Volume 7 – Arco 5
Capítulo 132: Sobre Força e Fraqueza
Diferente do contexto decorrido em Argos, Bluebell não trajava o pesado manto escuro.
Somente o vestido fino, que cortava o torso em um decote parcial e mostrava suas costas, alcançando a altura dos joelhos.
— Você não parece surpresa — indagou, semicerrando as vistas.
Cada palavra, cada gesto... tudo isso somado ao olhar esmagador da garota fazia a filha de Ártemis apertar o punho sobre o peito.
— Você disse que viria... não foi?...
Pela primeira vez, devolveu uma resposta à altura, por mais que ainda com sua voz tímida.
A rósea sorriu, satisfeita.
— Foi aqui onde você nasceu, né? Lembro de encontrar esse lugar contigo, quando éramos crianças. — Passou a mão esquerda, com cuidado, na estrutura de pedra onde repousava. — De verdade, uma lástima. Só de me lembrar desses dias... eu fico irritada.
A descendente lunar não encontrou formas de responder.
Restringia-se a desviar o foco da inquietude, no intuito de evitar o máximo de contato ocular.
Ainda era doloroso demais para ela...
Bluebell aguardou algum parecer. A olhava de soslaio, sem o sorriso de outrora. A insatisfação voltou a tomar conta diante do silêncio adotado por ela.
Bufou pelo nariz, com franqueza, ao encarar a palma, acinzentada de poeira.
— Foi como eu disse. Que bom que guardou minhas palavras. Mas imaginei que faria isso. — Forçou um sorriso de escárnio. — Vim terminar o que começamos em Argos. Mas, antes disso, queria saber o que achou daquele beijo.
— Hã?...
Pega de surpresa, a lunar levantou o rosto, corada.
— Era pra ser um de despedida, meu primeiro e último, eu diria. Mas aqueles idiotas chatos atrapalharam. Então, antes de acabar com tudo, agora que estamos sozinhas...
— Por quê?...
O mussito engasgado interrompeu os diálogos presunçosos da filha de Hebe.
— Perdão?
Ela pendeu a cabeça levemente à direita, uma das sobrancelhas ergueu-se em ligeira surpresa.
Ao cerrar os punhos com firmeza, a filha de Ártemis fechou os olhos durante breves segundos.
Por fim levantou o semblante, de modo a fitar a amiga de infância, agora sem temor algum na feição.
Levou a ela um arrepio inesperado, diferente das apresentações anteriores.
Essa pôde notar, nos mínimos detalhes daquela expressão circunspecta, a determinação ausente durante o reencontro há dois meses.
Embora tomada por singelo interesse quanto a afronta, controlou-se de maneira a escutar o que tinha a dizer.
— Por que, Bellzinha...? — falou um pouco mais alto. — Por que você está fazendo isso?...
O silêncio voltou a perdurar templo adentro, marcado pela alteração expressiva na fachada da questionada.
As mãos repousadas sobre a pedra ganharam ímpeto, até que os dedos fossem contorcidos contra a superfície sólida.
— O quê? Você ‘tá brincando comigo!?
O tom vocal soou como uma flecha congelante.
O peito da descendente lunar foi atingido, por pouco recuando um passo de maneira involuntária.
— N-não, digo... Você sumiu de repente, sem dizer nada... Minha mãe tinha dito que você e a tia Hebe... — Quase mordeu os lábios, nervosa enquanto procurava transmitir a informação. — Tinham... morrido...
Bluebell nem percebeu a boca abrir e os olhos esgazearem, à medida que enrugou a testa.
Passado um novo intervalo isento de manifestações por ambas as partes, uma risada escapou de seus lábios, ao ponto de tornar-se uma gargalhada.
Não obstante a atitude sem precedentes da jovem, Elaine constatava a dor impregnada na série de hilaridade.
Ao passo que retomava o controle, a filha de Hebe tornou a lamentar, dessa vez com bastante pesar.
Levou a mão canhota, suja de poeira, ao rosto e murmurou, ainda subindo e descendo os ombros com leveza:
— Sim, Eli. — Contraiu as sobrancelhas. — Isso aconteceu. Eu morri... e voltei dos mortos, pra me vingar do deus que assassinou minha mãe!
De repente, tudo se tornou monocromático.
Diante a declaração, a lunar não logrou de palavras a fim de se expressar devidamente.
Não fazia ideia sobre o que a garota falava.
Foi tomada por uma comoção esquisita, como se fosse sufocada pela falta de demais informações.
Tentou absorver o primeiro impacto, sustentando-se com firmeza naquela posição.
Embora estremecesse por inteira, não dava indícios de que pretendia confrontá-la.
Enquanto o quebra-cabeça de perguntas e respostas mostrasse estar incompleto, ela relutaria.
No entanto essa reação foi recebida com desprazer pela filha de Hebe, ansiosa para escutar seu retorno relacionado à revelação.
Embora exalasse o ímpeto sórdido, a expressão desorientada em sua face lhe trazia uma dose de êxtase.
Passados alguns segundos, a filha de Ártemis controlou o turbilhão de emoções que se apossava de seu peito.
— Assassinou? — entoou, engasgada. — Como assim!?
— Eles esconderam isso mesmo, hein? Bem, que seja. É isso que os deuses fazem com os que consideram inferiores. Doutrinação. — Os olhos róseos foram pintados em ódio. — Por eu ter sido fraca, minha mãe foi morta. Depois que descobri a verdade, abandonei todos os elos da minha fraqueza. Mas um desses elos... continua vivo. Esse elo é você, Eli.
— Bellzinha...
— Por isso eu devo me livrar de você. Porque assim poderei me desprender totalmente de minha fraqueza. — Arriou as sobrancelhas. — Nada mais vai me segurar. Vou ser capaz de seguir esse caminho... e encontrar minha justiça!
Elaine apertou também os lábios, um contra o outro.
— Entendi... — A interrupção veio rápida, pegando a rósea de surpresa. — Então enquanto eu estiver aqui... eu ainda... posso te salvar!
Ao subir o olhar determinado, a noturna fez Bluebell experimentar o que mais queria evitar na presença dela.
Contorceu uma das sobrancelhas, então rebateu:
— Não somos mais crianças, Eli. É hora de parar de sonhar e acordar pra vida! — Saltou, ficando de pé sobre a mesa de pedra. Seu timbre se elevou, mais agressivo. — Eu já disse. Eu não preciso ser salva! Se quer qualquer coisa parecida com isso, então me deixe te matar!
Apanhou a varinha da cintura, cuidadosa no movimento.
— Bellzinha... sua bobona! — Elaine também apanhou a lâmina em formato de lua. A “ofensa” fez a rósea piscar perplexa. — Você está errada... Esse não é o caminho que você precisa. Por isso eu vou te salvar sim!
Ao receber aquela declaração, a filha de Hebe estalou a língua e perdeu o pouco de paciência que tinha segurado até então.
Apontou o pequeno objeto de madeira na direção dela, reuniu a densa energia pelos canais vitais e transmitiu-a sua extremidade.
— Sua idiota. Arte da Gravidade, Primeira Mecânica! — exclamou entre os dentes cerrados. — Esmagamento Gravitacional!!
Com a excedente liberação de Energia Vital, a Autoridade conjurada pela enraivecida começou a fazer efeito; uma pressão absurda retumbou contra o corpo da descendente lunar.
Elaine arregalou os olhos, sufocada pelo poder invisível que a empurrava para baixo, de forma abrupta.
Os joelhos não resistiram ao peso e tocaram o solo. Os ossos latejavam de dor ao estremecerem contra a superfície.
O conjunto completo do corpo sentia os choques agonizantes se alastrarem.
— Eu sou forte. — Saltou da mesa e caminhou passos curtos até a derrubada. — Mas você, Eli... Quando lembro que você continua viva, eu acabo me lembrando das minhas fraquezas.
— Bell... zinha...!
A apóstola empenhava-se a erguer o rosto, já desprovida de forças para manter a postura.
Os braços foram os próximos a tocarem a terra, logo a frente das pernas dobradas.
— Por isso, Eli... deixe-me terminar isso da forma mais rápida possível. — Tirou a faca da cintura e se agachou a alguns metros da garota.
Com a vida da inapta a reagir em mãos, apontou a lâmina reluzente contra seu pescoço.
“Adeus, minha primeira... e única amiga”, preparou-se para executar golpe decisivo, mas a lunar não pretendia deixar o fim chegar tão cedo.
Ela venceu, num instante de pura determinação, o Esmagamento Gravitacional e moveu desesperadamente os braços, na tentativa de evitar o empalamento.
Por não cogitar essa ligeira reação, Bluebell acuou no susto, sem sucesso em manter o gume focado na garganta da garota.
Ocorreu a colisão entre o braço dela e sua mão, criando outro trajeto para a arma em um aumento descomedido de força no manejo da pequena empunhadura.
Realizou-se um sentido ascendente.
Nisso, o releixo entrou em contato com a face da filha de Ártemis. Aprofundou-se na carne, subiu em alta velocidade... até rasgar o olho direito dela.
A profunda marca incisiva nasceu da bochecha e alcançou acima do supercílio, no princípio da testa.
Muito sangue, recheado de Ícor, espirrou pelo espaço, mas logo as gotas foram puxadas pela gravidade.
A sequência tornou-se tão impactante para a rósea que a fez recuar de vistas esgazeadas.
A utilização da energia a favor da Autoridade poderosa decresceu, perdeu equilíbrio.
Logo quando o esmagamento cessou, Elaine pôde se livrar da agonia que lhe afligia o corpo.
No entanto o que se destacou foi a dor pungente pelo órgão destruído.
Levou a mão até a ferida ensanguentada. Não podia enxergar mais nada além da escuridão naquele lado.
Enquanto gemia, lágrimas a caírem da outra vista, arrastou-se pelo chão. Tentava sustentar a consciência engolindo um grito de desespero.
Pela vista boa, apesar de turva graças a agonia dilacerante, encontrou as gotas do líquido viscoso a tingirem o piso desbotado.
A soma dos fatores quase a fez regurgitar conteúdo estomacal.
Estremecida, fechou o globo intacto e procurou recobrar as funções que quase foram embora.
Precisava varrer o colapso nervoso desde já.
Para sua sorte, Bluebell, tão chocada quanto, demorou a reagir.
— Então você vai se debater, é isso!? Acha mesmo que pode vencer uma luta contra mim!? — cuspiu as palavras como veneno.
— Eu... não quero... lutar contra você... — Com a voz afônica pelo sofrimento, Elaine tentou se levantar. — Mas se for preciso... para te trazer de volta... então eu farei!...
Encarou-a com a marca ensanguentada na vista fechada.
Ao sentir o desafio lhe convidar, a filha de Hebe projetou um novo sorriso de ferocidade.
Não somente o desejo de arrancar-lhe a vida residia em seu peito. Agora, fora tomada pela ansiedade de travar uma batalha de verdade contra ela.
O sangue ferveu em euforia.
Os batimentos cardíacos, cada vez mais acelerados, espalhavam o êxtase por todos os membros e arrepiava sua pele.
Assim que a lunar se postou, ainda instável, voltou a canalizar energia sobre a vara de condão, já apontada em seu sentido.
A filha de Ártemis saltou à esquerda, em busca de evitar o raio de alcance da queda gravitacional.
Terminou, mais uma vez, acometida pela força intangível.
Confiante de que a dor iria atrapalhá-la numa possível nova tentativa de superar o atributo, a rósea disparou.
Só não cogitava que ela sustentaria a estabilidade corporal, evitando a queda brusca como na primeira vez.
Enfim removeu a palma da ferida. A levou até a empunhadura da lâmina da lua, envolvida pela manta que cruzava seu torso.
Ao puxá-la das costas, a chapa metálica foi preenchida pela brilhante coloração púrpura, capaz de superar os feixes de luar em meio ao breu.
Sua influência enfim se revelou.
A aura construída ao seu redor podia ser vista, uma fina camada de fulgor frio. Isso a entregou maior resistência à Autoridade Cinética da Gravidade.
Dessa maneira, jogou-se à direita e evitou a livre investida.
A pressão, ainda presente, a fez cambalear dois passos. Sem largar o receio quanto ao confronto, procurava o melhor modo para conduzir o próprio ritmo.
A ferida na vista tornava-se o maior dos empecilhos, porém não podia se dar ao luxo de ser derrotada com facilidade.
“Esses dois meses... não foram em vão”, soergueu a feição.
Os dentes cerrados acompanhavam a superação contra o poder da corrompida.
Foi tudo para aquele momento, que enfim estava ao alcance.
Dessa vez, as lembranças de seu passado com Bluebell a entregaram a força necessária para, enfim, rivalizar de igual.
A despeito disso, a filha de Hebe resolveu se aproximar outra vez, com a faca apontada para o rosto dela.
No reflexo do braço dominante, puxou a lâmina à frente e bloqueou o ataque.
A colisão impactante provocou um forte tilintar.
À medida que faíscas de energia escapavam durante o contato, a rósea estalou a língua.
— Me trazer de volta...!? — murmurou, impaciente. — Já falei pra parar de sonhar, Eli!! O passado não pode voltar!!
Ela mirou o solo com a varinha e elevou a potência da gravidade. Foi somente por um instante, mas o bastante para afundar a região pisada pela filha da lua.
Sua defesa se perdeu, oferecendo-a a liberdade para a apunhalar da forma que bem desejasse.
— Voltar a ser como era no passado significa que eu me tornaria aquela Bluebell fraca de novo!!
Moveu a faca com precisão, em busca de seu abdômen.
A apóstola não desistiu; forçou a queda do corpo à esquerda e abriu espaço para trazer a lâmina em sua defesa.
Mesmo a investida da adversária sendo mais rápida, foi capaz de evitar o pior.
A faca passou rasgando o quadril no lado direito, um corte mediano que soltou fios de sangue.
— No fim, tudo iria se repetir!!
Apesar de a dor não ter sido tão angustiante comparada à incisão no olho, sofreu o baque durante um breve período.
Antes de se recompor, viu a filha de Hebe trazer o restante do tronco à sua direção.
O joelho direito irrompeu com toda a força contra sua barriga exposta. Atingida na altura do umbigo, regurgitou o conteúdo gástrico sustentado anteriormente.
Os ossos, prensados contra os órgãos internos, pareciam rugir dolorosos.
O impacto arrancou suas solas do plano e a lançou alguns metros, deixando a pequena cratera originada pela magia da agressora.
Embora a total vantagem do momento, a rósea experimentou uma rápida tontura.
Reforçou o equilíbrio e tornou a caminhar no sentido da rival.
A impaciência crescia a cada esforço que ela depositava em manter-se viva à sua frente.
— A Bluebell do passado não pode voltar mais! Desista logo!
— Mas... ela ainda está aí, não é?... — Apesar da voz enfraquecida, Elaine trouxe novo baque à garota. — O passado não pode mudar... Eu mesmo era... sempre fui fraca!... Mas ainda existe um futuro, onde podemos nos tornar melhores! E eu quero estar contigo nesse futuro!
— Você sempre foi de falar essas coisas sem sentido, Eli!? — Direcionou a varinha contra a garota e a afundou com o Esmagamento Gravitacional. — É exatamente por isso que você estar comigo não vai mudar nada! Eu não posso alcançar o que desejo se você continuar aqui, me prendendo à fraqueza do passado!!
— N-não é... verdade!... — Esforçava-se para responder, ao mesmo tempo que suportava a pressão colossal. — Bellzinha... eu vou...!
— Para com isso, merda!!
Furiosa, Bluebell procurou concentrar mais Energia Vital a fim de destroçar a insistente adversária.
Mas, ao invés disso, acabou afligida por uma intensa enxaqueca que a fez perder o equilíbrio.
O efeito contrário foi provocado; a queda de intensidade da Autoridade Cinética.
A filha de Ártemis recobrou o fôlego, além de poder mover-se livremente de novo.
O cenário agora mostrava ambas as combatentes pelejando contra as dores que as assolavam.
“Excedi demais o limite, merda!”, em nota ao próprio descontrole, a filha de Hebe levou a mão com a faca sobre o rosto.
Recuou passos debilitados na sensação dos efeitos colaterais, proporcionados por uma utilização exacerbada de sua Autoridade.
A favor de remediar as consequências, resolveu diminuir a manifestação vital por um tempo.
O foco seria em derrotá-la de forma casual; quiçá fosse o bastante, cogitou.
Colocou a vara de volta à cintura, agora com a mão destra livre para manusear a faca.
Foi acometida por um conforto anormal ao empunhar sua arma com a mão dominante, capaz de arrancar um sorriso acentuado de seus lábios.
Conforme a inimiga se levantava, começou a correr no intuito de sequer permiti-la completar tal feito.
A apóstola fincou a lâmina no piso, trouxe toda sua massa à empunhadura dupla e procurou retomar a postura.
No curto período disponível, viu a adversária saltar em sua direção. Mirava o ponto central de seu peito, em outra ação de empalamento.
— Me liberte dessas correntes, Eli!!
Sem encontrar outra saída, arriscou a mão esquerda na hora exata do golpe.
Com a palma aberta, deixou ser perfurada a fim de evitar sua morte. Sacrificou sangue por sangue.
Bluebell levantou as sobrancelhas, espantada com a corajosa atitude tomada pela jovem caolha.
Essa que suportou a nova onda dolorosa, fechou os dedos sobre o punho da atacante e anulou a força imposta por ela.
No fim, restou retomar qualquer resquício de energia para se desvencilhar na hora exata.
— Isso é inútil!! — o riso da rósea se alargou no semblante.
Por situar-se acima da noturna, dispunha da vantajosa gravidade natural, que lhe auxiliava na imposição sobre o membro que buscava a interromper.
O gume afundou na palma perfurada, fazendo mais sangue escorrer do braço até pingar na face já ensanguentada.
Ofegante como um felino, levou a palma oposta por cima do cabo, dobrando a força de ação.
O suor frio já dominava a descendente lunar, à medida que a ponta levemente curvilínea se aproximava de seu peito.
Agora, Elaine podia sustentar a lâmina no chão, sem que a rival percebesse por conta do foco desmedido em ceifá-la daquele mundo.
A cada segundo, sentia o vigor esvair.
Incapaz de ponderar outra solução, fechou a vista remanescente.
“Bellzinha... Você foi minha primeira amiga... A única até pouco tempo”, as forças na mão ferida se perderam. “Eu senti sua falta... Você era a única com quem eu me sentia segura... Sem você, eu não conseguia fazer nada...”
— Últimas palavras, Eli? — Enrugou a testa ao contemplar o desfecho tão sonhado.
“Não quero te machucar... Não quero, mas...”, a palma da lunar fechou-se sobre a empunhadura. “Preciso ser capaz de fazer as coisas... Mesmo sem você, também preciso me esforçar!...”
A extremidade afiada tocou a pele alva, prestes a afundar na carne, tamanha a disparidade de força imposta pela filha de Hebe.
Todavia a jovem Classe Prodígio respondeu através de um fraco sorriso, contornado em confiança.
Somente aquilo pôde arrancar a concentração da adversária durante segundos preciosos.
Então, ela entoou:
— Você... ainda me chama de “Eli”.
— O qu...?
Incapaz de completar, incapaz de piscar... Bluebell recebeu todo o amor possível da amiga.
— Eu... vou te salvar...
Antecipando qualquer reação impetuosa, ergueu com celeridade a arma púrpura e a perfurou no quadril.
Em contrapartida à vista fechada dela, Bluebell arregalou as suas.
A imposição forçada foi interrompida, ao passo que a perfuração esbravejou por todo o corpo.
Um rastro de sangue, recheado de Ícor, escorreu da região afetada. Em seguida, outro fio menor desceu do canto dos lábios.
Rangeu os dentes, sentia o gosto férrico, e devotou-se a executar o golpe definitivo.
No meio do caminho, foi empurrada no tórax e retornou, arrancando a faca do palmo da adversária.
A filha de Ártemis suportou a ardência e trouxe seu equipamento de volta, do mesmo modo.
Com o líquido viscoso a jorrar pelo vazio, as duas ganharam espaço em prol de se recuperarem do abalo.
Quem saiu na frente foi a própria efesiana, que pegou impulso ao girar rapidamente e se postar, ainda um pouco encurvada.
Da superioridade que quase lhe custou a vida, precisou se habituar às feridas acumuladas, ainda fonte das maiores dificuldades no confronto.
Bluebell sustentou a posição durante um curto período. Incrédula, encarava a queda do líquido escuro com pontos luminosos na superfície desbotada.
No entanto essa imagem nem se comparava à ardência proveniente daquela região.
Cobriu a profunda perfuração com a palma, uma mistura de quente e frio entrou em contato.
Estremeceu, enfim, ao encarar a amiga de infância, insegura e fraca.
Ainda não acreditava no que conseguira fazer.
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