Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 7 – Arco 5

Capítulo 126: Discípulo da Besta

O Museion chacoalhou.

O ataque sem precedentes ao panteão das Musas originava uma tensão descomedida por todo o santuário.

Apesar disso, muitos dos residentes ainda sequer reconheciam as circunstâncias que os envolvia.

A exemplo disso, Gael e Thalia escolheram manter a posição dentro da câmara onde treinavam no momento.

Apesar da extrema curiosidade, a musa não os permitia sair.

Impaciente, ele cerrava os punhos com vigor. Podia ver pela expressão soturna dela que algo sério começara a ocorrer.

“Isso com certeza não foi resultado de algum combate simulado!”, pensava aflita.

Sem deixar a frente da porta, com o punhal e a máscara alegre em mãos, viu o pupilo se aproximar a passos fortes.

— Por que estamos parados aqui!!? — resmungou como se fosse um cão raivoso. — Até eu consigo sentir as presenças malignas lá fora!! Devemos sair pra ver o que está acontecendo!!

— Não podemos nos precipitar! — A retruca da Festiva soava austera, como nunca visto por ele. — Sair sem pensar só deve prejudicar a gente! Temos que esperar...!

De súbito, a voz de Thalia desapareceu por si própria. Sem entender muito bem a reação, Gael arregalou as vistas.

Ao dar meia volta, a musa experimentou um turbilhão animalesco vindo detrás da porta.

— Se afasta, Gaelzinho!

O filho de Apolo mal respondeu ao aviso desesperado, pois garras salientes atravessaram a estrutura metálica com certa facilidade.

Por sorte, a Musa da Comédia já tinha recuado. Mesmo assim, sentiu os rasgos passearem rente sua face, levando alguns fios loiros das mechas laterais.

Dito isso, o rapaz também retornou alguns passos. Quando a dupla parou, lado a lado, a estrutura metálica terminou de ser rasgada, como papel.

O som arranhado fez ambos estremecerem de nervoso. Um retângulo terminou de ser formado, até a parte dividida tombar no solo.

O menino de bagunçado cabelo castanho-escuro estava livre em prol de avançar.

Sua feição, de olhos esbugalhados e pupilas afiadas, valia tanta nota quanto as unhas afiadas.

— Achei.

Crisaor estalou os dedos, defronte os alvos designados pela Rainha das Górgonas.

Em retorno, o jovem dourado fez o mesmo, pressionando os dedos de cada punho na elevação dos ânimos.

— Esplêndido!!...

Embora eufórico, ele guardava alguma ansiedade em encarar a ferocidade em estado puro.

Thalia consumiu o desejo de impedi-lo, mas rapidamente se tocou de que seria impossível.

Dadas as circunstâncias, afinal, aquela era a única saída...

Para um possível alento, conhecia bem as capacidades dele, em virtude de todo o treinamento executado nos últimos dois meses.

Embora ainda não tivesse dominado a Autoridade da cura através da Arte do Sol, não deveria ser um problema; restaria todo o aprendizado recente a fim da alcançar o triunfo.

E, no fim, existia um detalhe preocupante. Preocupante até demais, ela ponderava...

Por terem sido interrompidos no ato de uma das novas práticas para o controle da complexa habilidade, Gael não desfrutava de seu vigor em integridade total.

O mesmo valia para a Energia Vital.

Só que, para contrariar todos os temores dela, o rapaz demonstrava extrema confiança ao armar a guarda dos punhos.

Sem pensar duas vezes, reuniu energia a ser canalizada nas luvas especiais.

Aos poucos, o ambiente passou a se tornar calorento.

— Eu. Matar. Vocês. Pela. Rainha.

As pronúncias pausadas — e um tanto medonhas — de Crisaor anteciparam o fulgor das vestimentas solares.

Quando subiu as vistas cor de mel, encontrou o alvo da vez.

O sorridente apóstolo mostrou os dentes e enrustiu as sobrancelhas.

— Foi mal, garotinho!! Mas sou eu que vou vencer com esplendor!!

Garras. — Ao proferir sem aviso prévio, as garras cresceram nas mãos. — Garras. Garras. Garras!!

Gael e Thalia observaram o aumento proporcional do tamanho das unhas afiadas do menino.

Por mais velha que fosse, a musa jamais tinha visto algo semelhante.

Tão repentino quanto a chegada, Crisaor tomou a iniciativa. Disparou por meio de zigue-zagues velozes, capazes de confundir qualquer um.

O filho de Apolo não se abalou, pelo contrário.

Deixou o condensado fluxo de energia se materializar nas chamas douradas sobre as mãos.

Thalia resolveu se afastar um pouco mais. Os globos, castanhos como os do garoto, tentavam acompanhar a sequência de vaivém do bestial.

Parecia uma serpente que corria sobre duas pernas.

Depois de tanto ir e voltar, ele atacou. As garras canhotas se moveram em busca do pescoço do apóstolo.

Gael observou na hora exata e recuou dois passos rápidos, bem-sucedido em se desvencilhar.

“Não perca de vista, Gael!!”, entoava para si mesmo.

Alavancou o braço esquerdo, até que as labaredas em volta do punho cresceram.

Arte do Sol, Primeiro Esplendor!! — Sem oferecer brechas ao acaso, disparou o soco direto no rosto do menino. — Punhos Solares!!!

A explosão intensa fez a criança, no instante derradeiro, se contorcer na coluna para trás. O golpe passou direto, por cima de seu rosto.

Tal imprevisibilidade trouxe alarde à Festiva.

“Que flexibilidade!!”

Crisaor sustentou as solas na mesma posição, sem as tirar do plano nem por um segundo. O tronco vergou em um contorcionismo absurdo.

Quando as mãos se aproximaram de tocar os calcanhares, encontrou base para alavancar o resto da cintura para baixo.

O peito do pé atingiu o queixo de Gael, com impacto suficiente para levantá-lo do chão.

Prosseguiu no giro de velocidade, agora em busca de cortar o peito dele com as garras.

Entretanto, o apóstolo, apesar do baque sofrido pelo maxilar quase fraturado, desceu o outro punho cheio de chamas.

A segunda detonação ardente atingiu as unhas do menino e provocou uma poderosa onda de choque pelo ambiente.

Isso serviu para afastá-los um do outro.

Boquiaberta, Thalia não conseguia parar de estremecer as mãos e pernas.

Crisaor levou as palmas ao solo, fincando as unhas laminosas em prol de interromper o arraste.

Como um animal de quatro patas, arregalou os globos de pupilas verticais e disparou como se fosse um felino.

Sem se importar com a guarda defensiva do oponente, saltou à esquerda, na direção da parede.

Girou três mortais seguidos, obteve apoio e lançou-se num impulso agressivo.

Gael, recuperado do rápido momento de desequilíbrio, escolheu ir de encontro.

Punho e garras entraram em uma nova colisão. Dessa vez, a vantagem momentânea caiu sobre o jovem deus.

Sem ter energia para rivalizar, o bestial ganhou queimaduras dolorosas no palmo, que fizeram-no perder ímpeto.

Assim, o novo direto do dourado lhe atingiu o ombro, o lançando de volta à construção sólida com brutalidade.

Rachaduras nasceram por metade da extensão de pedra.

O corpo dele afundou nos escombros, incapaz de resistir à regurgitação do sangue escuro.

Todos os ossos, com destaque aos do torso, estremeceram graças ao impacto. E a área atingida também ficara queimada...

— Esplêndido!! — O descendente solar ergueu os braços, eufórico; ignorava a leve dor no queixo. — ‘Cê é bom, garoto!! Mas eu disse que iria vencer com esplendor!!

 Ainda preso na destruição, Crisaor vomitou:

— Vou... Matar...!!

Inclinou-se à frente, como se fosse desgrudado da parede.

Caiu no plano, estalando os ossos inteiros do tronco. Thalia se arrepiava só de escutar os ecos.

Porém, o pior ainda viria.

Quando percebeu que não se tratava mais de fumaça, e sim de vapor condensado a escapar dos olhos da criança, a musa engoliu em seco.

Os músculos dele se contraíram em virtude da ardência.

Por fim, levantou o rosto e o apontou ao filho de Apolo

A nova metamorfose lhe trazia tanta agonia, a ponto de fazê-lo ranger os dentes para suportar.

Nada mais podia ser visto no topo de sua face, coberto por inteiro pela fumaça.

Olhos. — Esforçou-se para não perder mais sangue, conforme se adaptava à inédita forma. — Olhos!! Olhos!!

Com apenas as garras grandes em uma das mãos, terminou de se reerguer.

Então, todo o vapor esvaneceu, revelando a nova forma de seus olhos.

Apresentavam-se semelhantes aos de uma mosca. Diversos globos compostos, todos de tonalidade caramelada, preenchiam a metade superior da face.

Lágrimas de sangue vertiam dos omatídeos, em deliberação a uma sensação medonha aos que enxergavam a nova aparência.

“O que poderia ser isso!? É como uma Autoridade, mas...!?”, a Festiva, estarrecida ante o bestial, franzia o cenho.

— Que bizarro!! — Gael, por sua vez, girou o braço nos preparativos para a sequência.

— Espere, Gaelzinho!!

Brecou o primeiro passo ao receber o grito agoniado da mulher. Encarou-a por cima do ombro, mas ela nada mais disse.

Notando o estado alarmado da própria tutora, o rapaz apenas demonstrou um sorriso convicto e virou-se de volta ao menino.

Crisaor rugiu como um animal grotesco. Então, novamente, disparou, tão veloz quanto as investidas anteriores.

Dessa vez o apóstolo não pôde responder ao golpe, uma incisão profunda sobre seu bíceps destro. Sangue cheio de Ícor foi levado junto da pele e da carne.

Estalando a língua com a dor e ardência, Gael socou no reflexo, mas o bestial desviou sem dificuldades.

Pela visão dele, diversas camadas oculares podiam acompanhar, em suas minúcias, todos os possíveis deslocamentos a serem executados do apóstolo.

Mesmo as mínimas alterações musculares eram transmitidas à visão especial.

Podia antecipar a tudo e reverter as vantagens ao respectivo favor.

Gael encarou as marcas gravadas em seu braço. Jamais se deixaria abalar por aquilo.

No entanto, era fato que o desgaste acumulado passava a o acometer. Precisava respirar fundo, não desperdiçar fôlego.

“Mesmo que esse menino seja rápido, Gaelzinho poderia se defender sem dificuldades!”, Thalia apertou a empunhadura do punhal e a máscara alegre. “Ele está cansado! Se continuar assim...!”

— Não vou perder!!

O esbravejo dele interrompeu a linha de pensamento da mulher, como se pudesse lê-la na mente.

Já estava determinado a romper seu limite, se assim fosse necessário.

Crisaor pouco se importava com a determinação alheia, somente queria retaliá-lo.

Mais uma vez, avançou contra o dourado, desviando do soco de contragolpe dele. Agora, esgueirou-se por sua retaguarda num giro acelerado e o cortou nas costas, sem piedade.

As cinco garras lanharam do início da espinha à lombar, tão profundas quanto o golpe anterior.

Sem tempo para sequer grunhir em agonia, o descendente solar rodopiou na tentativa de o acertar. Em vão.

O bestial já tinha se agachado, graças à incrível flexibilidade contorcionista. Mirou os tendões expostos do garoto.

Por meio de um arrepio instintivo, Gael saltou, evitando os rasgos que lhe trariam a derrota iminente.

Na sequência, corrupiou-se a mirar o menino logo abaixo.

Reuniu toda a energia disponível no ponto específico do punho dominante.

A pressão escaldante revelou-se em segundos, capaz de arrancar uma reação espantada do garoto. E, também, da musa.

— Se não posso acertar... — Fez a alavanca com o braço e desceu com tudo o soco... — Então vou detonar com tudo, moça!!!

O aviso fulminante foi ouvido pela Festiva, que posicionou a máscara em frente ao rosto.

Nesse mero movimento, a percussão contra o ar foi desferida, causando uma explosão de chamas violenta.

Além do alastro do fogo dourado pelos quatro cantos do salão, a onda de choque empurrou tudo que vinha pela frente, incluindo a musa.

— Gaaaaaah!! — O grito de Crisaor ecoou junto do ruído das labaredas infernais.

As camadas oculares ardiam, tanto pela ação do fogo quanto pela exposição ao brilho.

Era como se um pedaço do Sol fosse lançado contra si, o esmagando.

O efeito durou menos de cinco segundos.

Após as chamas vitais desaparecerem, Gael caiu de volta no plano. Flexionou as pernas, aguentando todo o próprio peso, para então jogá-lo ao braço canhoto.

O soco, dessa vez, pôde acertar a maçã do rosto do bestial em cheio. Sem Autoridade Elementar do Fogo reunida, ainda assim, carregava resquícios da quentura na luva.

Portanto, o queimou um pouco, além de o impelir a capotar contra o piso — igualmente tórrido.

No fim, sucumbiu de bruços, próximo a outra parede.

Metade dos globos de mosca tinham sido destruídos. A área atingida, além de um pouco amassada, tinha ficado quase em carne viva.

Diante do pequeno triunfo, Gael arquejava com peso.

Thalia, ainda ardente por braços e pernas — embora ilesa de queimaduras —, retirou a máscara do rosto.

Pôde ver a criança derrubada e seu discípulo de pé, com dificuldades para respirar.

Só de enxergá-lo ali, já podia determinar: ele havia chegado ao limite do vigor físico.

Já o invasor derrubado se contorcia no mármore.

“Acabou...?”, ainda atônita, permitiu-se a dar um suspiro de alívio. “Gaelzinho é incrível. Mesmo cansado e sem tanta energia...”

A voz do interior, de novo, desapareceu.

Sem que qualquer um dos dois pudesse notar, Crisaor usou o resquício do vapor para lançar-se da terra.

Dessa vez, contra a própria Festiva.

— Morra.

O tom de agonia dele acompanhou o empalamento na barriga da loira, que demorou a experimentar a dor.

Pela primeira vez, o sorriso desapareceu do rosto de Gael.

Tudo pareceu perder velocidade. O estado de choque subiu vertiginosamente o corpo do apóstolo, que nada pôde fazer além de assistir.

Crisaor arrancou as garras de onde tinha perfurado. Assim, bastante sangue com pontos dourados escapou.

— Moça!! — Só então o descendente solar pôde se mover.

Quando esticou o braço, encontrou o sorriso da tutora, cercados por fios de sangue nos cantos dos lábios.

Em poucos segundos, ela perdeu força e foi de encontro ao solo quente.

Mesmo desprovido de forças, Gael conseguiu avançar para onde ela tinha sido derrubada.

Em proveito ao estado ainda debilitado do menino-besta, atingiu um soco em sua clavícula, o jogando para longe.

Ainda teve força suficiente em prol de o fazer colidir contra a parede já destruída.

Porém, foi o último suspiro do próprio corpo, que sucumbiu com os joelhos no mármore.

De frente para Thalia...

— Fui... descuidada... — A voz embargada acompanhava as fortes tosses que expeliam mais sangue da boca.

Estremecido pelo nervosismo e a fadiga, o rapaz procurou qualquer forma de ajudá-la.

Encarou os buracos não tão grandes na barriga dela. O vestido já estava bastante embebido em um vermelho-escuro.

“O que eu faço!?”

Paralisou. Não sabia o que fazer.

“Eu não sou bom em pensar!! O que eu posso fazer!!?”

Era ele e um beco sem saída.

“Desse jeito, a moça vai...!!”

A loira tentava sugar oxigênio, através de arquejos pesados. A dor só aumentava. As cores começavam a se perder.

— Os treinamentos!! — Uma luz milagrosa se acendeu em sua cabeça.

Ele encarou as próprias palmas, trêmulas ao extremo.

— Gael... zinho... — A vitalidade na voz de Thalia já desaparecia. Assim como se tornava pálida. — Por favor... não...

— Tenho que conseguir!! — A interrompeu no ato, então juntou palma sobre dorso e os repousou, com cuidado, acima das feridas. — É assim que se faz!

Forçou os cílios a se aproximarem.

Concentrou todo o resto de energia que ainda dispunha em si até as luvas unidas.

Uma nova luz dourada surgiu, com as chamas cálidas. Essas, ao invés de afligir, traziam uma benevolência singular.

Thalia virou o rosto. As sobrancelhas encolhidas, os lábios ensanguentados...

Tal cena pareceu acender uma chama intensa no peito do garoto. Ele não podia falhar. Em hipótese alguma.

No limiar do desespero, a hora da verdade...

Arte do Sol, Segundo Esplendor: Luz da Cura!!!

O fulgor cresceu consideravelmente, na iminência de conduzir uma ternura particular ao corpo da musa.

Ela ficou surpresa. Mesmo nas condições atuais...

“Ainda não!!”, o apóstolo sabia que aquilo não era suficiente para a curar. Era pouquíssima quantidade de energia.

Que logo chegaria ao fim...

Na luta contra o tempo e as próprias limitações, lembrou-se de algo inusitado.

A imagem de um certo aliado surgiu, como uma guia.

Precisava estabilizar a distribuição de energia manifestada. Como tinha aprendido durante todo aquele período no templo...

“Como ele!!”, evocou o que jamais imaginara. “Deixa a energia limpa!! Sem perturbação!!”

Ainda que no profundo risco, pôde retrair um pequeno resquício da energia liberada a esmo. Assim, fortificou a intensidade de suas propriedades curandeiras por um átimo.

Não tinha sido muito, mas os primeiros resultados surgiam. Aos poucos, os buracos começavam o processo de cicatrização.

Thalia podia experimentar uma parca recuperação de força. Mas tempo era tudo o que eles menos possuíam.

Pela visão periférica, pôde ver o menino-besta se recompondo do impacto sofrido.

Daquele jeito, se ele atacasse, o aprendiz estaria vulnerável.

As vítimas só iriam aumentar...

Por isso, engoliu em seco a fim de agarrar-se à coragem de alargar o sorriso e dizer:

— Está... tudo bem... Não se preocupe comigo...

— Claro que não!! Nem pensar!! Nem um pouco!! — Sem se abalar com as palavras dela, manteve o foco até onde podia. — Eu dominei a Luz da Cura com esplendor!!!! Não ‘tá vendo!!? Eu dominei!! Por isso eu vou te curar e depois vou vencer aquele garoto!!

De fato, ele conquistara a habilidade que tanto desejava.

No contexto de vida ou morte, sobressaiu a vontade de proteger.

“Ah... é verdade”, e, por um instante, Thalia lembrou-se de algo.

Algo que pôde trazer uma onda de felicidade ao seu peito.

— Eu prometi... que te contaria um segredo... se você dominasse a Luz da Cura. — A insistência dela não o fez desviar o olhar das chamas sobre as mãos. — Você conseguiu. Então...

— Isso não é hora!! — Incapaz de comedir as emoções explosivas, ele esbravejou: — Pode contar tudo quando acabar aqui!! Não vou deixar...!!

A palma direita dela, com resquícios do próprio sangue, tocou a bochecha quente de Gael.

Fez sua voz desaparecer. Assim como qualquer outro ruído.

Inapto a compreender aquele gesto afável, não percebeu a própria reação boquiaberta.

As vistas dela pareciam irradiar um brilho natural.

— Me desculpe... por não ter estado presente em sua vida... até hoje... — Acariciou o rosto dele, com delicadeza. — Queria que soubesse... que estou muito orgulhosa...

Ele não conseguia mais descravar dos olhos castanhos dela.

Estavam conectados um ao outro.

Na parede, Crisaor recuperou o equilíbrio e superou os ferimentos ardentes.

O que restara das garras, ainda com manchas do sangue da musa, prepararam o retorno ao ataque mortífero.

Mas nada daquilo poderia mais lhes roubar a atenção.

— Você cresceu tanto... meu filho...

A voz afônica e emocionada de Thalia ecoou solitária para o descendente solar.

Tudo se tornou inaudível.

Segundos preciosos demoraram até as palavras proferidas por ela, tão puras, serem reconhecidas por ele.

Nada de piada havia ali. Era totalmente o oposto do feitio da Musa da Comédia.

Por isso, Gael não desviou do olhar carinhoso oferecido por ela. As frases ecoavam repetidamente por sua cabeça.

A cada novo ressoar, o tom e o teor da mensagem ganhavam corpo.

Durou desse jeito, até a garganta amarrada deixar uma voz afônica — e nem um pouco habitual — escapar:

— Filho...?

Não houve tempo de fazer novas perguntas, pois a criança bestial engatilhou na direção da dupla.

A recuperação da mulher apresentava-se longe de ser finalizada.

Se o apóstolo a abandonasse em prol de desviar ou bloquear a investida, as chances de salvá-la se tornariam próximas do nulo.

Thalia não podia se mover para o empurrar. Nem mesmo o jovem conseguiria se deslocar, graças ao cansaço extremo e a atividade da Luz da Cura.

Naquele momento, porém, a musa deixou tudo se apagar da mente ao encontrar o sorriso genuíno projetado pelo rapaz.

Não era de euforia por uma batalha.

Não era de ânimo por um novo desafio.

Era apenas felicidade.

O sentimento se compartilhou, como o toque da chama dourada em sua barriga. Fez lágrimas nascerem nos olhos dela.

Crisaor desprezava tudo.

O que tinha restado dos omatídeos mirava os alvos paralelos, tudo pronto para o abate derradeiro.

Tudo esfriou.

Uma lâmina, que soltava vapor gelado, cortou em silêncio à direita do menino, que entortou o corpo como uma mola.

Conseguiu evitar o pior, mas demorou a perceber que o antebraço canhoto tinha sido cortado, próximo à articulação do cotovelo.

— Ah...?

Baqueado pela quase perda do membro superior, também não viu o chute que o atingiu no peito, o jogando a alguns metros.

Quando identificaram o responsável por tornar o ambiente resfriado tão rápido, Gael e Thalia levantaram as sobrancelhas.

Uma nova onda de confiança os permeou.

Crisaor rangeu os dentes, dolorido e raivoso.

E a imponência de Silver, que se postou diante dos debilitados, fez o clima do salão inteiro se tornar seu território especial.

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