Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 6 – Arco 5

Capítulo 116: Aprendizados Sob a Lua

A lua cobria o meão celestial com seu brilho majestoso.

A parca iluminação natural caía sobre o jardim que rodeava a região do templo noturno, onde as figuras femininas se encontravam, em absoluto silêncio.

Compenetrada ao limite, Elaine respirava fundo, conforme os fios do solto cabelo azul-escuro dançavam em virtude da lufada da noite.

O corpo inteiramente relaxado podia ser ratificado através de sua lâmina, em um formato curvilíneo, quase a tocar o relvado com a ponta abaixada.

De olhos fechados, tentou experimentar as menores nuances do clima ao seu redor.

Cada corrente de ar fazia os cílios tremelicarem. Os músculos dos braços e das pernas realizavam fracos espasmos.

Mais à frente, com seu vestido azul-claro e cabelo de idêntica tonalidade, a alcançar as costas, a mulher destilou um sorriso franco.

“Muito bem”, puxou da aljava, nas costas, uma flecha e a conectou na corda do arco incolor, que foi dominada por um cintilar cerúleo.

Os pés descalços iniciaram a movimentação lateral, um de cada vez.

Com as passadas abafadas pela grama, a Deusa da Lua se guiou ao flanco esquerdo da menina, de onde apontou e atirou na velocidade do pensamento.

A flecha, apesar de pura, viajou no espaço em menos de dois segundos.

A apóstola, contudo, não se afobou; mesmo de vistas cerradas, executou um rápido passo à direita e subiu com tudo a lâmina, até então descansada.

O corte atingiu a ponta da seta, mas não com tanta precisão.

Mais refletiu do que lacerou o equipamento, que subiu a alguns centímetros de sua cabeça, a ponto de levar consigo alguns fios do liso cabelo.

Em seguida, Ártemis saltou e passou por cima da descendente, fazendo um arco com o corpo.

No meio do caminho, disparou outra flecha.

Elaine reagiu com maior atenção dessa vez, escolhendo se desvencilhar através de um salto rápido para trás.

Ao pousar, puxou duas flechas, uma posicionada acima da outra, e as soltou.

Com os trajetos levemente diferenciados — um indo ao alto e outra abaixo —, a jovem prodígio cambaleou pela primeira vez.

Por incrível, essa queda repentina lhe ajudou a evitar a seta superior.

A segunda foi acometida por uma tentativa de corte, na diagonal ascendente, mas o pouco equilíbrio a fez ser empurrada pela ligeira pressão de energia imposta por sua mãe.

Caiu por completo, com o traseiro no solo, logo após evitar o acerto perigoso na altura das pernas.

Ofegante, identificou o cessar da hostilidade ofensiva induzido pela genetriz, que relaxou a postura.

— Você está melhorando — entoou de longe, à medida que caminhava para se juntar à garota.

Nesse entremeio, a própria tornou a abrir os globos amarronzados.

Encarou a figura da superior em aproximação para, então, desviar o olhar vexado.

— Não consigo sentir isso — respondeu no mussito de sempre. — Daquela vez, por alguma razão... eu consegui...

Conseguia elevar o tom de voz, exatamente por ser com sua progenitora quem falava. A insegurança não reinava absoluta.

Entretanto, as lembranças ainda estavam frescas na cabeça.

O momento decisivo no embate contra a Hidra de Lerna, em Argos, continuava a regressar às memórias vez sim, vez também.

Os gritos do descendente de Apolo, a coragem para correr e o salto de olhos fechados que a permitiu ser, de alguma maneira, precisa no empalamento do ponto central do monstro...

Tudo continuava vivo demais.

E, apesar disso, Elaine não conseguia tirar novos frutos daquela estranha consequência.

— Quando eu fecho os olhos... é como se todas as dúvidas desaparecessem... Como se meu medo se tornasse um estímulo... — Encarou a palma dominante, levemente estremecida. — Achei que pudesse me tornar mais forte assim, mas estou só me escondendo do que tem ao meu redor...

Nada obstante ao tom melancólico da aprendiz, a deusa lhe direcionou um fraco sorriso.

Parecia tentada a dizer algo, porém acuou o avanço num último instante, em prol de reorganizar as informações em sua consciência.

— Não é um demérito — disse sem tanta convicção, escolhendo manter a linha de raciocínio. — Digo, se privar do exterior. É algo que... conhecemos bem...

Ao notar a mudança de tom da mãe, ainda ciente do significado para tal, a menina franziu o cenho e apertou a lâmina abraçada contra o tronco.

Mediante um suspiro profundo, Ártemis resolveu varrer a inquietação que trouxe com o assunto e comentou:

— Mas, ao mesmo tempo por conta disso, é algo que só você pode conquistar.

— Como assim?... — Levantou a cabeça, ao que a mulher se agachou sobre os calcanhares.

— Você é como a lua, Elaine. — Tocou o indicador na testa dela, coberta pela franja curvada. — Ela também, em determinados períodos, passa sua vida escondida no céu. Tem seu lado oculto, que ninguém pode ver, não importa quanto tempo se passe.

— Eu... — Fez uma pausa e inclinou a cabeça sobre o ombro destro. — Não entendi...

Ártemis exalou um pesado lamento ao escutar aquilo, pois também se sentia confusa ao tentar acompanhar o próprio pensamento.

— O que quero dizer é... — Executou outro intervalo, a fim de encontrar as melhores palavras. Quando era encarada pela filha, prestes a ser questionada, disse com toda sinceridade: — Você não deve deixar de ser quem é.

As novas e rearranjadas palavras fizeram os olhos da menina cintilarem.

Na companhia disso, as sobrancelhas alçaram à testa que se enrugou um pouco.

Essa era uma resposta tão simples que chegava a ser irônica. Desde sempre, Elaine se privou de enxergá-la como uma verdadeira opção.

Queria mudar e ser como os outros, não aceitar a si mesma em tais condições.

Para quê?

A despeito dos dizeres e das analogias um pouco inconstantes, a Deusa da Lua alcançara o objetivo; iluminava o caminho que a filha renegou durante bastante tempo.

— Você pode fazer isto — prosseguiu a deidade, trazendo de volta a atenção da garota. — Acredite na verdadeira força que se esconde dentro de ti. Domine esse estilo que somente cabe a vossa pessoa. E não precisa se sentir envergonhada por saber apenas uma forma. Pelo contrário; a domine, a aperfeiçoe e torne-se a mestre desta habilidade!

Mesmo não sendo tão boa com as palavras, a superior foi a peça fundamental no encaixe das demais, espalhadas pelo coração da apóstola.

Continuava pouco confiante sobre aquilo tudo, entretanto a vontade de aceitar-se em prol de orgulhar sua mãe começava a falar mais alto dentro de si.

“Esta é a hora... de tornar sua fraqueza em força, Elaine...”, a deusa cerrou os punhos escondidos atrás do corpo. “Daqui em diante, você deve se libertar. Diferente de mim...”

Antes que ela pudesse completar, Elaine abriu os braços e voltou a empunhar a lâmina da forma devida.

— Eu vou tentar — declamou, determinada.

“Foi para isso que fiquei”, guardou o complemento na própria cabeça.

A justificativa real para não ter aceitado o convite de ida ao templo das Musas.

Antes de evoluir acerca dos outros, primeiro deveria se conciliar consigo.

Somente então se tornaria capaz de perseguir aqueles que dia após dia a deixavam para trás.

Chegava a hora de se tornar a melhor versão de si mesma.

— Mais uma vez, por favor!...

Contente com o novo ânimo da descendente, Ártemis se levantou na posição e assentiu com a cabeça.

Ajeitou a aljava que cortava a divisória de seus seios e empunhou com firmeza o arco incolor.

Ainda tinham muito trabalho pela frente, para cobrir a distância que os demais abriam enquanto atarefados na ilha de Rodes.

Quando entrou na banheira quente, Elaine soltou um suspiro delongado.

Experimentou as dores do corpo cansado se esvaírem aos poucos, no compasso da nova onda de relaxamento a lhe dominar dos pés à cabeça.

Resfolegou-se na região mais funda da pequena piscina encíclica, que continha três anéis que serviam como degraus.

Com o cabelo preso na altura da nuca por um simples laço, só deixava as mechas laterais a tocarem o líquido turvo.

Pouco a pouco se habitou à temperatura e às reações que o contato causava a seus músculos.

A leveza adquirida naquele instante único a permitiu afundar um pouco mais, até ficar com a faixa d’água um pouco acima dos seios.

“Como será que estão o Gael e os outros?”, não deixava de pensar na situação dos companheiros, aqueles que tinham viajado para ficarem mais fortes.

Tampouco se arrependia de ter escolhido o caminho caseiro. Ela só tinha se apegado o suficiente para se preocupar demais com cada um.

Em princípio, o aliado de longa data, responsável por ajudá-la a encontrar alguma expectativa em si própria.

— Elaine? — A voz que veio abafada, de trás da porta, a desgarrou dos pensamentos. — Falei com minha irmã, Atena. Ela concordou em não lhe convocar para novas missões da corporação até que complete seu treinamento, como combinado. Está bem?

Um instante de silêncio se espalhou. As rápidas informações transmitidas pela Deusa da Lua ainda em processamento.

Virou o rosto na direção da estrutura de madeira, um pouco mais erguida na banheira.

— Sim — respondeu com a voz mais alta do que de costume.

Do outro lado, a genetriz sorriu.

— Tente relaxar bem e descansar para continuarmos amanhã. Você foi ótima hoje, minha filha.

— Sim... Obrigada... — Desviou o olhar com um sorriso tímido, voltando a se agachar na água vaporosa.

— Boa noite, Elaine.

Foram as palavras finais da deidade, que se distanciou pelo corredor de fora logo na sequência.

— Boa noite...

A resposta atrasada da garota não pôde ser escutada, em virtude disso.

Um pouco mais contraída, tornou a afogar o restante do tronco no banho, deixando a faixa d’água bater no queixo dessa vez.

As extremidades medianas do cabelo eram inundadas e ficavam curvas.

O rosto enrubescido pelo calor, dessa vez, acompanhava o regresso das memórias de semanas atrás.

Os olhos semicerrados aparentavam enxergar aquelas cenas outra vez.

Logo após o triunfo contra um dos Sete Grandes Monstros, a chegada dela.

Com uma das mãos apertada entre os seios, levou a outra a tatear o beiço inferior através dos dedos indicador e médio.

Ainda podia experimentar o gosto do inesperado beijo, recebido como um convite daquela que voltara dos mortos.

Você não faz ideia do quanto eu queria te ver de novo!

Suas palavras continuavam a ecoar nas paredes da consciência, trazendo-lhe cada vez mais pesar.

E desse pesar, angariava novas forças no intuito de seguir com o que havia prometido com si mesma.

“Bellzinha... eu vou...”

Conduzida pelas emoções que afloravam dentro do próprio âmago, Elaine, pela primeira vez, começava a olhar para frente.

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