Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 9 – Arco 6

Capítulo 169: Cristalizar e Polir

“Que sensação estranha...”

Silver atravessou as adversidades e atingiu, mais uma vez, o abdômen do oponente.

Agora, apenas ele tinha acertado, e provido de vigor suficiente em prol de deixá-lo debilitado.

Mas nada disso lhe chamou a atenção naquele instante.

“É como se eu pudesse sentir... tudo ao meu redor”, o completo oposto do que precisava para atingir o ápice de sua batalha, o estado de completa absorção na tranquilidade.

Só que, nesse caso, era um pouco diferente.

Ainda não compreendia bem o significado, mas experimentava alguma “conexão” com o cenário em específico.

E sequer tinha tempo para reclamar ou ponderar sobre. Deveria aproveitar da situação em prol de superar o inimigo pressionado.

Enquanto sentia os órgãos internos serem lacerados, Heath cuspiu bastante sangue pela boca. Mas manteve os olhos bem abertos, cravados no rosto do apóstolo.

Pela primeira vez desde o encontro, pôde vê-lo expressar algo diferente da frígida e soberana apatia.

Tinha os dentes juntos, os lábios levemente separados e as sobrancelhas um pouco tensas.

No entanto, tal imagem passou a ser acobertada, de maneira gradativa, pela escuridão.

Conforme era empurrado pelo empalamento, o membro do grupo das trevas enxergou a derrota se aproximar.

A confiança, as firmes palavras, os pensamentos... tudo era contrariado por um único golpe do descendente dos mares.

Um ataque que burlava as regras e esmagava as probabilidades. Um renascimento improvável, estimulado por algo que, até então, jamais tinha experimentado.

Vontade...

“Eu vou perder... aqui?”, o filho de Nice sentiu medo. “Não... Eu não posso... perder aqui!...”

Em um piscar, diversas lembranças preencheram a mente do garoto; os dias passados com sua mãe e irmão, a cidade em chamas, o assassinato da Deusa da Vitória e o convite da escuridão...

Então era isso que significava ver a vida inteira passar diante dos olhos. A morte acenou e parecia interessada em não o deixar escapar.

Contudo, foram essas memórias que evitaram sua ida ao outro mundo.

Um ódio efêmero surgiu do peito, a contaminar o restante do corpo que gritava de dor.

O fogo responsável por derrubar sua cidade e tirar a vida da mulher mais preciosa acendeu dentro de si.

— Me desculpa... — Esticou o braço que segurava o cabo vazio e pegou no pescoço do argênteo. — Saia da minha frente. Eu vou encontrar meu irmão... alcançar as Moiras... e fazer justiça pela vida de nossa mãe!!

Os olhos castanhos transmitiram uma influência assassina até então adormecida ao atlanti.

Em seguida, todo o braço foi preenchido por cristais esverdeados, até envolver a mão. A força colossal cresceu a ponto de esmagar a garganta do apóstolo.

“Que força é essa?”, arregalou os olhos. Não conseguia mais inspirar oxigênio algum. “E, também... a Autoridade dele aderiu ao próprio corpo.”

Em nota a esse “pequeno” detalhe, ele tentou perfurar ainda mais com a lâmina, mas foi chutado na barriga.

Tossiu sangue graças ao peso da sola do imperador, capaz de o lançar a metros de distância. Acabou por puxar o gume perfurante consigo, sem ter a intenção.

O impacto da queda foi amortecido pela água ao redor da vegetação pantanosa.

No exato átimo, Heath se levantou, tendo a parte esquerda do corpo agora totalmente tomada pelo revestimento esmeralda.

“Mesmo que eu destrua meu corpo... Eu vou...!!”, encarou o adversário de perfil, assustador.

O olho terminou de ser coberto pelos cristais, onde uma esfera brilhante se destacou em um tom avermelhado.

Poderia ser uma Bênção, mas Silver não enxergava brilho algum escapar da íris do garoto.

Enquanto se recompunha, cuspiu mais um pouco de sangue. Pôde recuperar o fôlego, ainda que o pescoço, marcado pelas mãos pesadas, doesse.

Conseguiu ficar de pé, embora tivesse perdido todo o restante da concentração remansada. Para piorar, a sensação estranha de antes também desapareceu.

Não podia se imaginar repetindo as investidas incumbidas de criar aquele inédito cenário.

Cheio de desvantagens... Era duro afirmar, porém se via em um beco estreito, com reais chances de falhar em vencer.

Ainda assim, armou a postura ao posicionar a lâmina diante da vanguarda. Levemente trêmulo, respirou fundo no intuito de firmar o aprumo ao que fosse possível.

Desinteressado nisso, Heath pisou nos pormenores que decidiriam a batalha conforme caminhava adiante.

Agora, era apenas questão de vencer e sobreviver, pelo bem de seu desejo.

Rubi.

Assim que proferiu a nomenclatura, as esmeraldas se partiram até caírem por terra. Delas, nasceram os cristais de tons diferentes de vermelho.

O filho de Nice disparou num impulso violento, que levantou água por todos os lados.

Silver franziu o cenho ao posicionar a lâmina oceânica defronte ao tronco.

A colisão foi agressiva.

“Ele nem precisa mais daquelas armas”, pressionado contra o golpe, arrastou os pés sobre a água cercada de vegetação.

Nem percebeu a mudança súbita do imperador, que recuou o braço e desferiu um segundo golpe, acertando-o na barriga.

Furioso, arrastou-o pelo trajeto do pântano, o levando à região mais profunda em um piscar.

— Por favor... — Recuou de novo quando o prateado levantou a lâmina na busca de o repelir. O que restava do equilíbrio foi embora. — Pereça aqui e me deixe continuar, filho dos grandes deuses.

Quando realizou o terceiro ataque, o atlanti conseguiu se proteger com o gume sinuoso. Porém, ele não resistiu e foi partido na metade.

Assim, o braço perfurante de rubi empalou novamente o abdômen do apóstolo, que perdeu a luz no olhar de imediato.

Sua única arma foi destruída. Perdeu muito mais sangue. E, o pior de tudo, jamais seria capaz de recuperar a tranquilidade que necessitava para batalhar com cem por cento de capacidade.

Enquanto tudo isso corria pela mente derrubada, Heath lhe arrastou em uma corrida impetuosa ao resto do pântano.

Do braço livre de cristais, ainda portava o cabo de lazulita.

Empurrou-o com o bloco construído, assim desprendendo-o da perfuração dos rubis.

O rastro sangrento marcou o ar e a água. E o filho de Poseidon viajou por segundos que pareciam eternos, até cair no líquido.

Desprovido de foco vital e com o físico bem comprometido, a impermeabilidade que lhe era característica desapareceu.

Ao encostar o dorso na superfície, a diferença de densidade o fez afundar.

Heath pousou em uma plataforma de lazulita, observando o desfecho dos ataques sucessivos.

Pequenas ondulações se espalharam da região na qual o jovem deus imergiu.

Com isso, a vitória deveria ser garantida.

Exalou um profundo lamento entre os lábios. O olhar recheado de furor relaxou, cabisbaixo.

“Me desculpe...”, apertou o punho da espada de rochas azuis após encará-la.

De repente, uma dor lancinante dominou-o por todo o torso que era coberto pelos cristais. E eles se partiram. Não a ponto de se destruírem por inteiro, ainda.

— Droga... — Encarou o próprio reflexo fragmentado sobre as gemas rachadas. — Eu... Como eu...?

Nem ele sabia como tinha chegado àquele ponto. Só que, de qualquer maneira, precisava descobrir como voltar ao normal.

Agora, sentia a própria energia ser sugada ao extremo. Sem contar a agonia, como se as próprias partes cobertas fossem esmagadas até quase definharem.

Rangendo os dentes, fechou o olho livre do domínio cristalino e buscou controlar os picos descontrolados.

E só poderia fazer isso caso se acalmasse novamente...

Em contrapartida, Silver continuava a ser puxado pela água escura, cada vez mais distante da superfície.

“O que... estou fazendo...?”, os devaneios eram a única linha de conexão com o consciente, prestes a esvanecer.

Sabia que estava todo molhado. Naquele estado, jamais poderia evitar o contato direto com a água.

Os ferimentos doíam tanto que poderia arrancar o próprio abdômen para que isso parasse.

A derrota estava decretada...

Ore.

Uma voz conhecida sobrepujou os pensamentos perdidos e o despertou outra vez.

Você precisa orar, com todo o seu coração. Se buscar aqueles que mais ama, certamente encontrará o caminho...

Era a voz de Polímnia, a Sacra.

“Orar...”, os olhos quase apagados entraram em oclusão. “Eu odeio fazer isso. Mas..., essa sensação...”

Voltou a experimentá-la.

Enquanto o líquido frio o penetrava, um calor estranho passou a surgir do peito.

Assim as dores pareciam cessar. O funcionamento do corpo machucado retornou aos poucos, o permitindo mover os dedos das mãos.

Ao abrir de novo os olhos, enxergou uma imagem além do subconsciente. Mãos suaves desceram e seguraram seu rosto.

O sorriso vinha tanto dos dentes quanto de cada íris da cor do céu refletido na vastidão do oceano...

“Odeio... isso...”, abriu a boca, de onde bolhas escaparam. “No fim, todos são iguais. Odeio eles...”

As experiências anteriores regressaram.

Os batimentos cardíacos continuaram a ganhar força, assim fazendo o estranho calor se espalhar ao resto dos membros.

Gravado na mente, a imagem daqueles jovens surgiu.

Eram eles. Os responsáveis por despertarem em si mesmo a vontade da qual tentava se afastar...

“Eu...”, fechou as mãos, determinado. “Irei superá-los...”

Se para isso fosse preciso abrir mão de sua frieza, assim faria sem pestanejar.

Deixaria aquela vontade única e ardente tomar conta...

Atravessando o mar agitado... meu pequeno Deus Prateado...

Assim que a voz de sua mãe sussurrou em seu ouvido, a luz retornou à íris cor de mel.

A mulher o abraçou com seus cabelos oceânicos. A mensagem mais importante, gravada nas profundezas da alma, o arrepiou dos pés à cabeça.

Um turbilhão alastrou-se pela água do pântano e a chacoalhou.

Isso trouxe a atenção do filho de Nice de volta, antes de conseguir se desfazer dos cristais pelo corpo.

Virou o rosto no susto. O tremor alcançou a coluna de lápis lazúli.

Foi quando, de súbito, uma coluna d’água foi lançada contra ele, que se defendeu ao posicionar o braço de rubi à frente.

“O que foi isso!?”, depois de arregalar as vistas, as semicerrou.

Arrastou os pés em outra grande plataforma de rocha.

Incapaz de definir uma resposta plausível àquela manifestação, só podia considerar a opção menos agradável.

Um calafrio poderoso escalou sua espinha.

As ondas cessaram conforme o jato líquido retornava ao tapete líquido. No instante que se reergueu, outra explosão ocorreu, agora de suas costas.

Lá estava o apóstolo. As pernas flexionadas do salto e a sua lâmina, mesmo partida, pronta para retaliar o adversário.

Foi tudo muito rápido.

Quando deu a volta, conseguiu contemplar a faceta plácida de volta ao semblante do filho de Anfitrite.

Retornando dos mortos, os olhos se tornaram faróis áureos, que ameaçavam mudar de cor a qualquer momento...

Sentada numa confortável cama com adornos douradas, a mulher só tinha olhos para o recém-nascido que abraçava sobre os seios.

Coberto por uma manta azulada, era tocado pelos grandes braceletes prateados, o que o fazia grunhir um pouco.

— Ah... Desculpa...

Tentou trazê-lo para mais perto dos antebraços, assim evitando o contato gelado.

Quando o fazia, o pequeno desfazia o semblante incômodo. E, dessa maneira, a genetriz conseguia abrir um sorriso amável.

Vez ou outra, levava o indicador destro a tatear sua bochecha com delicadeza. Depois, passava eles pelos fios prateados de seu ralo cabelo.

Nem mesmo o som da porta se abrindo desprendeu sua atenção da criança, que abriu os olhos vagarosamente.

Na chegada da nova presença, a mulher comentou em voz baixa:

— Ele também herdou seus olhos. — Soltou uma risada encabulada. — Mas olha esse cabelo... É parecido com o meu. O que acha, senhor Poseidon?

Ao enfim subir o olhar, encontrou o Deus dos Mares em pessoa, que a fitava junto ao bebê sem um pingo de compaixão.

Observou com cuidado as características da criança, enunciadas pela mulher.

De fato, os olhos eram idênticos, embora muito mais claros. Sobre o cabelo prateado, fitou a mulher para efeitos de comparação.

O dele, porém, parecia ser um pouco mais escuro.

Ao exalar um rápido lamento, ele comentou:

— Não precisa desse “senhor”, Anfi. Quantas vezes terei que repetir? Você já é minha consorte oficial. — Ao ouvir a chamada do homem, ela desviou o olhar sem saber o que dizer. — Irei avisar o Tríton. Ele provavelmente virá os ver, também.

— Tríton parecia tão ansioso. Entendo como estava se sentindo... — Voltou a encarar o bebê. — Por mais que eu estava com toda a certeza do mundo de que seria uma menina...

— Não está contente com isso? Pois podemos resolver...

— Não, não! Não é isso, é claro que estou contente! Só que... — Fez uma breve pausa, respirou fundo e prosseguiu: — O Tríton foi você que deu o nome. Então, se possível... eu poderia?

Quando os olhos azuis dela encontraram o deus, ele prendeu a respiração por um momento.

Virou o rosto ligeiramente enrubescido e depois terminou de dar a volta com o corpo inteiro.

Caminhou até as portas ainda abertas. Na passagem entre o cômodo e o corredor, parou e indagou:

— Qual será o nome dele?

Com a pergunta feita pelo marido, a mulher de mechas onduladas fechou as vistas por breves segundos.

Passado aquele mero período em silêncio, ela levantou um sorriso radiante ao confirmar:

— Será Silver.

Poseidon nem olhou para trás.

Apenas aceitou o nome escolhido pela companheira mediante um aceno de cabeça positivo.

Então, ultrapassou a divisória entre as câmaras do templo, deixando-a novamente sozinha com a criança recém-nascida.

Depois de confirmar a partida do Deus dos Mares, Anfitrite escutou o menino soltar risadinhas.

Sinal de que tinha gostado do nome, pensou contente.

Levou indicador e médio da mão direita sobre a testa do pequeno, de onde uma ínfima luz oceânica surgiu.

Os lábios dela se curvaram ainda mais. 

O bebê ergueu as mãos delicadas, que envolveram os dedos finos da mamãe e começou a brincar com eles.

A emoção tomou conta dos globos oculares dela, que quase vieram aos prantos.

Atravessando o mar agitado, meu pequeno Deus Prateado — cantarolou em voz baixa.

Uma canção de ninar dedicada ao pequeno.

No êxtase absoluto, Silver emergiu num rompante.

O “retorno dos mortos” veio no reencontro do equilíbrio necessário em prol de alcançar a placidez perdida.

Quando, na paisagem mental, enfim ultrapassou a zona do meio e alcançou a zona batial em seu princípio, encontrou o sucesso em recuperar o controle vital.

Remediou as dores e o sangramento dos ferimentos profundos, além de elevar a liberação da Energia Vital a um novo patamar.

As profundezas do pântano estremeceram perante o feito do atlanti, até que ondas anômalas surgiram em direção ao filho de Nice, que já se considerava vitorioso no confronto.

Para piorar a situação, esse sofria com a excedência de utilização da respectiva Autoridade, a dominar parte do corpo inteiro.

Justo quando tentava controlar a energia ensandecida, na iminência de o prejudicar fisicamente, os jatos aquáticos repentinos o devolveram ao desconforto.

E ao recobrar a consciência sobre o confronto ainda longe de estar resolvido, o filho de Anfitrite surgiu em suas costas através de um salto inesperado.

Ao virar no reflexo, encontrou os olhos cor de mel cintilantes. Ele tinha metade do corpo virado, pois o braço passava à frente do torso e trazia consigo a lâmina partida na metade.

A aura frígida agora era intimidadora, a ponto de o despertar arrepios fortes. Tudo isso ocorreu em meros dez segundos.

O apóstolo brandiu a arma quebrada, sem se intimidar perante o revestimento cristalino.

Com devida estabilidade, preencheu uma camada de Autoridade Elementar da Água naquele pedaço de metal. Essa se estendeu, capaz de recriar a parte final do releixo.

Num golpe direto, atingiu o fio de água cortante nas crostas de rubi quebradiças, o que provocou um impacto violento contra todo o corpo de Heath.

E apesar do tremor experimentado por todos os membros, o garoto encarou uma ausência de esforço chamativa, semelhante aos primeiros contatos quando ambos ainda se aqueciam.

O fluxo límpido, ausente das mínimas oscilações, começou a romper contra a resistência complexa dos minerais brilhantes.

Heath rangeu os dentes, empenhando-se ao máximo a fim de empurrar a “força invisível” do prateado de volta.

Graças a isso, o contato entre as Autoridades causou um súbito aumento de volume de energia, liberando, além do foco principal, o que era concentrado e destilado de sobra por ambos.

Foi o gatilho para que se sucedesse uma grande explosão, a engolir os jovens e abalar o pântano do Berço da Terra com poderosas ondas de pressão.

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