prestou honrosamente seus serviços ao seu rei recém entronizado.

Em termos militares, aquele ataque foi um incidente, uma série de tiroteios que assustaram Lisboa por dez dias. Mas para Gilmar aquilo tinha sido sua guerra, seu batismo de fogo, pobre criança inocente mal sabia que a verdadeira guerra iria começar, porém cada momento do seu batismo logo após se alistar, fato ocorrido três meses antes, logo após referendo, cada momento em que estava em armas ficou ecoando por sua mente enquanto seu corpo jazia dormindo. Morreram relativamente poucas pessoas, mas suas mortes marcaram o espírito virgem do combatente noviço.

Kuria observou seu corpo se mexendo durante o sono e finalmente quebrou a segurança que tinha como divindade e questionou para si mesmo:

—Por que escolhi este idiota, ele nem me adorar igual os outros mortais, irá.

Olhou com um olhar irônico para o crucifixo que o rapaz tinha colocado em cima de onde descansava e resmungou:

—Ei você ai seu esfolado, tu deve ter feito muita coisa grande para tantos te adorarem...

FELIZ 2025 A TODOS!!! DEUS CONOSCO!!!



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