Volume 1

Capítulo IX: Tirem esse imbecil daqui.

O governo imperial tinha adquirido alguns equipamentos interessantes que traziam o máximo de realismo e consequentemente terror nos treinamentos de combate.

Entre as aquisições para não dizer a principal e mais cara, estava uma desenvolvida inicialmente pelas IDF (Forças de Defesa de Israel em inglês) que se viram na necessidade de desenvolver um treinamento mais intenso que pudesse ser ao mesmo tempo mais rápido e eficiente sem esquecer-se de dar a experiência necessária ao futuro combatente. 

Este equipamento era uma câmera especial para treinamento de tiro. Nesta câmera motores pneumáticos que permitiam simular o tremor do impacto da artilharia e todo tipo de explosão (o poder de simular esses tremores foi tão elogiado que existem versões para treinamento em situações de terremotos e deslizamentos) e dentro da câmera havia alto-falantes que simulavam o caos da batalha com sons ensurdecedores de disparos, gritos e aeronaves, o outro elemento era um sistema computadorizado que emitia luzes e projetava imagens em todas as paredes e obstáculos.

A imersão era completa, forjava ou podia prejudicar as mentes de quem o experimentava. O Brazil foi uma das primeiras e talvez únicas nações a terem acesso à tecnologia israelense junto com os EUA, Japão, Federação Russa, Coreia do Norte, China e Reino Unido além de Israel.

Versões comerciais para uso civil com modificações estavam sendo desenvolvidas para serem utilizadas em estandes de tiro dando uma imersão maior ao atirador como uma forma de entretenimento.

 

O governo imperial logo após a restauração conseguiu uma linha de crédito e adquiriu pelo menos seis desses equipamentos, sendo três deles direcionados para o treinamento das forças públicas de segurança. O valor da aquisição não foi divulgado e há a promessa de futuramente se obter mais exemplares.

 

Os outros equipamentos eram espécies de cabines onde o cadete ficava com um óculos de realidade virtual ao mesmo tempo em que o aparelho simulava todos os movimentos do veículo ou mesmo da aeronave para qual o aspirante se preparava para operar. Também havia um para treinamento no manejo de drones e por fim um modelo servia para treinamento de artilharia como manejo de canhões e lançamento de mísseis. 

Em algumas provas realizadas nestes aparelhos os instrutores gritavam ordens em meio ao caos simulado e se exigia mesmo com os tremores, sons e luzes a compreensão das instruções e uma precisão nos disparos dos alvos que muitas vezes eram colocados em movimento.

Uma variação do primeiro modelo de câmera possuía armas que disparava projéteis de “airsoft” que se por um lado não eram capazes de matar por outro eram feitos ou cobertos por um material que em contato com o corpo causava grande ardor e para piorar era proibido que estas armas fossem alvejadas devido ao seu custo.

Gilmar se saiu bem nos testes realizados nos diferentes simuladores (inclusive nos que simulavam veículos blindados, graças a uma doutrina do exército que exigia que cada soldado fosse especialista na sua área, mas soubesse como prosseguir em outras funções). 

 

Acabando o dia saiu uma lista dos que foram melhores avaliados para as provas no dia seguinte e nela estava o jovem Gilmar de Leiria Castanho, no dia seguinte seria o teste final, quem se saísse bem teria o prazer e a honra de começar seu treinamento em uma das grandes unidades do exército do Imperador, o 3º Batalhão de Batedores do 1º Regimento de Infantaria de Brasília-DF da 5ª Divisão do 1º Corpo de Exército Planalto do Exército Imperial de Sua Majestade.

No dia seguinte...

Veio o absurdo...

O campo de provas ficava nos subúrbios da capital imperial quase nos limites com Goiás a pelo menos 50 kms do centro de poder.  Era um ambiente amplo com vários tipos de terrenos que permitia as mais diversas formas de treinamento em todas as armas do exército (nota: aqui arma significa as “partes” do exército, infantaria, cavalaria e artilharia) e também da aeronáutica com alvos para serem atingidos tanto para canhões, obuses, tanques como para as aeronaves e drones.

A história recente “contribuiu” com o campo de provas, neste terreno durante a guerra civil havia um bairro periférico e também uma planta de uma indústria que infelizmente foram abandonados e transformados em ruínas, hoje é um local de treino tático, carcaças de blindados e aeronaves abatidas que muitas vezes foram trazidas de outros locais são utilizadas como alvos e completam o cenário do ambiente.

Naquele dia os candidatos chegaram cedo às primeiras horas da manhã e entraram no complexo que também servia como base militar com vários veículos que lá estavam estacionados.

Um de cada vez os candidatos entravam naquele que parecia um campo de batalha simulado e mostrava tudo o que sabiam. Eram apenas instruídos em duas coisas, a primeira era usar a dedução, ou seja, confiar nos seus instintos de guerreiro e a outra instrução era de tratar aquele campo de treinamento como uma batalha real. 

 

Acreditar que seria capaz de matar ou mesmo morrer, os equipamentos lá espalhados disparariam projéteis não letais mas que causam uma dor insuportável, armadilhas, auto-falantes ensurdecedores, completam o cenário, alguns recrutas já tinham visto algo parecido antes mas naquele momento estava em todos os aspectos frente a frente a verdadeiros arautos de terror capaz de traumatizar até a mais peralta das crianças, levados até as últimas consequências.

 

Os responsáveis pelos testes eram oficiais veteranos da guerra civil, alguns estiveram nas batalhas da Bolívia ou mesmo nas selvas africanas punindo os tiranos locais em operações especiais e outros veteranos que foram batizados nos eternos combates urbanos nas maiores cidades onde não se distinguia entre o inimigo quem deles eram um narcoterrorista sedento de poder e dinheiro ou um revolucionariozinho comunista leal ao autoproclamado governo brasileiro no exílio.

Mas para que tudo isso? Para que todo este terror? Um oficial poderia responder com toda autoridade e experiência: “ora é uma unidade de elite só os melhores devem ingressar”; outro poderia dizer: “para que só aqueles dignos da pátria e do Imperador possam merecer a glória”. 

Mas o que todos tinham em seus corações era a seguinte resposta: se houver soldados endurecidos desde o início, então o império poderia ser considerado seguro. A segurança, a continuidade da nação estava nos ombros de seus soldados. Proteger as terras, os mares e os céus, ser capaz de derrotar qualquer ameaça com facilidade, ali estava a chave para a continuidade da nação, da civilização Brasileira.

Assim podemos compreender a rigidez e o aparente descaso em orientar os pretendentes a soldados de elite, mas esta falta de orientações claras que tinha como objetivo de exercitar ao máximo a intuição de cada recruta acabou causando um incidente cômico para não dizer bizarro.

Voltando ao momento da prova dada as únicas instruções, bom repetir eram: usar a dedução e levar a sério, sem mais. E sem mais não havia orientações para onde os recrutas deveriam seguir para o teste. Gilmar foi o último a entrar e também acabou levando mais tempo para entrar no campo de provas já que estava tendo um enorme cuidado com seu equipamento.

Veio então o incidente.

O quartel general era um local bem grande que como mostrado tinha vários campos e nem todos eram de treinamento para os soldados, havia também locais para testes de modelos de veículos novos ou novas modificações e também testes periódicos nos modelos já existentes.

Quando Gilmar finalmente foi para sua vez, ele apenas ouviu: você tem 15 minutos, isso é uma guerra! Gilmar então acabou em vez de seguir a direita dobrando a esquerda e começou a disparar no que ele acreditava serem alvos. (de fato havia alguns “alvos” manequins de testes). 

Seguiu correndo para uma sala, parou na porta, jogou uma granada e ouviu a explosão. Continuou em um campo onde mirou em um blindado do exército que ele acreditou ser um alvo já que estava pintando com uma cor diferente (na verdade estava aguardando receber a pintura camuflada e tinha recebido uma cor inicial de base) e disparou. 

Observou que sua volta tinha um RPG e três foguetes e disparou contra o suposto alvo e mais dois veículos que estavam na fila para receber o padrão camuflado.

Enquanto isso na sala onde os oficiais observavam os testes em monitores que recebiam as imagens de inúmeras câmeras (duas delas Gilmar tinha tido a façanha de destruir) disparavam ordens para seus subalternos que disparavam tiros de advertência contra Gilmar que em meio ao avanço frenético interpretava aqueles disparos como parte do teste.

Após este “teste” Gilmar, sem saber o que de fato aconteceu ou não tomando noção do que aconteceu logo foi detido e sem direito a nenhuma explicação passou a noite na prisão militar.

Uma sindicância foi instaurada enquanto Kuria que já estava em Brasília deu início às negociações para a criação de um portal em troca da sua bizarra exigência. Por isso, logo de cara Gilmar recebeu toda a culpa para facilitar seu uso como moeda de troca.

E para o alto comando das Forças Armadas que contabilizavam ainda os prejuízos milionários do que poderia ser considerada uma trapalhada do infeliz Gilmar, a proposta daquela autoproclamada divindade de abrir uma passagem para seu mundo em troca do que já foi mencionado, caiu como uma luva. 

Gilmar havia se tornado um ser indesejável naquele momento e se livrar dele era uma das preocupações ainda em meio ao calor da confusão.

O jovem português demoraria muito tempo para entender o que estava para acontecer e enquanto se acertava os detalhes referentes a todo o processo para se produzir um buraco de minhoca permanente ele tinha sido colocado em prisão domiciliar naquele apartamento no Guará.

Tempos depois com as coisas um pouco mais calmas, as investigações iniciadas logo após o incidente trouxeram respostas. A sinalização para os que realizaram o teste para ingresso da unidade era péssima, Gilmar só teve o azar de ser o único a cometer um erro, pois foi o último a entrar, enquanto isso ele ficou realizando suas orações alheio a tudo, mas os outros rapazes e moças quando um completava o teste orientava o que iria em seguida a ir na direção correta (e o primeiro teve a sorte de ser orientado por um oficial instrutor).  

Finalizada a investigação que durou poucos meses o governo deu uma advertência aos responsáveis pelo teste, ordenou novas medidas de segurança (como já divulgar os detalhes de como se realizarão certas provas com antecedência que por um lado ajudaria alguns candidatos a se preparem físico-mentalmente ou mesmo fazer os que se sentirem fracos desistirem). 

Por fim Gilmar “recuperou sua honra”, não foi tratado como um pária chegando mesmo a ser promovido em algumas ocasiões. (De fato não se chegou a público logo de cara o fato de ele ter sido dado como moeda de troca pelo vórtice e tirando meia dúzia de pacifistas, o lusitano sempre foi lembrado como um heroi).

Porém isso ocorreria depois, agora ele ainda era um pária alguém que cometeu uma infração grave e precisava ser disciplinado. Após passar duas noites na cadeia e mesmo tendo direito a alguns telefonemas, optou por ficar isolado onde tentava meditar para entender o que aconteceu, nisso ele recebeu uma visita de um oficial do exército que não desejou se identificar.

O oficial então comunicou que sua detenção tinha se transformado em uma prisão domiciliar, ele não poderia sair de casa por nenhum motivo e suas visitas seriam autorizadas pelo exército que também ficaria responsável pelos mantimentos e os gastos com água e luz que seriam descontados do soldo que seria mantido (antes de Gilmar tentar entrar na unidade de elite ele serviu por pouco tempo, na verdade estava no país a menos de três meses, como um soldado regular em algum lugar no Rio de Janeiro assim que chegou de Portugal graças a um amigo oficial que era próximo de um outro oficial estacionado na região.).

Na realidade os generais do alto comando não autorizam nenhum parente a visitar, mesmo sob protestos do Imperador que acabou convencido por seus oficiais de que para que o projeto Brasileiro no novo mundo desse certo precisaria que a exigência de Kuria fosse satisfeita e para que a exigência de Kuria fosse satisfeita precisaria haver um laço entre ela e Gilmar e para que este laço fosse criado era preciso que Gilmar ficasse isolado e desenvolvesse mesmo que não admitisse uma carência emocional que seria prontamente suprido pela divindade criando uma ligação entre eles mesmo que pelo que se sabia fosse uma ligação de subserviência.

Sendo assim ele ficou isolado por quase 15 dias sem visita, sem amigos sem contato com o mundo, podendo ligar somente para parentes, tendo como distração apenas o canal de notícias e documentários na TV e seus jogos de videogame.

Mesmo que não houvesse essas exigências do governo ele iria ficar isolado de qualquer jeito, foi um golpe muito duro esse fracasso, apesar de ter permissão levou pelo menos dois ou três dias para que finalmente telefonasse para seus pais que já estavam como se esperava, angustiados.

—Me perdoe mãe, me perdoa pai eu falhei e ainda estou detido. Disse com a voz embargada de choro

—Meu filho foi só um engano nós te amamos, use esse momento para repensar o que você fará daqui para frente.

—Sim mãe é o jeito apesar de que o sonho de fazer parte de um exército lutando em defender os fracos é o que mais quero.

—Todos nós sabemos

—Não sei se estou pensando aqui, talvez eu volte para Portugal e retorne ao posto que eu tinha lá, se paga bem, estarei longe de vocês, mas perto de casa de nossos ancestrais.

—Filho tome a decisão com sabedoria e nós os apoiaremos.

Quinze dias de isolamento, o que se faz nesse tempo nessa situação? Gilmar dividiu o tempo se dedicando a ler, a jogar e a repensar o que poderia fazer, traçou planos para as possibilidades que poderiam vir

Até que um dia perto do final de sua sentença (ele imaginava) um oficial bateu na porta e gritou:

—Sr Castanho, você tem visita, o alto comando ordena, digo deseja que o senhor conheça uma amiga.

 

 



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