Volume 9 – Arco 6
Capítulo 171: As Duas Flores
Com uma pequena faca em mãos, Daisy fechou os olhos celestes e concentrou-se ao máximo possível.
Enquanto acompanhada de Dahlia, a visitante peculiar, libertou-se das amarras reprimidas da própria Energia Vital, pouco a pouco.
O cabelo cor de vinho, com seus característicos cachos levemente bagunçados, passou a oscilar ao vento de repente, como se as pontas e mechas ondulassem.
A franja que cobria metade das vistas oclusas também subiu com leveza, conforme a aura quase invisível passou a lhe circundar em plena integridade.
Um calor benévolo se espalhou por todo o cômodo, onde somente a janela lateral à cama maior se encontrava aberta.
Foi como se aquele ato puxasse voluntariamente a brisa exterior, além de se unir à criação de um fluxo de ar pessoal ao redor de si.
Dahlia, embora não pudesse enxergar através dos globos liláceos, abriu a boca perplexa à medida que era tocada pela influência da menina.
Com as mãos reunidas sobre o peito, apertou-se de mistério e euforia misturados.
Era belo. Sabia muito bem disso.
Com o avanço dos segundos de puro calor, a filha de Zeus abriu as vistas e encarou cheia de afinco a arma branca diante do torso.
Dali surgiram fagulhas alvas de descargas elétricas, que começaram a crescer de maneira gradativa até preencherem toda a pequena chapa metálica.
Desprovida de movimentos bruscos, buscou controlar a dosagem de energia na extensão prateada, ao passo que acrescia mais vitalidade nos raios.
Passo a passo, teve sucesso em dominar a ascensão, abrindo um sorriso comedido para comemorar.
Continue a treinar, todos os dias, o manejo de vossa energia. Será de suma importância em prol de garantir uma branda evolução em detrimento da manutenção deste hábito.
Lembrou-se das palavras proferidas por sua irmã mais velha e mentora, a Deusa da Sabedoria.
Já fazia um tempo desde que tinha parado de praticar junto a ela, no templo de Atenas.
Estava pronta para assumir um posto na Classe Iniciante da Corporação dos Deuses a qualquer momento.
Contudo, sequer considere invocar aquela espada peculiar. Se nosso pai experimentar o surgimento de tamanha anomalia em seus domínios, as circunstâncias hão de se tornar desagradáveis...
Suspirou com certa melancolia ao remeter àquela única ordem da qual jamais poderia se livrar.
Não fazia ideia do motivo de ter que esconder aquela conquista de seu pai; na verdade, gostaria de mostrar a ele, para que ficasse orgulhoso de si.
Tratava-se da principal marca de sua nova evolução, rumo à conquista do desejo que cultivava há tempo.
“O irmão vai adorar ver isso quando voltar”, restava se apegar ao alento de poder mostrar a Damon, assim que retornasse da missão longínqua.
Já estava a quase três dias fora. Sempre que a saudade batia, ela soltava um suspiro de diafragma.
Foi ao pensar nisso por um período delongado que perdeu, sem querer, o controle da energia manifestada.
Essa então se alastrou por todos os cantos do cômodo.
Num grito assustado, levantou-se da cama e largou a empunhadura da faca, agora quente demais para a palma gentil suportar.
Quando os raios estalaram sobre as madeiras e os tecidos na janela e nas camas, Dahlia, na outra cama, também se espantou.
Pôde experimentar uma leve descarga elétrica lhe atingir o corpo, até ser descarregada nas extremidades dos dedos das mãos e dos pés.
Os fios do cabelo ondulado se arrepiaram tanto quanto os da amiga, só não bagunçando muito graças ao penteado amarrado em um rabo de cavalo.
Depois de um singelo átimo, as sobras vitais desapareceram e restou meramente o vento natural, vindo de fora.
Daisy respirou fundo, na recuperação do fôlego gasto com o sobressalto. A mão dominante estremecia um pouco, também sofredora das descargas controladas até o último pensamento.
Exalou outra lamentação, pois tinha se perdido logo quando se encontrava no caminho de obter bons resultados.
— Ai, que droga! Controlar energia e pensar em outra coisa é muito difícil! — bufou ao balançar as pernas rente ao solo.
— Mas você foi bem, né?... — O questionamento quase inaudível da companheira a fez abrir um sorriso tímido.
— Foi bem melhor do que ontem. Mas tenho que continuar melhorando! — Cerrou os pequenos punhos, determinada. — Meu irmãozinho vai ver o quanto eu evoluí quando voltar! E aí vou poder ir em missões com ele!
Ao ouvir o tom eufórico da garotinha, Dahlia exibiu um sorriso amigável ao fechar as vistas.
— Isso é bom, Daisy.
Perante o genuíno contentamento demonstrado pela nova amiga, a olimpiana se levantou da cama em prol de apanhar a faca derrubada.
Pretendia seguir com a nova fase do treinamento solitário, mas acusou o cansaço na hora.
Notou isso através da leve tremedeira dos dedos, antes de sequer tatear o cabo do objeto cortante.
Em seguida, o pegou de vez e soergueu-se de novo, ciente de que não deveria alcançar conquistas inéditas naquela ocasião.
Caso optasse pelo caminho do descanso, o tédio de certo lhe dominaria por inteiro.
Dito isso, divagou bastante sem desgrudar os olhos da lâmina quase refletora, quando uma luz se acendeu em sua cabeça.
— Ei, Dahlinha... — O chamado puxou o rosto da parda até sua direção. Mesmo sem enxergá-la, podia vê-la através dos outros sentidos aguçados. — Quer dar uma saidinha?
Os lábios da criança se tornaram afiados, tamanho o sorriso destacado em sequência à indagação.
O ânimo elevou-se num piscar e transmitiu isso com perfeição à esquecida, que inclinou a cabeça à direita.
— Para onde? — perguntou, as mechas laterais escorrendo sobre o ombro.
Envolvida pelo desejo da pequena aventura criada na respectiva mente, a filha de Zeus foi até a garotinha e a puxou pelo punho de imediato.
Igualmente evite de deixar vossos aposentos. Caso faça, principalmente na presença de Dahlia, poderá criar imbróglios dos quais nem eu mesma poderia resolver. Permaneça sem chamar atenção, no máximo, até este andar...
“Desculpa, irmãzona”, guardou na cabeça com remorso ao conduzir Dahlia até a porta de saída.
Avançou sem pensar nas consequências, recebendo as luzes solares que iluminavam o átrio semiaberto.
Olhou para os dois lados, na procura de qualquer coisa propícia a lhes atrapalhar.
Como não encontrou nada a ser destacado, trouxe a amiga consigo à vertente da escadaria.
— M-mas... Daisy! — chamou no intuito de impedi-la, mas o ímpeto da olimpiana falou mais alto.
Só deixou ser levada pelos degraus dos quais não podia enxergar, pé a pé na descida em alta velocidade.
Chegaram no piso seguinte, onde a cacheada repetiu o gesto da primeira saída.
Não viu qualquer problema na espreita, portanto correu o mais rápido possível sem soltar o braço da cega.
Percorreram o pátio específico, então desceram mais.
— Já sei, já sei!! — Rodopiou com a companheira, que quase soltou um gemido inesperado.
No fim, ela gostou da sensação de girar no próprio eixo, guiada pela palma delicada da anfitriã.
— Vou te levar pra conhecer a melhor amiga do meu irmão! — Parou de rodá-la em prol de segurá-la com as duas mãos. — Tenho certeza que ela vai gostar disso!
— A melhor amiga...
A voz afônica de Dahlia mal pôde ser ouvida, pois Daisy a puxou na velocidade do pensamento e as duas tornaram a descer o longo jogo de escadas.
Prosseguiram durante alguns minutos, atravessando a melodia suave entoada pelas Cárites, sempre presentes do amanhecer ao anoitecer.
Em pouco tempo, chegaram ao ponto divisório principal da montanha.
O pátio em questão encontrava-se um pouco acima das nuvens aglomeradas, incumbidas de circundarem e anunciarem a mudança de patamar.
O primeiro e, ao mesmo tempo, último andar da região celeste.
— É aqui...
Antes de ir aonde importava, a pequena deusa observou a imagem do horizonte apresentada por tal altura.
Sem soltar as mãos da amiga, que lhe acompanhou até o respaldo limite do saguão, experimentou a lufada de verão atingir seu rosto.
As mechas das duas dançaram no espaço.
Um frescor relaxante as envolveu, conforme recuperavam o fôlego de toda a descida veloz.
Sentiam-se tão envolvidas pelo clima que até esqueceram, por um breve instante, o objetivo de terem alcançado aquele lugar.
Foi quando o som do trinco se proliferou, seguido do ranger natural da estrutura metálica em movimento.
Corrupiaram-se no mesmo átimo, recebidas pelo sorriso afável da mulher ruiva.
Quando os olhos púrpuros fitaram as duas, principalmente a desconhecida ao lado da residente local, as sobrancelhas enrustiram.
— Veja só, essas gratas presenças — declamou em perfeita harmonia.
A pequena anfitriã sorriu em resposta àquilo.
— Irmã Perséfone!!
De cara, a Deusa das Flores sentiu-se contagiada pela devolução sorridente da caçula.
Assentindo de leve com a cabeça, conversou:
— É meio raro te ver por conta, mesmo aqui no Olimpo, Daisinha. E quem seria essa?
Com um pouco de atraso, pois encarou a desentendida num primeiro momento, a filha de Zeus respondeu:
— Uma amiga! O nome dela é Dahlinha.
— Dahlia, você diz?... — Perséfone estreitou as vistas. — Ela é filha de alguma divindade?
— Ah, não! Digo... ela ‘tava desmaiada lá embaixo, e...
Diante das claras dificuldades que a menina enfrentava em prol de desenvolver uma resposta plausível, a Deusa das Flores interveio:
— Atena sabe disso?
— Sim! A irmãzona sabe! — O brilho nos olhos da garotinha regressou. — Como eu e ela ‘távamos sem nada pra fazer, quis trazer ela pra visitar a Lilizinha!
— A Lilith?... — Ao perceber a ausência de malícia na presença da outra, enfim a deusa respirou com alívio; o sorriso voltou a tomar forma na face. — Entendo. Se Atena está ciente, não devo me preocupar além do básico. Podem vir, ela está dormindo ainda.
Daisy mostrou os dentes ao alargar o semblante sorridente, puxando Dahlia consigo ao notar que a respectiva tinha ficado um pouco amedrontada.
As duas passaram pela porta guardada pela deusa, que as observou de soslaio antes de girar sobre os tornozelos.
Lá dentro, logo encontraram a jovem ruiva de vistas oclusas e corpo imóvel sobre a cama.
Ela continuava plácida; respirava com leveza, os lábios úmidos se conectavam como se fosse uma pintura em repouso.
Defronte a Apóstola Prodígio, a olimpiana se sentiu acalentada.
Só de fitá-la em sua beleza, tão sublime quanto a versão desperta, considerou as razões pelas quais seu irmão se tornara tão próximo dela.
Em paralelo, a de olhos lilases experimentava os sentimentos a percorrerem o corpo da amiga.
Não podia enxergar, mas podia sentir como a visitada carregava uma aura deslumbrante.
E isso a levou a, num deslocamento involuntário, tateá-la sobre a bochecha com a ponta dos dedos.
— Dahlinha?...
Conforme o contato procedeu, a de cabelo escuro perdeu os próximos segundos paralisada na posição.
Segundos esses que soaram como uma eternidade para ela.
Semelhante ao que conseguia sentir vindo da menina com quem dava as mãos, recebeu uma influência sórdida gravada no interior da adormecida.
A feição sorridente se formou das sombras e repeliu o toque da garota, que chegou a tremular dos dedos ao punho.
No átimo de um segundo, Daisy pôde identificar a rápida vivência da companheira, por estar em contato direto com ela.
“O que foi...?”, mal conseguiu completar a indagação, visto o insucesso em absorver o que chegou à mente da aliada nas minúcias.
— Aconteceu algo? — Perséfone, intrigada, avançou dois passos na pequena sala.
Tinha experimentado uma repentina anomalia de energia a ser liberada das três, em conjunto.
— N-não! Nadinha! — Péssima mentirosa, Daisy procurou desconversar, mas foi surpreendida pela queda repentina da companheira. — D-Dahlinha!? Ei, você ‘tá bem!?
Segurou-a pelo ombro, pois não tinha caído por completo. Foi meramente uma recaída. Ficou aliviada ao vê-la ainda acordada.
A Deusa das Flores pensou em ajudar, mas sequer compreendia o que tinha acabado de presenciar.
Depois da sensação inicial, experimentou um tênue fluxo de energia estranha envolver apenas a convidada misteriosa.
— Essa menina... está em conflito com algo... dentro de si...
As palavras mencionadas por Dahlia trouxeram ainda mais interrogações à cabeça das duas.
Em vista do clima nada leve construído naquela sala — o que não era muito bom a favor de Lilith —, Daisy entrou na frente da amiga desnorteada.
— Irmã Perséfone, então...! — Forçou um sorriso nada convincente, mas a deusa preferiu seguir aquele caminho.
— Lilith com certeza está feliz com a visita das duas. No entanto, se puderem deixá-la descansar mais um pouco...
— Ah, claro, vamos sim! Então, vamos, Dahlinha?
— S-sim...
Empurrada pela aprendiz, Dahlia deixou a sala onde residia a filha de Hades.
A superior resolveu as acompanhar como cortesia pela visita à sua filha, as mãos posicionadas defronte o torso.
— Desculpe estar pedindo isso. Lilith certamente está feliz pela visita.
— ‘Tá tudo bem! Podemos voltar outra hora!? — Daisy acenou, mas a mulher continuou parada na frente da porta.
— Claro que podem.
Durante um singelo intervalo, a menina usufruiu da Empatia, mesmo que em estado incompleto.
Leu as emoções superficiais da superior e constatou que ela, por alguma razão, ainda esperava por algo vindo da dupla.
No fim, elas somente se despediram e cruzaram a linha que as separava pelas escadas.
A deusa as fitou de perfil até o momento que desapareceram nos degraus prateados.
Em completa divagação, resolveu permanecer ali por mais algum tempo.
Depois de subirem as escadas de volta, Daisy e Dahlia pararam dois andares acima, ofegantes por terem praticamente corrido.
— Dahlinha, desculpa... — Conforme recuperava o fôlego, a menina enfim soltou sua mão. — A irmã Perséfone...
— Está tudo bem, Daisy. — A antecipou, forçando um sorriso afável. — Eu que peço desculpas. Acabei agindo sem pensar...
Preocupada, a filha de Zeus voltou a postar-se erguida.
Encarou o gesto da amiga, que levantava a mão ainda trêmula abaixo do rosto, como se pudesse vê-la.
— Não... Eu entendo. — A resposta num tom mais soturno fez a cega suspirar. — O que você sentiu, Dahlinha?... Se não quiser me contar, tudo bem...
Dahlia boquiabriu perante a indagação repentina da garotinha, mas juntou os lábios outra vez ao abaixar a cabeça um pouco.
— Foi... como eu disse... — Controlou a oscilação nos dedos do palmo ao fechá-lo, com leveza. — Não entendi bem... os detalhes, mas... tinha alguma coisa dentro daquela menina. Algo que ela precisa resolver...
Daisy piscou, desentendida.
Mas, de alguma maneira, conseguia imaginar o que significava aquela informação.
Isso a fez remeter, mesmo que por um breve átimo, os sonhos que costumava ter há algum tempo.
A imagem daquela figura estranha, que sempre esticava sua mão, transmitia um calor indescritível e sorria até si...
— Obrigada, Dahlinha! — Voltou a pegar as mãos dela. — A Lilizinha vai conseguir! Eu sei disso porque ela é forte, igual meu irmão!!
Surpresa perante a determinação da companheira, Dahlia fez os lábios se curvarem em um sorriso tênue.
Sentiu certo alívio ao receber tal aceitação da menina, apertando as mãos gentis dela, que sempre a amparavam quando mais precisava.
— Vamos continuar!? — Deu meia volta, prestes a conduzi-la por mais aventuras pela montanha.
E, agraciada com a pureza amável da pequena, assentiu com a cabeça, pela primeira vez permitindo-se ceder àquela singela felicidade.
— Sim!
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