Volume 1
Capítulo X: Uma visita
Gilmar passava os dias meditando, no que mais poderia dar errado na sua vida. Os dias isolados por outro lado o deixou meio anestesiado e talvez ele até poderia, apesar de ser impossível, receber com tranquilidade e indiferença uma sentença de morte que ele não ligaria. Também não se importaria de receber a conta de 20 milhões de reais referentes ao prejuízo causado naquele infame incidente.
Também passava o tempo descansando, pois toda a preparação para o curso de batedor virou um esforço em vão e ainda antes toda preparação junto com sua família que se mudava para o Brazil fora outras experiências tudo isso desgastou sua alma e o que ele queria naquele momento era descanso.
Chegam momentos que o corpo só pensa em dormir mesmo que seja a última coisa a fazer mesmo que do lado de fora esteja desabando, sim é um sentimento muito forte e atraente.
Findo as duas semanas a monotonia cessou.
Uma prece atendida? Uma caridade divina? Nunca se saberá, o que se sabe é que na mesma velocidade que aquela sequência de eventos que aconteceram na vida do jovem português, outra seqüência eventos que ele também não conseguiria compreender em uma vida humana estavam à espreita.
—Sr Castanho! Já disse, você tem uma visita, devo anotar em meu relatório que o Sr recusou?
—Sr Castanho! Já disse, você tem uma visita, devo anotar em meu relatório que o Sr recusou?
—Não!!!! Deixe essa pessoa entrar, seja lá quem é!
—Srta tem permissão para entrar. Autorizou um dos oficiais.
—Muito bem comunique a sua majestade o imperador que consegui contatar o jovem. Declarou a voz feminina.
Gilmar resolveu preparar uma fornada de pão de queijo com guaraná, algo dizia que era um momento formal e nada melhor do que servir a convidada seu petisco favorito.
Dirigiu ele então a entrada do pequeno apartamento funcional para a visitante e disse:
—É...olá bem eu imagino que isso seja importante sua visita então se não se importa eu coloquei uns pãezinhos de queijo para assar, já comeu? É um prato típico de Minas Gerais e desde que vim para o Brazil eu não paro de comer, é difícil achar lá em Portugal onde eu cresci e vivi.
—Prazer sou Kuria Epchar, deusa e protetora do prazer, sexo, inspiração e outras coisas, vim do meu mundo através do vórtice que eu mesma criei e sim pão de queijo é um prato delicioso tive o prazer em experimentar quando visitei aquela cidade mística, qual era mesmo o nome? São Tomé das Letras, no alto de uma colina, o ar daquele local é incrível (Kuria estava se referindo a toda atmosfera sobrenatural, exotérica e até mesmo ufológica que se criou em torno da cidade e a tornou nacionalmente conhecida) vou aceitar espero que tenha feito muitos meu jovem…
—Fiz o suficiente com aquela massa que o exército permitiu que eu comprasse, como pode ver estou em prisão domiciliar...
—Uma pena o que fazem com soldados que apenas querem provar seu valor para seu rei, o que é a destruição de alguns equipamentos perto desse nobre ato? Bom eu ainda não aprendi todos os costumes do seu povo.
—Você diz qual povo? O brasileiro ou o português?
—É mesmo tinha me esquecido você veio de outra nação, continuando ainda não aprendi os costumes dos brasileiros, por isso trouxe uma lembrança para ti e já que você é um português vai gostar ainda mais do que tenho.
Kuria havia trazido um modelo feito em bronze do Marco Padrão homenageando a chegada dos portugueses, o original foi erguido em 1932 para comemorar os 400 anos da fundação da então Vila de São Vicente.
—Acho que isso tem alguma ligação contigo, você disse que é português.
—Sim e parece bobeira, mas quando criança, me diziam que Martim Afonso o homem que fundou a vila onde se localiza esse monumento que você me presenteou com a réplica era um ancestral distante meu.
Gilmar não pode deixar de notar que Kuria tinha consigo outro pacote e comentou:
—Você é bem generosa, isto é para o Cáiser?
—Na verdade o presente para sua majestade já despachei para Brasília o que tem aqui é para mim mesma, é como se fosse um modelo assim vocês chamam que nem o que te dei sabe, eu fiquei tão fascinada como vocês simples humanos deste mundo conseguem construir, é cada tipo de engenho, diferentes bem diferentes dos que existem na Mesogeia...
—É que se pode fazer quando se é uma espécie tão fraca, mas inteligente e que foi criada por Deus a uns bons milênios, você precisa conhecer o Egito...
—Estou falando garoto! Como eu disse vocês têm uma capacidade extraordinária de produzir engenhocas seus ferreiros são melhores que os anões.
—Existem anões no seu mundo?
—Sim e eles daria tudo para trabalhar nas siderúrgicas...e entre essa grande variedade de máquinas a que mais me chamou atenção é as Megaloferidofidi...
—Perdão, megalofer o que?
—Cobras de ferro gigantes de carga, aquelas bestas controladas que são compridas como serpentes e andam em cima de uma trilha de ferro.
—Ata! Você quis dizer trens ou locomotivas, realmente é algo bem legal em Portugal e na Europa tem bastante, aqui também tem, mas não tanto como lá.
—Então pensei que seria interessante eu comprar alguns modelos para que eu pudesse estudar, você precisa saber que sou bem rica graças às ofertas que meus adoradores dão, por isso eu dei um saco de ouro e o mercador não só me deu estes modelos, mas prometeu me enviar mais modelos e outras coisas do tipo...
—Você quer dizer, trilhos, cenários, motores elétricos, uma mesa grande
—Sim, sim, o mercador me disse que ia me mandar essas coisas para mim.
—Mas você, como dizem no noticiário é como se fosse uma deusa também da sabedoria, dizem que você aprendeu português e japonês no mesmo dia, por que precisa gastar tempo estudando trens você já não “absorveria” tudo?
Kuria que estava com uma cara visivelmente envergonhada agora estava visivelmente irritada, Gilmar que se lembrou das notícias sobre o massacre sofrido pelos yakuzas pediu desculpa e ficou calado.
O fascínio pela beleza estonteante da visita deu lugar à estranheza ao ver aquele ser tão poderoso fascinado por um hobby em que é difícil de se encontrar “humanas” ou melhor garotas que o pratique e a estranheza deu lugar ao medo puro após se lembrar que as mesmas notícias eram reais e a pessoa que decepou um criminoso com um golpe só de sua mão nua estava a sua frente e nada, nenhuma legislação, nenhum tratado, nenhuma filosofia a impediria se quisesse de fazer o mesmo ali.
Mas o que aconteceu com Kuria? Deusa muito adorada o equivalente a Afrodite dos gregos, mesmo que nos últimos dias tenha se comportado como tal, uma coisa que ela descobriu no nosso mundo começou a deixá-la constrangida. Uma abordagem deixava a na defensiva, deixava a vermelha (sobre isso, há no máximo lendas), uma coisa que ela se apaixonou à primeira vista e amou tanto que ela também desejou ser a sua divindade de seu mundo, a protetora, promotora e provedora.
Não era as artes, a guerra, uma filosofia, uma vocação, um herói...o que deixava Kuria Epcha a poderosa e orgulhosa divindade do amor, sexo e inspiração ter seu poderoso espírito ficar fora de orbita, o que a deixava fora de orbita era...
Trens, locomotivas, ferrovias, canal Decapod...
—Toma, comprei dois do que o vendedor disse se chamar de Kits, pega um para você.
Kuria deu uma caixa com uma locomotiva e dois vagões era ferromodelismo profissional e aquilo poderia custar tanto quanto um console de última geração.
—E o que te deixa aqui nessa espécie de cárcere? Se bem que olhando bem você deve ser uma pessoa muito importante para estar detido nessa situação, de onde venho só os nobres ou pessoas muito importantes recebem este conforto que você tem.
Kuria olhou bem no fundo dos olhos de Gilmar e com um sorriso malicioso perguntou:
—Ou será que você sabe de algo que é importante para o seu Imperador? Por isso está tão à vontade.
—Na verdade descobri que causei um prejuízo bem grande, eu basicamente mandei meio regimento pelos ares achando que aquele equipamento era sucata para alvo de tiro. Duro que foi divertido.
—Tem algo para beber? Não sei se você sabe, mas de onde venho sou extremamente bem tratada porque como eu disse, sou uma deusa, me dê o melhor vinho.
—Bebidas alcoólicas são negadas aos que estão detidos, tenho só uns refrigerantes de guaraná, te falei há pouco.
—O que é refrigerante? Contém álcool?
—Já disse que não sou autorizado a consumir bebidas alcoólicas enquanto estiver detido, tome prove um copo que você vai gostar.
—Tudo bem
Kuria pegou o copo de refrigerante e provou como se estivesse degustando um vinho fino.
—Hum, é leve e refrescante e não contém álcool, isso permite que se beba por horas, mais um ponto para a engenhosidade dos mortais deste mundo.
Enquanto saboreava a bebida a divindade observou cada detalhe do imóvel e com toda naturalidade comentou:
—Este aparelho de televisão está ligado, foi autorizado?
—Sim, me deixaram assistir o jogo do União de Leiria, meu clube de futebol favorito no campeonato português.
—Futebol? No Japão vi que eles gostam muito desse divertimento, teremos tempo para que você me conte sobre esse futebol e outra coisa agora que me chamou atenção foi esse nome do “time” pelo qual você torce... seu nome do meio não seria também Leiria? Tive acesso a seus papeis quando estive no alto comando (se referindo aos registros do lusitano).
—Minha família é de lá, nosso lar ancestral, deve ser por isso que eu gosto de um time tão pequeno, poderia estar torcendo pelo Benfica, Sporting Lisboa etc. (Risos.)
No meu mundo gostamos de outros jogos que aqui vocês chamam de atletismo, sabe corridas realizadas por guerreiros ou guerreiras, também gostamos de corridas em bigas, caças e encenações de combates, as pessoas neste meu mundo gostam de realizar estes jogos em honra a mim e a os outros deuses e nós gostamos de presenciar.
(Isso lembra os jogos olímpicos da Grécia antiga), pensou Gilmar.
—A conversa está agradável, mas acho que você precisa ter cuidado, pois seu pão de queijo que você colocou para assar vai queimar.
Gilmar andou rápido e conseguiu salvar o quitute, arrumou com cuidado a mesa e serviu o pão de queijo com refrigerante de guaraná. como ele estava com fome quase esqueceu os modos e no momento que freou a investida para deixar a visita pegar primeiro, esta visita deu aquele sorriso alegre e dissimulado como se dissesse: “bobinho”. Logo então, chegando sua vez de se servir após uma esfomeada mordida ele indagou.
—O que um infeliz como eu tem a oferecer para receber a visita da mulher que todos os jornais declaram ser a mais bonita do mundo, você poderia receber caramba todos os mimos sabem, andar de carrões, etc, ficar perto de gente importante, por que raios você vem justo aqui, não é dó certo?
Olha eu me sirvo aqui desse pão e confesso é o meu melhor momento, mas estou com a vida destruída e ficaria feliz com qualquer coisa que me acontecesse e me tirasse, desculpa o termo, mas que me tirasse dessa merda que me meti.
Assim Kuria respondeu:
—Como você mesmo disse, eu posso fazer o que eu quiser e eu faço, ora me chamam de a mulher mais bonita do mundo? Só isso? Eu sou uma deusa, se estou aqui na presença de alguém que como dizem por aí um soldado mequetrefe (as ofensas e termos pejorativos são o tipo de coisa que todo mundo aprende primeiro quando conhece um novo idioma) que é mais perigoso para seu exército do que um inimigo é porque eu quero e eu vejo quem eu quero.
—Então foi para isso que você veio? Só para isso, para...tirar onda da minha desgraça? Eu não sou esse soldado que dizem, me arrependo do que eu fiz, mas sempre quis provar meu valor, lutei com muito orgulho na guerra que aconteceu no meu país, expulsei com glória as forças estrangeiras que lutavam com o inimigo. EU SOU UM HOMEM DE HONRA!!!!
NOTA: Os conservadores e monarquistas lusitanos no conflito civil que houve em seu país acusaram e acusam um envolvimento sutil de nações ou grupos estrangeiros.
—Hmm
—Só isso que você tem a dizer?!!!
—Então porque eu não vejo mais esta honra, este orgulho em sua alma que eu tinha visto quando te vi pela primeira vez?
Kuria continua:
—Ouça essa mulher cuja idade você não será capaz de mensurar, o espírito da guerra, da vontade de lutar capaz de levar um homem a empunhar uma arma por algo maior que ele, isso nunca muda pode ser neste mundo, pode ser no meu mundo e pode ser em incontáveis mundos deste céu afora, tão grande que sou também incapaz de entender seu tamanho.
Mas me parece que este espírito morreu, vejo um rapaz cuja chama está moribunda, já vi uma quantidade imensa de soldados que mesmo nos últimos instantes de vida tinha essa chama de guerreiro acesa e seus espíritos, eu senti suas alma partindo para o além e elas estavam quentes de orgulho, força e determinação, como é prazeroso para qualquer divindade exceto uma ou outra pacifista, sentir o toque de uma alma valente se despedindo é assim que sua carne se eternizam pois os maiores guerreiros os deuses louvam e os mortais não esquecem.
Suponhamos que tu sejas o último soldado de teu reino como tu ficarias, sentirias, estarias, o que farias?
—Eu...bem acho que...ei! Isso não está parecendo um Shonen?
—Essa é minha primeira lição, pense nisso, daqui alguns dias eu voltarei aqui, pense enquanto precisarei sair, seu rei me cobra a minha parte de um acordo, mas antes disso vamos terminar essa refeição que você preparou com tanto gosto.
—Eu só pus para assar uma massa pronta....
—E mesmo assim está muito bom, estou mais uma vez fascinada pelo conhecimento das nações deste mundo.
—Nações deste mundo? Isso é culinária mineira...
Então estava Gilmar naquele início de noite ele tinha recebido uma visita inesperada, tendo seu orgulho desafiado, recebido uma espécie de lição e agora estava frente a frente com o que os antigos diriam ser a própria Afrodite.
Comendo de forma fina aquele salgado tão comum e bebendo como se fosse vinho aquele refrigerante, ele comia meio besta, mas não conseguia fazer cair a ficha. Várias vezes sua pressão caia e ele se sentia fora do seu corpo. Impressão? Apenas uma reação emocional do seu corpo?
Em alguns destes rápidos instantes ele depois quando se lembrava realmente acreditava que sua alma saia rapidamente do corpo, pois quando acontecia isso, ele via uma aura em volta da garota e mesmo sem nunca ter lido sobre e sabe-se como, ele sabia que aquela aura poderia ser ao mesmo tempo intimidadora ou carinhosa.
Antes de ir embora Kuria apontando discretamente para o kit de ferromodelismo que havia presenteado o rapaz disse:
—Pense bem no que te falei e aproveite o que te dei é nosso segredinho.
Quando a visita daquela que se dizia (talvez não explicitamente) sua amiga se foi, apenas um pensamento forte o bastante que fazia querer gritar vinha em sua mente:
“Mas que caralhos acabou de acontecer?”
Ele mal dormiu nessa noite e nem na seguinte.