Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 118: Domínio Singular

Daisy atacou Elaine sem hesitar.

A filha da lua quase caiu no processo de sentir a pressão inusitada transmitida pela criança, já dominante da situação.

As lâminas tilintavam a ponto de soltarem algumas faíscas brancas.

No extremo oposto do salão relvado, a górgona prisioneira se impressionou, ainda que vendada.

As mansas serpentes em sua cabeleira lhe entregavam as informações visuais que não possuía, método responsável por deixá-la a par das variadas ocorrências na respectiva presença.

Do outro lado, as deusas apresentaram reações distintas.

À medida que Íris exalava perplexidade, natural para alguém ainda tão jovem entre os maiores, Atena e Ártemis sustentavam a serenidade.

A primeira delineava os lábios róseos num fraco sorriso de praxe, as sobrancelhas relaxadas e olhos interessados no que acompanhava.

A segunda tinha desfeito o arquétipo animado, agora voltada a presenciar o que a descendente deveria sentir na pele.

Era o momento de ultrapassar a última barreira invisível do próprio coração.

E não havia melhor ocasião a fim disso que não o confronto franco contra a caçula da nova geração.

“Você consegue, filha...”, levou a mão esquerda à altura das costas do pescoço, cobertas pelo cabelo ligeiramente ondulado.

A Deusa da Sabedoria percebeu aquilo de soslaio, mas logo regressou as vistas ao que realmente interessava.

Sorriu ainda mais quando percebeu que estava em jogo não somente a evolução da apóstola...

Tratava-se de um prosseguimento, um sucesso importante também a favor da experiente deidade, integrante absoluta dos Doze Tronos.

Isso tornava tudo ainda mais instigante, a ponto de fazê-la passear com a língua sobre o beiço inferior, sem que qualquer um pudesse perceber...

Bem adiante, Elaine retomou o equilíbrio na pura necessidade de se desvencilhar da menina.

Jogou-a para o lado com a força dos braços, apoiou as solas da sandália no solo e conseguiu se recuperar.

O sentimento de espanto não a abandonou a seguir, muito pelo contrário.

Quando Daisy retomou o contato com o plano e disparou sem pensar duas vezes num contra-ataque, a lunar precisou saltar em prol de abrir distância.

Assim que viu, já constatara a reunião rápida de Energia Vital por parte da pequena, capaz de soltar alguns raios brancos pelos arredores.

Mostrava-se necessário maior concentração do que se permitiu a imaginar.

— Você é muito esperta, Elinha! — A criança transmitia genuína felicidade ao falar.

Não foi esperteza, pensava a lunar.

Não passava de puro instinto de sobrevivência, o fato de ter conseguido a impedir no primeiro ataque.

Tudo isso ativado graças ao fato de ter a subestimado quando escutou o pedido e, em seguida, acompanhou sua corrida lenta e desengonçada.

Já estava a se remoer por conta disso. Todo o foco que tentara reunir esvanecia em tempo recorde.

Isso a fez perder a filha de Zeus da visão outra vez, para receber um ataque de flanco.

De novo conseguiu se defender no reflexo, mas agora foi derrubada pela ausência de força.

Ártemis apertou os punhos.

Prometera que não falaria nada à garota, que a deixaria encontrar a resposta sozinha.

Estava se forçando a não quebrar aquele voto consigo mesma e com a própria. De nada adiantaria fazê-lo.

Nada mudaria assim.

O grito estava entalado na garganta, mas ela segurou o máximo que podia.

Enquanto isso, a apóstola tentava se levantar, ao que a olimpiana investiu novamente, num golpe descendente.

Como podia uma criança daquele tamanho conseguir portar uma espada tão imponente?

Elaine já se via abaixo do nível de uma menina de treze anos; foi o pior impacto possível a ser recebido no peito.

“Por que ela consegue?”, tentou se reerguer ao bloquear um novo ataque da menina. “O que ela tem que eu não tenho?”

Frustrada num grau nunca experimentado, buscava juntar os cacos espalhados antes de desistir.

Jamais deveria optar por aquele caminho, não depois de se empenhar tanto para chegar aonde chegou.

Rangeu os dentes com o rosto virado à terra.

De repente, virou a cabeça num rompante, os olhos marrons arregalados na direção da adversária.

A atinente pestanejou por um singelo segundo ao receber o olhar agressivo da garota, porém procedeu no inédito avanço contra sua guarda baixa.

No meio do caminho, ela balançou a espada à esquerda, num lanho sobre o espaço.

Como resultado, o corpo infantil foi lançado à direita, permitindo-a girar numa mudança de trajetória nada expectada.

Foi tudo muito rápido, as vistas da filha de Ártemis quase não conseguiram acompanhar.

No entanto serviu a fim de fazê-la determinar o que enfim tinha de diferente entre as duas.

Isso se sucedeu à nova colisão entre as lâminas, provocando uma onda de choque poderosa nos entornos.

Nem Daisy acreditou na defesa armada pela oponente, que seguia com um dos joelhos a tocar o plano.

Nesse ínterim, se esforçou a fim de executar outro giro impensado e surpreender a lunar mais uma vez.

Elaine tornou a antecipar o movimento, quase na iminência de voltar a se fechar ao sentido exterior.

Esse bloqueio fez a espada da criança subir junto a sua guarda, pela primeira vez fazendo-a perder o ímpeto criado desde o princípio.

— Uaah!

Daisy perdeu o equilíbrio, o sinal claro de sua ainda inexperiência.

E isso permitiu à apóstola enfim recobrar a postura de indiscutível superioridade.

“Ela está atacando de qualquer forma”, levantou-se de supetão, os olhos se fechando aos poucos.

Não precisava mais averiguar o que tinha no lado de fora.

“Então era isso... isso”, os cílios se conectaram.

Sua aura mudou.

“É isso, Elaine”, Ártemis percebeu a transformação sobre as inseguranças da filha. “Você é como a lua... não deve deixar de ser quem você é. Mas ainda assim...”

Ao fechar completamente os olhos, a Classe Prodígio reclamava a nova fase de controle do combate.

“Pode se tornar muito mais!”, o sorriso da deusa retornou.

Com a lâmina incolor dominada por luz púrpura, referente à passagem da respectiva energia ao ponto físico, a apóstola encontrou a resposta.

No fim, Daisy ainda era uma criança de treze anos, ainda carecia de traquejo.

Embora, a priori, aquilo fosse pautado à devida inocência, não podia descartar a possibilidade de que seu estilo, futuramente, poderia ser adaptado àquela vertente.

Aparentava ter certas conformidades com a adversária.

E mesmo que jamais poderia se apossar de tal requinte, acreditava ser apta a absorver algum ensinamento sobre aquilo.

O que lhe faltava nesse tempo inteiro. A chave da porta derradeira a ser aberta, por sua respectiva natureza...

“Liberdade.”

Retraída às próprias sensações, Elaine deixou a Energia Vital fluir para fora do corpo.

Isso por si só empurrou a pequena olimpiana.

A impetuosidade infantil movida pela liberdade passou a ser retraída de forma gradativa.

Atena também fechou os olhos, ciente do que estava por vir a partir dali.

Tinha sido bom enquanto durou, ponderou consigo, já satisfeita quanto ao que sua aprendiz demonstrara até então.

Como esperado, frutos incríveis seriam colhidos.

De ambos os lados.

“Ainda está incompleta, eu sei, mas...”, sem renunciar à oclusão ocular, a apóstola levantou a lâmina, apontada à direção do teto.

Num deslocamento plácido, passou a descê-la em um formato encíclico, deixando o rastro luminoso da energia condensada criar um anel ao seu redor.

Atraída por tamanha exuberância, Daisy pegou-se inapta a reagir.

Boquiaberta, aguardou o término da adversária, que completou a volta inteira até fechar o arco circular brilhante.

Conforme Íris e Stheno prosseguiam na construção do igual semblante da menina, Ártemis e Atena penderam ao sobressalto — cada uma ao próprio feitio.

A primeira, positivamente aturdida, enquanto a segunda, apesar de mascarar a feição em seriedade, era abarrotada por curiosidade.

Por fim, ao experimentar as emoções mais superficiais da apóstola, a caçula do Rei dos Deuses fechou o semblante.

Chegou a usar a empunhar a espada com maior afinco ao envolvê-la com a outra mão. A leva de ocorrências inusitadas não tinha, nem de longe, terminado.

Os olhos azuis brilharam num dourado singular.

Todo o salão do jardim foi dominado por um misto de frieza e ternura, capaz de provocar choques térmicos nas observadoras.

A aflição tomou a todos; ninguém mais sabia como aquilo iria terminar.

Sem trocarem qualquer palavra, as duas dispararam.

A experiência se fez valer, afinal; num ataque de alta velocidade, Elaine voltou a retirar a guarda da menina com a lâmina brilhante, assim apontando-a contra o pescoço dela.

Incapaz de retomar o equilíbrio, ela caiu no chão.

O par de íris já tinha voltado à tonalidade original, tão pura quanto o céu de verão.

Sentada, sem expectativa de regresso, acusou o cansaço físico e mental da carência de hábito.

Ciente de que ela não apresentava mais riscos, Elaine permitiu ao foco desaparecer.

O brilho na lâmina se foi.

Os olhos voltaram a se abrir, só para encontrar a figura cabisbaixa da criança logo abaixo.

Por ter sido exigida àquele ponto, também exalou um tênue lamento através dos lábios.

Relaxou o braço ao relacionar a vitória no combate amigável, então desviou o olhar da tristeza estampada no rosto da menina.

— Foi por pouco!! — Ela, porém, se reergueu tão sorridente quanto antes. — Você é muito incrível, Elinha!! Treina mais comigo, por favorzinho!!

— Hã? E-eu... — Pressionada pelo avanço da garotinha, a lunar corou.

— De fato, por que não cogita regressar? — Atena tomou a palavra, conforme se aproximava das duas; Ártemis e Íris vinham em sua companhia. — Graças a ti, Elaine, Daisy pôde evoluir, ainda que ligeiramente, em vossa coordenação para com ataques e defesas em situações extremas. A companhia em conflito provou-se deveras favorável.

Com a explicação um tanto complicada da sábia, a caçula fez beiço e, sem pedir permissão, se grudou no braço canhoto da filha de Ártemis.

— Eu quero treinar mais com a Elinha!!

— É o que estou tentando propor, Daisy — mussitou a púrpura. — No entanto, somente ela pode aceitar ou recusar. Já que você está de acordo, certo, irmã?

— Sim. — A Deusa da Lua assentiu com a cabeça. — Elaine, você percebeu, não? A resposta da qual eu tinha dito.

Elaine abaixou a cabeça, num quase imperceptível aceno de concordância.

Encarou a lâmina rebaixada e depois a palma livre ao lado.

Outro passo importante havia sido completado naquele local.

— Uhum... — Fechou-a na sequência, determinada. — Essa luta com a... Daisy... foi divertida...

Ao esboçar um raro sorriso de felicidade, a apóstola contagiou a todos nos arredores, principalmente a mais nova.

Aquela era sua nova resposta, um sim para o pedido cordial da Deusa da Sabedoria e da própria jovenzinha.

Com um respiro aliviado, Ártemis outra vez passou a palma, de leve, por baixo da cabeleira da noite, na altura da nuca.

Sabia que aquele era um começo importante para sua filha. E a possibilidade de um recomeço para ela mesma...

Trocou olhares com Atena, que, a exemplo dela, gesticulou em contentamento. Foram bem-sucedidas com a finalidade de juntar o útil ao agradável.

Extremamente eufórica, Daisy conseguia estabelecer maior contato com a sua veterana, aos poucos vitoriosa contra as inseguranças pessoais.

Continuava a matutar sobre certas dúvidas e medos, porém experimentava de tranquilidade sem igual na busca que almejava.

Seria inevitável, como ela mesma tinha dito.

Em breve, a enfrentaria de novo.

Dessa vez, para reconquistar o que há tempo havia perdido para o destino, faria de tudo para não a deixar escapar de suas mãos outra vez.

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