Volume 9 – Arco 6
Capítulo 178: Chuva [tempestadE]
Gael tinha perdido o ímpeto total de seu ataque, interrompido da pior forma possível.
Conforme as luvas acesas voltaram a esfriar, bastante sangue escorreu pelas perfurações em diversas partes do corpo.
Não levou muito tempo até regurgitar outra boa quantidade do líquido cheio de Ícor, a cair sobre as costas do próprio adversário, de onde as estacas de ossos saíam.
Mas Dante também sofria o baque de ter se esforçado a tal ponto. De rosto virado por cima do ombro, os olhos cinza-azulados acumulavam certa frieza.
Dores excruciantes se alastravam por todo o corpo, principalmente na região em que os buracos na carne e na pele foram criados.
Tinha sido bem-sucedido em atraí-lo a uma armadilha letal, porém tudo possuía um preço a ser pago.
E o pagamento foi “danificar” a si mesmo.
Depois de atingi-lo em diversas partes do braço, pernas, tronco e até no rosto, retraiu, com cuidado, os ossos afiados apontados ao alto.
Isso liberou as regiões dos empalamentos, fazendo Gael cair ao chão enquanto perdia muito mais sangue.
Ainda assim, ele empenhou-se no limite, mantendo-se de joelhos no relvado enquanto empurrava o torso ferido com as mãos.
— Você... é bem duro na queda mesmo... — O imperador foi se reerguendo de igual modo.
As aberturas nas costas cicatrizaram mais lentas comparadas às anteriores. Sua energia tinha sido abalada a um nível incomum depois de arriscar tal abordagem.
E restou o fato de ter, a exemplo do adversário, perdido bastante sangue no processo.
Naquele momento, ambos sofriam com falta de energia em estoque. Mas o cenário sorria para o membro dos Imperadores das Trevas, aquele que havia executado o golpe derradeiro.
O princípio de uma tontura o acometeu. Piscou os olhos com peso, cada vez mais enfraquecido. Linhas escuras começavam a serem pintadas na linha de visão.
Tinha que terminar aquilo o quanto antes. Tinha que aproveitar a melhor oportunidade criada por si próprio até então.
— Morra de uma vez...
Nem arriscou puxar outro osso para fora do antebraço, para preservar a integridade e poupar tempo; apenas sustentou uma estaca pontuda no dorso da mão.
Deu dois passos curtos e arqueou-se a fim de golpear o filho de Apolo. Nesse simples deslocamento, pôde escutar batidas arrítmicas do coração.
Essa repentina perda de estabilidade foi percebida por Gael, que ergueu o rosto e socou o solo bem abaixo de si.
Um abalo poderoso se espalhou pela região devastada, levantando poeira e destroços antes de causar um colapso no plano.
Isso o empurrou a se desvencilhar da perfuração fatal, que atingiu apenas a pequena cratera formada pelo impacto.
— Desgraçado... ainda não desistiu!?
Dante rangeu os dentes, incapaz de controlar a perda de sangue pela boca.
O desgaste era maior que o imaginado. Não só isso, como o corpo havia se tornado extremamente pesado, o impedindo de se movimentar com agilidade.
“Merda!”, remoeu-se conforme recuperava a postura, lento. “Não posso fraquejar... Não agora!”
Na luta em prol de manter aquela vantagem preciosa, soergueu-se na pura força de vontade.
Nem que acabasse destruído — e era para isso que o cenário caminhava —, encontraria o filho de Apolo e o destruiria.
— Vocês... devem ir embora hoje, certo!? — perguntou Thalia, sentada ao lado do jovem de cabelo dourado na cama.
O evento ocorreu há alguns dias, ainda no templo das Musas, depois do ataque de um grupo dos Imperadores das Trevas responsável por abalar as estruturas do local sagrado.
E, com isso, foi revelado que Thalia era sua legítima mãe.
— Acho que sim! Precisamos pôr um fim nessa situação! — Levantou-se da cama num salto eufórico. — Mas prometo que venho te visitar quando tudo terminar!! E trazer a Daphne e a Elaine também!!
Ao receber a promessa do filho, Thalia sorriu graciosa.
— Está bem!! Estarei ansiosa por isso, Gaelzinho!!
— Esplêndido!!
O rapaz ameaçou dar a volta, a fim de ir até a saída do cômodo. Contudo, foi impedido pela mão da Festiva, que o segurou na barra da saia.
Ao sentir a pegada rápida da mulher, virou-se de volta para ela, desenhando um semblante dúbio no rosto.
— Mas..., ‘pera um momentinho!
— Hm!?
Ela tamborilou os dedos no ar, o chamando para mais perto novamente.
Sem entender muito bem, ele não teve outra escolha senão cumprir o pedido gracioso da musa.
Assim que ele voltou e se sentou no colchão, os olhos se cruzaram de novo. Enrubescida, a loira desviou o olhar.
— Feche os olhos.
— Sim!!
A euforia, até mesmo para simples gestos como aquele, fazia Thalia ter absoluta certeza de que aquele rapaz era seu filho.
Portanto, quando o garoto cumpriu a nova pedida, ela se aproximou dele. Ergueu-se um pouco, a fim de levar os lábios a tocarem sua testa.
Gael voltou a abrir os olhos, demonstrando, pela primeira vez, certo espanto ao sentir o beijo da mulher.
— Quando você estiver em um momento difícil, espero que se lembre disso! — Thalia voltou a se sentar, com um sorriso encabulado. — Você é meu orgulho! Saiba que sempre te amei e sempre irei te amar, meu filho querido!
Boquiaberto, sem perceber, com o gesto afável da mulher, aceitou as palavras de afeto ao acenar com a cabeça.
Aquilo era tudo que precisava para enfim superar o último baque enfrentado no templo, assim seguindo em frente no objetivo de cumprir sua promessa.
Recheados de sorrisos, a despedida entre mãe e filho se concretizou naquele dia em que retornaram a Atenas.
Sentindo os pingos de chuva, que começavam a cair do céu nublado, colidirem com seu rosto, os olhos de Gael voltaram a se abrir.
A importante lembrança veio na hora exata, mantendo-se vívida por um bom tempo enquanto recuperava a consciência perdida durante breves segundos.
Escondido em um dos pedaços de terra afundados nas colinas, respirou fundo, no intuito de permanecer ativo de qualquer maneira.
— É verdade. — A voz soou afônica, nada comum para sua persona. — Eu disse pra ela que ia voltar com a Daphne e a Elaine.
Sorriu com escárnio ao sentir-se instigado por tal promessa trocada com a progenitora.
Extremamente ferido por todas as partes do corpo, cansado e sem quase nenhuma energia restante no estoque vital, ele riu.
Já seria difícil retornar à batalha. Recuperar-se então...
Fora do controle da situação — desde o início do confronto —, mais uma vez experimentou a angústia por ter sido prejudicado pela respectiva ingenuidade.
— Não é tão fácil como você disse, mãe — murmurou através do riso desconcertado, à medida que ia se reerguendo, aos poucos.
A ardência se espalhava por todos os ferimentos, graças às gotas d’água incessantes a caírem do céu. Observou-o de cabeça erguida, escurecido, mas clareado às vezes por conta dos relâmpagos.
Enfrentou aquela sensação agonizante ao se repor de pé.
Com dificuldades, levou a mão canhota a tocar os dedos na testa, onde podia experimentar uma fagulha calorosa escapar.
O primeiro gesto carinhoso recebido de sua amada mãe.
Não havia como ser diferente; não poderia deixar que tudo fosse em vão outra vez.
Abrindo um sorriso confiante, ele cerrou os punhos doloridos das queimaduras abaixo das luvas.
— Foi mal, mãe! — Com o olho esquerdo fechado por causa da fadiga, ele juntou os dentes. — Acho que não vou conseguir continuar por aqui!
A aura calorosa cresceu ao seu redor, trazendo consigo os resquícios de Energia Vital dentro de si. Uma fina camada visível de fluxo condensado formou-se ao seu redor.
As pontas arrepiadas do cabelo dourado começaram a levitar, enquanto o frio causado pela chuva se dissipou. Já estava seco de novo, protegido da queda d’água.
Dante, que procurava o garoto pelas plataformas desiguais, percebeu o cintilar dourado surgir a alguns metros.
Prontamente avançou até lá, imaginando que ele estaria se empenhando para curar as feridas como último recurso.
“Não vou deixar você se recuperar de novo”, pensou determinado.
Porém, antes mesmo de alcançar o local brilhante, o pilar à frente foi destruído por uma onda de choque inesperada, que lançou diversos escombros contra seu caminho.
Precisou mudar a trajetória na base do instinto, a fim de esquivar dos grandes destroços. Isso o fez perder preciosos segundos.
Quando se safou das rochas esvoaçantes, preparado para o retorno ao trajeto original, foi pego desprevenido pelo surgimento de Gael.
Sobre outra plataforma maior, ele era envolvido pela fulgurosa camada de energia. De rosto abaixado, um dos joelhos tocava o solo úmido.
Dante estranhou aquela postura, mas manteve a cautela ao frear o ímpeto. Depois de fazê-lo, percebeu que os ferimentos mais profundos pareciam cicatrizar aos poucos.
— Então ele ainda tem energia guardada pra isso, é!? — Irritadiço, viu que precisava o matar o quanto antes.
Só que antes mesmo de poder investir contra ele, o filho de Thalia reergueu o rosto.
Uma pressão aterradora explodiu da aura dourada. Mesmo o céu aparentou reagir à reviravolta, lançando raios e trovões sobre a terra maltratada.
Incrédulo como nunca esteve, o imperador fitou o regresso do descendente solar, que elevou ao limite a condensação de Energia Vital ao seu redor.
— Eu fiz uma promessa e vou cumprir!! — Voltou a se postar, de queixo erguido. Os olhos pareciam brilhar... como o próprio sol... — Vou superar meus limites aqui e agora!!!
Dante pôde sentir o calor intenso emanar do inimigo, que fazia o corpo ficar mais e mais quente, a ponto de fazer gotas muito próximas evaporarem de imediato.
Aquele misto de quente e frio incomodava o rapaz, a experimentar calafrios por conta dos choques térmicos.
De toda forma, a pressão irradiada pelo prodígio era, no mínimo, espantosa.
— Seu privilegiado de merda... — Quase mordeu o lábio inferior, cuspindo as palavras como se fossem uma maldição. — Se eu te derrubar, eu posso provar que os desfavorecidos também podem ter direito de viverem no topo!!
Sem mais poder controlar a raiva explosiva dentro de si, ele ignorou as dificuldades e extrapolou mais uma vez o uso de sua Autoridade.
A energia condensada criou inúmeros ossos afiados, semelhantes a estacas, por toda a extensão dos braços e da coluna.
— Vamo’ decidir isso!! — Energizado, Gael bateu os palmos fechados um no outro.
— Eu vou te matar!! — Ossificado, Dante abriu os braços com vigor, sedento para o abraçar e perfurá-lo todinho.
No desprezo à excedência do limite de domínio para as respectivas energias, assim como os efeitos colaterais sofridos por essas, os dois saltaram na direção um do outro.
Não demoraram a colidir no centro da área extensiva, onde a árvore enorme seguia intocada até o momento.
O contato entre as Autoridades em estado incontido criou a mais violenta explosão de choque tórrida, que se proliferou por metade da região aberta, até limpando a chuva por breves segundos.
Quando regressaram ao solo destruído, pegaram impulso logo ao tocarem a grama queimada, no intuito de repetirem a disputa entre punhos de fogo e ossos afiados.
A cada violenta ofensiva, abalos cresciam por toda a terra.
Os dois voltaram no pior estilo ao equilíbrio da consciência, dando tudo de si para destruírem um ao outro.
Sabiam que, assim que parassem, não importava como, acabariam desacordados.
Portanto, deviam resolver aquilo de uma vez por todas.
— Morra logo, desgraçado!!
O grito de Dante ecoou tanto quanto o estampido das trovoadas. O céu parecia chacoalhar.
Desinteressados em qualquer medida defensiva, socaram-se e perfuraram-se inúmeras vezes até que seguraram um golpe de cada.
O fluxo alucinante foi interrompido, causando afundamento na região sob seus pés.
Com a mão esquerda, Gael segurou o braço de Dante, envolvido por três enormes ossos perfurantes que o rodeavam na forma de uma enorme broca.
Com a mesma mão, Dante segurou o punho destro de Gael, a queimar sua palma no mínimo contato que tinha com as labaredas douradas que preenchiam todo o tecido da luva.
Permaneceram na posição durante um período delongado, onde forçaram um contra o outro numa disputa ferrenha de força e resistência.
A terra passou a afundar cada vez mais, prestes a colapsar por completo.
Enquanto nenhum dos dois recuassem, e não recuariam...
— Os deuses vão sucumbir... pelas minhas próprias mãos!!!
O imperador achou a melhor brecha possível quando mirou a testa vulnerável do apóstolo. Utilizou a porção final de energia em prol de revestir a sua em uma camada óssea bastante rígida.
Ao perceber isso, o filho de Apolo tentou recuar, mas ainda estava bloqueado pela mão firme do oponente.
Ele, em questão de um piscar, moveu a cabeça para atingi-lo em cheio, testa com testa.
O golpe produziu um som grotesco, vindo de uma fratura imediata sofrida por aquela parte do crânio.
A consciência quase foi embora, à medida que a ferida se abriu e deixou bastante sangue escorrer dali ao rosto.
“Agora você vai...!”, antes de completar o canto da vitória, o espanto máximo atingiu o desbotado, que paralisou os olhos arregalados diante do sorriso do dourado.
— Não... Você não vai!! — Sem o soltar, encarou-o com a faceta elevada.
Fragmentos brancos caíram diante dos olhos incrédulos. A camada óssea também tinha sido danificada, provocando uma dor intensa em sua cabeça.
“Hã!!?”, boquiaberto com a literal “cabeça dura” do descendente divino, ele perdeu o ímpeto.
— Eu disse que vou cumprir meu dever... — Pisou com força no chão e livrou-se da pegada ao puxar o braço. — E a minha promessa!!!
Na retomada da vantagem da maneira mais inusitada possível, girou o corpo no intuito de trazer o equilíbrio de Dante a uma queda repentina.
Quando despertou do transe causado pelo choque, o desbotado ergueu o rosto, mas já era tarde.
“Eu vou ver minha mãe de novo!!”, a imagem de Thalia, sempre radiante em seu sorriso, surgiu na mente do rapaz.
Foi o combustível derradeiro a fim de o conduzir àquela remontada.
Quando o ossificado quase tombou, ele largou seu braço de broca e armou o golpe decisivo.
Condensou toda a energia que lhe restava naquele ponto do punho fechado, antes que Dante pudesse sequer dar a volta com o torso.
— Acabou!!! — O grito efusivo veio acompanhado da explosão da Autoridade Elementar do Fogo canalizada em seu soco... — Arte do Sol!!! Primeiro Esplendor!!!
Os olhos cinza-azulados só puderam ver o próprio sol à sua frente. Desvio algum o livraria daquela sentença, concluída em uma explosão brutal contra sua barriga.
— Punhos Solaaaaaares!!!!
A roupa que o cobria foi queimada, até alcançar o abdômen descoberto.
As novas lesões se uniram às marcas já cravadas do passado, com a força do impacto o erguendo do solo carbonizado.
Bastante sangue foi regurgitado de imediato. Ossos fraturaram e órgãos foram esmagados. Tudo isso em menos de um pensamento.
O impacto se alastrou do solo ao ar e do ar ao solo, causando uma detonação que levantou poeira e terra por todos os lados.
A paisagem inteira foi, de novo, modificada.
A recomposição óssea já havia tocado o limite há tempo. Depois de ser atingido de forma tão brutal, nada mais poderia ser feito por ela.
Todos os ossos que lhe revestiam racharam até se tornarem migalhas, tudo isso enquanto ele ainda terminava de cair.
Sua consciência foi levada à nocaute na hora.
Em contrapartida, Gael perdeu o controle da energia e a aura que o rodeava desapareceu, assim como as chamas de sua Autoridade.
Os ferimentos não-cicatrizados voltaram a sangrar e a maioria dos cicatrizados espalharam uma agonia súbita a ele.
O choque de tal sensação o fez quase desmaiar na hora, mas manteve-se lúcido na pura força de vontade.
Ainda assim, não pôde evitar de cair de bruços no chão, com o corpo todo pesado e incapaz de se mover.
O pensamento de outrora provou-se real; não conseguiria seguir em frente na corrida ao objetivo.
Mesmo assim, soltou uma risada entusiasmada com a vitória que parecia se confirmar ao enxergar o imóvel Dante, desacordado a alguns metros de si.
Com o queixo apoiado na terra, também notou onde havia sucumbido: bem abaixo da copa da árvore, a região preservada de toda a desolação na batalha.
A chuva continuaria por aquele resto de noite e madrugada.
Mas, ao menos, cumpriria o desejo responsável por levá-lo até aquela altura, a princípio: se proteger dela.
— Haha... — Da voz afônica, soaram as palavras determinantes: — Deixo na mão... de vocês...
Na manutenção da curvatura sorridente dos lábios, ele permitiu ser levado pela chegada da síncope, fechando os olhos castanhos com extrema morosidade.
Pouco a pouco, os cinco sentidos desativaram, sendo por último a audição, que só escutava os ruídos intermitentes da queda d’água e dos trovões no céu escuro.
Assim, foi vencido pelo cansaço absoluto, soltando um suspiro final antes de ser puxado ao mundo dos sonhos.
Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de Epopeia do Fim, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história!
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